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GOIÂNIA
2019
APRESENTAÇÃO
1
Para maiores informações conferir Círculo de Poesía – Revista Eletronica de Literatura. <
Https://circulodepoesia.com >. Acesso em 28 jun. de 2019.
2
O trecho apresentado no texto foi extraído das informações dispostas sobre o periódico em sua rede
social eletrônica. CF. < https://es-la.facebook.com/pg/circulodepoesia/about/?ref=page_internal >. Acesso em
28 jun. 2019.
3
O termo “orientalizado” utilizado no texto vai de encontro com as concepções de Edward Said em que
o oriente não é um fato inerente a natureza, mas constitui uma narrativa encarnada de estranhamento e
exotização. Os estudos subsequentes a obra Orientalismo, o oriente como invenção do ocidente de Edward W.
Said, demonstram que o Oriente constitui um gradiente geopolítico que divide a produção de conhecimento em
termos do que pode ser referenciado e daqueles saberes que não são legítimos conhecimentos. Para mais
informações CF. Said, Edward, Orientalismo, 1990. Et Orientalismo revisto, 1991. Bem como as discussões
expostas em Epistemologias do Sul / org. Boaventura de Sousa Santos, Maria Paula Meneses. – (CES) ISBN 978-
972-40-3738-7.
na angustia da partida, no entendimento do translado, na observação do caminho e nas
lembranças que motivaram a sua condição de migrante.
Assim sendo, os poemas aqui expressos foram selecionados para ilustrar as narrativas
presentes nas trajetórias migrantes que são tão significativas às análises sociológicas quanto, do
mesmo modo observado por Gayatri Spivak, são pertencentes a uma reivindicação de
agenciamento de uma possível mudança epistemológica que garanta uma sociedade livre e
diversa em seus próprios termos.
POEMAS
Una canción.
Ernesto y Vicente
¿En qué momento la masacre se convirtió en una aburrida noticia para la gente?
Señor, déjame ir contigo y cruzar las fronteras del mundo.
Señor, ayúdame.
Nuestro camino es una cacería sangrienta.
Nuestra sangre cubre las tierras mexicanas.
Nuestro destino, un secuestro y dolor para nuestras familias.
***
Una mochila.
Antonio Romero Montoya
***
‘La Bestia’
(The American way of death)
Daniel Rodríguez Moya
Zygmunt Bauman em seu texto El pânico migratório y sus (malos) usos, nos apresenta
dois conceitos que podem justificar o temor apresentado por Vicente e Ernesto, o primeiro
“pânico moral” é designado a um medo sentido por um grande número de pessoas de que
determinado grupo possa vir a ameaçar-lhes o bem-estar (BAUMAN, 2016). Bauman
aprofunda essa compreensão nos levando a pensar sobre a cegueira moral, em sua opinião, o
pânico moral tem sido aprofundado pelas mídias oportunistas que buscam lucrar de forma
pretensa e sensacionalista com a comoção popular em torno das adversidades vividas pelos
migrantes.
Contudo, a mídia não cumpre esse papel de forma solitária e desconectada das
concepções forjadas no curso das narrativas hegemônicas e nesse sentido chegamos ao segundo
termo, “personas supérfluas”. Tal qual o significado dos termos, diz respeito a perecibilidade.
É fato que as migrações são consubstanciadas por uma necessária busca por garantias de vida,
ou seja, segurança alimentar, condições de empregabilidade das forças de trabalho, melhores
condições de saúde, moradia e educação, acesso a bens de consumo. Todavia, como bem falou
Bauman, a modernidade conduziu a uma produção de pessoas que não podem ser absorvidas,
visto que as mesmas compõem o excedente que permite a lógica do capitalismo global
contemporâneo.4
O poema de Vicente e Ernesto nos expõe a insegurança do trajeto e o anseio pelo triunfo.
O eu lírico explicita a humilde persona que se mistura com seus marcadores, desejoso de que
ainda que encarnado neles, pudesse ter uma trajetória diferente daqueles marcados com o
mesmo estigma. De maneira singular assinam o poema apenas com o primeiro nome ampliando
suas palavras, o permitindo ser ressignificado e tornando tal assinatura plural para que possam
representar os vários Vicentes e Ernestos que vem e que vão.
Não obstante a todas as incertezas da trajetória migrante, acondicionadas a
perecibilidade, Norbert Elias nos apresenta um outro dilema a ser analisado. A relação
“estabelecidos” e “outsiders”. Os migrantes nesse cenário são recebem a carga do chamado
pânico moral, pois são tidos como aqueles que irão romper com o bem-estar social, mas
precisamente com o chamado “establishment”. Observou Norbert Elias, “O grupo estabelecido
cerrava fileiras contra eles e os estigmatizava, de maneira geral como pessoas de menor valor
humano” (ELIAS, 1964, p.19). O conflito dos migrantes deixa de ser apenas com aqueles que
são tidos como nativos, os migrantes que conseguiram se estabelecer, terminam por reproduzir
preconceitos e dissociações.
Aos Ernestos e Vicentes restam entoar “Una cancion”, talvez, como uma prece para que
haja no outro um olhar fraterno a sua condição de outsider. Conscientes, entretanto, da saga de
“La bestia”, conjecturada nas palavras de Daniel Rodríguez Moya. Uma trajetória em que
muitos Danieis podem se ver e que faz refletir muitos outros Danieis.
Pollak conceitua a memória coletiva e como um conjunto de signos e símbolos traduzem
o pertencimento, vale ressaltar que para a antropologia americana existe uma distinção
necessária entre símbolos e signos, sendo os símbolos uma arbitrariedade humana, pois estes
fundamentalmente criações do imaginário humano no âmbito de disseminar uma proposta; já o
signo seria dotado de motivação, ou seja é valido para esse tópico, no vislumbre das narrativas
presentes, que se entenda a construção de uma narrativa ainda que hegemônica, como bem disse
4
CF. LUSTOSA, Maria Anita; PIRES, Márcia Gardênia, O desemprego estrutural no contexto do
capitalismo global contemporâneo a luz da teoria de Žižek, 2017.
Bauman sobre as migrações ”aunque modificándose continuamente y, em ocasiones,
invertendo incluso su sentido”(BAUMAN, 2016).
Já Michael Pollak analisa a importância em uma narrativa dos símbolos ali presentes,
bem como estão presente em seu estudo a apreciação do esquecimento e do silêncio. Os poemas
assinados por Antonio Romero Montoya e Daniel Rodríguez Moya carregam em si uma
narrativa comum, tal qual “Una cancion”, mas provendo-se de uma destreza ilustrativa,
fornecendo ao leitor os signos de sua caminhada, os lugares por onde passou, “una mochila”
em que carregava e suportava “ un silencio asfixiante ” os símbolos de uma trajetória migrante.
A memória e o esquecimento são armas poderosas para a constituição de uma realidade
prática. Os relatos dos migrantes, nos colocam próximos a sua realidade prática, contudo é
preciso olhar mais profundamente para essa questão, não só com a sensibilidade necessária para
se prover empatia, mas com a criticidade imprescindível para perceber qual a narrativa que está
sendo contada e qual é aquela silenciada. Nossa capacidade deve ir para além de apenas vermos
o outro. O quadro geral, há de mostrar que aquele que caminha livre, é aquele que imputa os
marcadores do silenciamento.
REFERÊNCIAS
POLLAK, Michael, Memória, esquecimento, silêncio, Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol.
2. n. l, 1989, p. 3 – 15.
SAHLINS, Marshall David, 1930 - . Cultura e Razão Prática, Marshall Sahlins; traduçãoSérgio
Tadeu de Niemayer Lamarão; revisão técnica Luis Fernando Dias Duarte.- Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2003.