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Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira – CAp-UERJ

Disciplina: Literatura Brasileira


Turma:
Professora: Cassiana Lima
Estagiária: Julia Fernandes
Aluno(a):_________________________________________ N°.: ______

Romantismo: contexto histórico


No século XVIII, o mundo atravessava diversas mudanças que impactariam profundamente
a vida social e, consequentemente a arte no mundo ocidental. O período conhecido como a
Era das Revoluções (entre 1774 e 1849 aproximadamente) foi palco para
transformações políticas e sociais. Com o advento da Revolução Francesa, em 1789, as
estruturais sociais até então presentes entraram em colapso, dando lugar a uma nova
forma de organização social, com a ascensão da burguesia. Com ideais de liberdade,
igualdade e fraternidade, o clero e a nobreza caem em decadência, e o mundo foi se
dividindo nas classes sociais que ainda hoje compõem a sociedade.

A arte acompanhou esse processo. O Romantismo é um movimento cultural e literário que


refletia esse momento da história. A arte, antes clássica, de caráter racional e iluminista,
passa a ser concentrada no indivíduo e nos seus sentimentos mais profundos, deixa de se
comprometer com o mundo como ele é para refletir o mundo como ele deveria ser.
Idealização, subjetivismo, liberdade e o mundo sensível são as palavras chaves da arte
romântica.

A época romântica também foi palco para a popularização dos romances impressos,
tornando a literatura mais popular e acessível às camadas mais inferiores da sociedade,
como a classe média e mulheres, que antes raramente tinham acesso às letras, e muitas
vezes sequer eram alfabetizadas. Essa mudança reforçou ainda mais o caráter ideológico
da arte e sua função na disseminação de ideias.

O Romantismo adquiriu características bastante distintas em cada país, por isso é difícil
generalizar o comportamento de autores imersos em universos tão diferentes.

Essa variação se dá não apenas por questões espaciais (devido aos diferentes contextos
dos diversos países), como também em relação às questões temporais. Por ter durado
relativamente bastante tempo, a primeira geração de autores românticos possui uma
abordagem específica e diversa se comparada aos autores das gerações posteriores.
Porém, é possível generalizar algumas características encontradas nas obras românticas,
como o foco no sujeito, a liberdade expressiva, certa vertente patriota e idealização da
mulher amada.

O Romantismo no Brasil
O período transição artística ocorreu simultaneamente à vinda da Família Real ao Brasil.
Esse acontecimento, no ano de 1808, significou o início do processo de Independência da
Colônia.

O período compreendido entre 1808 e 1836 é considerado de transição na literatura


brasileira, devido à transferência do poder de Portugal para as terras brasileiras, que
trouxe consigo, além da corte e da realeza, as novidades e modelos literários do Velho
Continente nos moldes franceses e ingleses.

Portanto, o Movimento Romântico no Brasil ocorre atrelado ao contexto de


Independência, declarada por D. Pedro I em 1822. Alguns anos mais tarde, precisamente
em 1836, Gonçalves Magalhães publica Suspiros poéticos e saudades.

No Brasil, com a Independência, há uma preocupação em construir uma identidade


brasileira, e foi nesse sentido que a literatura se movimentou na época. Com valores
resgatados do descobrimento e da carta de Pero Vaz de Caminha, a primeira geração da
arte romântica brasileira tratava de destacar o que era singular no Brasil, possibilitando a
construção dessa identidade. Assim, artistas e intelectuais deveriam buscar nas tradições,
religião, costumes, história e natureza, o material que permitisse expressar a
nacionalidade brasileira. Assim, o romantismo brasileiro adquiriu características
singulares, com temas indígenas, nova linguagem, mais próxima da fala popular brasileira
e mais distante da portuguesa, mostrando a tentativa de romper com as influências
européias e reafirmar os valores nacionais.

No entanto, é necessário lembrar que ainda que a literatura brasileira tenha, na época, se
inspirado em temas tipicamente nacionais para seus temas, o olhar sobre esses temas
ainda é o olhar do colonizador, uma vez que mesmo que o indivíduo brasileiro
personagem das obras românticas brasileiras – muitas vezes índio, ou negro ou mulher –
foram, na esmagadora maioria, apenas objetos desse processo literário, sendo retratados
pela elite intelectual da época, composta majoritariamente por homens brancos e livres.

Texto 1:

O Canto do Índio
Quando o sol vai dentro d'água
Seus ardores sepultar,
Quando os pássaros nos bosques
Principiam a trinar;

Eu a vi, que se banhava...


Era bela, ó Deuses, bela,
Como a fonte cristalina,
Como luz de meiga estrela.

Ó Virgem, Virgem dos Cristãos formosa,


Porque eu te visse assim, como te via,
Calcara agros espinhos sem queixar-me,
Que antes me dera por feliz de ver-te.

O tacape fatal em terra estranha


Sobre mim sem temor veria erguido;
Dessem-me a mim somente ver teu rosto
Nas águas, como a lua, retratado.

Eis que os seus loiros cabelos


Pelas águas se espalhavam,
Pelas águas, que de vê-los
Tão loiros se enamoravam.

Ela erguia o colo ebúrneo,


Por que melhor os colhesse;
Níveo colo, quem te visse,
Que de amores não morresse!

Passara a vida inteira a contemplar-te,


Ó Virgem, loira Virgem tão formosa,
Sem que dos meus irmãos ouvisse o canto,
Sem que o som do Boré que incita à guerra
Me infiltrasse o valor que m'hás roubado,
Ó Virgem, loira Virgem tão formosa.

Às vezes, quando um sorriso


Os lábios seus entreabria,
Era bela, oh! mais que a aurora
Quando a raiar principia.

Outra vez - dentre os seus lábios


Uma voz se desprendia;
Terna voz, cheia de encantos,
Que eu entender não podia.

Que importa? Esse falar deixou-me n'alma


Sentir d'amores tão sereno e fundo,
Que a vida me prendeu, vontade e força
Ah! que não queiras tu viver comigo,
Ó Virgem dos Cristãos, Virgem formosa!

Sobre a areia, já mais tarde,


Ela surgiu toda nua;
Onde há, ó Virgem, na terra
Formosura como a tua!?

Bem como gotas de orvalho


Nas folhas de flor mimosa,
Do seu corpo a onda em fios
Se deslizava amorosa.

Ah! que não queiras tu vir ser rainha


Aqui dos meus irmãos, qual sou rei deles!
Escuta, ó Virgem dos Cristãos formosa.
Odeio tanto aos teus, como te adoro;
Mas queiras tu ser minha, que eu prometo
Vencer por teu amor meu ódio antigo,
Trocar a maça do poder por ferros
E ser, por te gozar, escravo deles.

O Canto do Índio in “Primeiros cantos”, Gonçalves Dias

Questão 1
a) Qual o tema central do poema “O canto do índio” de Gonçalves Dias?
b) A lírica romântica tem como tema, muitas vezes, a idealização da mulher. Que
mulher está sendo idealizada no poema? Quais as características a ela atribuídas?

Questão 2
Leia o trecho da carta de Pero Vaz de Caminha ao então Rei de Portugal:
“Que se homem os entendesse, e eles a nós, seriam logo cristãos, porque eles, segundo
parece, não tem, nem entendem nenhuma crença. E portanto, se os degredados, que
aqui hão de ficar, aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não duvido que eles,
segundo a santa intenção de Vossa Alteza, se hão de fazer cristãos e crer em nossa santa
fé, à qual praza a nosso Senhor que os traga, porque, certo, esta gente é boa e de boa
simplicidade. (CAMINHA, 2007, p.71)”

a) Como o poema dialoga com esse trecho?

b) Que imagem do índio o poema expressa?

Questão 3
Leia parte do poema “canto do Guerreiro” de Gonçalves Dias:

Na caça ou na lide,
Quem há que me afronte?!
A onça raivosa
Meus passos conhece,
O inimigo estremece,
E a ave medrosa
Se esconde no céu.
— Quem há mais valente,
— Mais destro do que eu?

VI

Se as matas estrujo
Co’ os sons do Boré.
Mil arcos se encurvam,
Mil setas lá voam,
Mil gritos reboam,
Mil homens de pé
Eis surgem, respondem
Aos sons do Boré!
— Quem é mais valente,
— Mais forte quem é?
VII

Lá vão pelas matas;


Não fazem ruído:
O vento gemendo
E as matas tremendo
E o triste carpido
Duma ave a cantar
São eles — guerreiros,
Que faço avançar.

a) Que aspecto do índio é enfatizado no poema? Qual a intenção do autor ao enfatizar


essa característica do índio brasileiro?

b) A primeira geração do romantismo brasileiro atuou na formação da identidade


nacional, usando elementos essencialmente brasileiros nos seus temas. Como o poema se
engaja nessa questão, em termos de temática e linguagem?

Brasil sob um outro olhar


É possível afirmar que arte desempenhou papel importante na formação da identidade dos
novos países que surgiam a partir da independência em relação às suas metrópoles,
processo que aconteceu em toda a América Latina.
A literatura, portanto, funcionou como uma literatura “fundacional”. Sobre isso, assinala o
professor e crítico literário Eduardo F. Coutinho:
"Na América Latina, durante o século XIX, o sujeito enunciador do discurso fundador do
estado-nação tomou como base um projeto patriarcal e elitista, que excluiu não só a
mulher, mas índios, negros, analfabetos e, em muitos casos, aqueles que não possuíam
nenhum tipo de propriedade. A preocupação dominante era marcar a diferença da nova
nação com relação à matriz colonizadora, mas o modelo era óbvia e paradoxalmente a
metrópole; daí a necessidade de forjar-se uma homogeneidade que excluísse todas as
diferenças."

A primeira geração do Romantismo no Brasil, portanto, teve como finalidade apresentar


uma “face brasileira”, homogeneizando a população a fim de que a sociedade se
identificasse nas obras do recém país, minimizando as diferenças e construindo uma
identidade comum aos brasileiros.

No entanto, a literatura contemporânea, especialmente a feminina, negra e indígena, vem


redefinindo essa “face brasileira” contestando essa “identidade nacional” construída no
período romântico, e que, por vezes, escondeu o caráter colonizador, elitista e genocida
que orientou a criação da nova nação. Em uma verdadeira ruptura com o olhar do
colonizador, olhar este majoritariamente branco e masculino, surgem novas perspectivas
sobre a formação do país Brasil, a partir de diferentes vivências que denunciam o
apagamento e a exclusão das camadas que compunham a base da nova sociedade que ali
se formava, mas que não tinham voz para falar por si.

Texto 2:

O que faço com minha cara de índia?

que faço com a minha cara de índia?


e meus cabelos
e minhas rugas
e minha história
e meus segredos?

que faço com a minha cara de índia?


e meus espíritos
e minha força
e meu tupã
e meus círculos?

que faço com a minha cara de índia?


e meu toré
e meu sagrado
e meus “cabôcos”
e minha terra
que faço com a minha cara de índia ?
e meu sangue
e minha consciência
e minha luta
e nossos filhos?

brasil, o que faço com a minha cara de índia?


não sou violência
ou estupro
eu sou história
eu sou cunhã
barriga brasileira
ventre sagrado
povo brasileiro

ventre que gerou


o povo brasileiro
hoje está só …
a barriga da mãe fecunda
e os cânticos que outrora cantavam
hoje são gritos de guerra
contra o massacre imundo

Questão 4

a) Como esse poema se relaciona com a questão da mulher indígena no contexto


histórico da colonização quando diz “ventre que gerou o povo brasileiro”?

b) No trecho “brasil, o que faço com a minha cara de índia?”o que Eliane
Potiguara está querendo denunciar sobre a realidade atual com essa pergunta no
poema?

Texto 3

Pau-brasil

Eu queria escrever a palavra Bra...

Eu queria escrever a palavra Brasil


Mas a caneta 
Num ato de legítima revolta
Como quem se cansa de escrever sempre a mesma história

Me disse: Para
Para e volta

Volta pro começo da frase


Pro começo do livro
Pro começo da história
Volta pra Cabral

Cruzes lusitanas, caravelas


E se pergunta
Da onde vem esse nome?

Palavra-mercadoria
Brasil
PAU-BRASIL

Pau

Brasil

Pau branco, hegemônico


Enfiado a torto e a direto
Suposto direito de violar mulheres

O pau a pique
O pau de arara
O pau de sebo
O pau patriarcal
Cara e orgulho nacional

A colonização começou pelo útero

Matas virgens
Virgens mortas
A colonização foi um estupro

Deodoro metendo a espada


Entre as pernas
De uma princesa babel
Pedro ejaculando-se
Dom precoce
Costa e silva gemendo cinco vezes
Ai ai ai ai ai
AI-5
Getúlio, Juscelino, Geisel
Jânio, Collor, Sarney, Temer
A ordem parte da cabeça
Do membro ereto
De quem é contra a redução
Mas vê vida num feto

O pau Brasil multiplicado trinta e três vezes


E enfiado numa só garota

Eu olho pra caneta e tenho certeza


Não escreverei mais
O nome desse país
Enquanto estupro for prática diária
E o ideal de mulher
A mãe gentil

Luíza Romão

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