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RESUMO:
Desde 2004, até os dias de hoje, as políticas urbanas de Medellín-Colômbia, têm se
destacado, até mesmo internacionalmente, como responsáveis por uma rápida
“transformação urbana”, especialmente aquelas realizadas nos bairros populares. Um
dos resultados desta transformação é o posicionamento da cidade como atrativo
turístico, fortalecido por normas e a criação de novas entidades promovidas pelo
governo local.
Busca-se analisar a incidência do turismo no cotidiano daqueles que moram no bairro
Las Independencias, localizado na comuna 13 de Medellín, a partir da apropriação
social, econômica e cultural dos seus espaços públicos pelas práticas de turismo e pelos
atores que fazem parte deste fenômeno. Dentro desse processo, Las Independencias
apresenta-se como um dos bairros mais impactados pela política urbana e, atualmente,
recebe grande quantidade de turistas locais e estrangeiros que visitam a cidade.
A partir da configuração do bairro como atrativo turístico têm se colocado em jogo
identidades e memórias locais, gerando novas disputas e controvérsias na apropriação
do espaço público por diferentes atores sociais.
Palavras-chave: apropriação espaço público, política urbana Medellín, turismo de
bairro popular.
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Trabalho apresentado na 31ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 09 e 12 de
dezembro de 2018, Brasília/DF.
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diferentes práticas de turismo surgem como estratégia para o desenvolvimento
econômico, através da captação de recursos a partir do fluxo de visitantes. Porém, já no
século XXI, o papel do turismo amplia-se, indo além das perspectivas apenas
econômicas.
Segundo Silveira e Medaglia (2006), a alteração dos períodos de trabalho e de
lazer representou uma mudança significativa na estrutura de poder da sociedade e, por
conseguinte, nas viagens. Magalhães (2006) afirma que, sem o proletariado, não seria
possível a constituição de uma sociedade de consumo e, consequentemente, do turismo.
Antes não havia divisão entre “tempo de trabalho” e “tempo livre” e, mesmo que
houvesse, este último não era destinado a todos. “É a divisão do trabalho capitalista,
aliado às novas tecnologias então desenvolvidas, que dará condições para o surgimento
desta prática [do turismo], seu desenvolvimento e consolidação” (MAGALHÃES, 2006,
p. 4-5).
Porém, numa escala local, o turismo pode gerar preocupações que suplantam as
sedutoras cifras associadas ao “crescimento econômico”. Trata-se dos impactos
advindos de suas práticas. Segundo as teorias do turismo, toda atividade turística gera
impactos, que são definidos como “mudanças” que podem abranger tanto o destino
escolhido, quanto o de origem, chegando até mesmo a afetar os próprios turistas
(LOHAMNN e NETTO, 2006, p. 206). Comumente, os impactos do turismo aparecem,
na literatura especializada e no senso comum, polarizados entre “positivos” e
“negativos”, mesmo que seus estudos mais aprofundados demonstrem que trata-se de
algo muito mais complexo. Geralmente, em análises teóricas, os principais impactos
destacados são os econômicos, os ambientais e os socioculturais. Porém, pode-se
alargar essa perspectiva incluindo impactos políticos e psicológicos.
Podemos considerar a apropriação de espaços públicos como um dos impactos
gerados pela atividade turística. Esta apropriação pode ter diferentes origens: pode ser
causada pelos próprios turistas, na geração de uma mobilidade descontrolada ou
indevidamente planejada ou pela população local, pelo interesse em algum benefício
econômico advindo do fluxo e visitantes. Esse fenômeno pode levar ao surgimento de
um comércio com foco na gastronomia e na venda de produtos, como souvenirs, em
atividades de lazer voltadas para o turista e em tours oferecidos aos interessados. Esta
apropriação de espaços a partir de práticas de turismo seguramente afeta moradores
locais que podem passar a apresentar movimentos de resistência e revolta ou de
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resignação e simpatia. Neste último caso, inclusive, contribuindo, eles mesmos, para a
apropriação dos espaços públicos em busca dos benefícios econômicos.
A apropriação dos espaços promovida por práticas de turismo pode ser
observada, por exemplo, no bairro popular Las Independencias pertencente à comuna
13 de Medellín-Colômbia. Este bairro foi o segundo a sofrer intervenção de políticas
urbanas que, desde 2004, são promovidas na cidade. Projetos de mobilidade urbana
como escadas rolantes elétricas (escaleras eléctricas) e de construção de equipamentos
e espaços públicos incentivaram, rapidamente, práticas de turismo. A isso se somam
grandes projetos de embelezamento, como por exemplo, o desenho colorido dos tetos
das moradias e a criação de murais e grafites realizados pela comunidade em associação
com a administração pública e a empresa privada. A partir deste ponto, a política
urbana, então, permitiu e motivou o aparecimento desse novo ator em bairros populares
de Medellín como Las Independencias e de novas formas de apropriação do espaço
público derivadas das práticas de turismo (SÁNCHEZ, 2017). Práticas que
transformaram o cotidiano dos habitantes locais e que ocorrem, muitas vezes,
silenciosamente já que a preocupação dos moradores tem foco nos benefícios
econômicos que a atividade turística lhes proporciona.
Podemos considerar o turismo como um fenômeno social, econômico e cultural,
que ocorre espontaneamente ou de forma planejada. O planejamento do fenômeno
turístico pode, inclusive, induzir à geração de um fluxo de visitantes. Quando
espontâneo, é desejável um planejamento e ordenamento das diferentes dinâmicas
geradas pelo fluxo de visitantes – a turistificação –, especialmente através de políticas
públicas, objetivando a minimização dos impactos negativos e a proteção da
comunidade local, buscando torná-la protagonista do processo e, assim, construindo
bases para um turismo comunitário. Ao se instalar o fenômeno turístico em determinada
localidade, podemos considerar que os espaços de interesse deste fenômeno, se tornam
espaços turísticos.
Assim, no âmbito local, o turismo, ao construir espaços turísticos, gera
mudanças que podem levar, inclusive, a relacionamentos conflituosos entre moradores
ou entre moradores e turistas. Outra preocupação é com a forma de participação da
população local nas práticas de turismo realizadas em seus territórios, especialmente
quando estas práticas se desenvolvem em espaços ocupados por uma população
vulnerável, de baixa renda.
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O presente artigo utiliza como métodos principais a revisão bibliográfica,
observação participante, registros fotográficos, diário de campo e experiências de
pesquisa realizadas com grupos das universidades UdeA (Universidade de Antioquia) e
UNIRIO (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro).
Como foi dito, as bases estruturais do turismo moderno, ou seja, o que
entendemos hoje como “turismo” surge ao final do século XVIII e se consolida no
século XIX. Porém, os primeiros estudos acadêmicos do turismo só aparecem em
princípios do século XX. A partir de então, diferentes estudiosos, de diferentes áreas de
conhecimento, se debruçam sobre o tema, buscando elaborar, até os dias de hoje,
definições, limites e teorias para a compreensão do que se passou a chamar “fenômeno
turístico”.
Quando o turismo passou a ser visto como um fato social, tornou-se um
importante objeto de estudos das Ciências Sociais. Os antropólogos Naomi Leite e
Nelson Graburn (2009), em duas extensas antologias ao estudo do turismo, defendem
que este passou a ser entendido como:
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agradáveis e salutares, diferentes daquelas do seu dia a dia, se apropria de alguns
trechos privilegiados do espaço” (FRATUCCI, 2008, p. 68 e 69). Desta forma, estes
espaços, que se tornam “turísticos”, são, por sua vez, posteriormente apropriados por
agentes do mercado, através de um reordenamento do solo.
Ainda dentro dessa perspectiva, este espaço tornado turístico, irá se decompor
em dois outros tipos de espaço: o “espaço do turista” e o “espaço do turismo” que,
apesar de ocuparem o mesmo espaço físico, desempenham funções diferentes: o
“espaço do turista” pode ser definido como o espaço da fruição e consumo do lazer,
enquanto o “espaço do turismo” é o da produção e trabalho daqueles envolvidos com as
dinâmicas da atividade e das práticas do turismo (COSTA e FERREIRA, 2016).
Knafou observa que esta apropriação do espaço se daria em partes do território
que apresentam elementos – naturais ou culturais – capazes de gerar interesse e fluxos
turísticos temporais. Enquanto o turista se interessa pelos atrativos naturais, culturais ou
artificialmente construídos, os comerciantes e agentes vinculados diretamente ao
interesse dos benefícios econômicos através destas práticas vão buscar espaços
privilegiados para a exposição e venda de seus produtos. Seja em caminhos comumente
percorridos pelos turistas, no entorno dos principais atrativos ou nos trechos próximos à
entrada ou saída dos visitantes. Estes interesses vão resultar em diferentes formas de
associação e cooperação ou de conflito e disputa; de hospitalidades e de hostilidades
(abertas ou veladas).
Na observação do espaço territorial e naquele apropriado pelo turismo, podemos
encontrar contradições da sociedade que os conforma. Múltiplas práticas sociais
aparecem e agentes sociais heterogêneos, com intencionalidades diversas, são
estabelecidos. Deste ponto de vista, o turismo pode ser visto, também, como prática
espacial que requer seu espaço turístico “reorganize as materialidades (a infraestrutura)
e os espaços mentais (representações do espaço) a fim de se preparar para a atividade”
(BUSTAMENTE, 2016, p.46). Para Lefrebvre (2013) “a prática espacial de uma
sociedade secreta seu espaço; ela o postula e o supõe em uma relação dialética, o produz
lenta e serenamente, dominando-a e apropriando-se dele” (p.67). Como se pode notar, o
turismo, considerado como prática espacial se converte em um produtor de espaço, e
disso derivam conflitos com os espaços já existentes, devido ao fato de que nenhuma
prática de turismo se dá em um espaço desprovido de vida e dinâmicas sociais (DA
CRUZ, 2009).
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O turista, como um novo ator nas dinâmicas sociais por onde passa, incide na
apropriação e na reprodução do espaço urbano, gerando um novo cotidiano que, pouco a
pouco, modifica relações materiais e simbólicas dos sujeitos com ele mesmo. Hiernaux
e Rodríguez (1991) afirmam que a atividade turística transforma e apropria de forma
diferente o território onde ocorre, desencadeando conflitos.
Para Vera (2013), deve-se levar em conta que um espaço não é ontologicamente
turístico. Torna-se “turístico” por constituir objeto de interesse para o turismo. É a
percepção e o interesse do turista sobre o espaço, que valida seus recursos, sua
população e seus elementos como “de interesse turístico”. Esta validação provém de
uma observação simbólica; de um simbolismo social outorgado por seus consumidores.
Considera-se importante que a crescente diversidade e pluralismo da cultura
contemporânea vêm fazendo com que os centros turísticos convencionais e tradicionais
não sejam necessariamente, atualmente, os únicos lugares de produção de uma
simbologia significativa em termos de recreação e turismo (VERA, 2013, p.195).
Turistas considerados pós-modernos ou hipermodernos vêm buscando destinos
alternativos para práticas do turismo, como, por exemplo, favelas e bairros populares.
Quanto à relação entre visitantes e visitados, uma das primeiras referências é o
livro organizado por Valene Smith (1989). O sociólogo britânico John Urry afirma que
as primeiras formulações sobre o turismo, feita por sociólogos e antropólogos foi a
análise do historiador norte-americano Daniel Boorstin. Seus escritos remontam a uma
época (década de 1960) em que o turismo de massa, organizado na forma de pacotes e
vendidos por agências de viagem nos Estados Unidos, estava em seu apogeu. Boorstin
(apud Urry, 2001) considera a atividade turística como a promoção e o consumo de
“pseudo-acontecimentos”. É defensor da teoria de que o turista de massas encontraria
prazer em atrativos inventados, repositórios de pouca autenticidade, dificilmente tendo
em conta o mundo “real” das localidades visitadas. Em conseqüência, os promotores do
turismo e as populações locais, seriam desta forma, induzidos a produzir exibições
encenadas, afastando, ainda mais, o visitante da realidade local. É Boorstin que vai
cunhar a teoria da “bolha ambiental” na qual o turista estaria imerso em seus tours
guiados, que o protege e o afasta de um espaço diferente daquele que estaria
acostumado (URRY, 2001, p.23).
Contribuindo para algumas das ideias de Boorstin, Dean MacCannell, outro
estudioso das práticas de turismo, acredita que as “vidas reais” dos visitados só podem
ser encontradas nos bastidores, que não são imediatamente evidentes. Para ele, o olhar
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do turista implicaria numa invasão óbvia na vida as pessoas, o que seria inaceitável. Por
isso, tanto a população local quanto os promotores do turismo, passariam a construir
cenários para receber os turistas de maneira artificial. Estes espaços turísticos seriam
construídos e organizados em torno de uma “autenticidade encenada”, não somente para
que a população se proteja da invasão de suas vidas, como para levar vantagem das
oportunidades que o fluxo turístico representa, revertido em benefícios econômicos
(MacCANNEL, 1976).
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para diferentes práticas de turismo (eventos internacionais políticos, acadêmicos, de
negócio, de saúde), crescendo de maneira exponencial. Nos últimos anos, o turismo
aumentou consideravelmente: em 2015 cresceu 34%, situando-se acima da média
nacional de 16% e da média mundial de 4% (RCN, 2016). Atualmente, alguns bairros
populares da cidade – especialmente os que receberam projetos inovadores de espaço
público e mobilidade – receberam atenção dos turistas.
O turismo se tornou protagonista no planejamento do desenvolvimento da
cidade, tomado como um fator positivo para o seu crescimento econômico. Esta
afirmativa pode ser constatada na análise dos planos de desenvolvimento formulados
pelos diferentes governos, desde 1995 até os dias de hoje. Primeiramente observa-se
uma ênfase na postulação de uma política de internacionalização que levou ao
reconhecimento a escala mundial da cidade, fazendola atrativa para o investimento, a
cooperação e ao crescimento do turismo. Adicionado a isso, se implementaram modelos
urbanos baseados em cidades como Barcelona e Bilbao que, a partir de grandes obras de
infraestrutura urbana e de marketing, atraíram grande quantidade de turistas nas décadas
de 1980 e 1990, sendo referentes obrigatórios para cidades com interesse em usar a
arquitetura no desenvolvimento de sua imagem e competitividade (SÁNCHEZ, 2017).
A comuna 132 é um território onde a precariedade urbana é um denominador
comum para cada um de seus bairros. Seu processo de formação remonta a década de
1950, quando a cidade recebeu uma população desalojada do campo pela violência
política assim como migrantes em busca de melhores oportunidades, em direção a uma
cidade que estava no seu auge industrial. Nesse período, a parte da cidade que hoje é a
comuna 13, foi sendo povoada através de loteamento e ocupação ilegal de camponeses
(Alcaldía de Medellín, 2015). Este processo de formação teve como conseqüência o
aprofundamento de problemas urbanos como a precariedade da moradia, do saneamento
ambiental, dos serviços públicos domiciliares, do transporte e dos equipamentos e
espaços públicos.
Somado a estes problemas, a comuna 13 foi uma das que sofreram com conflitos
armados. Nela se fizeram presentes grupos guerrilheiros e paramilitares que a
converteram em um nicho de violência e cenário de fortes confrontos. Na década de
2000, foi vítima de operações militares estatais, entre as quais se destaca a operação
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Medellín é dividida em termos políticos e administrativos em seis zonas (urbana) e cinco corregimientos
(rural). Cada zona agrupa comunas que, por sua vez, agrupam bairros. A comuna 13 está localizada na
zona centro-ocidental da cidade, e o bairro Las Independencias, é um dos 21 bairros, aproximadamente,
que possui a comuna 13.
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Órion e a operação Mariscal. Em 2002, ano destas operações militares, de acordo com
os dados da Corporación Jurídica Libertad, houve 75 mortos, aproximadamente 100
desaparecimentos, e mais de 2.000 despejadas (El TIEMPO, 2017).3
Todos estes problemas históricos levaram à escolha, pelo governo local, da
comuna 13 como a segunda zona de intervenção urbana4. Entre 2008 e 2011 foi
implementado o Projeto Urbano Integral-PUI seguindo o enfoque do Urbanismo Social.
As intervenções construíram obras de equipamento e espaço público (parques, praças
poliesportivas, corredores urbanos), assim como de mobilidade urbana (um teleférico
como meio de transporte de massa - o metrocable) e escadas rolantes elétricas
(escaleras eléctricas), obras de saneamento ambiental e outras relacionadas à segurança
e convívio. O bairro Las Independencias foi um dos mais impactados por essas
intervenções, e se converteu em ícone de transformação da cidade. Hoje em dia, se
apresenta como o bairro popular mais avançado em desenvolvimento e crescimento de
dinâmicas sociais, culturais, econômicas e políticas, associadas à atividade turística. Em
trabalho de campo recente, foram identificadas as seguintes dinâmicas voltadas para o
turismo:
A atividade turística neste território atingiu seu auge com a inauguração das
escadas rolantes elétricas, seguido do embelezamento do espaço público com
3
Operación Orión: 15 años de impunidad. Disponível em:
https://www.eltiempo.com/colombia/medellin/operacion-orion-15-anos-de-impunidad-141518. Acesso
em 28 de outubro de 2018
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A primeira zona a sofrer intervenção foi a nordeste (comunas 1 e 2) entre 2004 e 2007.
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projetos como “Medellín se pinta de vida 5”. Tudo isto construído com pelo poder
público, cofinanciado pela empresa privada, e contando com a ajuda de agentes
comunitários da comuna.
Numa publicação lançada como marco desse projeto, um morador da comuna
13 diz:
Toda essa mudança foi muito importante. Agora temos a visita de muitos
turistas que sobem e que vêem como mudou o bairro. Nossa cultura cidadã
também mudou muito, antes todo mundo jogava lixo, agora queremos que
todos nos vejam organizados, que já não vejam as passagens com sujeira
(Alcadía de Medellín, s.f. tradução nossa).
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Pintura de fachada de casas e criação de murais artísticos (Alcadía de Medellín, s.f.).
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No Brasil, este tipo de turismo encontra paralelo e grande similaridade no Turismo de Favela, praticado
especialmente nas favelas da zona Sul do Rio de Janeiro.
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movimento dialético, pois não se pode analisar a produção do espaço de forma
unidirecional, mas sim como constituído por inúmeras arestas.
Com base nessa premissa, defende-se que o turista reproduz o espaço urbano,
pois é um novo ator que introduz novas práticas no bairro popular visitado. Um
elemento onde se pode identificar tal afirmação e no comércio crescente do bairro,
especialmente aquele voltado para atender o turista, gerando usos dos espaços públicos
construídos pela política urbana. O turismo ativa a economia local formal e informal
(SÁNCHEZ, 2017), e este privatiza o público, usufruindo do espaço público como um
bem individual. Utiliza plataformas construídas como bem coletivo, para o desfrute de
todos, objetivando tirar vantagens das práticas de turismo estabelecidas; gerar
benefícios individuais como a exibição de suvenires, produtos locais, alimentos,
bebidas, e outros que sejam de interesse para o turista.
Figura 01: A imagem mostra a apropriação do espaço público pelo comércio voltado para o turista. O
espaço que antes era público é apropriado para o bem individual. Fonte: Christian Álvarez (2018).
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comércio, obriga o dono do estabelecimento a se apropriar de grandes trechos de
calçadas e ruas.
Esse fenômeno muda de maneira radical o modo de morar e transitar dos
moradores que precisam não somente enfrentar suas vicissitudes da vida cotidiana, mas
também os obstáculos que trazem a aglomeração de novos indivíduos em seu bairro,
como, por exemplo, veículos (carros e motos) estacionados nas calçadas de pedestres,
obstruindo o trânsito, o crescimento do barulho pela quantidade das pessoas que visitam
o local e o aumento de empreendimentos como bares e coffee shops. Isso permite
observar uma disputa, marcada pelo uso que o morador dá a seu espaço e às práticas
associadas ao turismo. Quem mora no bairro, por vezes reclama do estar e do transitar
pelas calçadas, ruas e becos que historicamente lhes pertenciam como moradores de
origem. São os espaços que o turismo, então, se apropria, reorganiza, construindo novos
usos em função das necessidades de sua atividade.
O turismo no bairro Las Independencias, desta forma, gera uma inter-relação
financeira, pois, é principalmente desse tipo de atividade que se capta o benefício
econômico, enquanto outros aspectos são deixados de lado.
Figura 02: Cobertura das escadarias rolantes elétricas (laranja) e comércio voltado para atender ao turista,
apropriando-se do espaço público. Ao lado do toldo, a parte de baixo de uma casa se transforma em ponto
de venda de comidas e bebidas. Fonte: Luiz Alexandre Mees (2018).
Figura 03: Performance de dança por moradores locais disputando a atenção dos turistas. Nota-se na
fotografia, a apropriação do espaço público. Fonte: Luiz Alexandre Mees (2018).
Como já foi dito, depois da inauguração das escadas rolantes elétricas, o turismo
entrou em ascensão nessa zona da cidade que, apesar dos projetos de infraestrutura e de
inovação social, amplamente difundidos, também permitiu, através de alianças público-
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Entrevista realizada com um morador do bairro, por Liliana Sánchez em 04 de outubro de 2018.
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privado e das representações comunitárias, a promoção de projetos como “Medellín se
pinta de vida”. Esse setor foi e continua sendo, um dos espaços que recebe mais
intervenção por parte das organizações sociais como a criação de grafites, que não
somente embelezam o bairro, mas que também são responsáveis por contar histórias de
acontecimentos importantes ocorridos no bairro e na comuna: principalmente os do
conflito armado.
Os grafites se transformaram em um grande atrativo para os turistas,
especialmente estrangeiros, que visitam o bairro em busca de uma experiência diferente
do seu cotidiano (URRY, 2001). Essa experiência acontece na visita a este bairro
popular e na contemplação da sua estética.
Os tours realizados para a observação desses grafites são tomados aqui como
uma apropriação social, pois aparecem como a expressão mais concreta de uma prática
espacial associada ao turismo. Estes tours se aproveitam das intervenções construídas
pela política urbana que, em seu discurso, propõe que os espaços sejam aproveitados
para o encontro social e o exercício da cidadania. Contudo, as ações e estratégias para
dinamizar sua apropriação acabaram associadas a práticas do turismo.
A comuna 13 conta no ano 2018, com nove organizações dedicadas à atividade
turística, às quais são compostas por moradores que participam de trabalhos
comunitários ou que veem no turismo uma oportunidade de se organizar e tirar proveito
desse novo fenômeno.
Todas essas organizações usam como principal atrativo as escadas rolantes
elétricas, que é um projeto inovador de mobilidade urbana, e os grafites que retratam a
história e a memória do bairro e da comuna. Além disso, se apropriam das intervenções
urbanas realizadas pela administração pública para a realização dos tours.
Um dos mais conhecidos é o Graffitour dirigido por uma organização chamada
Casa Kolacho. Este é um dos tours mais antigos da comuna, visto que muitos dos
grafites pintados ali, pertencem a esta organização. Inicialmente eram oferecidos
roteiros de reconhecimento da comuna, que eram realizados principalmente com a
participação de atores acadêmicos e sociais da cidade. Hoje em dia, porém, os tours
Graffitour só passam pelo setor das escadas rolantes elétricas e, ali, resgatam diferentes
histórias contadas pelos grafites, destacando a das operações militares, as mensagens de
paz e de transformação.
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Figura 04: Um dos representantes da Casa Kolacho realizando um tour com um grupo de turistas. Atrás,
um dos famosos grafites do bairro, próximos às escadas rolantes elétricas. Fonte: Luiz Alexandre Mees
(2016).
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urbanização (SIGAUD, 2016, p.134). Porém, o modo como se trata a relação entre
interior e exterior é que revela a invenção de novas continuidades. O espaço público
pode ser anexado, apropriado e, finalmente, legitimado como de uso privado. As formas
de apropriação do espaço podem ter variados significados: podem ser não-programadas,
formas de resistência ou de privatização de um espaço público.
Como corolário
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dinâmica urbana popular. As disputas tomam dimensão material na apropriação dos
espaços públicos que revela a captura dos benefícios da intervenção por interesses
individuais.
Neste sentido, a grande controvérsia tem a ver com a construção de novos
espaços e equipamentos públicos que criam oportunidades para a população local, que
rapidamente são capturadas para benefício particular. Ou seja, a produção de espaços
públicos acabou readequando o cotidiano a interesses individuais, e não está
necessariamente relacionada a benefícios coletivos. Produto das novas formas de
apropriação dos espaços públicos do bairro Las Independencias, emerge a preocupação
pela degradação da memória e identidade enquanto ganha significado como vitrine de
cidade modelo.
BIBLIOGRAFIA:
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nacional de turismo brasileira. IV Seminário de Pesquisa em Turismo do
MERCOSUL (Semin TUR). Caxias do Sul, 07 a 08 de julho de 2006.
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