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Pacto federativo,

integração nacional e
desenvolvimento regional
Carlos Brandão
Hipólita Siqueira
(orgs.)

2013
Fundação Perseu Abramo
Instituída pelo Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores em maio de 1996.

Diretoria
Presidente: Marcio Pochmann
Vice-presidenta: Iole Ilíada
Diretoras: Fátima Cleide e Luciana Mandelli
Diretores: Artur Henrique e Joaquim Soriano

Coordenação da coleção Projetos para o Brasil


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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

B817p Pacto federativo, integração nacional e desenvolvimento regional / Carlos


Brandão e Hipólita Siqueira (orgs) . – São Paulo : Editora
Fundação Perseu Abramo, 2013.

208 p. ; 23 cm – (Projetos para o Brasil ; 5)


Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7643-172-5

1. Pacto Federativo. 2. Desenvolvimento regional - Brasil. 3. Desenvolvimento regional -


Políticas brasileiras. 4. Desenvolvimento econômico - Brasil. I. Título. II. Série.

CDU 338.1(81)
CDD 330.981

(Bibliotecária responsável: Sabrina Leal Araujo – CRB 10/1507)


Tania Bacelar de Araujo

Tendências do desenvolvimento
regional recente no Brasil

Introdução
O presente texto analisa aspectos recentes da dimensão regional do de-
senvolvimento brasileiro, que nem sempre merece atenção no debate acadê-
mico ou político. Para tal, busca tratar essa dimensão no contexto das mudan-
ças e permanências observadas no país na década inicial do século XXI na qual
se inscreve o governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Após uma breve apresentação das heranças mais importantes do proces-
so de ocupação humana e econômica do imenso território brasileiro, discu-
tem-se novos elementos presentes nos anos 2003-2010 e apresentam-se dados
e comentários sobre resultados importantes deste período no que se refere aos
rebatimentos regionais de opções chave do governo federal na época. Por fim,
é analisado o papel que desempenharam as políticas públicas federais, em es-
pecial as voltadas explicitamente à promoção do desenvolvimento regional, na
trajetória observada pelo país. Identificam-se algumas vitórias e derrotas, para
concluir com a apresentação de novos e velhos desafios para a construção de
um país menos desigual social e regionalmente e que aproveite melhor as po-
tencialidades de sua enorme e diversificada base territorial para a construção
de um desenvolvimento sustentável.

As heranças do processo de ocupação do território nacional


O Brasil possui três heranças principais, quando visto pela ótica da his-
tória da ocupação humana e econômica de seu território, a saber:

A forte concentração nos espaços litorâneos – consequência da inserção 39


na economia mundial como colônia de exploração voltada à exportação e da
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manutenção por muitos séculos do modelo primário exportador. A região lito-


rânea do país concentrou a população, as principais cidades, a base produtiva,
e, consequentemente, a infraestrutura e as instituições produtoras de conheci-
mento (a maioria das universidades e dos centros de pesquisa do país), estabe-
lecendo um contraste marcante com as áreas mais centrais do território.
A diversidade regional – associada ao fato do desenvolvimento brasileiro
ter se estruturado sobre um território que comporta seis biomas diferentes e
doze grandes bacias hidrográficas. Nesta base ambiental magnificamente di-
ferenciada estruturam-se ao longo do tempo complexos econômicos diversos
40 e que deixaram marcas duradouras. Soma-se a essa diversidade econômica a
mistura étnico-cultural, que contém os traços formadores da identidade na-
cional, mas que preserva uma fantástica diversidade cultural.
A desigualdade regional que se ampliou muito no século XX, quando o
país consolidou sua inserção no mundo industrial ao mesmo tempo em que
consagrou um padrão de concentração industrial raro, que atingiu seu ápice
até início dos anos 1970. Apesar dessa grande concentração espacial, a indus-
trialização integrou o mercado brasileiro – no qual teve grande importância a
melhoria da infraestrutura de circulação –, internalizando o comando da acu-
mulação de capital e fortalecendo o papel do mercado interno. Com o tempo,
ocorreu não apenas a circulação das mercadorias, mas também a circulação do
capital produtivo, para a qual três agentes foram fundamentais: as transnacio-
nais, o capital nacional e as grandes empresas estatais.
Em paralelo, o tema das desigualdades regionais ganhava espaço na
agenda nacional e o Brasil constrói, a partir da década de 1960, políticas re-
gionais explícitas, especialmente as destinadas ao Nordeste e Norte do país,
regiões onde o hiato entre a base econômica modesta e o contingente demo-
gráfico relativamente maior – especialmente o Nordeste – requeriam políticas
expressamente voltadas à ampliação da base produtiva. E este foi o foco das
iniciativas tomadas, em especial pelo governo federal.
Herdeiro de forte desigualdade social e regional, o Brasil fecha o século
passado com grandes problemas que deságuam na queda do ritmo de cresci-
mento de seu Produto Interno Bruto (PIB). Paralelamente, desde a criação de
Brasília, a ocupação da região Centro-Oeste se intensificava ao mesmo tempo
em que nos idos dos anos 1970, mais especificamente no período do II Plano
Nacional de Desenvolvimento, na era Geisel, se percebia um deslocamento da
atividade industrial, que deixava de priorizar o “miolo” paulista. Especialistas
têm identificado tendências importantes como as que se destacam a seguir
(Campolina Diniz, 2002). O Sudeste, por exemplo, que concentrara 80% das
atividades industriais do país tem sua participação neste setor reduzida para
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62%, às vésperas do governo Lula. No rastro desta tendência desconcentra-
dora, a região Sul, passou, no mesmo período, de 12% para 20% seu peso na
produção industrial do país, enquanto o Nordeste tem sua participação au-
mentada significativamente (de 5,7% para 9% no mesmo período). No que se
refere à base agropecuária, o destaque vai para a região Centro-Oeste, pois en-
quanto o Sudeste e Sul perdem peso relativo na produção nacional, o Centro-
Oeste quase triplica sua importância, passando de 7,5%, em 1970, para 21%
em 2006 (data do último Censo Agrícola) sua participação no Valor Bruto da
Produção agropecuária brasileira. Este é o domínio do agronegócio, que em-
prega pouco (tanto que essa região passa apenas de 5,3% para 6,1% seu peso 41
no total do emprego na agropecuária do país, no mesmo período, enquanto
o Nordeste – onde domina a agricultura de base familiar – abriga 46% desses
ocupados, em 2006). Não é à toa, portanto, que o Nordeste se destaca quando
se trata de localizar onde se concentra a pobreza rural do país.
Cabe ainda referir à desigualdade da rede urbana, vez que também
no século 20 o Brasil concentrou rapidamente sua população nas cidades.
A malha do Sudeste e Sul, além de abrigar as cidades que comandam a vida
econômica do país, é bem mais densa e bem estruturada, enquanto nas de-
mais regiões brasileiras predominam os pequenos centros urbanos do país
(mais de cinco mil centros de zona ou centros locais, na classificação do
IBGE, na Regic de 2008).
Finalmente, no que se referem às políticas regionais, as décadas finais do
século XX, em especial os anos 1990, assistiram a seu esvaziamento, motivado
em parte pela crise financeira do setor público. Símbolo desta tendência é o
fechamento da Sudene e da Sudam, em 2001, e sua substituição depois por
agências esvaziadas. Restaram como instrumentos de promoção de política
regional os Fundos Constitucionais criados pelo Congresso Constituinte em
1988 e que até hoje financiam empreendimentos privados no Nordeste, Norte
e Centro-Oeste.

O padrão de crescimento recente e


seus impactos na dinâmica regional do país
A Constituição Federal de 1988 havia introduzido alterações importan-
tes na vida institucional do país e políticas sociais começam a ser desenhadas
e implantadas com base neste novo marco legal e na dinâmica da sociedade,
que se mantém mobilizada em defesa de um país menos desigual.
A mudança política promovida pela chegada, em 2003, de Luiz Inácio
Lula da Silva ao poder e o amplo pacto social por ele construído permitiu não
somente aproveitar um momento ainda favorável do ambiente externo como,
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sobretudo, retomar a trajetória de crescimento do país em novas bases. A ex-


periência mais importante foi a de romper com o padrão de crescimento que
dominou o século XX: quanto mais a renda nacional crescia, mais se concen-
trava. Na primeira década do século XXI, o Brasil experimenta elevar o ritmo
de crescimento da renda de uma fatia importante da sociedade: os extratos
que vivem com renda menor. Ampliando significativamente políticas públicas
de transferência direta de renda, e promovendo a elevação rápida e corajosa
do salário mínimo real, em ambiente de inflação baixa, amplia o poder de
compra de parcela significativa dos brasileiros de menor poder aquisitivo. Isso
42 associado à expansão do crédito oferecido a prazos alargados promove im-
portante estimulo ao mercado interno de massa, um potencial adormecido do
país, posto que não valorizado pelos conservadores. O consumo insatisfeito da
maioria se revela e chama a atenção por se dirigir especialmente a bens durá-
veis de consumo, acionando a base produtiva moderna já instalada.
A base agropecuária organizada pelos produtores familiares também se
beneficia do novo momento vivido pelo país, vez que ela responde pela maior
parte da demanda dos alimentos básicos da dieta alimentar dos brasileiros,
como constatou o Censo Agropecuário de 2006, realizado pelo IBGE. E o go-
verno ajuda, passando o valor anual do Programa de Apoio à Agricultura Fa-
miliar (Pronaf) de 2,2 bilhões de reais – teto deixado pelo governo Fernando
Henrique – para 16 bilhões, no final do mandato de Lula. Regionalmente, tais
estímulos batem forte no Nordeste (onde está a enorme maioria dos produto-
res familiares do país) e no Sul, (onde este segmento é representativo e bem
organizado), beneficiando também o Norte, vez que tais produtores têm peso
importante na região.
O novo padrão de crescimento focado na produção e consumo de mas-
sa, como bem definiu Ricardo Bielshowsky, teve impactos regionais diferen-
ciados e favoreceu, especialmente, ao Norte e Nordeste do país, suas regiões
mais pobres. Estas lideraram o crescimento do consumo no país ao longo do
governo Lula, como mostram os dados da Pesquisa do Comércio Varejista, do
IBGE, retratados no Gráfico 1. Para elaborar este gráfico foram selecionados
os dois estados que, em cada macrorregião, haviam liderado o crescimento
das vendas no comércio varejista no período 2003-2010. Nele fica evidente o
impacto mais positivo das medidas de estímulo ao consumo nas regiões mais
pobres do país.
Tal trajetória tem relação com impactos regionalmente diferenciados de
políticas que afetaram a renda das famílias. O aumento real do salário míni-
mo, por exemplo, impactou muito mais fortemente no Nordeste (onde 45%
dos ocupados recebe até um salário mínimo, bem acima da média brasileira
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Gráfico 1
Índice de volume de vendas no comércio varejista ampliado
Brasil e estados dinâmicos selecionados (Índice base fixa (2003=100))
700
575,76
600
460,37
500

400 372,88 368,94 351,89

300 275,32 274,72 43


252,37
235,73
234,94
200 223,5

100

0
Acre Rondônia Alagoas Maranhão Espírito Mato Grosso Goiás Santa Minas Gerais Paraná
Santo do Sul Catarina

Estados dinâmicos Brasil

Fonte: PMC/IBGE. Elaboração Ceplan.


Nota: Foram escolhidos os dois estados de cada região mais dinâmicos no varejo.

que é de 26%) e que a do Sudeste (onde esse percentual é de apenas 17,6%),


segundo dados da Pnad/IBGE. Esta mesma pesquisa mostra que entre 2003 e
2009 o valor do rendimento médio das famílias residentes no Nordeste cres-
ceu 5,4% ao ano, quando a média nacional foi de 3,5% e no Sudeste esta taxa
foi de apenas 2,9%.
Uma observação interessante deve ser feita sobre o impacto diferenciado
do programa Bolsa Família quando analisado em termos regionais. O Nordes-
te, por concentrar mais da metade da população muito pobre do país, capta
55% dos recursos deste programa. Nesta região concentra-se a pobreza rural
e ela tem como endereço principal os pequenos municípios, em especial, os
do grande espaço semiárido. Nestes municípios foi interessante observar que,
como as bases produtivas locais são muito modestas, o novo e sistemático
fluxo de renda, não só dava a cobertura social aos beneficiados diretos, como
dinamizava as lojas, as farmácias, as padarias, as feiras semanais... Tal resulta-
do não é identificado no outro grande endereço do programa Bolsa Família, a
região Sudeste, que capta o segundo maior volume de recursos, ou seja, 25%
do total aplicado. Como ali é o domínio da pobreza urbana, e como a base
produtiva é ampla e forte, o impacto do programa é apenas o de levar o manto
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protetor do Estado aos que vivem em situação de dura miséria, no coração da


região mais rica do país.
Mas, vale destacar que o dinamismo do consumo estimulou, em um se-
gundo momento, o investimento. Indústrias de alimentos e bebidas, de bens
duráveis, entre outras, buscam se instalar ou se ampliar para produzir nessas
regiões e no interior do país, em especial nas suas cidades médias. As grandes
redes de supermercados e os shopping centers também se multiplicam nestes
locais, buscando disputar os novos consumidores. De seu lado, para am-
pliar os investimentos, o governo federal lança o Programa de Aceleração do
44 Crescimento (PAC), que envelopa um conjunto de projetos concentrados na
ampliação da infraestrutura econômica e social do país. Um destaque é para o
Minha Casa, Minha Vida que busca enfrentar um velho problema: o elevado
déficit habitacional, concentrado nas famílias de mais baixa renda. Em para-
lelo, a descoberta de petróleo na camada do pré-sal estimula os investimentos
da Petrobras. O principal beneficiário destas iniciativas é o setor da constru-
ção civil, um bom gerador de empregos. Tal atividade se dinamiza em todo o
país e lidera as taxas de crescimento do emprego formal Brasil afora. A leitura
regional deste bloco de investimentos mostra que ele é regionalmente descon-
centrador, no longo prazo, como constata estudo feito pelo Cedeplar/UFMG,
sob a coordenação de Mauro Borges Lemos (Borges Lemos, 2008-2009).
No caso da Petrobras, duas políticas da empresa são alteradas: a de com-
pras e de expansão de refinarias. A política de compras passa a ser usada para
estimular o setor produtivo nacional, com destaque para a aquisição de sondas
e navios, o que faz renascer a indústria naval no Sudeste (especialmente no Rio
de Janeiro) e no Sul (Rio Grande do Sul) e leva estaleiros para vários estados
do Nordeste (Pernambuco, Alagoas, Bahia e Maranhão). No caso das refina-
rias, a empresa deixa de ampliar as já existentes (concentradas no Sudeste/Sul)
e parte para construir novas unidades, três delas se destinando ao Nordeste.
Outro instrumento usado para retomar o crescimento foi o crédito. Para
compreender sua importância basta ver a evolução da relação crédito/PIB pas-
sando de 25% para 45% ao longo do governo Lula. Leonardo Guimarães, em
estudo recente, mostrou que o Norte e o Nordeste lideram o crescimento do
crédito no país, tanto de pessoa física quanto de pessoa jurídica. As taxas para
essas regiões (exceto a região Norte, no caso de pessoa jurídica), são maiores
que as taxas médias no Brasil e superiores às observadas para as regiões mais
ricas (Guimarães Neto, 2010). Isso é outra novidade.
Dois resultados desta nova forma de fazer a economia do país crescer po-
dem ser destacados, quando se faz a leitura regional. O primeiro é o de que, no
período 2003-2010, as taxas de crescimento da economia do Norte (5,4%),
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do Centro-Oeste (5%) e do Nordeste (4,9%) apresentaram-se mais elevadas
que a média nacional (4,4%) e que as do Sudeste (4,5%) e Sul (3,4%), segun-
do dados do IBGE.
Outra resultante deste novo padrão de crescimento foi a sua capacidade
de gerar empregos formais, ainda que ajudada pelos impactos iniciais do “bô-
nus demográfico”, alterando completamente previsões pessimistas que gras-
savam nos anos 1980 e 1990 do século passado sobre a dinâmica do mercado
de trabalho no país.
Um balanço da criação de empregos formais no período de dezembro
de 2002 a dezembro de 2010 mostra que as regiões Norte, Nordeste e Centro- 45
Oeste lideraram as taxas de crescimento desta variável, como se vê na Tabela 1.

Tabela 1
Evolução do estoque de empregos formais
Brasil e Grandes Regiões, 2002 e 2010
Taxa anual de Número de Peso dos novos
Dezembro Dezembro crescimento empregos empregos no
Brasil e Grandes Regiões
2002 2010 2010/2002 criados no estoque inicial
(em %) período (em %)
Norte 1.296.597 2.408.182 8,0 1.111.585 85,7
Nordeste 4.859.397 8.010.839 6,4 3.151.442 64,9
Sudeste 15.128.474 22.460.999 5,1 7.332.525 48,5
Sul 5.075.659 7.557.531 5,1 2.481.872 48,9
Centro-oeste 2.323.786 3.630.804 5,7 1.307.018 56,2
Brasil 28.683.913 44.068.355 5,5 15.384.442 53,6
Fonte: RAIS/MTE.
Elaboração própria.

A leitura regional da dinâmica recente do emprego formal no país,


observada por microrregião homogênea, também revela com clareza o im-
pacto positivo experimentado pelas regiões Norte, Nordeste e parte do
Centro-Oeste.
A localização da população no território nacional também está mudan-
do. O Centro-Oeste, parte do Norte e a porção oeste do Nordeste, por exem-
plo, antes pouco ocupados, agora estão se adensando econômica e demogra-
ficamente. Outra transformação importante é que as cidades médias passaram
a crescer com mais intensidade. O último Censo Demográfico registra que são
elas que mais ganham peso relativo na população total do país. Isso porque
a concentração nas grandes metrópoles brasileiras atingiu seu auge no século
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passado e as deseconomias de aglomeração, em algumas delas, já são maiores


do que as economias. Os municípios de cem mil a dois milhões estão ganhando
peso relativo e esta é uma mudança muito importante porque poderia repre-
sentar uma chance de construir, no século XXI, cidades livres das mazelas que
marcaram o século XX, se houver planejamento e investimento adequados.
O governo Lula não chegou a valorizar devidamente esta tendência, ape-
sar de ter criado o Ministério das Cidades, cuja ação nestes anos ficou longe
de chegar perto da dimensão das demandas nacionais. Como as cidades são
elementos-chave da dinâmica regional, teria sido importante, por exemplo,
46 estimular investimentos em saneamento e transportes públicos de qualidade,
itens importantes para construir um padrão de urbanização distinto do que o
país experimentou no século passado, cujos déficits nestes itens são desafiado-
res. Estudo realizado sob a coordenação do Centro de Gestão e Estudos Estra-
tégicos sobre a dimensão territorial do planejamento (MPOG, 2008) chamou
a atenção para esta oportunidade, vez que o país poderia ser mais polinuclear
(o que valorizaria centros urbanos estratégicos e hoje já dinâmicos nas várias
regiões), o que estimularia um desenvolvimento regional menos concentrado
no litoral e no Sudeste/Sul, como no passado.
No que se refere, no entanto, à escolha central do governo federal no
governo Lula, a busca de redução da pobreza extrema, o gráfico a seguir, ela-
borado com base na Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios do IBGE,
mostra um mais forte declínio da pobreza extrema no Nordeste e no Norte,
entre 2003 e 2009, aproximando a situação destas regiões à da média nacional
e reduzindo o hiato que as separa das regiões mais ricas.
Sintetizando as mudanças aqui tratadas e seus principais determinantes,
pode-se afirmar que para construir a trajetória experimentada pelo país foi im-
portante combinar, com sabedoria, políticas sociais e econômicas. E começar
pelas políticas sociais. Em vez de considerar primeiro o lado da oferta, como
em geral recomendam os economistas, atuou-se mais fortemente pelo lado da
demanda: elevou-se o nível de renda das famílias da base pirâmide social. Essa
foi uma mudança importante e que teve reflexos regionais positivos.
Os impactos nas regiões mais pobres – Norte e Nordeste – foram muito
favoráveis, sobretudo quando se associou a esta estratégia o esforço de inves-
timentos, especialmente em infraestrutura econômica e social.

Desenvolvimento regional e políticas regionais na era Lula


Quando se examinam as políticas federais que foram acionadas no pe-
ríodo aqui analisado, e que contribuíram para o alcance dos resultados acima
mencionados, consta-se que foram políticas nacionais de corte setorial que
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Gráfico 2
Evolução da pobreza extrema
Brasil e Grandes Regiões, 2001-2009
45,0
40,0

35,0
30,0
25,0

20,0 47
15,0
10,0
5,0
0,0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

Fonte: Pnad.
Elaboração própria.

predominaram, impactando favoravelmente na redução das desigualdades re-


gionais herdadas.
O mesmo pode ser dito de políticas de base territorial clara, como a
política de apoio à agricultura familiar. Seu instrumento principal – o Pronaf –
fora implementado no período do segundo mandato do presidente Fernando
Henrique, com base na municipalização – tendência cara aos localistas, que
parecem desconhecer a fragilidade do ente municipal no país. No governo
Lula a abordagem territorial muda, com a identificação dos chamados “territó-
rios rurais” que resultam da aglomeração de vários municípios com realidades
semelhantes. Tal abordagem mobilizou também os entes estaduais e no final
do mandato do presidente Lula havia se transformado em um novo Programa
conhecido como Territórios da Cidadania. Eram cerca de 120 territórios, onde
as políticas de vários ministérios buscavam interagir sob a coordenação da
Casa Civil. Nestes territórios predominavam os produtores familiares e os as-
sentados da reforma agrária e eles exibiam indicadores sociais preocupantes.
Outra política de base territorial clara é a de promoção e apoio aos chama-
dos Arranjos Produtivos Locais (APLs). Capitaneada pelo Ministério do Desen-
volvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) envolveu vários organismos
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federais, como o BNDES, o Banco do Brasil, o Ministério da Ciência e Tecnologia,


entre outros. O Sebrae também se agregou a este esforço dada a predominância
das micro e pequenas empresas nos APLs. Sua origem tem a ver com iniciativas
das próprias regiões e o papel do governo federal é o de apoiá-los.
Dessa forma, pode-se afirmar que se aprendeu a lidar com as políticas
territoriais, que são aquelas que vêm de baixo para cima. Estas políticas
lidam mais com as diversidades do país do que com as desigualdades e
representam a inclusão mais elaborada das escalas espaciais no processo de
planejamento, significando uma abertura da agenda de políticas. Na escala
48 estadual, verifica-se também a maior preocupação dos governos com o
desenvolvimento regional, tanto que vários estados têm hoje seus Planos
Plurianuais (PPA) construídos em bases regionais.
Já as clássicas políticas regionais explícitas, aquelas voltadas claramen-
te para enfrentar a questão regional do país, não tiveram grande prioridade
no governo Lula. O Ministério da Integração Nacional, principal responsá-
vel por tais políticas, foi desde logo entregue a um aliado (primeiro ao PSB
e mais adiante devolvido ao PMDB, que o conduzira ao longo do governo
Fernando Henrique). O resultado é que o Ministério da Integração Nacional,
quando visto com cuidado, continuou a ter nas obras hídricas seu foco cen-
tral, enquanto as políticas regionais explícitas foram modestas, merecendo
destaque apenas os recursos dos fundos criados pela Constituição de 1988
(FNO, FNE e FCO), geridos pelos bancos regionais e pelo Banco do Brasil
no caso do Centro-Oeste.
Apesar disso, e a bem da verdade, o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva começou priorizando a recriação da Sudene e Sudam – uma promessa
de campanha – e nos primeiros dias do governo, criou o Grupo Interminis-
terial para implementar tal iniciativa. O problema enfrentado foi duplo: de
um lado, os projetos de lei de recriação destas instituições regionais foram
tratados sem qualquer prioridade pelo Congresso Nacional, e de outro lado,
o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, proposto para dar lastro
financeiro à nova política de Desenvolvimento Regional delineada (a PNDR)
não foi aprovado pelos congressistas. Paralelamente, outras políticas iam
tendo impactos favoráveis para o enfrentamento das desigualdades regio-
nais, o que reduzia a pressão sobre a necessidade de privilegiar as políticas
regionais explícitas.
O governo Lula termina com uma proposta de formulação nova para
a política nacional de desenvolvimento regional (PNDR), que embute avan-
ços, como o de reconhecer que a desigualdade regional no Brasil não pode
ser tratada apenas na escala macrorregional (o que leva as políticas regionais
P r oj e tos par a o B r as i l
a priorizar apenas o Nordeste e Norte do país) e, portanto apontava para a
importância de considerar o problema em outras escalas, o que levaria a sub-
regiões do Sul (extremo sul do Rio Grande do Sul, entre outras) e mesmo
do Sudeste (Vale do Ribeira, por exemplo) à agenda prioritária da política
federal. Mas o avanço conceitual não teve expressão na realidade: sua con-
cretização foi mínima.
Dentre as políticas setoriais, uma das mais importantes foi a de edu-
cação superior, que teve uma expressão regional positiva, como mostram os
mapas a seguir. O primeiro mapa mostra que, em 2002, o Brasil tinha 43
campi das universidades federais implantados, e sua localização revelava 49
a herança de concentração destacada no início deste artigo: privilegiava o
Sudeste, o Sul e o litoral. Em 2010, com a implantação do Reuni, o número
de campi havia pulado para 230, e do ponto de vista regional, o segundo
mapa mostra, com clareza, a tendência à interiorização e à desconcentração
regional, o que permitiu levar a possibilidade de acesso ao ensino superior
a milhares de jovens que, dado o padrão anterior, não conseguiriam esta
oportunidade.
A presença desses campi em cidades médias tem um impacto ime-
diato e significativo não somente na vida cultural, mas também dinamiza o
comércio e os serviços locais. Por sua vez, o Prouni permitiu o acesso de
jovens oriundos das camadas populares à universidade, pela via do ensino
privado (patrocinado com renúncia fiscal do governo federal). O fato é que
considerando o ensino público e o privado os dados sobre população com
ensino superior concluído melhoraram muito no Brasil da primeira década
do século XXI. Os Censos Demográficos de 2000 e o de 2010 mostram
que o número de pessoas com ensino superior completo mais que dobrou,
passando de 5,9 milhões para 13,5 milhões de pessoas. E que o Nordeste,
Centro-Oeste e Norte é que experimentaram maior incremento, tanto que
ganham participação no total nacional (de 14,1% para 16,2%, de 7,1% para
8,6% e de 3% para 4,7%, respectivamente).
A região Sul mais que dobra seu número de portadores de diploma
de nível superior, mas mantém seu peso relativo no total do país (em torno
de 16%), mas o Sudeste, embora também mais que dobre o contingente
de titulados neste nível de ensino, perde peso no total (passando de 59,7%
para 54,1%).
Tomando outro indicador, o número de matriculados no ensino supe-
rior, constata-se que ele cresceu significativamente em todas as regiões do
país. Mas um destaque especial merece, mais uma vez, esta tendência no
Norte, Nordeste e Centro-Oeste, como bem mostra a Tabela 2. Vale ainda
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Tabela 2
Matrículas no ensino superior
Brasil e Grandes Regiões, 2000 e 2010
População de Taxa de escolarização
Matrículas (1)
Brasil e Grandes Regiões 18 a 24 anos bruta (2) (em %)
2000 2010 2000 2010 2000 2010
Brasil 2.695.927 6.379.299 27.056.637 27.250.431 10,0 23,4
Norte 115.058 413.455 2.199.883 2.510.843 5,2 16,5
Nordeste 414.308 1.136.148 7.951.766 8.050.109 5,2 14,1
50 Sudeste 1.398.309 2.953.504 11.251.863 10.908.710 12,4 27,1
Sul 542.435 1.291.021 3.706.678 3.726.471 14,6 34,6
Centro-Oeste 225.817 585.171 1.946.447 2.054.298 11,6 28,5
Fonte: Inep/MEC e Censo Demográfico/IBGE. Elaboração da autora.
Nota: (1) Incui matrículas do ensino presencial e à distância;
(2) Compara o total de matrículas de determinado nível de ensino com a população na faixa etária adequada a esse nível.

salientar que as mesmas tendências a qui destacadas para o ensino superior se


repetem na política de ensino médio e profissional. A oferta se expandiu muito
no período do governo Lula e as escolas também se interiorizaram e buscaram
as regiões menos desenvolvidas do país. Como se vê, as políticas federais deste
período foram, em geral, favoráveis à busca da construção de um país menos
desigual regionalmente.

Desafios para o futuro


Apesar dos avanços obtidos, alguns desafios deverão ser enfrentados no
futuro próximo. Cabe, desde logo, não esquecer que, embora convergências
possam ter sido observadas, a dimensão da desigualdade regional herdada ain-
da se reflete em qualquer indicador socioeconômico que se tome, como a taxa
de mortalidade infantil ou a taxa de analfabetismo das pessoas de dez anos e
mais. Hiatos igualmente desafiadores permanecem entre o Brasil urbano e o
rural, introduzindo diferenciais mesmo nas regiões mais pobres.
Por outro lado, a concentração econômica que beneficiou o Sudeste e o
Sul no século XX, embora atenuada, ainda é uma marca muito forte no cenário
do desenvolvimento regional brasileiro, em especial a concentração industrial.
E há nuvens no horizonte que não podem ser desconsideradas. A exploração
do petróleo do pré-sal, por exemplo, pode se tornar uma cunha na tendência
à desconcentração e interiorização vivenciada nos tempos mais recentes. Mas
outros segmentos industriais também mantêm tendência à concentração re-
gional, como o setor automotivo, a petroquímica, a produção do etanol (onde
P r oj e tos par a o B r as i l
o Nordeste está perdendo peso relativo, enquanto São Paulo, Mato Grosso do
Sul e Goiás se destacam), entre muitos outros. E a política industrial do país
não deixa clara a preocupação com esta tendência concentradora.
Nesse quadro, torna-se importante aprofundar o pensamento sobre orde-
namento territorial (e seu futuro), um tema já aplicado em muitos países e que
amplia o escopo das tradicionais pesquisas sobre desenvolvimento regional.
Um último desafio a destacar tem a ver com a integração sul-americana.
O esforço salutar de aproximar o Brasil dos seus vizinhos sul-americanos tem
colocado em um bloco de investimentos em infraestrutura econômica uma de
suas prioridades. Eles devem proporcionar a integração física que viabilizará a 51
integração econômica. No mapa destes investimentos, organizados na IIRSA,
fica nítido, por exemplo, a ausência de investimentos no Nordeste.
A dimensão territorial do desenvolvimento continua, portanto, sendo
um desafio, apesar das tendências positivas aqui destacadas e para as quais o
governo Lula deu sua contribuição.

Referências bibliográficas
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regional contemporânea. In: Políticas de Desenvolvimento Regional. Brasília:
Editora UNB, 2007.
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GUIMARÃES NETO, Leonardo. Nota Técnica sobre as desigualdades regionais
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