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AGRIS MAGAZINE
umoutra proposta
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Movimento Litteragris
AGRIS MAGAZINE
umoutra proposta
2ª Edição
6
@ Copyright: Movimento Litteragris, 2017
Título: Agris Magazine
Edição:
Movimento Litteragris
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Email: litteragris2015@gmail.com
Facebook: Movimento Litteragris
+244 937303954/+244 917233001
Luanda – Angola
Agradecimentos
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terras pudesse desabrochar poetas com poesia.
9
10
Editorial ou mais um manifesto?
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autónomo, que se adequasse às circunstâncias
impostas, terá comprometido todo um projecto de
reorganização político-cultural. Tínhamos de
admitir que, em razão do processo de colonização,
éramos outros, a seguir as independências.
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congénita. O homem novo é pai, é polícia, é
professor, é político, é médico, é pastor, é padre, é
angolano, é africano, está em toda parte, é cidadão
do mundo, desempenhando estes e outros papéis
sem ética e moral. Logo, a grande crise mundial
resume-se permanentemente na falta de princípios
éticos e morais; para nós, na escassez de modelos
cívicos africanos, uma vez que todos os modelos
civilizacionais ocidentais falharam. A moral é a
chave e mudaria os políticos. E os políticos
mudariam o mundo. Mas que moral, quando o
Cristianismo não é eficiente?
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mais frias e perigosas. O homem novo precisa
surgir em todo o mundo. É urgente que o
resgatemos.
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dramático), é a arte da palavra transfigurada. Ela
exige um certo trabalho e estudo. Por isso, nessa
luta entre o estético e o utilitário surgimos
simultaneamente: por um lado, vanguardistas,
porque apresentamos uma nova metalinguagem no
sistema semiótico literário angolano; por outro,
conservadores, porque estamos à margem dessa
proposta de marginalização da arte, apresentada
pela nova vaga de super poetas-declamadores que
demonstram uma clara despreocupação
estético-literária. Ali, são os declamadores que
escrevem os textos quilométricos e demasiados
denotativos. Aqui continuam a ser os poetas que
escrevem os textos para declamar quando convier.
A arte deve reunir o estético e o utilitário na medida
certa. No entanto, não se pode negar que a primeira
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dimensão da Literatura seja a estética. Fosse outra,
não seria arte.
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(Felizmente= feliz mente). Ela eleva o grau de
ambiguidade, impondo ao leitor várias formas de
leitura.
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azia pelo vulgar. Arte é sinónima de abstracção
desde a época Aristotélica. Por quê contar os
factos tal como eles ocorrem e designar esses
registos por Literaturastrictu sensu ? Não estariam
a roubar a função dos historiadores? A Literatura
resume-se na ficção e na literariedade.
Helder Simbad
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POEMAS
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20
AGOSTINHO GONÇALVES JOÃO, Luanda, 6
de Junho de 1995. Estudante da Faculdade de
Letras, curso de Língua e Literaturas em Língua
Francesa.
Z do árduo
Z ninguém
em pé lá
em pé cá
em contínua luta
em certas vitórias
no ventre da palanca
um deus mortal
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POEMA Z
um pé no alto
outro no baixo
no igual caminho
caminham desiguais
entre eles
um só Deus
mediador do alto
mediador do baixo
mediador do céu e da terra
na terra…
a sola seca
sobre o solo seco
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no céu…
o solo seca
sobre a sola seca
E NO FINAL?
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as cristalinas águas do mais profundo
sorriso
rasgado
no semblante dàlma
cantam os golfinhos
o assobio vermelho do amor
silenciosas cegonhas a voarem
ilusão do mar
de amor
AMOR A MAR
Pai violão
Ngombidi
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Denúncias do alheio
Mortes na boca
Caso encerrado
Acabaram-se as virgens
MAKAS
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Há
com junção
casal - C parado
In coordenação adâmica
In subordinação evâmica
por com sequência
locos sons
locos são
LOCUÇÕES
aí do coito
lá dàjuda
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qual herói salvando
glória deslogrando
com toda candura
ânsia sem anseio
CANDURA
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1995. Estudante do 2º ano do curso de
Comunicação Social.
quando te vi
fui teu voar
e desci Deus
para me encontrar
voei-me sobre pontes de marfim
aureolei-me de oiro em sombra fria
e voos caíram destruídos
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ANTE O DIVINO
embalar cores
palavras plenas
no des campado
vale elo quente
nada pintar
covil de instantes
caminho do sol
bordado de pétalas
de vagar
sonhos in finitos
reduzem
princípio imaginado
escrelinhar àlma
céu embrulhado na terra
onde lâmina do tempo fere luz
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degolando alfa betos
VÁ LI DAR CONTRÁRIOS
púrpura
de genes raros
manancial de alimentos
caro, líquido necessário para a
sobre vivência. fazes ciúmes à água
que com sapiência a gula aniquila desde a
essência.
cada
lauda dos meus
opúsculos que a ti e para ti
são redigidos esclarece o mais
puro
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do sentimento humano antes dito e
proferido
por qualquer ser normal sedente que pensa e
respira.
VI NHUM
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coitada!
agora vai…
vencestes!
que chovam os meninos inocentes
cada um ao seu momento.
bloqueiam os sentimentos.
com vossa licença: pedem às lágrimas.
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um trigo nas mãos do joio
sombra conotada no texto da insónia
houve deserto
saciado por nenhuma água
no meio do caminho
antes dos dedos madrugada
tocarem o céu de Adão
CAMINHOS
na veia do silêncio
uma navalha
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debicam a cicatriz
há ventos de flechas
que sopram para o coração da morte
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FILIPE OKONDAPITA???????
MINHA ÉPOCA
35
ÍPSON SÉRGIO JOÃO, Luanda, 30 de Maio de
1994. Estudante do segundo Ciclo do ensino
regular.
há um caminho voando
cedo se estende
desfila virtudes
pinta olhares
nasce sonho
noite alongada
sussurra gemidos
dois anjos na lua
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pássaro cantor
SAUDADES
Estudar transcender
sol e lua e nova lenda
orgulho de gente
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factua-se nova realidade
liberdade
obrigado minha gente
de lágrimas e suores
de sonhos revogados
OLHAR ANGOLA
Cara alho
cara cebola
cara jindungo
cara feia
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secos olhos
escrevem poemas
nos fomeados lábios
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FOME
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na procura do incompreendido
dei-me ao nada
intensamente perdido
nessa estrada sem direcção
rumo ao ser solitário
EU SOU EU
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natureza de um anjodemónio testemunhandando
santidade gloriosa
do oásis encarnado
na lágrima de uma criança
42
KALEWA SALVADOR nasceu em Luanda a 14
de Julho de 1997. Terminou o ensino médio,
estudando Ciências Económicas e Jurídicas e
trabalha como pasteleiro.
do roto rosto
se desbrava o mar
de suas salinas
incolor é a mágoa
de águas friccionadas
do poço
catarolandado
inóspito olhar da vida facada
LIGADURA DO CAOS
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caiu o estrume
caralhos e caravalhos
rolandam e emanam
sina serpentina
fendas a venda
estendidas a contendas
dos feitiços dos postiços
dos trocos rotos dos irmãos
da geração do sim distante
do não sei mais quem
do sim as tetas do não
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KWONONOKA (JÓ RAFAEL), Lunda Norte, 19
de Junho de 1993. Estudante do 1º ano do curso de
Sociologia do ISCED.
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no calendário das ausências
flutuo numa única poesia
declaro a mim mesmo
o regresso de uma paragem
TEMPO VAZIO
Alcanço em mim
uma repleta volta
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Esboço sem receio sorrisos
Que eu diga quantas
vezes acordo
O véu da aurora
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fiéis evangélicos boçais
engravatados mestres de cerimónias
ventos lúdicos dèventos e fanfarras
vejo pénis vaginas dalgas
veados de pés descalços
sem almas
sem estética
filósofos ingénuos
cães!? não!
são poetas
modernos monangambas
união brigadas movimentos cívicos
politizados
sem belo
advogados partido prostituído
EQUÍVOCO
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sob o espumoso manto
um céu de linho
SUBLIME DESEJO
49
LUCIANO ALFREDO nasceu ao 11 de
Novembro de 2001.
nas calemas
calma mente me ditas
IREI À MARTE
50
LUZIMERY DE CIANA nasceu em Luanda, a
22 de Setembro de 1992 e faleceu na mesma
cidade, Luanda, Maio de 2017. Formada em
Línguas, Tradução e Administração.
51
a tua natureza é um mistério
indescritível! !
A TUA NATUREZA
52
VERDADES MORTAS
53
fundo a própria página
pátria que me rodeia é missão de cada homem
topo sempre em busca da nação
ninguém veria da mesma maneira
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é mesmo essa palavra
que só nos passa agora
ou de quatro em quatro anos.
a lei.
e aqui a guerra é uma festa
e falta a desordem para que se confirme
o ataque de nervos
e eu já estou armado
e só me falta a arma
e mirar os vossos rostos
e com o silêncio que é o mestre
e o futuro onde a paz será
SERÁ
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não ma(i)s creio
na veracidade dos rios
penteados por um céu camaleão
até pinto sobre a mentira de deus
uma verdade gorda
É o lírio da voz
na traseira da canoa
do sonho que com àlma saboreio
56
quando o céu risca
das estrelas a fumaça
e sobre pés de pedra
um frágil Deus
ante o poderio da forca
SUICÍDIO
57
1995 no Município do Cazenga. Terminou o 2º ciclo
do Ensino Secundário.
toma o cu um
riomar
nas ondas metálicas
desce crepitar
desilusão
fusão dùniverso
denso fica o
sol azul
ao cintilar
demo
grafia
DESILUSÃO
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um
dois
e três
aos quadrados
e aos recantos
busco poesis
numa terra
de espasmos
meus cabelos
hasteiam o
beijo à Judas
um Cristo
programado
desço
mais
um
pouco
o Kwanza
ao encontro…
com o senhor
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da terra
etu mudietu!
etu mudietu!
e voandando
libero minhàlma
num portal infinito
MARCIANO
60
MUSSUNGO MOKO, Benguela, 1 de Junho de
1982. Estudante do curso de Direito da
Universidade Agostinho Neto. Autor do livro EM
CADA SÍLABA, UMA CICATRIZ.
Nua na tua
rua a nau
partiu
na l
u
a
61
Lua anda
se dá de bem
linda tipo estilo
angolarrrr cidade
fiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiina
achada na inteligência
vestida de arranha-céus
pintada de não me toques
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e nada no futuro
com os meus olhos…!
L ú a a a a a n d a!
uma limpa cidade
outras a p e n a s
Luàndando
na m o n t r a
da i l h a
Sobre pousos
de emergências
repousar em teus lábios
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Arder de infernos
desejos abismais
PROMETO
64
10 obediência
TENTAÇÃO
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PAULO JOHN
Assim
de passos mansos
arrastamos faunas cintilantes nos ombros
roncantes
66
10 CONFORTO
viver ou morrer?
sol melancólico
de infinitas lágrimas
pobre Zungueira!
INFINITAS LÁGRIMAS
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vagueio nas sombras
da eternidade
LUA AR
68
PEDRO MAYAMONA nasceu a 23 de
Fevereiro de 1992. É estudante de Ciências da
Educação, especialidade em Ensino da Língua
Portuguesa. Membro do Círculo de Estudos
Literários e Linguísticos Litteragris.
As buzinas do respeito
Morreram nu
Esquecimento
HOJE
Vi vemos
A ordem da pútrida ordem
E a moral das leis
Imoralidade das leis…
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Arreda
Verme...
Basta o esfolado útero das mães sem a tua
vagem!
DE(U)SUMANOS
Fé...
Li
Cidade
Nus escombros
Decadentistas
(10)governado
Saara mais árido
Que seco...
Ricos tachos
Pobres
Podres
Dê (s) =idade
Às enxurradas dos rios!
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Éter ânsia
Mórbida espera
Nas(ci)(da)de lá
Das fissuras secas!
COMPÓNIO DE PALABRAS
Pensavandando
Escuridão dàlma
mártir afogado
terra sem água
Corpos flutuam
num sol gelado
sombra da lua
E esta alma negra
presa num corpo branco
71
caminhandava
entre lembranças esculpidas
embrulhadas em ventos eróticos
PREMONIÇÃO
Táxi
violento
teso
tenso
com pés na cabeça
avuna
nas tranças de gente apressada
Táxi do tempo
leva pela estrada meu suor
enfurece a terra humilhada
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onde há vida
dá vida
à vida
de quem adormece
à luz do alcatrão
Duas caras
é o preço da minha solidão
TÁXI DO TEMPO
SATCHONGA TCHIWALE nasceu no Kuito,
província do Bié, ao 12 de Novembro de 1992. É
técnico médio de contabilidade.
Desato
corpo a corpo
ama-se àlma
vestem-se olhares
muros penduram saga de sonhos
não grita não liberta
« ui, seu cão!»
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Fisgas-me com os olhos
Não tires o pé da verdade
Verga a monodocência
Retira de mim esta coisa
Dura de se esquecer
Entra e cospe a doçura do feitiço
Mina em mim o sonho surrealista
Retira dos ares o além dos deuses
Dois pingos de sonhos
OPOSTA VIBRA AÇÕES
Des gosto quando gosto
Entre milhares de rebentos
Um verde escravo sem sonhos
Enriquecem-se os ouvidos
No sabor da dor negra
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Morrem sonhos saudáveis
Onde corre a guerrilha tomba o sol dado
SEMENTES DA LÍNGUA
r d
i e
s
b c
75
u e
s r
s
e cada
per
fumada
marlboro alienígena
mini saia
«Max, sai, yá!»
homogeneidade metropolitana
«táqui agwè é com chê»
luandandando com biólogos biolos
sociólogos sócios
76
l an
o d
r o
e rolando
pensamento
marca ante
sorriso
sorriso
chorrante
/àcábà/ de
me /mátàr/
Acabam de me mortar...
REDES SÓCIAS
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o que serei eu
quando chorarem as madrugadas?
78
carrego pé daços
es
ca
das de lágrimas
ca idas
SAUDADE
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TOMÁS SOLO nasceu em Nambuangongo,
Província do Bengo a 1 de Janeiro de 1984.
Estudante da 12ª classe do curso de Ciência
Económica e Jurídica.
Cerram-se portas
no ventre a atmosfera
VENTRE DA ATMOSFERA
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imortal vício escorre
álcool é sangue nas veias
Ser mil i tar
ser ku
papá tá
é o preço do sonho
Oco futuro mara tonas pró longadas
lápis enferrujados
ondas de desemprego ki lápis estendidos no céu.
81
VATA MORAIS nasceu no Uige no dia 12 de
Agosto de 1992. Concluiu o curso médio em
Ciência Física e Biológica.
no convívio silábico
uma língua afiada
derrama sangue
saboreando versos quentes
sabedoria santa
invoca perfeição imperfeita
no sorriso da noite
oh!
manifesto a crónica
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depravando gotas de morte
entre sombras escondidas
compartilho o mesmo sabor
com lábios dispersos
sons soprados
danças onduladas
segurança insegura
espectáculo de lâminas
no palco cá ido
agonizando vozes entoadas
fogueira de raciocino
vivendo fim de passado
na cor de amanhecer
SÍLABAS CANINA
de forma incógnita
caminho, andando
de este
caminho encerrado
com sílabas flutuantes
criada numa poética sinalagmática
que olhos tesos
mirando entre mabubas
escondendo jing(u)enga
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ressuscito num jardim
irmão
parto do mundo leso
sobre dorso levo
cal vários de todas as eras
84
adeus carne minha
adeus alma das estações
e a cor darei onde morrer
ó mãe de exilo
mãe de arco ires
fonte vi tal
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é vida
é morte
hemos de erguer
um ceu
uma noite
uma terra
um homem novo
RECADO
86
WALTER AMBRIZ nasceu em Luanda a 24 de Julho
de 1992. É estudante do 2º ciclo do Ensino
Secundário.
mulher palavra
terna caprichosa
violenta
suave
de mel
há cá dá si lêncio
rios de
areia.
escoam o rosto
100 alegria
no pulsar.
do sangue
no teu ventre
só sei dizer
amar.
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MAR NA LÍNGUA DA SEMENTE
88
disseste à
vida da pátria
dorme o andar da fome
100 MORTES NO FIM DO NORTE
um olhar torrencial
subjacente nas rosas
víboras entre orquídeas
mortíferas palavras
beijam um silêncio
levam um amor
as profundezas da morte
amargo abraço
que partiu sem deixar rastos
AMARGO ABRAÇO
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um sangue derramado
na esfera artificial
trilha um caminho de esperança
um sangue reside
num rosto inocente
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e uma planta recebe
outra inspiração
na ignorância
esse sangue é meu!
aquela planta sou eu
quem?
O AGRICULTOR
pãopagaio cinzento
leva poema correio intemporal
à vindoura gera acção
91
fome é poética ilusão
ou surreal real idade
FOTOGRAFIA DE HOJE
Aleluia
ei-lo aí
o súbito sujeito
subentendido na sintaxe da pátria
92
verbo de poente
substantivo concreto
complemento circunstancial
narratário implícito
duma história arranjada
ó deus
tu que te ocultas
em orações elípticas
tu que nos ensinas sobre viver
conjugai o nosso viver
em nome dos que subvertem
a gramática do medo
amém
«MORFOSSINTAXE DA PÁTRIA
93
ZIKIDI (Miguel António) nasceu em Luanda a 25 de
Setembro de 1994. É técnico médio de Enfermagem
Geral, Hospitalar, no Instituto Médio Técnico de
Saúde, VISAMAC, em Luanda.
nego a mim
nego a Deus
10 faço
minha existência
1 X + aniversário do Diabo
recusar ia um ateu
arrumar as barbas do Diabo?
pintar as unhas
acomodar-se sobre a barriga gorda?
existo
94
quando 10 creio +
EXISTÊNCIA
vivo
indo
tempo
meu ano
minha idade
meu dia a dia
minha vindade.
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morro
sempre que me não conheço
sinto raquitismo das pedra
num estático tempo
sem inverno sem verão.
VIVO INDO
Helder Simbad
Construção colectiva do Eu
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efeito catarse: processo infeccioso, transmitido ao
leitor com sensibilidade apurada.
97
Hoje o mundo senta-se
aos pés de mim
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Não me sinto
Com veias
com silêncios
com intimidações
nas ideias das palavras folhadas
andei com as palmas das mãos
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sou um ser camaleão
camuflado na semente do homem
…
Há uma cidade perdida
entre os escombros
Luanda babilónica
Há um carro avariado
na estrada da mente
Lá, lá…
Onde o choro negro é profundo
onde asas tenebrosas
tempestades vegetam
Lá…
Onde o perfume das algas
arrasta a boca do mundo
dançam minhas pálpebras
nas notas perdidas
100
No cantinho da guitarra
lá dançam tristes ou alegres
e a cidade lentamente morre
asfixiada no tronco da madrugada
101
O sol renascendo
trevas em mil dimensões
amor morte do meu mundo
treva, treva
102
brindando o deus que não sou
sobre a magràlma do diabo
que se me desabrocha
ante o troto da poesia
gatafunhado papeis
no ventre dángústia
um silencio vazio
afogando-se no ataque de quem crê
Pensamentos em trevas
luzes em mentes
mentes iluminam trevas apagadas
no florir das memorias fatigadas
palavras sangrentas
paridas na maternidade
rebuscam o som ritmado das cordas
até o findar dos campos lavrados
…
103
104
Prosa
Cíntia Eliane
105
AGRISPROSA: O MANIFESTO
Entendemos que um
Movimento Literário
deve-se definir como uma
associação formada por
autores, mais ou menos
da mesma época que,
106
compartilhando
analogamente o mesmo
conceito de humanidade e
de arte, estabelecem uma
ideo-estética comum.
107
polvilhamos com pó de lua.
108
Na nossa visão a prosa deve deslizar das
mãos do seu escultor real e de forma fantástica.
Enquanto a poesia vem-nos instantânea, a prosa
resulta da avaliação e reflexão em torno dos
fenómenos que nos norteiam. Geralmente, essa
construção segue um roteiro que parte desde a
documentação até à prática; o que implica uma
soma de leituras para a sustentabilidade da
produção e do perfil do prosador. Por fim, vem a
avaliação da nossa própria produção, primeiro por
uma auto análise e depois a análise de terceiros.
109
Outra vez CABEÇA NA LUA, PÉS NA TERRA.
Apresentamos este paradigma como o princípio da
trajectória para a construção da agrisprosa.
Promovemos o fantástico, sim, mas não nos
desfazemos totalmente do que se entende por
realidade. Para nós, literatura é ARTE da
transfiguração da palavra, arte do não simples, arte
do não óbvio.
110
muitas vezes, eternas e profundas renovações
estéticas no nosso Movimento.
111
A nossa narrativa tem um conteúdo
minuciosamente seleccionado, e o discurso é
narrado de forma inovadora e de acordo com a
intensidade da própria história, visto que temos
romances narrados na 2ª pessoa o que constitui
uma novidade dentro do mercado literário
angolano. A narração é assim feita pela intenção do
narrador em acusar o herói da história.
112
encaramos de forma diferente na medida em que
utilizamos vários recursos durante a composição.
Por exemplo, muitas vezes a história narrada não
segue uma ordem cronológica nem uma sequência
logicamente ordenada dos eventos. Desse modo,
podemos dizer que a história corresponde ao
conteúdo da narração, ou seja, ao seu significado,
enquanto o discurso que veicula a história é o seu
significante.
113
susceptíveis a mudanças, transformações sociais,
estéticas e ideológicas, em cada momento
histórico, são dotadas de uma forte caracterização,
e apresentam características individuais sólidas e
muito marcantes. Propagam hesitação, não
morrem na primeira leitura, despertam perguntas
resolvidas decisivamente durante a leitura. Em
termos de descrições nada se compara a plenitude
delas.
114
A nossa narrativa é desenvolvida nos termos
da sequência, linear ou não, e das acções das
personagens entre si. Essas acções, algumas
vezes, são influenciadas pelo ambiente que
contextualiza a história em termos espaciais e
temporais. Trazemos todos os encontros e
embates possíveis no decorrer da trama.
115
tem afinidades com a poesia; tem de trazer uma
abordagem social, filosófica e estética.
Vómito! É assim que olhamos para a
narrativa sem conteúdo, sem sintonia com os
valores humanistas e a afirmação do homem,
aquelas que desvalorizam profundamente o
conceito concomitante de escritor ao promover a
decadência dos valores humanistas e a ter o amor
nojento como centro do enredo. Nessa prosa, o
homem surge como um ser que perdeu o sentido
num mundo mutilado pelo pensamento oco, pelo
feroz avanço do capitalismo selvagem e pelo
aperfeiçoamento e crescimento das máquinas na
produção do capital. O mundo torna-se um lugar
absurdo, fragmentado e sem esperança. Fazem do
amor e erotismo baratos os acontecimentos mais
importantes.
Cabeça na Lua, pés na terra!
116
Ernesto Daniel
ISSUNJE
117
gemidos de parto da gravidez de quinze meses e o
bebé preso na jaula do ventre a negar-lhe o mundo,
que a enlouquecem cada vez mais. Toda
calamidade do universo nos lábios de Capombo,
rugindo feroz como uma leoa ferida, e soltando
estridentes gritos na boca da rua como uma criança
faminta. Um rio dágua quente invade de
preocupações o rosto do bairro. Uma corda
misteriosa prende a lua. O tempo é uma bicicleta
sem rodas, estagnada no meio da noite. Tudo é
medo, susto, assombros, fugidelas, como bagre
astuto que escapa do anzol sufocante da morte.
Nem a Kimbandeira Guida, de marca ancestral,
bisneta da avó Umba, conseguia trazer ao mundo o
misterioso bebé escondido no palácio umbilical da
mãe. Parece que conhecia de perto, pelos sentidos,
118
os martelos do mundo, a cairem a dois metros de
cólera no esferovite corpo da humanidade.
119
a correr para destinos incertos. Alguns vizinhos até
abandonaram o bairro para se escapar da
ineditagem.
120
abandonassem o local. Mal as suas pegadas foram
cobertas pela areia arrastada pelo vento, os dedos
das mãos no formato de uma asa, saíam para fora.
Aliás, afinal não eram dedos das mãos, nem
formatos de uma asa. Como as luzes incendiavam
de escuridão, quase que nada se via. Viu-se depois,
quando no enraivecido expulso de Capombo, uma
coisa meio estranha foi parar às mãos da velha
Ingo: Cabeça humana, tronco meio peixe, meio
humano. Na verdade, era um bebé peixe, um peixe
bebé ou bepeixe a pedir água apontando as
barbatanas das mãos para o rosto do pai. Com
espanto e admiração, Don Carvalho desmaiou e
levantou. Capombo, com o corpo no embalo da
fadiga gritou-lhe:
121
quê que você desmaiou? Foi eu que nasci, ouviste?
- ham!
122
medo profundamente a picar-lhe o coração.
Devolveu o bebé à mãe e, com desculpas para se
desfazer da ensanguentada roupa, desapareceu a
vapor, esquecendo-se da crise da idade e, depois, a
noite correu como uma lebre na meta do
amanhecer.
123
deixados pelos portugueses em meados de 74.
Tinha mesmo classe, uma classe europeizada que
até quase não se falava a nativa língua. Todos
foram arrastados pelas correntes linguísticas do
português, a não ser a palavra isunji (azar), em
memória da morte do pastor Kalupeteka. Um
devoto cristão e percursor de Issunje, que foi
engolido por um camaleão. Narra-se que o pastor
Kalupeteka ofendera um camaleão que imitara a
cor preta da sua Bíblia e o camaleão enfurecido
com o palavrão, engoliu-o e depois abriu as asas e
voou. Dizem que nunca mais apareceu. Era um
camaleão voador da terra dos meninos gigantes.
Um reino algures entre marte e alguma coisa,
habitado por camaleões de todas as espécies,
desde camaleões meninos a camaleões gigantes.
124
Com a permissão da família Carvalho, tinham
de livrar a cidade de uma praga vindoura.
Entretanto, o conselho decidiu pôr fim a estranha e
sofrível vida do bebé. Qual espanto a invadir o
quarto para o premeditado acto. O bebé, qual
remoinho evaporou da cama.
125
para vinte e três anos mais tarde, quando Issunje é
atacada pelos camaleões da terra dos meninos
gigantes pela força da seca e da fome. Famintos e
sedentos disparavam acesas línguas e destruíam
com o peso dos seus corpos as casas, as coisas,
como quem quisesse deixar em cinzas uma aldeia
no tempo da guerra. Carregavam no estômago uma
fome antiga e, o povo com o fôlego da morte na
ponta do coração, clamava por socorro, metendo-se
em fuga para escapar da morte.
126
fria e a congelar os camaleões voadores. Com o
golpe de um rio, afugentou com o seu tempestuoso
sopro os gigantes camaleões, e com as suas
poderosas mãos, reuniu o vento e lançou-o para a
vulcânica montanha na margem esquerda de
Issunje. Capombo reconheceu pelas mãos de
barbatanas já adultas e pelos olhos de nuvens que
era sua filha, à qual reservara o nome de Dália antes
da nascença.
127
Ybynda Kayambu ou talvez Hélder
Simbad
E A DEUSA GREGA
128
sempre existiu, existe e existirá, sempre. Era hebo
na arrendada barriga de Lusitana. Por séculos,
entranhado viveu amarfanhado dentro duma
barriga. Antes de conhecer as cólicas do universo
telúrico, disse bramindo:
129
tinha densas florestas na cabeça. Só por isso, era o
preferido. Era daquele tipo de filho que faz os pais
crescer. Mas o pai era demasiado preguiçoso.
130
subdesenvolvimento. Uma criança abandonada,
cujo pai seguia qual um mendigo esfarrapado pela
Europa fora. Uma criança com fezes a ferver dentro
da descartável há décadas. Uma criança adulta ou
um adulto que teimava em crescer. Fedia a merda
que comera: corrupção, nepotismo, desvio de
fundos, falta de solidariedade, ganância e outras
merdas que saem pelo cu, porque organismo que é
organismo, seja fisiológico ou político, apenas devia
aproveitar aquilo que nutre o ser.
131
para todos, energia, escola e pão para todos. Mas
viu-se nascer outras fomes num tempo em que na
terra de Ngola caía neve. E de que cor seria essa
neve? Admiro os artistas plásticos. Tudo surreal!
Onde é que já se viu neve de cor vermelha ou de cor
preta?
132
deuses em ricos mendigos. – Retorquiu o Corvo, o
mesmo homem que parecia ver o país a partir do
céu!
133
sabíamos que deus já escolhera um conjunto de
pessoas que herdariam o seu reino. Bastava-lhes
um papel com fotografia e estrelas celestiais com
manchas solares. Deus não se importava com os
cães. Mas também seguiu mendigando pelo
universo fora.
134
sangue. Desterravam-se camponeses. Todos
olhavam impávidos. Os políticos afiavam as línguas
nos debates e resmungavam nos cantos. Os
militares criavam organizações clandestinas.
Acendiam fogueiras, e os políticos chamavam-nos
para apagar. Certo dia, a chama alastrou-se até ao
palácio real. Os militares criaram raízes em suas
bases. Os telefones emudeceram. Não se via
nenhuma ave de ferro a voar sobre o rugoso e
putrificado chão da pátria que pariu. Vergonhoso.
Ajoelharam-se deuses diante de homens decididos,
pequenos davids partindo estátuas Golias.
Rasgavam-se meio século de ideologias, em
panfletos. Nada pior que um bando de idólatras a
negar ex. deuses com violência. Ouviam-se
cânticos de guerrilheiros. Pareciam eram os
135
salvadores da República, mas empurraram a
República para um precipício sem fim. Bancos
faliram, mas ainda assim todos trabalhavam. Quem
teria testículos para fazer greve? Quem? Afinal os
outros, ainda que utópica, nos davam alguma
liberdade.
136
Enquanto esse evento ocorria, Namibe fervia
num dilúvio. O general governador mandou foder
categoricamente as «Festas do Mar». Calemas
ergueram-se à altura do desrespeito à tradição e
inundaram toda a cidade. Surreal é saber que nem
todos morreram. Todos os poucos honestos vivem
com pequenas Kiandas na cidade dilúvio sem as
arcas de Noé.
O general-governador-de-Cunene foi as
europas da vida e trouxe uma carta na manga.
Arrogantou-se:
137
peixes em centenas de milhares. O povo passava
fome e Kianda gerou outros peixes para alimentar o
povo.
138
Recuava e o povo perdia a esperança. Quando
chegaram à foz do rio, eis que o poder da bruxa
desfez-se e Kianda a levou nas profundezas do rio.
Naquele lugar oculto onde repousam seres de água.
Quando todos acreditavam que Kianda não mais
regressaria, eis que de rompante, saiu dágua e num
segundo passou pelo palácio arrastando toda
aquela fortaleza.
139
Pedro Mayamona
ZENGI E A SEREIA
140
A sereia surgiu de um ovo que tentava fazer
travessia dum incerto lugar para o sistema
interplanetário, onde seria fecundado por um
mitológico deus com reinado de pedra. Mas, as
colisões sísmicas entre os seres alados do espaço
amorteceram-na ao ponto de cair naquele maldito
espaço – Nkixi. Talvez tenha sido este o motivo da
sua beleza que ardia, esfarelando os homens de
alucinação.
141
morrerem, adulavam, pintando-o de honra e glórias,
até certo ponto desmesuradas, mas convinha,
porque era uma das mendicâncias para que se
ganhasse a vida e o pão.
142
remoinho, ao possesso ser de Lulendo até o quarto
onde o casal se enrolava em beijos. Do pano de
sonho, Makyese despertou-se e bradou para o
homem:
“Cuidado, Zengi!”
143
que não deixaria a terra por herança a seus filhos e
familiares.
144
Depois do pesadelo com Lulendo, a paz
voltaria a reinar no ninho do casal, se Zengi não se
tivesse derretido pelo olhar flor de uma humana
igual, o que causou a sua loucura, emanada das leis
matrimoniais entre uma sereia e um ser humano. E
Makyese voltou ao seu primeiro berço para
rejuvenescer, porque era uma mitológica criatura
em constante vir a ser.
A LINGUAGEM DO SILÊNCIO
145
Naquelas bandas de Canjinji, apareceu
misteriosamente a verdadeira poesia carnal: rosto
deusificado, olhos multicolores, cabelos negros de
Kianda e um corpo todo esponjoso. Era a Kayeye,
um fogo de mulher, uma criatura perfeita aos olhos
humanos. Mas como a perfeição não é coisa do ser
humano, faltava-lhe uma voz, uma voz que ficou
presa nas garras do silêncio, desde que veio ao
feroz mundo. Mas a mudez não anulava a sua
abundante beleza, pois simplesmente com o seu
olhar virginal hipnotizava uma infinidade de
homens, cujo desejo maior era comer a maçã da
reincarnada Eva.
Em sua benevolente alma, Kayeye carregava
uma maldita maldição que lhe rasgava o desejo
excitante da vida. De tão bela que era, de tão
sensual que era, de tão afável que era; ninguém lhe
podia proferir palavras ofensivas, imundas ou
desrespeitosas, se não a maldição erguer-se-ia e
estender-se-ia para todos os que ali viviam.
Um dia desses em que a lua decidiu não
146
aparecer, Kayeye saíu em passos camaleónicos,
transbordando a beleza do seu maragnífico corpo
por toda aquela região. Numa esquina chamada
"Cinquintinha", passou por um grupinho de jovens
curtindo um banzelo e a mandarem umas cucas pro
peito. Um deles chamado Kwangwangwa,
masturbado num simples olhar, resolveu chamá-la
e fê-lo de todas as formas possíveis, mas Kayeye
continuou sua trajectória que não tinha começo
nem fim. Kwangwanga por sua vez, irritado por ser
ignorado diante dos kambas, já consumido pelo
que consumia gritou em alta voz:
- Hum, tipo num caga! Puta de merda!
De repente tudo parou, o céu escureceu-se e
o silêncio reinou. Nesse instante Kayeye desapareu
e com ela todas as vozes. Todos perderam a fala e
começaram a comunicar-se através de gestos.
Na noite deste mesmo tenebroso dia, Kayeye
apareceu no centro de Canjinji sob a forma de uma
gigante pedra de cristal, cravada com a seguinte
mensagem: «Quem não fala também comunica».
147
Em seguida, reapareceu a Kwangwangwa,
enquanto este estendia as bolas no seu quartinho
de chapa, tentando buscar as vozes que se tinham
evaporado com a misteriosa beleza de Kayeye.
Desta vez sob forma de uma pena de galinha,
Kayeye pincelou no teto, onde justamente olhava
Kwangwangwa, deixando mais uma mensagem: «A
salvação está em tuas mãos».
Kwangwangwa levantou-se assustado, já
com uma faca na mão, procurava a misteriosa
pena, mas encontrou apenas um nada, um vazio
que o engolia. Desesperado, arrojou-se no chão e
logo lembrou-se da mensagem que Kayeye o
deixou. Rapidamente abriu as mãos, onde
encontrou mais uma mensagem: «Vá agora ao
cemitério, desenterra a cova de um daqueles que
andou a estigar os que não falam e queime o seu
esqueleto. Aproveite o pó, jogue-o ao cair da
madrugada com o cantar do galo e tudo se
restituirá».
Então, mesmo vibrando de medo,
148
Kwangwangwa saíu e fez tudo o que Kayeye lhe
tinha orientado. Mas nenhum galo cantou, pois o
silêncio encarregou-se de levar consigo tudo o que
era som. Portanto, a maldição do silêncio ali se
instalou e tudo virou um vazio, restando apenas
Kayeye sob a forma daquela gigante pedra de
cristal com a sua pedagógica mensagem: «Quem
não fala também comunica».
Mussungo Moko
149
cidade com as longínquas árvores da
independência.
Com a chuva, os bichos cresciam e
rasgavam a boca. Mesmo assim, o fogo
esquentou-se na floresta. Enquanto os bichinhos,
com a sua urina, apagavam o fogo, os animais
selvagens sopravam para com ele confeccionar os
seus alimentos.
– Porquê as fachadas e não as
concórdias? – Rematou o Camaleão.
Antes de responder, o Jacaré-de-parede
questionou a dúvida, e em seguida, abertamente
respondeu:
– Arrastas a santidade à pátria. Minha
resposta pode não ser satisfatória.
Enquanto o Camaleão e o Jacaré-de-parede
afiavam a retórica na pedra, em forma de sardão, o
pirilampo limitava-se a acenar a cabeça.
_ Sim, sim, sim meus camaradas. Suplico o
rosto da chuva para apagar o fogo, e no final o
sorriso florir!
150
– Aqui não há camaradas pá! Na floresta,
só existem bichos. - Replicou o Camaleão.
A menina Benguela encontrava-se nua e
devorada pelas fornificações das pólvoras. Seu
namorado Pirilampo, para não sofrer a humiliação,
teve que namorar a Dona Luanda. Linda Luanda!
Era a única prostituta dos deuses. Até os
estrangeiros queriam engravidá-la. Tomado o
caminho, o seu companheiro de viagem (o
Tapete-asfáltico), disse-lhe que os camponeses da
mesma planície semeavam minas. As árvores já se
tornavam ferozes, devido às curvas descidas e as
feridas timbradas no seu útero.
Sem a hipérbole, a Senhora Canjala era a
chefe do Estado Maoir, sem piedade. Para o
Pirilampo beijar os pés da Dona Luanda, teve que
nadar todo mar do sul, até ao Senhor
Porto-Amboim.
– Os mergulhos me fatigaram. Dei tantas
goladas que salgaram-me as tripas, e até o papeu
na barriga se estragou. Mazé a dioba que vai me
151
bondar!
– Ó seu bicho! Aqui não há padres, nem
vincula a Bíblia pá! Levanta e vai-te embora.
Conquistou o asfalto despenteado que
conhecia a casa da Dona Luanda e ambos partiram.
O Jato em que eles se plantaram era um camaleão
no andar. Seguia o seu curso num espacio-temporal
de 1,5 a 1,0 km por hora.
Era a força maior, e ele queria um dia contar
essa contenda a outrem. Separou a sua mão da
dela. Em seguida, leu as lágrimas pretas nos olhos
dela, mas não podia recuar. O coração já estava no
quintal da Dona Luanda. O Asfalto ainda
mostrou-lhe o Museu da Escravatura. Já estava
fora da forja e respirava levemente.
Habilitava-se espiando toda ela paisana.
Poucos quilómetros depois, o Tapete Asfáltico
também virou numa pessoa de verdade: bem
vestida, de um facto engraxado e duas barras
brancas em cada faixa. Foi o dia em que ele
conheceu a Dona Luanda. Diziam que ainda era
152
miúda, linda, média e negra. Apesar de ter mais de
XVIII séculos, tinha um passado de ferro, e
precisava da veste interior para caminhar.
O Pirilampo inalou o socialismo, e em sinal
de boa educação retribuiu:
– Estou na Luanda, na Nguimbi!
– Na Luanda! Exclamou a Árvore barbada
de inteligência.
Antes do Pirilampo ter contado alguns
passos leves, a Árvore falou baixinho:
– Esse wi é sulano. Fala mbora o rascunho
do português.
O Pirilampo arriscou-se e chegou. Encontrou
os inquilinos que viviam num comboio pronto para
uma boa sobrevivência. Apontaram-lhe um carro
com as pernas separadas do tronco: um antebraço
perdido, enrugado de feridas e velho por lhe terem
batido duas estações chuvosas. Então, o Carro
disse-lhe que sua cama era o teto de casa, para
fazer peso e proteger as chapas das ventanias.
Pirilampo por sua vez, arrogou-lhe e
153
aprontou-o bem com pregos e martelo. No dia
seguinte, visitou o mercado do Roque Santeiro com
o seu companheiro Carro, cujas traseiras, em
andamento, agradeciam pulando os muros com o
pneu bem calibrado, enquanto o escarro do
Pirilampo estava sendo pintado a vermelho pelos
seus pulmões.
_ Agora todos nós estamos numa só palma,
esticando a língua materna para o português.
Foi assim que começou o uniforme do ódio...
Mangaby (Gabriel Rosa)
154
Tinha àlma cristalina, a mais linda em toda
deusa vida. Era tão vaidosa e gostava de os cabelos
enfeitar, com as lindas flores que sorriam aromas
fantásticos.
Possuía um arco-íris de bondade.
Estimavam-na todos os amigos a quem, a nossa
deusa terra, abrigo, carinho, e amizade
profundamente ofertara!
Dentre todos os amigos, havia um que a
nossa deusa terra dedicava carinho e confiança na
plenitude e perfeito estado de ser. Amava-o sem os
truques das amizades dos nossos tempos de hoje!
O amigo, que a menina deusa terra o tinha como o
melhor, chamava-se homem. Em todo Abril, mês
que lhes nascera a amizade que se adivinhava bela
nos anos da eternidade, a menina deusa terra exibia
todo o seu poder alegre.
Convidativo, sentia-se o poente, enroscado
num horizonte que bocejava harmonia sobre a
orquestra do mar, cujas ondas maestravam
lindamente. Que festinha bela e fresca acarinhava a
155
face do universo!
Os anos morriam vagarosamente na
enraizada velhice do tempo e a amizade estendia
os braços além universo. Até que um dia, enquanto
a nossa querida menina deusa terra reflectia
lindamente, os deuses anos da vida, focado nos
olhos brilhantes e firmes de diamantes, o amigo
homem alimentava no seu coração, que se pintava
de negro maldoso, sentimentos que se veio a
chamar: ódio, inveja e ambição.
O homem, não aceitando a sua vida de
mortal, ambicionou os longos anos e invejou a
eterna e pura felicidade da nossa querida menina e
deusa Terra. Assim, o maldoso amigo traiu a deusa
terra. No seu orgulho de igualdade, o homem
inventou a guerra para a divina beleza da nossa
querida menina deusa terra acabar e a sua infinita
riqueza, que são os recursos minerais se apoderar.
Restou todo um coração de palha à menina
terra. Dias e noites, ela tem chorado maremoto,
soluçando terramoto, tosse vulcões, por essa
156
amizade que fotografava linda e eterna no seu peito
dourado, atropelada pelo amigo que nunca, em
todos os milhares de anos de sua majestade deusa
terra, imaginara tão grande desfeito.
157
Lourenço Mussango
158
sua intimidade, uma vida espreitava a existência.
VizinhaNzala, a anciã que acompanhava Maria
VaiComTodos, vislumbrava um futuro ácido para a
jovem grávida.
A expressão facial do rosto esbelto da Maria
VaiComTodos ganhava metamorfoses coléricas. O
assombro instalou-se e ninguém conseguia
acalmá-la. Choro e dizeres compunham a canção
que dos lábios da mandongo emergia.
Filhadaputava-os a todos.
— Nzambi ya mbungu, matuba dye — olhando
para o céu negro, ofendia freneticamente o «Deus»
por quem, quando criança, um dia fora baptizada e
crismada na Igreja do Carmo. Para ela, Deus era um
ser injusto por ter dado a Eva a dor de parto como
consequência do pecado mortal.
Maria VaiComTodos ganhou consciência da
sua liberdade, adoptou o feminismo como a sua
religião e via na figura de Jeová um ser confuso,
que sempre alienou a emancipação e o
empoderamento das mulheres. Postergara o nome
159
TeresaDeCalcutá, seu nome de baptismo, e
adoptara o Maria VaiComTodos para romper com a
educação religiosa que o seu pai, um católico
devoto, lhe transmitiu. Deus mazé era um frouxo
ciumento que invejava a Eva por ter devorado Adão
sem o partilhar. Só o papá e os seus irmãos
dogmatizados não enxergam isso, pensava entre
suspiros.
— O prazer às vezes produz frutos amargos
— do outro lado do hospital, o afamado maluco
OndjakiTransparente gargalhava aos berros
enquanto olhava levemente para Maria
VaiComTodos. Insólito. Acomodado debaixo da
casuarina, no escuro, OndjakiTransparente folheava
distraidamente um romance histórico acabado de
ser publicado no Auditório Pepetela, do Centro
Cultural Português.
No coração da maternidade, a negrura da
noite acomodava-se entre uma gravidez e outra.
Por alguns instantes houve silêncio. Absorta nos
seus pensamentos, Maria VaiComTodos sorria com
160
ternura. A dor de parto parecia evaporar-se. O
sorriso era sincero e poético. Depois de respirar
com sofreguidão, caminhou em direcção a
OndjakiTransparente e abraçou-o com brandura.
— Serás o pai da minha filha. Disse, troçando.
— Não há nada mais poético do que estar
com o amor da nossa vida — OndjakiTransparente
sussurrou-lhe ao ouvido e com a cabeça acenou
positivamente à ordem dela. A luz da ambulância
que saía da maternidade iluminou o rosto do
maluco. Maria VaiComTodos, entregue ao abraço
reconfortante e ao inclinar-se um pouco, conheceu
o rosto do maluco perfumado que a confortava
silencioso. Este maluco poeta deve ser filho de um
mundele lindo, pensou enquanto observava os
detalhes da figura impoluta que abandonara os
seus olhos aquosos sobre o seu corpo disforme
pela gravidez.
— Como te chamas?
— OndjakiTransparente! — a um palmo de
distância, respondeu um senhor com cerca de 57
161
anos de idade, que os observava atentamente.
ÁguaLustro era um prosador angolano que, vindo
de Portugal, estudava cuidadosamente
OndjakiTransparente para o seu novo romance cujo
protagonista seria uma cópia do jovem maluco.
— O que é que um exímio escritor está fazer
com um bloco de notas no escuro? — indagou
Maria VaiComTodos sorridente e curiosa.
— Ondjaki é o único amigo transparente que
a minha terra me deu. Sabe, a pretensa democracia
que paira no nosso musseque fez-nos artistas.
— Sei muito bem o que dizes. Afinal, és dos
poucos escritores que o poder político ainda não
conseguiu corromper. Mas o embaixador diz que
és um tuga invejoso que sem fundamentos
contesta o partido que nos governa.
— Estás a falar do
EmbaixadorGanhosIntangíveisDaPaz?
— Sim, esse mesmo — desataram a rir.
— ...este é o nosso futuro, a ditadura da
ganância? — enfeitiçado, OndjakiTransparente, que
162
por alguns minutos esteve silencioso,
encontrava-se agora de pé a reflectir em voz alta
Se o Passado Não
sobre a última frase do romance
Tivesse Asas , que acabava de folhear.
A pergunta parecia fazer sentido para
ÁguaLustro, observador atento que captava
momentos fugazes e dava-lhes intemporalidade
nos seus romances. A quase quinhentos metros de
distância, do lado de lá, gente importante a passos
ensaiados riscavam o chão de mármores de um
salão adornado. Ao longe, inacreditavelmente
ouvia-se o sembaBajú , animando a festa milionária
que OndjakiTransparente fingia não ter lucidez para
dizer quem era o aniversariante.
Do lado de lá, ao contrário do da
maternidade, o céu do dia 28 de Agosto era outro. O
tempo não parecia negro nem tempestuoso. Havia
nuvens multicolores em perfeita harmonia com a
Superlua dançante. Os homens de lá compravam
tudo, até a vontade de Deus. O seu maior eleitorado
estava nas igrejas dos líderes que no preciso
163
instante saboreavam champanhe francês. O gosto
do champanhe tinha duplo sabor: o da idade
avançada do aniversariante e o da vitória nas urnas.
VizinhaNzala cuspia olhares vorazes,
ameaçadores. Maria VaiComTodos estava entretida
de mais para perceber os olhares reprovadores.
Deus foi infeliz quando planeou o mundo, pensou a
anciã. Gotas de sangue caíam sobre os pés
inflamados da Maria VaiComTodos. A prosa estava
boa e o sangue e as dores já não a incomodavam.
Os três, sentados debaixo da casuarina, falavam
sobre o século das luzes e a escuridão que teimava
em cantar nos salões da África do século XXI.
— Como se vai chamar a nossa filha?
— Langidila! — respondeu com a emoção
marulhando-lhe os olhos.
OndjakiTransparente e ÁguaLustro
entreolharam-se surpresos. Umdéjà vu intenso fez
com que o maluco poeta a olhasse pasmado. O
chão estava manchado com sangue coagulado.
Maria VaiComTodos manteve-se altiva, indomável e
164
lúcida. «Só depois de recuperar a nossa dignidade é
que podemos decidir se viramos ou não cristãos.»
Distraída, pensava na frase que lera noDiário de
Um Exílio Sem Regresso quando mais jovem. A
leitura despertou-a para a independência. Desde
então mudara de nome e personalidade, já não era
aquela rapariga meiga e frágil que fazia silêncio
perante as injustiças e confiava tudo ao Senhor.
Tornou-se anarquista e passou a devorar livros
proibidos.
Ao redor dos três, um grupo de mulheres
onde a VizinhaNzala se encontrava, sussurrava
palavras de contestação. OndjakiTransparente
olhava para Maria VaiComTodos com desejo, a
maluquice cedeu um pouco, quando recordou que
já fora um homem de família num passado
glorioso. Num ápice, o seu falo com algum
despudor rompera o fecho da calça. Algumas
mulheres desandaram assombradas, as mais
jovens observavam sorridentes.
Imaginou-a em casa, encostada ao sofá,
165
despindo-se diante da televisão ligada. De pé, de
lingerie, com um copo de vinho tinto junto aos
lábios carnudos. Os pensamentos fluíam na cabeça
de OndjakiTransparente. ÁguaLustro, calado,
apontava cada detalhe no bloco de notas que trazia
as mãos.
Os faróis dos carros iluminavam a entrada
do hospital. Apesar do frio penetrante, grave e
cortante, rostos pálidos e ensonados faziam a
festa. A neblina e a escuridão pareciam mais
carregadas, densas. Do céu fúnebre nevoeiro solto
espraiava-se intenso. No portão da maternidade,
enquanto Maria VaiComTodos de pernas abertas
sonhava acordada, ficcionando
OndjakiTransparente e ÁguaLustro, a anciã
VizinhaNzala com a ajuda de duas enfermeiras
limpava a recém-nascida.
Ouviu-se o primeiro choro de Langidila. A
existência passou a fazer sentido, e Maria
VaiComTodos sorria, indomável.
166
Ensaios Manifestos
167
e Crónicas
168
Pedro Mayamona
FRAGILIDADE DA ANÁFORA
169
Com esta abordagem, fazemos transcurso
sobre a Semântica, delimitando a “Fragilidade da
Anáfora” na esfera do significado associativo,
decorrente dos valores social, afectivo e conotativo
desta figura de estilo que tem servido de arrimo,
“muleta” , para se fincar a intensidade ou
intencionalidade“extra ordinária” de um vocábulo,
uma palavra, ou expressão repetida.
170
naqueles meandros em que surgiu a poesia de
forma fixa, adstrita às reminiscências da
Antiguidade Clássica Greco-Romana, que atribuía
cariz descritiva e normativa aos géneros literários,
opondo-se à poesia integral, ou melhor, ao verso
livre, datado, segundo Tunda Vala – Revista Agris
Magazine, de “1885, e foi apresentado, pela
primeira vez, numa obra publicada por um
norte-americano, Walt Whitman” (vv. 2016, p14).
171
abordagem historiográfica que eleva a questão da
poética sob o prisma da praxe universal e uniforme,
conferindo valor no conteúdo dos textos só quando
regulados por padrões clássicos, o que, do nosso
ponto de vista, e concordando com Aristóteles ao
dissociar a poética dos princípios morais e
históricos, inibe a capacidade criativa do artista em
geral, e do poeta em particular, apesar de os poetas
daquela época buscarem inspiração no recôndito
esmero dos “monstros ou deuses da Literatura
Áurea”, como forma de aproximação mútua, e estar
à altura da imponência da Cidade de Roma.
172
rica em recursos. Plasmada no texto poético,
potencia-o do ponto de vista expressivo e
lógico-formal, não havendo necessidade para o uso
“desenfreado” da anáfora, como fonte única para
obtenção dos efeitos estético-estilísticos que “a
intuição não soube controlar no momento da
concepção do texto” (idem). Uma dilucidação que
se limita nos trâmites deste postulado, uso
indiscriminado da anáfora, revela-se inoperante,
ineficaz e infundado!
173
À guisa de exemplo, aduzimos o texto
“Morto”, na sua forma reduzida. O mesmo é da
autoria de Kinguzo, e, aqui, encontramos um
verdadeiro campo de anáforas. Num universo de 62
(sessenta e dois) textos poéticos, em versos, 7
(sete) são os desprovidos de anáforas.
“Morto na mente
De quem me rejeita,
Perto e distante
Da escolha certa.
(…)
Morto e algemado
Na escuridão das auroras” (2007, p. 15)
174
De acordo com as estrofes acima, numa
realidade naturalista e contrastiva o sujeito poético
exterioriza o seu dó pela evidente extinção, no
sentido de “morto” ou apagamento, do seu valor
social e afectivo, daí a fastidiosa recorrência à
anáfora para enraizar o sentimentalismo que povoa
no texto.
175
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
176
“Gramática Moderna da Língua Portuguesa”. Lisboa.
Escolar Editora. 2010.
Mabanza Kambaca
O Fenómeno da Desfixação
Antes de mais, gostávamos de alertar o leitor
no sentido de que este nosso artigo não é já um
trabalho acabado ou estudo terminado, pelo que é
possível de uma modificação ou acréscimo de
alguns argumentos da nossa parte, no futuro.
.
Desde os tempos muito ancestrais que
homem sempre pretendeu moldar a humanidade
177
com a sua arte. Tendo assim crescido, da parte dos
artistas, a vontade de mudar também a forma das
artes no sentido de evolução. Uma inovação é
sempre um vanguardismo.
.
""O Fenómeno da Desfixação""
.
O fenômeno da Desfixação é um esquema
figurativo de desvernaculização (da palavra) que
consiste na separação ou junção de palavras com
uma finalidade artístico-expressiva.
.
A figura de estilo tem como objectivo, de um
lado, fornecer ao leitor mais informações do que
aquela que a palavra lhe daria numa sua forma
primária ou, no seu sentido semântico original ou
denotativo e, do outro lado, surpreender o leitor
com um sentido diverso daquele que ele
pretendesse obter. Por ex.: (Dez/esperanças). (me
des/louco ou vdez/loucos). Cá alma mente. No
primeiro ex., temos um desvio do sentido que se
tem da palavra (esperança) tendo agora o
178
entendimento de um nome contável. Ou como
seria: (des/esperanças), para significar desespero.
No Segundo, desvernaculizou-se o sentido de
LOUCO para o de deslocação. Já no terceiro, esta
figura surge já no âmbito do processo ortográfico,
tendo como base, além da simples separação da
palavra, a acentuação que, de forma estética, vai
mudar o sentido primário da palavra. (Cá alma
mente ou càlma mente). na primeira visualização o
acento dá o sentido de lugar à sílaba (ca) passa a
significar, agora, no campo morfológico, um
advérbio. Assim, a palavra passa também a ser
constituída pelo processo da
parassíntese-processo de formação das palavras
que consiste na junção simultânea de um prefixo e
um sufixo à uma palavra base; o tal processo é uma
das formas de como ocorre a Derivação,
(Gramática Moderna da Língua Portuguesa,
pág.143).
.
É desta feita que podemos, ainda, definir a
Desfixação como sendo o dúplo sentido que uma
179
ou mais palavras proporcionam em função da
intenção do poeta. Por isso, deverá, agora, dar-se
vários destinos a interpretação da palavra em
análise, porque a mudança do processo da sua
formação arrasta consigo várias intenções
polissémicas.
.
Ainda sobre a outra forma da desfixação da
mesma palavra, (càlma mente) aqui o sentido
original, o de advérbio de modo, parece continuar e,
é verdade que assim seja mas, a desjunção do afixo
(mente) traz consigo outro significado da primeira
parte, se quisermos, temos, agora,um nome
(calma)ou adjectivo (calma) dependentemente do
caso.
.
Não se devia confundir esta forma de
manifestação da desfixação, a de provocar um
acento que altere o sentido da palavra, com o traço
da poética do alargamento do acento grave nas
situações de crase induzida. Este último traço está
mais para a doutrina poética do grupo e diz respeito
180
às transgressões ortográficas do poeta e, o
primeiro traço já tem as suas motivações na
polissemia das palavras.
.
A desfixação pode, ainda, ocorrer sob o
simples processo de aglutinação. Por.: Filosolouco.
Esta palavra forma-se das palavras Filósofo e
Louco. Assim, parece, o último exemplo da figura,
não se tratar do fenômeno da desfixação, porque
parece que o entendimento que se daria a este
fenômeno é o de ser amálgama _ processo irregular
de formação das palavras que consiste na junção
aleatória de palavras sem motivação morfológica
Gramática Moderna da Língua Portuguesa, pág.
148) por este se tratar de um processo de
derivações irregulares e aqui estarmos a falar sobre
uma figura de estilo e, que desfixar quereria dizer,
tão somente, separar as palavras. Não é este o
exclusivo enquadramento que se devia dar à figura.
.
Significa mais, também, que, se desfixa o
sentido original de cada palavra para formar outro
181
significado. Por ex.: Filosolouco, aqui, desfixou-se
os sentidos originais das palavras Folósofo e Louco
para formar outro sentido que corresponde, agora, à
filosolouco.
.
Portanto, vai-se poder notar em certos textos
não só a desfixação do primeiro tipo mas, também
deste último caso: comboiandando,
caminhandando, loucoescrever, esferográbraços,
etc.. Este fenómeno da desfixação, do ponto de
vista da historiografia literária, surge,
necessarimente, com o advento dos poetas do
Litterágris porque, é uma grande verdade afirmar
que, é com este Movimento, sobretudo, nos
poemas do Poeta Helder Simbad ou Talvez Ybinda
Kayambu que a figura ganha uma enorme variedade
de forma e formação, como se pode verificar no
poema que abre o livro Tunda Vala.
.
Talvez, anteriormente a estes, os que
escreviam à desfixação eram ínfimos ou senão,
mesmo, dizer que só se verifica o primeiro tipo da
182
desfixação e do primeiro exemplo, e foi utilizada de
forma inconsciente. Poetas como Lopito Feijoó e
Maria Pombal têm alguns versos das suas obras de
mantém como que uma intertextualidade com este
fenómeno. Não é totalmente gratuito o argumento
segundo o qual a desfixação era já um figura
precedente e regente das poéticas do passado.
.
Assim, podemos afirmar uma opinião de
maior razão que, do ponto de vista socio-cultural, o
fenômeno é produto de uma indústria literária mais
refinada do Movimento Litterágris, fazendo parte
dos seus rasgos poético-artísticos. A figura é uma
variante de dois tipos e de duas formas: desfixação
semântica: é aquela que consiste na variação dos
sentidos no âmbito da morfologia e corresponde a
primeira forma. Estão aqui como exemplo as
desfixações dos primeiros exemplos. E a
desfixação gráfica: corresponde a segunda forma e
consiste na junção de duas ou mais palavras para
fundir e fundar outros significados. Como exemplo
tomemos as últimas desfixações... Toda a
183
desfixação é gráfica e se torna semântica a partir
do momento em que dá origem a outros sentidos
por este meio.
.
Portanto, o uso deste fenómeno por muitos
escritores tem esta razão de ser e o tempo é
oportuno e pontual, e tem um grande propósito na
literatura, particularmente, para a poesia, esta
figura.
.
Assim, nem tudo é desfixação. A
combinação de palavras sem a justa ideia de
multiplicidade de sentidos, a falta de intenções
artísticas, a colocação do acento grave sem
mestria, não são desfixações.
184
Ernesto Daniel
UM NÓ DE SUICÍDIO
NO PESCOÇO LITERÁRIO JUVENIL
185
se conforma; está em cortantes questionamentos,
daí, o surgimento de várias correntes ou escolas
literárias, como o romantismo, naturalismo,
simbolismo, barroco, surrealismo entre outras
correntes que dinamizaram a literatura.
Toda arte é condenada à história.
Há um nó de suicídio no pescoço literário
juvenil. Oiço, cada vez que me deparo com os meus
contemporâneos, as mesmas reclamações:
LEGADO, como se de uma empresa familiar se
tratasse. O legado deve ser o conjunto de
experiências adquiridas, obras lidas a todos os
níveis, pesquisas no campo académico etc.
186
também não é estática. Há valores, que, devemos
pesca-los como peixes. Conhecer o velho, estudar o
presente, para que o advento do novo esteja
sentado num banco de equilíbrio e seja conhecedor
do lugar que se senta. As transgressões literárias
ou rupturas, só são possíveis quando se tem
domínio das ferramentas literárias. É necessário
que desatemos o nó com mais leituras, mais
estudos, mais pesquisas e menos conformismo; o
resto fica nas mãos do tempo. A constante
reclamação sobre o legado, que se não fez passar à
nossa geração.
187
MANIFESTO I
AOS POETAS
188
num simbolismo equilibrado, ou a agris-estética.
189
Contra esse arsenal de regras dogmáticas, inibidora
de voos, inimiga da imaginação e
consequentemente da criação, a qual designam por
razão. Contra os actores sociais, escritores e outros
rostos bonitos, moralistas, da imprensa cor-de-rosa
que nos acusam de perder valores que nunca
obtivemos. Não contra moral Cristã, mas contra as
pessoas que aspiram a utopia da perfeição e vivem
condenando os neutros como se melhores pessoas
fossem; contra os líderes religiosos que a dada
altura, não só confundem os bolsos dos fiéis, como
também fazem carreiras em outras assembleias.
Nestes contras e noutros, implícitos, em nossos
textos artísticos, por razões plausíveis, sob o manto
de uma paisagem irracional, nasce o Movimento
Litteragris.
190
transformarem o campus literário num círculo de
risos, provocado por um humanismo, sub(traído) de
lemas utópicos, que os leva a publicar em livros a
sua poesia empática de catarse instantânea, não!
Até porque merecem o meu elogio porque, ao
contrário dos Conformistas, contestaram e
negaram a super poesia da geração de 80, como
aconselham os teóricos que defendem afirmações
de gerações em contraposição a geração
dominante, mas negar que a linguagem literária é
um subsistema da língua natural, na medida em
que aquela subverte esta, num magistral processo
de recriação linguística, e defenderem uma
linguagem direita na esfera da corrente, como
proposta literária, não, não, não, não! Subverter uma
norma para se plantar o caos e exibirem a sua
poesia denotativa? Fiquemos com os
neo-brigadistas e alguns conformistas, que
continuam a proporcionar uma metalinguagem,
embora incomparável, idêntica, a da super-geração.
191
exacerbado para que a agrisarte seja legitimada.
Trata-se de respeito e de reconhecimento, daquela
que é a maior geração, em termos de propostas
estéticas. E como prova de que não há cultos, sem
receios, falemos agora da confusão que se faz em
torno da poética pré-estabelecida, recomendável e
aceitável, consubstanciada na máxima “10%,
INSPIRAÇÃO e 90%, TRABALHO”. Eis a grande
questão: Teremos de ser simbolistas a cultivar
textos até exceder o extremo do enigma à luz do
dogmatizado? Deste princípio não resultaria um
niilismo conceptual de correntes como o Realismo?
Então não haveria poesia na Mensagem?! O que é a
poesia afinal? Um trabalho exacerbado sobre a
linguagem?! Expressão de sentimentos, emoções e
pensamentos, através de uma linguagem
encantadora? Toda a poesia em que há um trabalho
exacerbado sobre a linguagem que, ultrapassando
o teto do enigma, anula completamente o efeito
catarse no leitor, é vazia. Pois, a poesia, é no nosso
entender, o sentimento, a emoção, que se pode
depreender duma obra que se autonomiza pelo
192
grau de singularização que o seu autor a confere.
Reconhecemos, na devida medida, o relativismo
implícito do conceito de hermeticidade, no entanto,
reafirmamos, em tom alto, a existência de textos
vazios, em sentimentos, em emoções,
proporcionados por caprichos técnicos dos seus
cultores. Que fique bem claro que não somos
padrinhos de poéticas mal conseguidas. O que não
queremos é que se trace dogmaticamente uma
escala de valor de excelência que leva o leitor a
afastar-se das livrarias porque, na verdade, “ o autor
de um texto literário, mesmo quando escreve sob o
domínio de um impulso confessional, ou movido
por um anseio de auto-catarse, ou buscando efeitos
de auto-renumeração psicológica, não ignora que o
seu texto, sob pena de se negar como texto
literário, tem de entrar num circuito de
comunicação em que a derradeira estância é o
leitor.” (In a estética da recepção, Teoria da
Literatura, pag. 300, Aguiar e Silva). Arte é intuição;
a intuição é a soma das experiências despejadas
sobre a obra; a poesia pinta-se de mistérios e
193
paradoxos, com a soma de materiais que
magicamente transitam do consciente para o
subconsciente e deste para o inconsciente, o lugar
de origem.
A proposta é a Agris-estética ou um
neo-surrealismo como paisagem oculista para
enxergar o ‘‘invisível’’, ou para desempoeirar olhos,
através de um simbolismo (linguagem) equilibrado
sob a nossa ideo-estética.
Cíntia Eliane
Manifesto
Aos Declamadores
194
A declamação desdobra o sentimento,
resgata pedaços de memórias e acalenta emoções.
Seus acordes permeiam a sensação que aflora,
bailam sobre as nesgas do silêncio e depois de
dialogarem entre si repousam na aba do
sentimento.
Não importa o timbre da voz, nem o alcance
da palavra. A declamação ultrapassa o
entendimento; ela é o grito da poesia. Uma boa voz
não é impreterivelmente o fundamental, ainda que
ajude e seja um item de importância. Para o
declamador, o mais importante é transmitir a
afecção do texto, ao funcionar em uníssono com o
mesmo.
Deve despertar o sentimento que brota quando
desistimos de sonhar mas o sonho não vai embora.
Uma boa dicção valoriza o texto e não
confunde o ouvinte. Por isso, o declamador deve
articular bem as palavras, sem comer letras ou
sílabas inteiras, nem deixar cair o tom de voz no
final das frases, atrapalhando o ritmo da leitura. Ao
estruturarmos frases que venham directamente do
195
nosso pensamento, o cérebro é muito mais veloz
do que o nosso aparelho fono-articulatório ao
expressá-las. Assim, antes do acto de declamar, o
declamador deve construir toda a ideia do texto,
para que a sua verbalização seja equilibrada.
Assistimos muitos recitadores que constroem suas
frases no momento da declamação, que acaba por
ficar carregada de entrecortes, cambaleio,
transmitindo insegurança e falta de preparação,
bem como uma relação de distância com o texto.
A declamação mutilada morre à míngua,
antes mesmo que o poema ganhe forma. Por
conseguinte, a declamação suprema não se
constrói de pedaços de corpo, mas de sonhos
inteiros, vestidos de uma miscelânea de
sentimentos.
A poesia, enquanto arte verbal e auditiva,
aproxima-nos de nós, ou seja, a transferência do
poema para o universo físico aproxima a poesia ao
nosso corpo. Assim, a realidade palpável do poema
é uma parte fundamental no seu trato, e a
experiência auditiva estética é sempre carregada de
196
significado.
Essa dimensão física do poema, fora do
papel, é indispensável para a compreensão do
fenómeno literário, pois a partir daí é possível
explicar diversos e outros fenómenos. É importante
mostrar que o poema, antes de ser um texto no
papel, tem uma realidade física intrínseca a si. A
possibilidade de diversas interpretações na
declamação reflecte directamente a orientação dos
artistas.
Na maior parte das vezes, não se
compreende o poema na primeira leitura. Assim, o
declamador deve estar dotado de capacidades para
analisar e interpretar o conteúdo do texto de acordo
com o contexto, afim de melhor construir a sua
musicalidade. Além disso, normalmente, ouvir um
poema bem declamado ajuda a melhor perceber
seus efeitos e o próprio conteúdo. A declamação
que prospera é aquela que, para além do requinte,
acarreta em si uma ligação com a alma que a canta
e mesmo longe, exilada e esquecida, guarda a
verdade com o esplendor do diamante.
197
O declamador que floresce é seiva viva que
não se dobra ao inverno e ao vendaval. É água pura
que garante a foz do rio.
Declamar é arte que dispensa adjectivos. É
pérola que tem brilho cativo. Mas requer cuidado,
como a flor do ninho que desamparada clama por
carinho. Ela é o mesmo fogo que ilumina a noite
escura quando os olhos buscam a chama da
aventura, é a insegurança toda da paixão que
flameja e arde à entrada do coração, quando a
saudade invoca a luz do bem-querer, e o que se
espera é a emoção do entardecer.
Por esse palco a que chamamos arte de
Declamar, desfilam diversos declamadores,
GRANDES e pequenos. Uns cantam o que nos
afecta, desde o êxtase a dor, outros nem se ouvem
porque enquanto declamadores não têm alma.
Visto que a declamação é o brilho que incita e
acalma tem de ser inteiro e vir da alma. Aos sem
alma: desfaçam-se dos borrões que vos limitam e
sugam a voz dos versos, libertem-se e dissolvam o
elo para alcançar a melodia. Pois o declamador não
198
tem escolha. Tem de mergulhar na poesia e na
beleza de seus traços, e só assim vencerá o desafio
de mirar o horizonte e perceber que é preciso
proteger os olhos para namorar o sol.
Numa palavra, declamar é tocar versos com
a ternura dos lábios. E o declamador, mais que
tudo, é a pedra que se equilibra no fio de seda. Se
cair, é como que evaporasse o elo entre ele e o
poema por não mais ter onde pousar. Se se
mantiver firme alcança a luz de sonhos e
esperanças num canto azul levemente dourado, e a
canção que resulta desse instante faz o sol perder a
hora de dormir.
199
Mabanza Kambaca
SONORO SILÊNCIO
200
som que o leva. Ando com a próxima distância de
revelar-me compreendido com a alternativa paz que
busco nas frases, nos duros encontros e nesta
alegre tristeza que me salva o ânimo.
201
imerecida ou escrevo esquecido atravessando ruas
e casas, passo fundo pelos campos florais ou
discretos futuros e puxo-me súbito acabado de ser
poesia com a cultura de revelar o novo. Por
inerência dos Santos dias escrevi uma carta aberta
e mal humorada a partir dos motivos e para este
passado que passa dou por arquivado todo o País e
mais tarde vou dizer o nome de cada acta
porquanto permaneço neste "SONORO SILÊNCIO"
que me adita as palavras.
202
Coragem:
203
cair está erguido desde sempre, mediante este
louco passo, alegre tumulto com a parte de passeio
e chego mesmo assim ao destino de nada ou de
dano. Pouco de curioso tem o som da música
porque depois se enlaça por confundidas águas e a
vaidade toma o elo com que sirvo o mundo de
todos os homens, para lhes habitar as luzes. Só que
aqui já não há mais espaço que me mantém a
leitura das coisas. Por isso ponho o lume nas
marcas e nas palavras que deixam a boca e caem
como folhas secas depois nutrem o vento e o
propósito é um desconhecido paraíso com a razão
de ser. Preciso de um sinal que me enuncie esta
chegada abordada ou abortada com as etapas nos
pés.
204
abro como duas per-nas castidades e doo-me como
sem(entes) do campo e vou na posição da luz com
larguras no fundo do Ku-ra-são depois com a
estética carrego esta voz como primeira lição de
vida. Aprendi, desde de sempre dizer a vida com
contando o tempo e desenho-me nesta seara com a
arte ou me envio no tamanho das gerações. Em
causa à razão: falo já da culpa dos homens por
serem imutáveis a correcções ou, simplesmente,
aos gestos de avanço com que se identificam,
quando chega a primeira e a última chance da
mudança e com o dó, reparto este desejo com
todos os irreformistas do cancioneiro porque
bem-aventurados que são, hão de me encontrar
neste lugar solene que chamo (canção de luta),
mas cruzo-me neste ensaio de vida sem morrer de
ti, ligo-te a este texto com fios sem rede. O teu
vocábulo de étimo é um lugar de nenhuma parte ou
sonoro silêncio a resposta que digo só a mim
quando me pergunto sobre a coragem e nesta
busca a raiva é o poder em que todos mandam. O
País é tudo isso e outros hábitos artesanais com a
205
superior vontade de ser poema feito com os dons e
assim sumo com todo o teu ouvido de ouvir. A
minha fé é um bárbaro som com que me ateio com
sangue nos olhos e vozes na mão e sonhos nos pés
e a decisão no texto, o mais enigmático ponto de
aterrar com as imagens nas palavras e expressões
ou o olhar do tempo deixa saudades que me trazem
sabedoria que as marcas levam porque, mesmo
assim, quando insisto encontro satisfação onde
ninguém pôde ser...
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