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Universidade Federal do Oeste do Pará

Curso de Licenciatura em Letras


Literatura Brasileira III

“O Rio civiliza-se!”

Olavo Bilac:

No aluir das paredes, no ruir das pedras, no esfarelar do barro, havia um longo
gemido. Era o gemido soturno e lamentoso do Passado, do Atraso, do Opóbrio. A
cidade colonial, imunda, retrograda, emperrada nas suas velhas tradições, estava
soluçando no soluçar daqueles apodrecidos materiais que desabavam. Mas o hino
claro das picaretas abafava esse processo protesto impotente. Com alegria que
contavam elas – as picaretas regeneradoras! E como as almas dos que estavam ali
compreendiam bem o que elas diziam, no seu chamado incessante e rítmico,
celebrando a vitória da higiene, do bom gosto e da arte.
(Revista Kosmos, mar. 1904)

João do Rio
Uma nova estética surge, a estética do milagre animador. A natureza é outra, utilizada
pelo homem, vista na corrida dos automóveis. A vida das cidades tem esse frenesi de
saber, esse desespero orgiástico do domínio, de audácia, de energia cerebral. O
homem é outro com os instintos aguçados e os sentimentos duplicados. A mulher é
ainda mais mulher... A paisagem com a vegetação dos canos das usinas, as sombras
fugitivas dos aeroplanos e a disparada dos automóveis, os oceanos sulcados
rapidamente, desventurados pelos submarinos, as chamas que esses ambientes novos
dão às cidades cortadas de aço, cachoeirando por cima, por baixo, em borbotões, as
multidões apressadas, as exibições do luxo, a nevrose do reclamo em iluminação de
mágica, os negócios, o caráter, as paixões, os costumes, em que os sentimento das
distancias desaparece, o crescente esmagamento do inútil.

*********
O homem cinematográfico acorda pela manhã desejando acabar com várias coisas e
deita-se à noite pretendendo acabar com tantas outras. É impossível falar com
qualquer ser vivo sem ter a sensação esquisita de que ele vai acabar com alguma
coisa... A pressa de acabar! Mas é uma forma de histeria difusa! Espalhou-se em toda
a multidão. Há nos simples, nos humildes, nos mourejadores diários; há nos inúteis,
há nos fúteis, há nos profissionais da coquetterie, há em todos esse delírio
lamentável. Qual é o fito principal de todos nós! Acabar depressa! O homem
cinematográfico resolveu a suprema insanidade: encher o tempo, atropelar o tempo,
abarrotar o tempo, paralisar o tempo para chegar antes deles!
O capoeira

— Qué apanhá sordado?

— O quê?

— Qué apanhá?

Pernas e cabeças na calçada.

Oswald de Andrade.

BOI MORTO

Como em turvas águas de enchente,


Me sinto a meio submergido
Entre destroços do presente
Dividido, subdividido,
Onde rola, enorme, o boi morto.

Boi morto, boi morto, boi morto.

Árvores da paisagem calma,


Convosco – altas, tão marginais! –
Fica a alma, a atônita alma,
Atônita para jamais.
Que o corpo, esse vai com o boi morto.

Boi morto, boi morto, boi morto.

Boi morto, boi descomedido,


Boi espantosamente, boi
Morto, sem forma ou sentido
Ou significado. O que foi
Ninguém sabe. Agora é boi morto.

Boi morto, boi morto, boi morto!

Manuel Bandeira. (Opus 10)

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