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UNIVERSIDADE FEDERAL

DO RIO GRANDE DO SUL

LORENZO KRUMENAUER CAPUANO

AVALIAÇÃO 1

Porto Alegre
2022
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
Literatura Brasileira A - TURMA A - 2022/1
Prof. Gínia Maria Gomes
Lorenzo Krumenauer Capuano

1-
Com Caminha, a percepção da carta parte da perspectiva do civilizador, mas de um
civilizador que se maravilha com a ingenuidade e inocência do indígena, configurando a
crença no "Mito do Bom Selvagem "de Rousseau, sempre tratando o indígena como um ser
maravilhoso, exótico, como ele mesmo descreve da seguinte forma na carta:
“Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos,
e suas setas. Vinham todos rijamente em direção ao batel. E Nicolau Coelho lhes fez sinal
que pousassem os arcos. E eles os depuseram.”
“A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem
feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixa de
encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência.
Ambos traziam o beiço de baixo furado e metido nele um osso verdadeiro, de comprimento de
uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como um furador.
Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é
feita a modo de roque de xadrez. E trazem-no ali encaixado de sorte que não os magoa, nem
lhes põe estorvo no falar, nem no comer e beber.”
Ao mesmo tempo, esses trechos nos mostram que os portugueses trouxeram padrões de beleza
eurocêntricos e, uma ideia de cultura e sociedade totalmente diferente da qual os indígenas
possuíam.
Caminha nos descreve diversas vezes como era a relação entre esses dois povos com culturas
totalmente diferentes, em uma das vezes, ele conta como os indígenas não conseguiam
conceber a ideia de como os portugueses tomavam vinho e aguentavam tal sabor, e, por sua
vez, os portugueses não entendiam como os indígenas conseguiam ficar com tais adereços
pendurados em seus lábios, sendo um choque para ambos os povos.
A carta também nos traz o desejo mais simples dos povos europeus da época: o desejo de
colonizar, espalhar sua cultura e sua religião para outros povos, que, por sua vez, são
considerados "atrasados" aos olhos dos colonizadores.
Enquanto em "Viagem à terra do Brasil" Léry nos mostra uma outra visão, um outro caminho
para ver os povos indígenas na época, ao em vez de trata-los como um ser exótico,
maravilhoso e quase místico, Léry tenta aproximar o indígena ao europeu, reconhecendo e
compreendendo que os mesmos possuíam uma cultura e uma realidade totalmente diferente
dos europeus.
"O indígena, no relato de Léry, é visto ambiguamente. As crueldades que o
nativo comete não podem ser encaradas como barbárie. As guerras religiosas
na Europa do século XVI são exemplos de atos tão ou mais cruéis do que
aqueles que os indígenas praticam. Entretanto, este aspecto não tira do
indígena sua condição de inferioridade em relação a outros povos. Estas
ambiguidades no relato de Léry evidenciam a transitoriedade entre dois
mundos: o medieval e o moderno."
PIRES, Frederico, Viagem à Terra do Brasil: Jean de Léry: entre a medievalidade e a modernidade,
Caminhando, São Paulo, v.8, p.89-112, 2003, disponível em
https://www.metodista.br/revistas/revistas-metodista/index.php/Caminhando/article/view/1461

Na obra de Léry, podemos ver claramente a ambiguidade com que ele interpreta os
tupinambás.
O mesmo enaltece muito a boa disposição do corpo, do espírito dos nativos, a beleza de seus
adornos, cantos, danças, chegando a considerar a falta de civilidade como um indicio de
pureza, no entanto, Léry ainda sim os critica por sua falta de boas maneiras, moralidade,
prudência e temor a Deus. O canibalismo também é objeto de desprezo pelo autor, porém
mesmo assim, o mesmo não considera o ato simplesmente como gula por parte dos indígenas,
vendo um fator cultural por trás, como é dito no seguinte trecho:
” Mas não comem a carne, como poderíamos pensar, por simples gulodice, pois embora
confessem ser a carne humana saborosíssima, seu principal intuito é causar temor aos
vivos.”
De certa forma, Léry levanta um ponto sobre os nativos serem considerados "seres humanos
falhos" pois pecavam e não possuíam virtudes para sobrepor seus vícios, porém, ao mesmo
tempo, a alteridade cumpre a função de espelho, na medida em que o permitiu reavaliar o
Velho Mundo e criticar a civilização, nos mostrando uma certa hipocrisia por parte dos
europeus que tanto menosprezavam os indígenas e mesmo assim, ainda cometiam atrocidades
em guerras, tomavam mulheres a força, além do traço violento da colonização europeia.
Léry nos mostrou estar à frente de seu tempo com seus pensamentos sobre a própria natureza
humana e além disso, com sua obra nos trouxe, com uma riqueza de detalhes, informações
sobre os costumes indígenas, os costumes e aparência dos animais que ali viviam e as
paisagens.

2-
Gregório de Matos foi o maior poeta do Brasil Colonial, seu gênio, lírico algumas vezes,
satírico na maior parte, sua alcunha "Boca do Inferno" não era por acaso, revolucionário até
certo ponto, publicava poemas com críticas ferrenhas as figuras de que detinham poder na
Bahia de sua época, usava sutilmente do escarnio para tais feitos.
Araripe Júnior já dizia: "Pessimista objetivo, alma maligna, caráter rancoroso, relaxado por
temperamento e por costumes.", nessa fala já podemos ver o quão polemico foi Gregório de
Matos, polemico a tal ponto de que a própria igreja lhe ofereceu a batina, em troca de não
expor suas falas de novo e, apesar de tudo, jamais aceitou, submetido a um exilio causado
pelas ferozes sátiras que fazia, o mesmo não temia a palavra, mas sim a omissão e o silencio,
na zombaria de seus versos não poupou fidalgos, criminosos, pregadores, carolas, usurários e
luxuriosos.
Ao mesmo tempo que escrevia tais poemas zombando sutilmente a todos, escrevia também
poemas sacros magníficos, seja pelo espirito penitente, seja pela ponderação bíblica, como o
poema que fez sobre o dia do Juízo Final:
" O alegre do dia entristecido,
O silêncio da noite perturbado
O resplandor do sol todo eclipsado,
E o luzente da lua desmentido!
Rompa todo o criado em um gemido,
Que é de ti mundo? onde tens parado?
Se tudo neste instante está acabado,
Tanto importa o não ser, como haver sido.
Soa a trombeta da maior altura,
A que a vivos, e mortos traz o aviso
Da desventura de uns, d’outros ventura.
Acabe o mundo, porque é já preciso,
Erga-se o morto, deixe a sepultura,
Porque é chegado o dia do juízo."

Todo o caráter sacro da obra, nos mostra tamanha a capacidade do poeta de reconhecer os
erros, buscando em palavras a busca da salvação, a propósito de tudo, Gregório buscava sua
identidade, nas contradições da época, a de seu povo.
Em seu longo romance intitulado " QUEIXA-SE A BAHIA POR SEU BASTANTE
PROCURADOR, CONFESSANDO, QUE AS CULPAS, QUE LHE INCREPAM, NÃO
SÃO SUAS, MAS SIM DOS VICIOSOS MORADORES, QUE EM SI ALBERGA.", nesse
poema há a personalização da Bahia, ela que conduzirá a argumentação (1ª pessoa do
singular) na tentativa de se defender das culpas que carrega, dizendo que os verdadeiros
culpados são os moradores viciosos que lá vivem e não ela.
A narração dá a ideia de uma espécie de confessionário, pois a Bahia está na posição de
acusado e tentará provar que nada fez e na verdade os culpados seriam os habitantes, nas
quais caracterizam como ímpios, infiéis, gentios, cristão novo, entre outros.
Para isso, o eu-lírico faz uma alegoria entre os 10 mandamentos bíblicos com os 10 preceitos
que escreve, alegando que os moradores não seguem nenhuma delas, somente finge seguir,
por isso são eles as "sementes do mal".
Gregório de Matos satiriza os mandamentos de Deus ao descrever os hábitos forjados por trás
dos habitantes, no primeiro mandamento a lei de Deus diz "Não terá outros deuses além de
mim", e no preceito 1 há a presença dessa idolatria feita de noite "as escondidas" e de dia se
confessam, omitindo esses "detalhes".
A sátira não tem somente a função de ridicularizar, de provocar o riso, ela vai além disso,
seria uma tentativa de apontar uma "desordem" para que assim possa construir uma nova
ordem, nesse caso do poema, a nova ordem seria expurgar o mal para que a terra pudesse ser
restabelecida.

3-
Basílio da gama fora considerado o maior poeta do grupo de Minas por Machado de Assis,
não lhe faltava sensibilidade nem imaginação, o jeito que o mesmo escrevia, seu dinamismo
verbal, impondo um novo projeto épico, ao abandonar o apoio da oitava rima, a invenção de
uma nova forma, com narrativa livre, numa época onde a épica dominante era camoniana e,
diferentemente do projeto lusitano quanto aos heróis, que são os navegantes e os
colonizadores, ainda que Andrade tenha o perfil de herói pombalino, junto a Cataneo , chefe
espanhol. Os protagonistas, que de forma inusitada e diferente de épicos da época, que se
destacam pela bravura, em O Uraguai, são os colonizados ou indígenas.
Basílio da Gama é um romântico, ao se rebelar contra algumas regras de sua escola, pelo
sentimento, por partes de seu poema, vindo futuramente a influenciar Goncalves Dias, em O
Uraguai, a semântica do texto se encanta de maneira sinuosa no uso de consoantes e vogais,
com uma natureza edênica, aonde os elementos como a água, o vento, e o fogo, representam a
vida primitiva, quando sua poesia cria sua própria ordem interior, que acaba sendo de caráter
mítico e não logica, com a possibilidade de muitas leituras, o que não diminui em si a obra,
mas acrescenta uma riqueza.
Basílio arquiteta esse poema épico sobre a campanha deplorável de Gomes Freire de Andrade,
como se tal general tivesse sido um herói brilhante ao dizimar os indígenas das missões
jesuíticas na banda oriental do rio Uruguai, revoltados com a invasão dos Sete Povos.

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