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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS


DISCIPLINA TÓPICOS DE CIÊNCIAS SOCIAIS I: FLUXOS MIGRATÓRIOS –
INSERÇÃO, IDENTIDADE E VIOLÊNCIA

JULLY ANNE R. DA CRUZ

OUTSIDERS, REVESES EM VERSOS.

Trabalho desenvolvido para processo avaliativo da


disciplina Tópicos de Ciências Sociais I: Fluxos
Migratórios – Inserção, Identidade e Violência, sob
coordenação da professora Dra. Andréa Vettorassi.

GOIÂNIA
2019
APRESENTAÇÃO

Ao se pensar a trajetória do migrante a violência é grande parte de sua narrativa, contudo


a perspectiva que se observa na migração ao se tratar da violência, muitas vezes se conecta ao
território nativo. Diversos estudos vão buscar a configuração da migração conectada ao
aumento da violência no território de chegada, mas e aquela outra parte? Quão violento pode
ser as frustrações que motivam uma partida, deixar tudo que se conhece, enfrentar condições
adversas, ser frustrado e invisibilizados, estigmatizado no momento em que se encarna a figura
daquele que migra?
Usualmente questões como violência e a demografia são conexas a este tópico. A
sociologia contemporânea, em especial depois da abordagem de Abdelmalek Sayad decompôs
nos estudos sobre as migrações tal configuração, sem ignora-la procurando alcançar o agente
substancial, o indivíduo que migra em relação a alteridade.
O presente portfólio apresenta as perspectivas sociológicas do migrante, sob a luz de
Norbert Elias, Zygmunt Bauman e Michael Pollak em diálogo com poesias centro-americanas
produzidas por migrantes selecionadas a partir da mostra de poemas realizada e apresentada
pela revista eletrônica de literatura, Círculo de Poesia.1
Círculo de Poesia, é uma revista eletrônica e editorial de literatura, fundada (e dirigida
atualmente) pelo doutor em letras mexicanas Alí Calderón Farfan da Universidad Autónoma de
Publa. Nas palavras do Dr. Alí Calderón em sua rede social o periódico “tiene como principal
objetivo la difusión de la poesía en particular y de la cultura literaria en general”.2 Todavia, é
notório que a mesma acaba por cumprir a publicitação do saber literário de escritores do centro-
americano e do chamado sul global, gradiente geográfico tradicionalmente orientalizado,
invisibilizados e silenciado na produção e promoção do conhecimento.3 As publicações são
realizadas semanalmente e a revista está em seu sexto ano de edição.
Jamais a realidade migrante constituiu um acontecimento singular em termos
geográficos e ou históricos, porquanto a humanidade se funda, em transito, na busca por
melhores condições de vida e sobrevivência, migrando de território um e explorando terras
outras que frutificassem sua produção bem como empregassem o trabalho realizável. Sem
embargo, parece curioso aceitar a migração como um fenômeno ao passo que o nativo também
tenha sido no curso da história o estrangeiro.
Desta sorte é imperativo que seja acolhido o entendimento, para além das mudanças
demográficas, mas tal qual nos ensina Abdelmalek Sayad, o próprio agente substancial da
migração, seu repertório simbólico, sua trajetória e a multiplicidade de saberes que lhes são
inerentes. Com o auxílio de Michael Pollak poderemos perceber nos poemas escritos pelos
próprios migrantes aqui apresentados, as narrativas do pertencimento, as memorias lançadas a
uma pretensa condição de ser ouvida, assimilada e compreendida em seus anseios de chegada,

1
Para maiores informações conferir Círculo de Poesía – Revista Eletronica de Literatura. <
Https://circulodepoesia.com >. Acesso em 28 jun. de 2019.
2
O trecho apresentado no texto foi extraído das informações dispostas sobre o periódico em sua rede
social eletrônica. CF. < https://es-la.facebook.com/pg/circulodepoesia/about/?ref=page_internal >. Acesso em
28 jun. 2019.
3
O termo “orientalizado” utilizado no texto vai de encontro com as concepções de Edward Said em que
o oriente não é um fato inerente a natureza, mas constitui uma narrativa encarnada de estranhamento e
exotização. Os estudos subsequentes a obra Orientalismo, o oriente como invenção do ocidente de Edward W.
Said, demonstram que o Oriente constitui um gradiente geopolítico que divide a produção de conhecimento em
termos do que pode ser referenciado e daqueles saberes que não são legítimos conhecimentos. Para mais
informações CF. Said, Edward, Orientalismo, 1990. Et Orientalismo revisto, 1991. Bem como as discussões
expostas em Epistemologias do Sul / org. Boaventura de Sousa Santos, Maria Paula Meneses. – (CES) ISBN 978-
972-40-3738-7.
na angustia da partida, no entendimento do translado, na observação do caminho e nas
lembranças que motivaram a sua condição de migrante.
Assim sendo, os poemas aqui expressos foram selecionados para ilustrar as narrativas
presentes nas trajetórias migrantes que são tão significativas às análises sociológicas quanto, do
mesmo modo observado por Gayatri Spivak, são pertencentes a uma reivindicação de
agenciamento de uma possível mudança epistemológica que garanta uma sociedade livre e
diversa em seus próprios termos.
POEMAS

Una canción.
Ernesto y Vicente

Señor quiero preguntarte ¿si lo que he vivido significa algo?


-Un hombre mutilado
-Mujeres violadas

¿En qué momento la masacre se convirtió en una aburrida noticia para la gente?
Señor, déjame ir contigo y cruzar las fronteras del mundo.

Señor aun no tengo mi visa, ni pasaporte.


Señor llévame contigo al cielo, soy un migrante, no me cobres cuota.

Señor, ayúdame.
Nuestro camino es una cacería sangrienta.
Nuestra sangre cubre las tierras mexicanas.
Nuestro destino, un secuestro y dolor para nuestras familias.

Señor aun no tengo mi visa, ni pasaporte.


Señor llévame contigo al cielo, soy un migrante, no me cobres cuota.

Señor, llévame en un tren rumbo al cielo y no me preguntes si tengo visa, no me


asaltes, no me golpees solo eso te pido.

***

Una mochila.
Antonio Romero Montoya

La luna y una brújula guiando mi sendero.


Tu carita dibujada entre estrellas y luceros, que cosa tan bella.
Para muchos no soy nada pero soy feliz porque sé que tú me amas.
Sé que aún no hablas pero siento tus palabras esperando mi llegada,
eso me da fuerzas para seguir viviendo.
Por eso no me importa todo lo que estoy sufriendo.
De mis errores he aprendido, no soy un fugitivo lo único que quiero es estar allá
contigo. Mi verdadero amor: Maddy te amo por siempre.

***
‘La Bestia’
(The American way of death)
Daniel Rodríguez Moya

Somewhere over the rainbow


Way up high,
There’s a land that I heard of
Once in a lullaby.
E.Y. Harburg.

Pero el horrible tren ha ido parando


en tantas estaciones diferentes,
que ella no sabe con exactitud ni cómo se llamaban,
ni los sitios,
ni las épocas.
Dámaso Alonso.

Para Claribel Alegría

Tan filoso es el viento que provoca


la marcha de la herrumbre
sobre largos raíles,
travesaños del óxido…
Y qué difícil es
ignorar el cansancio, mantener la vigilia
desde Ciudad Hidalgo
hasta Nuevo Laredo,
sobre el ‘Chiapas-Mayab’ que el sol inflama.
Nadie duerme en el tren,
sobre el tren.
Agarrados al tren
todos buscan llegar a una frontera,
a un sueño dibujado como un mapa
con líneas de colores:
una larga y azul que brilla como un río
que ahoga como un pozo.
Atrás quedan los niños y su interrogación,
las manos destrozadas de las maquiladoras
que en un gesto invisible
dicen adiós,
espérenme,
es posible que un día me encarame a un vagón.
Queda atrás Guatemala,
Honduras, Nicaragua, El Salvador,
un corazón de tierra que late acelerado.
Las gentes congregadas muy cerca de la vía
con un trago en la mano,
el olor a fritanga y a tortilla
como si fueran fiestas patronales,
esperando el momento para subir primero,
y no quedarse en el andén del polvo,
montar sobre ‘La Bestia’, en el ‘Tren de la Muerte’
o esperar escondidos adelante,
en los cañaverales,
con un rumor inquieto.
Y esquivar a la migra.
Después habrá silencio durante todo el día,
un silencio asfixiante,
como un arco tensado que no escogió diana
y una tristeza
de funeral sin cuerpo
y paz de cementerio.
Es mejor no pensar en las mutilaciones,
en la muerte segura que hay detrás de un descuido
o en los rostros tatuados.
Amenazan igual que los jaguares,
aprovechan la noche y sus fantasmas
y ya todo es dolor y más tragedia.
Es tan lenta la noche mexicana…
Bajo la luna inquieta
una herida de hierro y de listones
traza un perfil oscuro,
un reguero de sangre que seguir.
El olor de la lluvia sobre la tierra seca
se corrompe mezclado con sudor y gasóleo.
Es agua que no limpia, que no calma la sed,
que sucia se derrama
entre las grietas de la vieja máquina,
una oscura metáfora del animal dormido.
Escrito en un cartel: “Nuevo Laredo.
¡Lugar por explorar!”
El coyote ya espera
para cruzar el río,
atravesar desiertos,
y burlar el control, la border patrol,
los perros, helicópteros,
¿aquello tan brillante es San Antonio?,
el sol de la injusticia que percute las sienes.
Sopla el viento filoso en la frontera
y otro tren deja atrás el río Suchiate,
los niños, las maquilas,
la arena de un reloj que se hace barro.
Transitan los vagones por los campos
donde explotan las más extrañas flores.
Pasan noches y días
como sogas del tiempo en marcha circular.
Cada milla ganada a los raíles
aleja en la llanura otra estación del sur.
Marcha lenta la máquina
con racimos de hombres a sus lados.
El humo del gasóleo
difumina un perfil que se pierde a lo lejos.
Ha pasado ‘La Bestia’ camino a la frontera.
Avanza hacia el norte
el viejo traqueteo de un tren de mercancías.
OUTSIDERS, REVESES EM VERSOS

Zygmunt Bauman em seu texto El pânico migratório y sus (malos) usos, nos apresenta
dois conceitos que podem justificar o temor apresentado por Vicente e Ernesto, o primeiro
“pânico moral” é designado a um medo sentido por um grande número de pessoas de que
determinado grupo possa vir a ameaçar-lhes o bem-estar (BAUMAN, 2016). Bauman
aprofunda essa compreensão nos levando a pensar sobre a cegueira moral, em sua opinião, o
pânico moral tem sido aprofundado pelas mídias oportunistas que buscam lucrar de forma
pretensa e sensacionalista com a comoção popular em torno das adversidades vividas pelos
migrantes.
Contudo, a mídia não cumpre esse papel de forma solitária e desconectada das
concepções forjadas no curso das narrativas hegemônicas e nesse sentido chegamos ao segundo
termo, “personas supérfluas”. Tal qual o significado dos termos, diz respeito a perecibilidade.
É fato que as migrações são consubstanciadas por uma necessária busca por garantias de vida,
ou seja, segurança alimentar, condições de empregabilidade das forças de trabalho, melhores
condições de saúde, moradia e educação, acesso a bens de consumo. Todavia, como bem falou
Bauman, a modernidade conduziu a uma produção de pessoas que não podem ser absorvidas,
visto que as mesmas compõem o excedente que permite a lógica do capitalismo global
contemporâneo.4
O poema de Vicente e Ernesto nos expõe a insegurança do trajeto e o anseio pelo triunfo.
O eu lírico explicita a humilde persona que se mistura com seus marcadores, desejoso de que
ainda que encarnado neles, pudesse ter uma trajetória diferente daqueles marcados com o
mesmo estigma. De maneira singular assinam o poema apenas com o primeiro nome ampliando
suas palavras, o permitindo ser ressignificado e tornando tal assinatura plural para que possam
representar os vários Vicentes e Ernestos que vem e que vão.
Não obstante a todas as incertezas da trajetória migrante, acondicionadas a
perecibilidade, Norbert Elias nos apresenta um outro dilema a ser analisado. A relação
“estabelecidos” e “outsiders”. Os migrantes nesse cenário são recebem a carga do chamado
pânico moral, pois são tidos como aqueles que irão romper com o bem-estar social, mas
precisamente com o chamado “establishment”. Observou Norbert Elias, “O grupo estabelecido
cerrava fileiras contra eles e os estigmatizava, de maneira geral como pessoas de menor valor
humano” (ELIAS, 1964, p.19). O conflito dos migrantes deixa de ser apenas com aqueles que
são tidos como nativos, os migrantes que conseguiram se estabelecer, terminam por reproduzir
preconceitos e dissociações.
Aos Ernestos e Vicentes restam entoar “Una cancion”, talvez, como uma prece para que
haja no outro um olhar fraterno a sua condição de outsider. Conscientes, entretanto, da saga de
“La bestia”, conjecturada nas palavras de Daniel Rodríguez Moya. Uma trajetória em que
muitos Danieis podem se ver e que faz refletir muitos outros Danieis.
Pollak conceitua a memória coletiva e como um conjunto de signos e símbolos traduzem
o pertencimento, vale ressaltar que para a antropologia americana existe uma distinção
necessária entre símbolos e signos, sendo os símbolos uma arbitrariedade humana, pois estes
fundamentalmente criações do imaginário humano no âmbito de disseminar uma proposta; já o
signo seria dotado de motivação, ou seja é valido para esse tópico, no vislumbre das narrativas
presentes, que se entenda a construção de uma narrativa ainda que hegemônica, como bem disse

4
CF. LUSTOSA, Maria Anita; PIRES, Márcia Gardênia, O desemprego estrutural no contexto do
capitalismo global contemporâneo a luz da teoria de Žižek, 2017.
Bauman sobre as migrações ”aunque modificándose continuamente y, em ocasiones,
invertendo incluso su sentido”(BAUMAN, 2016).
Já Michael Pollak analisa a importância em uma narrativa dos símbolos ali presentes,
bem como estão presente em seu estudo a apreciação do esquecimento e do silêncio. Os poemas
assinados por Antonio Romero Montoya e Daniel Rodríguez Moya carregam em si uma
narrativa comum, tal qual “Una cancion”, mas provendo-se de uma destreza ilustrativa,
fornecendo ao leitor os signos de sua caminhada, os lugares por onde passou, “una mochila”
em que carregava e suportava “ un silencio asfixiante ” os símbolos de uma trajetória migrante.
A memória e o esquecimento são armas poderosas para a constituição de uma realidade
prática. Os relatos dos migrantes, nos colocam próximos a sua realidade prática, contudo é
preciso olhar mais profundamente para essa questão, não só com a sensibilidade necessária para
se prover empatia, mas com a criticidade imprescindível para perceber qual a narrativa que está
sendo contada e qual é aquela silenciada. Nossa capacidade deve ir para além de apenas vermos
o outro. O quadro geral, há de mostrar que aquele que caminha livre, é aquele que imputa os
marcadores do silenciamento.
REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. Extranos llamando a la puerta. Rio de Janeiro: Zahar, 2017.

ELIAS, Norbert, 1897-1990. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder


a partir de uma pequena comunidade I, Norbert Elias e John L. Scotson; tradução, Vera
Ribeiro; tradução do posfácio à edição alemã, Pedro Süssekind; apresentação e revisão
técnica, Federico Neiburg - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.

LUSTOSA, Maria Anita; PIRES, Márcia Gardênia, O desemprego estrutural no contexto do


capitalismo global contemporâneo a luz da teoria de Žižek, 2017.

POLLAK, Michael, Memória, esquecimento, silêncio, Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol.
2. n. l, 1989, p. 3 – 15.

SAHLINS, Marshall David, 1930 - . Cultura e Razão Prática, Marshall Sahlins; traduçãoSérgio
Tadeu de Niemayer Lamarão; revisão técnica Luis Fernando Dias Duarte.- Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2003.

SAID, Edward, Orientalismo, 1990.


ID. Orientalismo revisto, 1991.

SANTOS, Boavetura de Sousa; MENESES, Maria Paula, Epistemologias do Sul, 2009

Círculo de Poesía - < Https://circulodepoesia.com >. Acesso em 28 jun. de 2019.

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