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b. Quem é o proponente?
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movimentos tépidos, como se prolongassem os estertores até a culminação
do êxtase e da dor, meninos sombrios de olhos e narizes cheios de terra,
catarro e água salgada. Um grupo se metera nos cardos e urzes. Atravessou
o riacho metendo os pés na água fresca, guiando-se pelas orações e
avançando em direção às luzes. Estava ali mas não estava, aquelas mãos
eram suas e não eram, as ideias desbotando, um homem na turba de
molambos se afunilando na trilha depois do riacho. Atrás de si eram centenas
agora, que desciam o barranco, espessando o apogeu pandemoníaco de
semblantes dolentes, pernas descarnadas, uivos entre as preces, olências de
pólvora, incenso e pânico, a brisa soprando salmos e mantras, a lua cheia
mosqueada que era e não era a lua que guiava Ártemis ao colo de um deus
que nascia entre mártires e legiões, um messias que abriria caminho no mar
dos anseios e voracidades humanos. No campo, entre as casas, a
aglomeração começava a deter-se. Já não se avançava, mas Y valia-se de
todo o impulso das pernas para ganhar passo a passo a ascensão, sentindo
contra si os corpos grandes, os ossos esquálidos, resvalando em mantos,
tropeçando de lado, os pulmões prensados e os olhos à procura, Ártemis nos
birmaneses branqueados por thanakas, no salmão das cabeças raspadas,
Ártemis nas jovens noviças e do alto Ártemis nos fachos dos helicópteros que
afugentavam abutres e registravam os fatos bizarros, as notas exóticas do
Oriente para a curiosidade dos que viviam no avesso do mundo, massas que
agora eram formigas escalando um formigueiro, centenas de aranhas em um
tronco de árvore, Ártemis em todos os semblantes, ela que se entregava à
morte em bacanais sem alegria, em todo canto da terra um fim de mundo, as
pupilas que abriam e cerravam para se refazer entre os trapiches onde
enfermeiros suavam sobre ventres abertos e enfartes fulminantes, os tantos
homens sem braços e sem pernas, à vista de uma silhueta que pela moldura
torta da janela abria na arcada um esgar macilento, no pescoço um apostema
que já lhe alterava as feições, e eram como fantasmas, já mortos palmilhando
o purgatório.
E foi então que Y, desabrido, alargou a boca para dizer algo, algo que
ele próprio não pôde discernir, engolido na deriva do presente, e antes de
soçobrar nas trevas, de esmaecerem as vitalidades, na expiração dos
quereres, como se nada, turvo e perdido, foi então que, no mar de cabeças e
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ombros, destacado a fitá-lo, neste momento, num único segundo, nó dos
tempos, desafiando acasos, história e azares, foi então que ele me viu."
i. Duas questões;
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em seu retorno a Ítaca. O mito fundador cristão se inicia com o exílio do casal
primevo, a vida recriada como errância fugaz, como caminho a uma terra
perdida e prometida. Da poesia dos goliardos, clérigos medievais boêmios e
errantes, à jornada de Dante Alighieri em "Divina Comédia", a viagem denota
expiação e alegoria moral. A obra magna de Cervantes, considerada o
primeiro romance - aquele que funda a subjetividade moderna -, narra as
desventuras viajeras de um fidalgo. E assim seguimos, até o momento em
que a viagem já parece impossível, explorados os quatro cantos do globo,
absorvendo-os no sistema de produção, distribuição e consumo. Anunciava-o
o espírito do capitalismo em Robinson Crusoé, homem-ilha, self-made man,
encampavam-no os cavalheiros ingleses em seus clubes londrinos que, em
meio a partidas de bridge, decidem partir motivados por uma aposta, a uma
volta ao mundo em oitenta dias, como modo de confirmar o Império Britânico
na Ásia, África e América. Seu verniz desaparece nas trevas de Conrad,
naqueles relatos de fantasmas desterrados em sua própria terra revolta e
esburacada, onde o homem e a lama se indistinguem. Culminamos no ocaso
das peripécias, aventuras e explorações ultramar, o momento em que o
marinheiro irlandês Henry Shackleton se lança à lendária exploração
Antártica na primeira década do século XX, anunciando a extinção dos
territórios desconhecidos pelo homem civilizado no planeta. A viagem de
peripécias e aventuras se converte então em experiência do exílio, condição
do artista moderno por excelência. Dos arautos da modernidade, e ainda no
século XIX, Baudelaire assevera a atopia deste homem novo e denuncia a
necessidade de uma nova linguagem. Desdobrando o exílio em relação a si
próprio com o aforismo Je est un autre, Rimbaud interrompe precocemente
sua escrita quando começa a viajar. E assim, a viagem constitui nos
modernos uma poética da indivisibilidade entre vida e obra, e a busca pelo
avesso da vida culmina na dissolução da própria escrita.
Ao longo do século XX, muitos empreendem este caminho: Julio Cortázar,
Jack Kerouac, Joseph Conrad, Paul Theroux, Ernest Hemingway, Paul
Bowles, Malcolm Lowry, Bruce Chatwin. Na aurora do século XXI, Imre
Kertész, sobrevivendo à adolescência em campos de concentração, irá
desnacionalizar-se em sua escrita e em seu vagar, situando-se no não-lugar
do exilado ao descrever um mundo que contempla sem esperança ou alívio,
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para o qual se torna eternamente estrangeiro. E Roberto Bolaño, com sua
infância no Chile, adolescência no México e maturidade na Europa,
reiterando a temática como um sol onde orbitou grande parte dos maiores
escritores do Ocidente, e que em seus romances apresenta a aridez e o
desencanto em um mundo embotado e perverso, espantoso em sua pobreza
e na opacidade de toda teleologia.
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pensamento acadêmico e a moderna cultura ocidental sejam realizados por
dissidentes políticos e consista num pensamento extraterritorial, excêntrico e
arredio, Said defende que louvar a migração implica conferir dignidade a uma
situação criada para suprimir a dignidade e encobrir as mazelas perpetradas
pelas políticas do século passado:
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inundado e consumido pelo tufão do exílio. Processar dados é sinônimo de
criação. Para não perecer, o exilado deve ser criativo." (Flusser, Exílio e
Criatividade, p. 81)
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a questão do olhar estrangeiro ao qual estamos habituados. Sem o risco de
tornar-se objeto pela visada do exotismo, levantamos as questões da
internacionalização da literatura, mas pelo movimento contrário, mais raro e
instigante: o nosso olhar - ou ao menos o de uma certa literatura brasileira -,
sobre o mundo. Não sob o afã antropofágico, mas com o registro da
conservação dos abismos da distância e com as ressonâncias da
proximidade. Ao anular o próprio código linguístico no incógnito de uma fala
estrangeira, ao remontar o balbuciar fundante dos sentidos, caroço poético
da linguagem, a língua portuguesa apropria-se um pouco mais de si mesma.
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encontrado. Um interlocutor do qual nada sabemos entrevista cinco
personagens que estiveram com Dionísio antes de seu desaparecimento.
Cada capítulo é representado por um desses personagens - todos
estrangeiros, com exceção de uma quinta figura, o alemão proprietário e
guardião do clube Wriezener, cenário do desenlace trágico do romance.
Cada personagem tem uma voz, um estilo, e foi tocado de um modo especial
pela passagem de Dionísio. O romance, de aproximadamente 150 páginas
(30 páginas em média por capítulo), percorre no timbre polifônico das
personagens as peripécias do protagonista-deus e as razões de sua
dissolução: a infância com o padrasto em uma ilha na Índia, naufragada pela
elevação do nível do mar; suas perambulações até a chegada a Berlim; seus
períodos de dança e de festa de libertação do mundo; suas visitas
enigmáticas ao Neues Museum, onde encontra os artefatos da homérica
Tróia, coleção do arqueólogo Heinrich Schliemann; as ameaças que começa
a receber; a descoberta de uma mãe - uma junkie solitária e precocemente
envelhecida agonizando num sobrado em Neukölln; a travessia inquiridora e
vingativa em um submundo de figuras apátridas; finalmente, o confronto com
o pai: o alcoviteiro Gotelieb, que havia incumbido um malsim - o taciturno
padrasto - de tomar conta de Dionísio em sua infância e adolescência, e de
mantê-lo longe de Berlim. Consciente deste destino e desejoso de vingança,
Dionísio adentra a casa noturna Wriezener, onde as massas entregam-se à
dança e ao sexo orgiástico, e às escondidas substitui o opiáceo alucinógeno
consumido pelos frequentadores do clube por uma substância tóxica,
culminando no êxtase mortífero e excruciante de centenas de jovens e no
encarceramento de Gotelieb, onde o encontramos no último capítulo do
romance. Dionísio segue inapreensível.
ii. personagens
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seduz aqueles que encontra pela liberdade de seus movimentos e
pensamento, e por uma súbita perda de individualidade.
A primeira é uma dançarina cega, Mercedes, nascida na Patagônia,
que se enamora do deus e de sua dança na escola fight club. Mercedes
encarna o lirismo da infância, a esfera sensível e o corpo no encontro com
Dionísio, neste capítulo chamado de Eleu (de Eleuthério). Pela chave da
poesia, a bailarina narra as perambulações do protagonista até sua chegada
a Berlim, além do fascínio inicial perante a cidade. É o momento das pulsões
da primavera, da sintaxe da comunhão, da festa do divino.
No segundo capítulo, o narrador é Beyza, um segurança de
ascendência turca que trabalha nos corredores do Neues Museum, e encarna
o discurso do suspense, da pulsão escópica e da estrutura do romance
histórico. Sua atenção é capturada por um visitante assíduo - Zagreu (avatar
de Dionísio) -, e passa a segui-lo pelo amplo labirinto museológico, vigiá-los
pelas câmeras do museu e especular sobre suas origens. O segurança será
testemunha da primeira abordagem dos sicários de Gotelieb.
A terceira aparição, fazendo um churrasco solitário no descampado do
aeroporto desativado de Tegel é Ruwayd, rebatizado Silena. Silena é uma
travesti que dividiu um apartamento com Dionísio no bairro de Lichtenberg, e
testemunhou a mudança de fisionomia do deus, neste capítulo conhecido
como Dendrites. Silena, que encarna a mudança, a casa semovente, o
testemunho de luta, acaba protagonizando um interlúdio no romance, no qual
relata a própria história. Nascida homem no berço de uma família
mulçumana, Ruwayd é jurada de morte no momento em que assume sua
mudança de sexo. Foge para a Alemanha, onde é autorizada a permanecer
em um perímetro estreito perto de Munique, em companhia de outros
refugiados sírios. Árabes fervorosos, seus companheiros também ameaçam
matá-la, e Ruwayd-Silena fura o perímetro legal de sua permanência,
perdendo todos os direitos adquiridos como refugiada política, e aluga a casa
de um amigo em Berlim. Neste capítulo, Dionísio Dendrites encontra seu
antigo padrasto, que o admoesta a fugir e, não logrando convencê-lo, leva-o
condoído até o refúgio de sua mãe em Neukölln, onde esta agoniza.
O quarto personagem transita entre as margens do Spree e o Görlitzer
Park. É o traficante etíope Alemayehu, que relata de modo hesitante o
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desvario de Dionísio pelo submundo berlinense. Alemayehu é a figura que
encarna a dissolução da linguagem no trauma e na violência. O capítulo
recua na sequência dos acontecimentos para o momento em que o
protagonista encontra a mãe agonizando em um covil úmido, escuro e
raquítico, e acompanha a busca sedenta do protagonista por um culpado.
Neste momento da narrativa, Dionísio atravessa os recessos precários dos
imigrantes ilegais e o lado mais perverso da discriminação das origens, no
seio de uma Europa que ainda dissemina seus impulsos imperiais. Inquirindo
traficantes, assassinos e prostitutas, Dionísio chega ao nome de Gotelieb e
seu clube noturno. O capítulo termina na tentativa fracassada de entrar no
clube.
Gotelieb é o narrador do último capítulo, e encarnação de uma ficção
tradicional e estruturada, representante do poder, do bom gosto e do status
quo. A fala do personagem deverá apresentar um contraste radical com a
linguagem do capítulo anterior. Não há hesitação - a narrativa é ponderada,
persuasiva e razoável. Gotelieb domina a retórica e manobra com
propriedade o mundo em que está. Como dono de um clube noturno em
Berlim e o chefe de uma rede de tráfico e prostituição, sua figura é a do
arrendador do hedonismo contemporâneo, o capitalista que lucra com a
subversão, aquele que instrumentaliza os sonhos, a imaginação e a
juventude.
Gotelieb narra a tragédia em Wriezener dentro de uma sala no
complexo prisional de Justizvollzugsanstalt Plötzensee. A morte de centena
de jovens em um clube berlinense obteve a atenção dos principais canais
midiáticos do planeta, e o personagem o relata de modo igualmente
jornalístico, mimetizando um discurso distanciado dos noticiários. Em
seguida, discute os meandros jurídicos de um longo processo forense, e
parte para uma autodefesa orquestrada, procurando inocentar-se e
culpabilizar o filho por todo o ocorrido. O discurso apresentará a ambiguidade
oratória que pinta um Dionísio ao mesmo tempo perverso e perturbado,
descrevendo de modo detalhado o efeito da droga mortífera que este utilizou
para substituir a recreativa quetamina, muito consumida nos clubes
berlinenses, pela conium maculatum, ou a cicuta, que começa a produzir
transtornos digestivos nos jovens, seguidos de náuseas, dores de cabeça,
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vertigem, parestesias, queda da temperatura do corpo, convulsões, paralisia
muscular generalizada e parada cardíaca. Derramando algumas lágrimas de
calculada piedade pelo filho, Gotelieb insiste na necessidade de encontrar o
foragido homicida, verdadeiro responsável pela tragédia.
iii. Dionísio
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"Mais que de um espaço de total selvageria, representando uma
alteridade radical em relação à cidade e a suas terras humanizadas, trata-se
dos confins, das zonas limítrofes, das fronteiras onde o Outro se manifesta no
contato que regularmente se mantém com ele, convivendo o selvagem e o
cultivado, em oposição, é verdade, mas também em interpenetração."
(Vernant, Com a morte nos olhos, p.18)
"Temos aqui, em plena vida, nesta Terra, a súbita intrusão de algo que
nos afasta da existência quotidiana, do andamento normal das coisas, de nós
mesmos: o disfarce, a mascarada, a embriaguez, a representação, o teatro,
enfim o transe, o delírio do êxtase. Dioniso ensina ou obriga a ser outro, e
não mais o que se é normalmente, a enfrentar, já nesta vida, aqui embaixo, a
experiência de evasão para uma desconcertante estranheza." (Vernant, Com
a morte nos olhos, p.13)
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realmente algo outro. Assim como as bestas falam e a terra dá leite e mel,
também soa a partir dele algo sobrenatural. Ele se sente como deus: o que
outrora vivia somente em sua força imaginativa, agora ele sente em si
mesmo. O que são para ele agora imagens e estátuas? O homem não é mais
artista, tornou-se obra de arte, caminha tão extasiado e elevado como vira
em sonho os deuses caminharem. O poder artístico da natureza, não mais o
de um homem, revela-se aqui: uma argila mais nobre é aqui modelada, um
mármore mais precioso é aqui talhado: o homem."
Por seus atributos ideias, Dionísio não pode ser representado como um
simples personagem, mas como uma força que atravessa os personagens,
uma entidade que conserva sempre sua distância em movimento. Por isso,
em Dionísio em Berlim, ele é objeto da linguagem das pessoas que tiveram
experiências dionisíacas e que, por isso, viram-se encarnadas pelo deus.
Estrangeiras, todas parecem buscar as palavras para nomear uma dimensão
sempre imanente e alheia: a de tornar-se outro, a de invocar o Unheimliche
("Inquietante estranheza", ou "familiar estranheza") que nos habita.
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h. Cronograma de trabalho, conforme o prazo máximo previsto neste Edital;
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