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NORMA MARTINI MOESCH

Turismo: virtudes e pecados

Os primeiros estudiosos do fenômeno turístico já haviam pre nunciado que


esta notável atividade humana, característica do sécu lo vinte, nascera
com duas deformações básicas: concentrava-se ex cessivamente no
tempo e distribuía-se de modo pouco conveniente no espaço. Diziam que
pouco se sabia acerca da sua capacidade socioeconômica, dos seus
efeitos secundários, e fazer previsões so bre suas tendências futuras seria
no mínimo arriscado. O tempo pas sou, o fenômeno evoluiu e, cada vez
mais, especialistas dedicam seus esforços no sentido de tentar
dimensionar o alcance dessa fantástica mola propulsora de benefícios e
malefícios, tentando divisar os seus
limites.
Diríamos que o Turismo caracteriza-se por virtudes e pecados, cabendo à
sociedade discernir a linha que separa e une as duas cate gorias. Na
hipótese desse juízo de valor ser adequadamente estabe lecido, é possível
abstrair-se do Turismo amplas respostas a inúme ras demandas de nossas
comunidades, especialmente no que tange à geração de mais empregos,
maior produção de bens e serviços, me
lhor renda. Se, contrariamente, ocorrerem equívocos resultantes da
desinformação, carência de análise criteriosa, descaso administrativo ou
excesso de entusiasmo por parte dos novos agentes do processo em
questão, corre-se o risco de expor o núcleo receptor a uma das mais
perversas ações de sedução já registradas no cotidiano da histó
ria.
A atividade turística, quando enfatizada no discurso em busca de novos
adeptos, é sempre revestida de excepcional carisına. De um modo geral,
os seus propagadores, em função de políticas governa mentais ou em
busca de novas parcerias para viabilizar novos em preendimentos, tendem
a omitir as armadilhas e os engodos que o Turismo é capaz de reservar
aos menos avisados.
Conceituado como um sistema composto por um número ex pressivo de
variáveis interdependentes, é também sujeito de um subsistema ambiental
que estabelece decisiva subordinação sobre o seu desempenho.
Entendido como processo, o Turismo tem no ser humano o objeto central
de sua ação, e na satisfação psicossomática deste ser, os objetivos
norteadores desta ação.
A partir da satisfação psicossomática gerada é que se mensura o grau de
eficiência do fazer turístico; a través dos resultados sociais, econômicos e
financeiros apurados se avalia a eficácia dessa opera ção. Quando o
turista e o agente prestador de serviços demonstram bilateralmente o seu
contentamento ao fim de um determinado con trato social – que pode ser
traduzido por uma viagem, traslado, hos pedagem, uma refeição,
participação em um evento, acompanhamen to a passeios, ou outro -,
pode-se afirmar que o Turismo atingiu o seu ideal: tornar prazerosa e
lucrativa a relação entre visitantes e vi sitados, entre prestadores e
tomadores de serviços.
Para que essa harmonia de mercado seja plausível, entretanto, há vários
fatores restritivos interagindo, uns disponibilizados de for ma inconsciente,
outros de modo consciente, mas que, somados en tre si, impedem que o
Turismo se apresente com a performance de sejada. Diríamos que esses
fatores podem ser denominados os sete pecados capitais do Turismo.

OS SETE PECADOS DO TURISMO

O primeiro pecado que se pode imputar ao Turismo é a sua


característica estrutural. Fatores como tempo, espaço, volume e fragilidade
fundamentam a sua gênese. Apesar de toda a força do marketing na
determinação das motivações de viagens, o Turismo ainda utiliza o tempo
de forma pouco racional, e provoca congestionamento no espaço, base de
sua geração; extrapola em volume a cada nova projeção, invalidando
planos e programas; sua fragilidade diante da carga e dos impactos
provocados pela persecução da maximização de resultados torna-se cada
vez mais evidente, tendendo à antropofagia - estudiosos afirmam que o
Turismo matará o Turismo.
O segundo pecado diz respeito à dificuldade em conceituar, de
maneira clara e explícita, o que é o Turismo, como ele se vincula com as
demais ciências sociais, como se estabelecem as suas interfaces com
outras atividades inerentes à sociedade, como se alinha ao pro cesso
produtivo tradicional da economia, aos setores e aos fatores que
dinamizam essa economia; e, finalmente, como pode, na ponta de tal
processo, configurar-se como um produto intangível, só consumível – no
âmbito de todos os seus componentes – na base da sua geração. O que
equivale a dizer que se trata de um produto intransportável, calcado na
rigidez de sua fixação localizante, quase um paradoxo, se pensarmos que
Turismo é sinônimo de mobilidade.
O terceiro pecado do Turismo é que ele se propaga de modo
endêmico, tipo virótico, impedindo as necessárias medidas de prevenção
que poderiam garantir o controle de sua expansão. Especialmente quando
a revelação de potencialidades atrativas é midiaticamente efetuada por
ocasião da ocorrência de eventos esporádicos, em núcleos receptores de
modesta infraestrutura, a situação tende a se tornar extremamente
problemática. A partir do evento mal dimensionado, nada será como antes:
os especuladores, alheios aos valores ambientais locais, logo se somarão
aos nativos alienados, e desse consórcio se ressentiu a comunidade não
conscientizada dos riscos do Turismo imprevidente.
O quarto pecado do Turismo diz respeito à fábula do lobo escondido
na pele do cordeiro, ou seja, quando ele assume o enganoso papel de ator
responsável pela destruição das barreiras sociais - graças à sua
capacidade de aproximação entre todas as camadas da população -
reunindo ricos e pobres, velhos e jovens, brancos e pretos, etc.
É necessário que se analise com honestidade esta aproximação, e
que se avalie até onde ela não é movida meramente por relações de
interesse pragmático, do tipo contratante de bons serviços a preços
convenientes e contratado sujeito às circunstâncias, cena comum nos
balneários e estâncias turísticas.
O quinto pecado do Turismo trata da relação das trocas culturais
entre os povos, entre os visitantes e visitados. Trata, acima de tudo, da
superficialidade dessa relação, e como efetivamente ocorrem essas trocas;
quando os visitantes não compreendem que não há culturas superiores, ou
inferiores; que existem tão somente culturas, pluralizadas, e que
necessitam e merecem ser respeitadas, independente do seu grau de
primitivismo ou do seu avançado estágio globalizante.
O quinto pecado do Turismo está imbricado com as complexas
questões da educação e postura ética dos turistas frente ao meio
receptivo, e o direito ao respeito e dignidade dos nativos.
O sexto pecado do Turismo é representado pelo amplo grau de
infidelidade com que ele se comporta frente aos espaços conquistados. O
Turismo seduz, se apropria, desfruta e muito frequentemente abandona as
áreas conquistadas em favor de novas paisagens jovens, virgens,
perseguindo novos encantamentos, novas emoções. No seu rastro, deixa
marcas de perdas, nostalgia e desolação.
O sétimo pecado atém-se à irreverência de que se reveste o
Turismo. Uma irreverência que se descobre no discurso pronunciado a
partir do pseudoconhecimento do fenômeno turístico por parte dos
impostores que operam no setor, e pelos maus prestadores de serviços,
que propagam o adágio do preço máximo, defendendo a tese que o turista
só passa uma vez pelo núcleo receptivo e, portanto, pouco importa o seu
grau de descontentamento frente ao abuso praticado.

AS SETE VIRTUDES DO TURISMO

1°- Turismo estimulador de sonhos

O Turismo traduz a ideia básica de movimento. Um movimento que pode


ser direcionado para fora e para longe, ao mesmo tempo em que pode
voltar-se para dentro e para perto. O importante é que o Turismo incita à
preparação, à viagem, e nesse sentido mexe com expectativas,
insegurança, medo. O Turismo estimula a pessoa a sair de si, levantar
âncoras, abrir asas, soltar-se e deixar-se planar, espantando-se com a
própria leveza ...
E, como diz Joffre Dumazedier, “buscar uma forma nova de afirmação de
si mesmo", uma maneira de explodir positivamente, enfim, "perseguir ou
retomar cem vezes um sonho de infância ou juventude que a vida comum
teve de interromper”.
2° - Turismo, uma promissora atividade profissional

Milhares de novos empregos despontaram das diversas áreas de


serviços, e as instituições que se dedicam à formação de recursos
humanos terão sua responsabilidade redobrada, comprometidas em dotar
o novo homem de conhecimentos humanísticos, técnicos e científicos
capazes de dar conta de um cliente cada vez mais exigente, de um mer
cado a cada dia mais sofisticado. Trata-se de suprir as necessidades
deflagradas pela revolução silenciosa do final do século vinte.

3o – O Turismo: agente revigorador de áreas adormecidas

É mundialmente reconhecida a capacidade do Turismo em revigorar as


áreas adormecidas ou mortas para o bem-estar social e a dinamização da
economia. Através do Turismo, inúmeros fatores que tradicionalmente
carecem de maior significado no processo produtivo de bens e serviços
passam a se revestir de importância. Isso porque o Turismo utiliza áreas
físicas nem sempre favoráveis à agricultura, em virtude da existência de
obstáculos como pedreiras, cavernas, grutas, árvores centenárias,
canyons etc, dos quais tira amplo proveito. O mesmo se pode afirmar em
relação a prédios em desuso, equipamentos obsoletos, costumes
sepultados no tempo. O Turismo recicla tais elementos, incorpora homens
e meios a novos processos, estimula novos fazeres, gerando novas
ocupações, novos empregos.
Através das práticas artesanais, dos manufaturados, das pequenas
indústrias, dos produtos coloniais, o Turismo incrementa a produção,
promove o aumento da renda familiar, garante o comprometimento com
novos consumos qualitativos. O Turismo desperta aldeias e núcleos
ignorados, incorporando-os aos municípios e às regiões turísticas
privilegiadas.

4°- Turismo como um agente propagador de culturas


Turismo: 9 propostas para um saber-fazer
gem orientada e a excursão ecológica regrada são caminhos promisso res
para o resgate de um modelo educacional fragmentado e precário, que
poderá ser fortalecido através dos padrões de um turismo susten tável.
ator dessa experiência puder dividir suas emoções e suas lembranças com
outras pessoas, repassar parte do seu entusiasmo, das curiosidades e dos
impactos emocionais sentidos neste contato para o círculo de amigos e
conhecidos, recomendando-lhes uma aproximação com o ob jeto do seu
encantamento. E é assim, pela comunicação direta, boca-a boca, como
afirma o povo, que o Turismo cumpre a sua função de agente propagador
da cultura.
6° -
Turismo como balizador de integração regional

5° - O Turismo como preservador do meio ambiente

Contrariamente ao que algumas pessoas tentam sustentar, o Tu rismo não


é necessariamente um agente comprometedor do meio am biente, um
predador de patrimônios – natural e histórico-cultural. Há inúmeros locais
no mundo onde não existe Turismo, nem turistas; entretanto, esses
ambientes apresentam altíssimo nível de poluição - no ar, no mar, nos
espaços de uso público, nas cidades e nos seus entornos.
Ao incriminar o Turismo por uma culpabilidade no mínimo dis cutível, é
importante lembrar que todo turista, quando chega a um determinado
lugar, é portador de uma bagagem invisível, a que cha mamos bagagem
de cidadania ou bagagem cidadā.
Se esse viajante, em sua vida infantil e adulta, foi contemplado com os
direitos que lhe confere a sua condição de ser social, é muito provável que
o seu comportamento frente ao meio ambiente estranho nada deixe a
recriminar. Cidadão na essência do termo, tem postura digna de visitante,
respeita as normas vigentes e é respeitado pelos visitados.
Contrariamente, se desde os princípios básicos da educação, todos os
demais benefícios e direitos lhe foram amputados, inclusive a noção de
respeito à propriedade alheia, certamente teremos diante dos olhos a mão
que arranca a flor, a lata descartável arremessada à calça da, o coração
flechado gravado sinuosamente no tronco da árvore, o fogo no
acampamento improvisado provocando sinistro, o habitat sil vestre
perturbado, e outros tantos danos.
É preciso que se leve em conta que o passeio monitorado, a via
É curiosa a forma como o Turismo, essa atividade humana que tem na
fronteira uma das pilastras de sua sustentação teórica, é capaz de diluir
divisores físicos, limites políticos e superar bandeiras parti dárias. Quando
um município, numa determinada zona geográfica, descobre sua vocação
para o Turismo, acata e investe nessa vocação, inconscientemente está
acionando uma alavanca simbólica, respon sável por um novo processo de
desenvolvimento integrado.
Organizados todos os elementos, os fatores e os setores desse processo
produtivo; definidos os seus agentes, estabelecidos os seus objetivos e
metas, e acionadas as estratégias promocionais, assistimos com
entusiasmo a reação do mercado frente ao novo produto posto em cena.
Percorridas todas as fases necessárias ao aprimoramento da nova oferta
de bens e serviços, chega-se à fase do transbordo, do mo mento em que
os efeitos secundários do processo de maturação do produto turístico se
instauram sobre as cidades vizinhas. É no espelhamento de iniciativas
bem sucedidas que novas comunidades encontram estímulos para
engajar-se na corrida turística, em que com petem vencedores e também
perdedores, é certo, mas acima de tudo competidores, carregados de
signos e auto-estima.
As regiões turísticas são misteriosas áreas geográficas dotadas de
características similares aparentes, e de muitas diferenças intrín secas
capazes de surpreender àqueles que se dedicarem a desvendar os seus
segredos. Os atrativos mapeados para o desfrute turístico nem sempre
indicam os caminhos dos verdadeiros tesouros guarda dos pela região
turística.
Dizem que é preciso procurá-los com o coração para encontrá los.

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TURISMO: VIRTUDES E PECADOS
NORMA MARTINI MOESH
Turismo: 9 propostas para um saber-fazer

7° -
Turismo como tempo/espaço para o encontro

O ser humano é lúdico, nascido do encontro, para o encontro,


independente do grau de profundidade desse encontro. Nesse sentido, o
Turismo apresenta-se como espaço ideal para o exercício da aproxi mação
interpessoal, intergrupal, transsocial. A qualidade do encontro está
diretamente relacionada ao grau de interesse e abertura que se dis põe
para os novos conhecimentos, os novos relacionamentos.
Em certas circunstâncias, o Turismo não consegue alcançar a sua
condição de promotor de encontros porque muitas pessoas, temerosas de
se dar a conhecer a algum “chato' eventual, tendem a se isolar, im pondo
resistência à apresentações e à entabulação de uma conversação que
poderia resultar em agradável relacionamento futuro.
Impedir que pessoas manifestem sua atenção, seu interesse e até certa
curiosidade em relação a outras é contrariar frontalmente a lógica do
Turismo, a atração que o diferente exerce sobre os distintos povos que
compõem o universo do Turismo. Não arriscar-se a tal proximida de é
desperdiçar oportunidades preciosas de penetrar no mundo mági co da
pluralidade cultural, é negar-se à alteralidade que tanto enriquece, é deixar
de considerar que “todo estranho é um amigo que ainda não se conhece”,
é esquecer que o Turismo pode ser também uma opção para o
crescimento pessoal.

NORMA MARTINI MOESCH - Mestre em Comunicação. Professora do


Curso Superior de Turis
mo da FAMECOS/PUCRS e da Universidade de Caxias do Sul, no
graduação e pós-graduação. Consultora em planejamento e
desenvolvimento turístico.
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TURISMO: VIRTUDES E PECADOS

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