Você está na página 1de 15

ITINERÁRIOS DO CAPITAL E

SEU IMPACTO NO CENÁRIO


INTER-REGIONAL*

Otávio Soares Dulci

Para onde vai o capitalismo no Brasil? Esta tro”, que se tinha como esgotado depois de meio
questão será aqui abordada com a preocupação século de relativo sucesso. O novo caminho foi
de verificar o impacto dos deslocamentos do ca- em boa medida imposto pelas circunstâncias
pital sobre o cenário inter-regional. Pretendo es- mundiais. Porém, representou também uma op-
boçar uma tematização das mudanças que têm ção interna, assumida pelo governo e pela elite
afetado a organização territorial do capitalismo econômica. O conceito de “integração competiti-
brasileiro. Essa tarefa implica um olhar geopolíti- va”, elaborado no âmbito do BNDES no final dos
co que, por sua vez, supõe considerações de anos de 1980, forneceu a base intelectual para a
ordem geoeconômica. mudança de rumo.
O ponto de partida diz respeito à inflexão Tendo em vista esse processo, que constitui
estratégica, no início dos anos de 1990, represen- o pano de fundo para a análise a ser desenvolvi-
tada pela política de abertura da economia como da, a questão dos itinerários do capital será exa-
alternativa ao modelo de “crescimento para den- minada em dois níveis. Em primeiro lugar, tratarei
dos deslocamentos que se têm verificado em fun-
ção de fatores primordialmente econômicos, ou
* Este artigo foi originalmente apresentado no Seminá- seja, as mudanças na divisão inter-regional do tra-
rio Temático “Para onde vai o capitalismo no Brasil?
Dilemas e perspectivas das empresas e dos empre-
balho associadas à dinâmica do mercado. Em se-
sários”, que integrou a programação do XXV En- gundo lugar, abordarei as mudanças induzidas ou
contro Anual da Anpocs, out. 2001. condicionadas por fatores institucionais.

RBCS Vol. 17 no 50 outubro/2002


o
90 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 17 N 50

A economia brasileira e o quadro resultou tanto de fatores de mercado quanto de


regional ao longo do século XX fatores político-institucionais, combinados de ma-
neira diferente segundo as heterogêneas realida-
Ao se investigar as mudanças no sistema des regionais do Brasil. Paralelamente ao caso es-
econômico brasileiro – encarado como um com- pecial de São Paulo, pelo menos três outros tipos
plexo de regiões relativamente articuladas em um de desenvolvimento regional se distinguiram na
mercado nacional –, convém distinguir entre ten- segunda metade do século XX (Dulci, 1999).
dências de mudança que já se observavam no an- Um deles corresponde a certas partes do país
tigo contexto semi-autárquico (na década de 1980 dinamizadas pelo desdobramento da economia
e mesmo antes) e transformações derivadas pro- paulista. O impulso foi dado pelo mercado, mas de
priamente da abertura dos anos de 1990. fora para dentro. Foi o que sucedeu no Paraná, em
A industrialização do Brasil tomou corpo a Goiás e, posteriormente, no Mato Grosso do Sul,
partir dos anos 1930, com a interligação de merca- sem contar as áreas de Minas Gerais adjacentes a
dos regionais até então bastante isolados uns dos São Paulo (o sul de Minas e o Triângulo).
outros em um mercado nacional protegido da con- No outro extremo, temos o Nordeste e a
corrência externa. Deu-se um processo de concen- Amazônia, vasta porção do território brasileiro si-
tração industrial que abafou aos poucos o parque tuada em posição nitidamente periférica – em re-
industrial preexistente em diversas partes do país. lação ao eixo industrial do Sudeste – e, portanto,
Estabeleceu-se, com isso, um esquema de divisão com baixo potencial de crescimento segundo a ló-
do trabalho centralizado no eixo Rio-São Paulo, gica do mercado. Nesse caso, para se desenvolve-
mas que se inclinou cada vez mais para São Paulo. rem, seriam necessárias iniciativas no campo polí-
Sabe-se que a primazia paulista derivou de condi- tico-institucional. E essas viriam de fora, do gover-
ções excepcionais de crescimento ligadas ao “com- no federal, movido por razões estratégicas de cu-
plexo cafeeiro” (Cano, 1990). Aprofundou-se pela nho nacional. Assim, ambas foram definidas como
dinâmica de aglomeração do mercado, mas con- “regiões-plano”, alvo de benefícios fiscais e de ou-
tando também com um fator extra-mercado: a po- tros tipos de apoio, com a criação da Sudene (Su-
lítica cambial do Brasil, que, para controlar as im- perintendência de Desenvolvimento do Nordeste)
portações, protegeu sobremaneira o setor industrial e mais tarde da Sudam (Superintendência de De-
já implantado. Isso incrementou ainda mais a cen- senvolvimento da Amazônia).
tralidade da economia de São Paulo em face das Tais agências consolidaram uma linha de
outras áreas menos desenvolvidas. atuação do governo federal que remontava ao iní-
Esse movimento de concentração atingiu o cio do século, com a fundação do órgão de com-
auge por volta de 1960. Nessa época, a hegemo- bate às secas (o atual DNOCS/Departamento Na-
nia paulista era retratada por todos os índices re- cional de Obras Contra as Secas), e que avançara
levantes. No tocante ao valor da transformação in- nos anos de 1940, quando surgiram a Comissão
dustrial, por exemplo, a participação de São Pau- do Vale do São Francisco e a Superintendência do
lo alcançava 55% do total do país. A título de Plano de Valorização Econômica da Amazônia. O
comparação, a participação de Minas Gerais era escopo original da Sudene e da Sudam era abran-
quase dez vezes menor, e declinante em relação à gente, mas, com o tempo, elas se fixaram sobre-
década anterior. Como a indústria mineira estava tudo na concessão de incentivos fiscais como
crescendo, mesmo moderadamente, a queda de meio de viabilizar empreendimentos industriais e
sua posição relativa sinalizava para a vertiginosa agropecuários no Nordeste e na Amazônia.
expansão do parque paulista. Temos, por fim, um terceiro tipo, correspon-
Na década de 1960, esse quadro começou a dente aos Estados que buscaram fórmulas inter-
ser alterado, estabelecendo-se uma tendência à mediárias no que diz respeito à equação merca-
desconcentração que perduraria até o momento do/Estado. Encaixam-se nesse padrão diversos Es-
final de vigência do antigo modelo. Tal tendência tados do Centro-Sul. Dispondo de certo potencial
ITINERÁRIOS DO CAPITAL E SEU IMPACTO NO CENÁRIO INTER-REGIONAL 91

de expansão econômica, essa possibilidade foi mercado. É verdade que este passou a ditar os ru-
buscada pelo manejo de recursos políticos e insti- mos sem maior ingerência governamental. Porém,
tucionais (planejamento, bancos de fomento, cap- os seus rumos não implicam necessariamente um
tação de investimentos privados, empreendimen- movimento de aglomeração. Ao contrário, a certa
tos estatais em setores-chave etc.). O fator diferen- altura surge o problema das disfunções da aglo-
cial, porém, foi a iniciativa interna do processo – meração, aquilo que os economistas designam
em contraste com o modelo do Nordeste e da por “deseconomias externas”.
Amazônia –, pois o menor grau de atraso não jus- O caso de São Paulo ilustra bem esse ponto.
tificaria, por si mesmo, ações estratégicas do go- Verifica-se um processo contínuo de deslocamen-
verno federal. A dúvida recai sobre as condições to de atividades da capital e de sua área metropo-
para iniciar e levar adiante fórmulas consistentes litana para o interior do Estado, espalhando-se
de desenvolvimento, o que é uma variável impor- por zonas vizinhas de outros Estados. A hegemo-
tante na análise de cada caso. Aqui se trata, sobre- nia da capital paulista como centro financeiro e
tudo, do grau de convergência dos vários segmen- eixo do sistema empresarial brasileiro foi até re-
tos da elite estadual em torno desse objetivo. O forçada com o tempo, mas sua posição como cen-
empresariado regional é um ator de peso nessa tro industrial reduziu-se bastante em termos rela-
articulação interna, por suas redes de organização tivos. O mesmo verificou-se com os municípios
corporativa e por suas conexões com a esfera po- contíguos. É menor que 25% a participação atual
lítica. Sendo frágeis esses elos, não se preenchem da área metropolitana de São Paulo na produção
as condições para a iniciativa interna, e o mesmo industrial do país.
ocorre na esfera político-partidária, quando os O alcance desse deslocamento tem sido alvo
conflitos, por vezes violentos entre partidos e “ca- de debate. O governo paulista adotou desde os
ciques”, impedem um mínimo de continuidade anos de 1970 uma estratégia de interiorização,
administrativa entre os governos. abrindo caminho para que a indústria se expan-
Observou-se em suma, na segunda metade disse da capital e seu entorno para outras micro-
do século XX, uma gradual redivisão do trabalho, regiões do Estado. Cidades de porte médio, com
em direção inversa à que se constituíra na primei- condições favoráveis de infra-estrutura, base cien-
ra metade. A dinâmica do mercado fomentou a tífica e tecnológica etc., absorveram uma parcela
desconcentração produtiva para novas áreas – considerável desse movimento, com destaque
agrícolas e eventualmente industriais. E a inter- para Campinas, São José dos Campos e Sorocaba.
venção política suplementou essa tendência. Dada sua relativa proximidade da capital, tería-
mos aí, como apontou Azzoni (1986), um movi-
mento de reconcentração numa área limitada do
A divisão inter-regional do trabalho Estado de São Paulo, ainda que em círculo mais
na fase recente amplo do que o anterior?
A hipótese da reconcentração parece corre-
Quando foi adotada a política de liberaliza- ta, mas não em área tão restrita, como mostra a
ção, em 1990, o poder público já não dispunha de análise esclarecedora de Diniz (1993). Este autor
meios suficientes para seguir atendendo ao pro- sugere, baseado na investigação de todos os pó-
blema das disparidades econômicas regionais. O los industriais do país, que tem ocorrido um pro-
pilar institucional do processo de desconcentra- cesso de “desenvolvimento poligonal” na esteira
ção viu-se bastante reduzido. Permaneceu contu- da expansão das atividades para fora da Grande
do o pilar de mercado. Por certo, uma hipótese São Paulo. O impulso de desconcentração está re-
plausível era a de que o novo modelo iria produ- tido dentro de um polígono cujo núcleo é o pró-
zir uma nova centralização das atividades e da ri- prio interior de São Paulo e que se estende do
queza, aprofundando o fosso entre o centro e a centro de Minas Gerais (Belo Horizonte) até o
periferia em virtude do impulso concentrador do nordeste do Rio Grande do Sul (Porto Alegre).
o
92 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 17 N 50

Nesta grande faixa, que atravessa as regiões Su- do Sapucaí e Itajubá, próximo à fronteira com São
deste e Sul, encontra-se o setor mais moderno da Paulo. Constitui uma das facetas díspares da in-
indústria brasileira, tecnologicamente avançado, dústria mineira, a qual, por sua heterogeneidade,
implantado principalmente em cidades de porte é uma espécie de retrato em miniatura do sistema
médio, tal como se observa nos principais países produtivo brasileiro. O sul de Minas é uma área
industrializados. bastante desenvolvida, fortemente polarizada por
A indústria espalha-se, mas não se distancia São Paulo, assim como o Triângulo Mineiro. Já na
demasiado do centro, o qual segue exercendo seu parte central do Estado (a Zona Metalúrgica e o
poder de gravitação. A abertura da economia e a vale do rio Doce) predomina o segmento minero-
reestruturação produtiva, com as mudanças tecno- siderúrgico – que foi objeto de grandes esforços,
lógicas envolvidas nesse processo, fortalecem a ao longo do século XX, como motor da recupera-
densidade econômica do polígono. Esta é ainda ção econômica regional, em vista de seus abun-
aprofundada pelo fato de que a produção das ou- dantes recursos minerais, mas que corresponde
tras regiões depende muito da importação de hoje a um modelo ultrapassado de industrializa-
bens (insumos, componentes) do Sudeste e do ção. De fato, a indústria mineira é muito concen-
Sul, realidade que expressa a tendência concen- trada na produção de bens intermediários (gusa,
tradora do mercado. aço, cimento). Uma alternativa mais moderna para
O estudo de Diniz visava a identificar as esta área central surgiu nos anos de 1970 com o
aglomerações industriais relevantes – que corres- pólo automobilístico da Fiat na área metropolita-
pondem, em sua definição, às microrregiões homo- na de Belo Horizonte, que foi um projeto bem-su-
gêneas com mais de 10.000 pessoas ocupadas na cedido de descentralização desse segmento indus-
indústria. Em 1970, observaram-se 33 aglomera- trial, até então concentrado no ABC paulista.
ções. Em 1990, seu número elevou-se a 90, das Há em Minas duas outras zonas que também
quais 68 eram consideradas dinâmicas (ou seja, figuram no mapa industrial do Brasil, porém com
com crescimento anual do emprego acima da mé- características diametralmente opostas. O norte do
dia brasileira, que era de 3,5%). Destas, 20 se loca- Estado, sua parte mais pobre, experimentou uma
lizavam-se no interior de São Paulo, 11 em Minas escalada industrial com inúmeros projetos incenti-
Gerais, 8 em Santa Catarina, 6 no Rio Grande do vados pela Sudene, que transformaram Montes
Sul e 4 no Paraná, o que dá suporte à hipótese da Claros numa das aglomerações de maior cresci-
reconcentração industrial no polígono aludido. mento proporcional no conjunto do país. A Zona
Alguns comentários ajudam a complementar da Mata, por sua vez, com seus antigos núcleos
esse quadro. Um deles se refere à tendência de in- industriais de bens de consumo (têxteis, laticí-
teriorização da indústria paulista, que se concreti- nios), oriundos da primeira onda de industrializa-
zou em parte pela implantação de pólos tecnológi- ção no Brasil, tem vivido longa fase de estagna-
cos em centros particularmente aptos a abrigá-los, ção. Uma possibilidade de mudança foi aberta por
como Campinas e São José dos Campos. Esse é um meio da indústria automobilística (a fábrica da
aspecto muito expressivo do mapa do capitalismo Mercedes Benz em Juiz de Fora), cujo efeito mul-
brasileiro, bastando recordar a importância atual da tiplicador é ainda incerto.
indústria aeronáutica para a balança comercial do Outra região tradicional que perdeu substân-
país. Deve-se, porém, acrescentar que a expansão cia é o Rio de Janeiro, berço da indústria brasilei-
da indústria de alta tecnologia não ficou confinada ra, que decaiu não só relativamente, como São
a São Paulo. Estendeu-se para os três Estados do Paulo, mas passou por visível processo de desin-
Sul e também para Minas Gerais, aproveitando dustrialização. O Estado do Rio de Janeiro contri-
condições favoráveis do ponto de vista infra-estru- buía, em 1970, com 12% do valor da transforma-
tural e de base científica/tecnológica. ção industrial brasileira; quinze anos depois, em
O pólo mineiro de alta tecnologia, apelidado 1985, seu peso reduzira-se a menos de 8%. Tanto
de “Vale da Eletrônica”, está situado em Santa Rita a área metropolitana quanto os demais pólos exi-
ITINERÁRIOS DO CAPITAL E SEU IMPACTO NO CENÁRIO INTER-REGIONAL 93

biram crescimento muito lento (Diniz e Crocco, Quadro I


1996). Enquanto isso, o peso do setor petrolífero Participação das Grandes Regiões e Estados no
aumentou consideravelmente no produto esta- PIB do Brasil entre 1985 e 1998 (%)
dual, e o recente estabelecimento do pólo auto-
mobilístico no sul do Estado abre uma etapa de
renovação da indústria fluminense. REGIÕES E ESTADOS 1985 1997
É interessante, ao mesmo tempo, observar o
que ocorre nos Estados do Sul. Em Santa Catarina, NORTE 3,84 4,48
especialmente, cujo sistema produtivo apresenta Rondônia 0,48 0,50
traços dignos de nota para a discussão dos rumos Acre 0,13 0,16
do capitalismo brasileiro. De um lado, a economia Amazonas 1,52 1,65
catarinense compreende um robusto setor agro- Roraima 0,07 0,08
industrial, representado pelas processadoras de Pará 1,52 1,70
aves e suínos: Sadia, Perdigão, Chapecó e Seara. Amapá 0,12 0,16
Tais empresas mantêm um alto volume de expor- Tocantins - 0,21
tação para diversas partes do mundo. Sadia e Per-
digão formaram, em 2001, a trading company NORDESTE 0,74 0,79
BRF International Foods para incrementar suas Piauí 0,39 0,48
vendas ao exterior. De outro lado, tem-se o com- Ceará 1,72 2,06
plexo metal-mecânico da região de Joinville. Uma
Rio Grande do Norte 0,78 0,75
de suas companhias, a Weg, está entre as princi-
Paraíba 0,72 0,79
pais fabricantes mundiais de motores elétricos e li-
Pernambuco 2,62 2,71
dera o setor na América Latina. Blumenau, por
Alagoas 0,86 0,67
sua vez, contém um amplo parque industrial em
Sergipe 0,92 0,55
que se salienta a produção têxtil. A estes centros
Bahia 5,35 4,24
e segmentos, tradicionais no Brasil, agrega-se a
iniciativa do pólo tecnológico de Florianópolis,
SUDESTE 60,15 58,16
cuja eventual consolidação tornará mais moderno
Minas Gerais 9,61 9,79
e diversificado o sistema industrial do Estado.
Espírito Santo 1,72 1,90
Uma visão adicional das mudanças no cená-
Rio de Janeiro 12,70 11,01
rio econômico inter-regional é dada pela compa-
São Paulo 36,12 35,46
ração diacrônica do PIB dos Estados brasileiros,
que permite aferir, além da evolução industrial,
também a expansão da atividade agrícola, com SUL 17,10 17,48

seu impacto no desenvolvimento do setor de ser- Paraná 5,92 6,21

viços. Assim, cotejando os dados de 1985 e 1998,1 Santa Catarina 3,30 3,55

observamos a seguintes mudanças (Quadro I). Rio Grande do Sul 7,88 7,72
Vê-se que a participação de algumas unida-
des no PIB nacional aumentou bastante, com des- CENTRO-OESTE 4,81 6,84
taque para Mato Grosso (de 0,69% para 1,08%) e Mato Grosso do Sul 0,95 1,10
Ceará (de 1,72% para 2,06%). Mato Grosso 0,69 1,08
Em pouco mais de dez anos, a parcela de Goiás 1,80 1,91
Mato Grosso cresceu 56%, fato realmente notável Distrito Federal 1,37 2,75
que chama a atenção para o que acontece no
Oeste do país. Trata-se do deslocamento da fron- BRASIL 100,00 100,00
teira agrícola mediante o uso da tecnologia de
aproveitamento do cerrado, que dinamizou toda a Fonte: IBGE, Contas Regionais do Brasil, 1985-1998
o
94 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 17 N 50

faixa central do Brasil, desde Minas Gerais, pas- outras partes do Brasil. Por exemplo, parte da
sando por Goiás, até Mato Grosso e Mato Grosso produção de calçados do Rio Grande do Sul foi
do Sul, para alcançar a região amazônica em Ron- transferida para o Ceará. Há ainda a implantação
dônia. A incorporação do cerrado foi alvo de for- de empreendimentos industriais e comerciais para
te empenho governamental e, desde meados da atender ao vasto mercado consumidor do próprio
década de 1970, o Centro-Oeste vem atraindo in- Nordeste. Assim, grupos de atuação multiregional
vestimentos privados bem como migrantes em (ligados sobretudo aos ramos alimentício e têxtil)
grande número. A agricultura comercial (soja, mi- têm investido em vários Estados nordestinos com
lho, arroz etc.) desenvolve-se em grandes empre- este objetivo. No plano institucional, o crescimen-
sas e cooperativas. Em meados dos anos de 1980, to foi fomentado pelo recurso a volumosos incen-
iniciou-se a industrialização dos produtos agríco- tivos fiscais da Sudene e por políticas do governo
las e pecuários (frigoríficos, laticínios), estimulada, estadual. Além disso, a elite empresarial cearense
de um lado, por facilidades fiscais concedidas pe- envolveu-se ativamente nesse esforço. Tais aspec-
los Estados e, de outro, de outro, pela oferta de tos levam a aproximar o Ceará do modelo inter-
infra-estrutura pelas Prefeituras, como contraparti- mediário de desenvolvimento, referido na seção
da aos investimentos das empresas. anterior, que assinalou historicamente as expe-
A expansão da fronteira Oeste traduz uma riências de Minas Gerais, do Rio Grande do Sul e
modalidade de desenvolvimento ancilar à econo- de outras unidades do Centro-Sul.
mia do Sudeste, mais exatamente à área polariza- Tendo em vista os pontos analisados nesta
da por São Paulo, tal como outrora ocorreu com a seção, podemos tentar uma síntese do processo
ocupação da fronteira do Paraná. Isso sobretudo de redivisão do trabalho em curso no território
por fatores logísticos, que podem eventualmente brasileiro.
ser alterados: no futuro a rota de exportação talvez Prossegue o movimento de desconcentração
siga os rios da bacia amazônica até o Atlântico. industrial que marcou as últimas décadas do sécu-
Quanto aos capitais ali investidos, provêm não só lo XX, cujo efeito tem sido o de expandir os seto-
do Sudeste, mas também da região Sul, a exemplo res dinâmicos – a partir de São Paulo, que perma-
das empresas de arroz, ao passo que amadurecem nece como núcleo do sistema – para os diversos
gradualmente segmentos empresariais da própria Estados do Sudeste e do Sul. Na região Sudeste,
região. Na organização corporativa do empresaria- contudo, espaços tradicionais da economia brasi-
do de Mato Grosso, a influência dos interesses ex- leira (o Rio de Janeiro e a maior parte de Minas
ternos é indicada pelo fato de que o atual presi- Gerais) se encontram em posição periférica em re-
dente de sua Federação das Indústrias é o empre- lação a este movimento de expansão. No setor
sário Alexandre Furlan, do grupo Sadia. agrícola, tanto o Sudeste quanto o Sul permane-
A trajetória recente do Ceará, em que sobres- cem em lugar proeminente no Brasil, no que diz
sai o desempenho de sua indústria, colocou este respeito às culturas de exportação e de abasteci-
Estado na linha de frente da economia nordestina. mento interno.
A participação cearense no produto nacional é in- A região Nordeste ampliou gradualmente seu
ferior à de Pernambuco (2,71%, em 1998) e à da papel no mercado nacional como produtora de
Bahia (4,24%, em 1998), mas não por muito tem- bens industriais de consumo e de bens intermediá-
po, a julgar pelo dinamismo de sua produção. O rios, o que é ilustrado respectivamente pelas traje-
caso do Ceará aponta para a eficiência do uso tórias do Ceará e da Bahia - nesta, sobretudo pelo
combinado de potencialidades de mercado e de desenvolvimento do setor petroquímico. No entan-
mecanismos político-institucionais na promoção to, seu grau de competitividade depende muito de
do desenvolvimento regional. Quanto aos fatores fatores político-institucionais (como incentivos fis-
de mercado, há o aproveitamento de vantagens cais), e, no contexto da liberalização da economia
comparativas, como o baixo custo da mão-de- brasileira, a situação desvantajosa do Nordeste ten-
obra, que despertou o interesse de empresas de de a se acentuar.
ITINERÁRIOS DO CAPITAL E SEU IMPACTO NO CENÁRIO INTER-REGIONAL 95

Na esteira do processo de expansão da fron- Dois segmentos destacam-se nas privatiza-


teira agrícola no Centro-Oeste, consolida-se a agri- ções efetuadas pelos Estados. Primeiro, os bancos,
cultura em escala empresarial, fazendo surgir ativi- alvo principal da preocupação do governo federal
dades agroindustriais na região. Finalmente, na ao impor os acordos de escalonamento das dívi-
região Norte desenvolveram-se dois enclaves in- das.2 Segundo, as empresas estaduais de energia,
dustriais de peso: o complexo mineral de Carajás, transferidas quase todas para o setor privado.
no Pará, e principalmente o pólo de Manaus, Além disso, foram também privatizadas as compa-
alicerçado nos incentivos da Zona Franca, que ex- nhias de gás do Rio de Janeiro e de São Paulo, de
perimentou forte crescimento com a abertura co- navegação do Rio de Janeiro e de telecomunica-
mercial do país, na medida em que as indústrias ali ções do Rio Grande do Sul.
instaladas se converteram em montadoras de bens Quanto às companhias sob controle acioná-
com alto índice de componentes importados. rio da União, as privatizações abrangeram certo
número de setores cuja listagem dá uma boa idéia
do padrão de envolvimento estatal na economia
Privatizações e reestruturações no decorrer do século XX.
patrimoniais A primeira onda de privatizações, de 1991 a
1994, envolveu as siderúrgicas Usiminas, Acesita e
Esboçados os itinerários recentes do capita- Açominas (MG), Cosinor (PE), Piratini (RS), Tuba-
lismo no Brasil que resultam de impulsos do mer- rão (ES), Cia. Siderúrgica Nacional (RJ) e Cosipa
cado, passo agora a tratar das mudanças de cará- (SP). No mesmo período foram vendidas as em-
ter institucional, derivadas de estratégias políticas, presas de fertilizantes Indag e Ultrafértil (SP), Fos-
que têm influenciado os rumos do capital. fértil e Arafértil (MG), Goiasfértil (GO). E ainda
Nessa esfera, o processo mais importante é o duas indústrias de material de transporte, a Celma
de reformulação patrimonial, fruto das privatiza- (RJ) e a Mafersa (SP), logo no início do processo.
ções de empresas públicas, bem como das fusões Entre 1992 e 1995, a União transferiu sua
e aquisições de empresas no setor privado. Expri- participação em quase trinta companhias petro-
me uma tendência de mercado, pois ocorre em químicas para adquirentes privados. O mesmo
toda parte, de acordo com a lógica do capitalis- ocorreu em 1994 com a Embraer, fabricante de
mo. E, ao mesmo tempo, resulta de reformas ins- aviões. No setor de mineração, foi vendido o con-
titucionais: a reforma do Estado, em que as priva- trole da Caraíba (BA) e da histórica Vale do Rio
tizações ocupam lugar central, e a abertura da Doce, sediada no Rio de Janeiro, mas cujas ope-
economia, pautada pela “integração competitiva”, rações industriais se dão em Minas Gerais, Espíri-
que acirra a concorrência e fomenta assim as to Santo e Pará. Na área energética, a União pri-
aquisições e as fusões. vatizou a Escelsa (ES), a Light (RJ) e a Gerasul
A política de desestatização responde a ob- (SC), porém ainda conserva parte substancial de
jetivos nacionais, mas produz conseqüências rele- seu patrimônio (Furnas, Eletronorte, CHESF, o
vantes em escala regional – econômicas, políticas complexo nuclear, etc.). Por fim, em 1998 teve lu-
e na esfera empresarial. A maior parte das com- gar a maior rodada do programa de privatização,
panhias privatizadas pertencia à União, mas vá- referente às empresas de telecomunicações.
rias outras eram controladas por governos esta- Tendo em conta a base territorial de tais em-
duais. Nesse caso, o efeito local é mais direto. presas, pode-se fazer uma breve avaliação do im-
Houve ganhos financeiros, mas os programas es- pacto da sua desestatização para as respectivas
taduais de privatização foram vinculados ao regiões. Observa-se que o sistema de empresas
equacionamento das dívidas dos Estados com a públicas estava relativamente concentrado em al-
União e, portanto, não emanaram de estratégias guns Estados. Em geral, os respectivos governos e
autônomas de reforma patrimonial e de desenvol- as elites regionais detinham influência sobre as
vimento regional. mesmas, de acordo com a rede federativa de com-
o
96 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 17 N 50

posições políticas. Posições diretivas nas estatais to da exploração marítima. E o esforço de pesqui-
eram recursos políticos valorizados no jogo de po- sa e desenvolvimento tecnológico envolvido cha-
der. E sua gestão não se pautava exclusivamente ma a atenção para uma das principais contribui-
por critérios de mercado – o que aliás condiz com ções das companhias estatais em seu ambiente
a função de uma empresa pública. Algumas esta- regional. Trata-se do estímulo que elas freqüente-
tais eram consideradas verdadeiras agências de mente deram a empreendimentos, às vezes
desenvolvimento das regiões em que atuavam, tal pequenos, de alta tecnologia. Talvez o melhor
a sua importância para as atividades econômicas exemplo seja o do setor de equipamentos de tele-
locais. A privatização cancela esse padrão, impli- comunicações. As teles estatais fomentaram, ao
ca perda de acesso político de governos e elites longo do tempo, o surgimento de fornecedores na-
aos recursos das antigas estatais que eles captura- cionais, ensejando assim um processo virtuoso de
vam e esvazia o sentido desenvolvimentista da desenvolvimento tecnológico. Porém, uma vez pri-
ação das empresas, pautadas doravante por requi- vatizadas, passando ao controle de grupos estran-
sitos de produtividade, de lucro e de atendimento geiros, as teles tendem a dar preferência a fornece-
aos interesses dos acionistas. dores externos, dentro de acordos comerciais
Para ilustrar, pode-se citar o caso da Vale do globais promovidos por suas matrizes. Nessas con-
Rio Doce, que desempenhou no eixo Minas Ge- dições, os fabricantes brasileiros de equipamentos
rais/Espírito Santo um papel estratégico na explo- perdem o mercado, tendo de repassar o seu negó-
ração mineral, nos transportes (pela ferrovia Vitó- cio para os referidos fornecedores globais.
ria a Minas) e na abertura de outras frentes, como Aqui nos deparamos com um efeito negativo
a indústria de celulose, em sua zona de atuação. da estratégia de privatização, na medida em que fa-
A criação da Vale do Rio Doce, durante a Segun- vorece a desnacionalização da economia. Se a
da Guerra Mundial, teve um significado especial inovação de conhecimento é uma importante van-
para Minas Gerais, cujas elites há muito se opu- tagem competitiva, talvez a mais decisiva na atuali-
nham ao domínio de suas jazidas de ferro por gru- dade, a política brasileira de privatização tem sido
pos estrangeiros. E tais elites sempre foram bem bastante negligente a esse respeito. Na prática, re-
representadas na direção da empresa, assim como presenta mera realocação de ativos, com impacto
as do Espírito Santo. Na maior parte de seus 45 limitado em termos de conhecimento inovador.
anos de existência como estatal, a Vale do Rio Sem dúvida, o risco de desqualificação tecno-
Doce foi presidida por mineiros. A resistência na- lógica é um ponto-chave a ser focalizado em uma
cionalista que culminou com a criação da Vale do análise criteriosa do modelo econômico em curso.
Rio Doce tinha a ver com a preocupação em con- Tem sido enfatizado pelos representantes da comu-
solidar a siderurgia nacional, daí o sentido tam- nidade científica (preocupados além do mais com
bém emblemático das usinas siderúrgicas federais o corte acentuado de recursos públicos destinados
para os mineiros. Algo de semelhante ocorreu na à ciência e à tecnologia em virtude do ajuste fiscal),
Bahia com a Petrobrás, empresa que teve forte por vozes mais atentas do empresariado e até por
presença da elite baiana em seu início e que tem algumas autoridades governamentais.
desempenhado um papel de relevo na vida eco- Na esfera empresarial, outro efeito possível
nômica desse Estado. Posteriormente, nos anos de das privatizações é o fortalecimento corporativo e
1970, a Bahia viria a abrigar um dos pólos petro- político do empresariado regional, desde que a
químicos planejados pelo governo federal, inicia- ele se integrem efetivamente os novos controlado-
tiva que incorporou os principais grupos empre- res ou seus representantes locais de maior peso.
sariais da região (Banco Econômico, Odebrecht, Este seria um ganho, uma vez que os antigos di-
Mariani) como sócios de capitais de fora, estatais rigentes de estatais operavam em função de outras
e privados. referências e com menor autonomia de ação clas-
Atualmente o impacto maior da Petrobrás se sista. No entanto, pode ocorrer a situação oposta,
dá no Estado do Rio de Janeiro, com o incremen- de uma burguesia invisível, ausente, como indi-
ITINERÁRIOS DO CAPITAL E SEU IMPACTO NO CENÁRIO INTER-REGIONAL 97

cou Oliveira (1987) em sua análise do processo de nologia de ponta, além daqueles historicamente
modernização da Bahia. dominados por multinacionais (tal como o farma-
Ao lado das privatizações, observa-se outra cêutico). A indústria nacional segue dominando
vertente de deslocamentos patrimoniais, constituí- os ramos que utilizam a vantagem da mão-de-
da pelas aquisições, pelas parcerias e pelas fusões obra barata, os ramos de matéria-prima abundan-
entre empresas que, muitas vezes, são absorções te e os ramos oligopolizados, tais como os de be-
disfarçadas. A última década testemunhou o ritmo bidas e cimento (Indústria, 2000)
vertiginoso desse tipo de movimentação, afetando Sem pretender um levantamento sistemático,
o capitalismo em escala global. No Brasil, esse recorro a alguns exemplos para dar uma idéia da
processo foi propiciado pela estratégia de abertu- abrangência dos deslocamentos de capitais, tanto
ra da economia. Cabe um paralelo com o que setorial quanto regionalmente.3
houve depois de 1964, quando o governo Castelo O setor bancário foi um dos que mais se re-
Branco, também voltado para um ambicioso pro- formularam nos últimos anos. As privatizações
grama de reformas institucionais, provocou uma fortaleceram os maiores grupos nacionais: Brades-
maciça concentração de empresas, à guisa de mo- co, Itaú e Unibanco. Mas também consolidaram a
dernizar o sistema. Naquela época, tal como ago- presença de conglomerados externos, principal-
ra, houve um forte incentivo à concentração e à mente o Santander e o ABN Amro. Este último, ao
centralização de capitais. absorver o Banco Real, tornou-se o maior banco
Muitas negociações ocorrem entre grupos estrangeiro no Brasil, mas o Santander equilibrou
nacionais, sendo freqüente a aquisição de empre- o jogo quando venceu o leilão do Banespa. Atual-
sas locais ou regionais por concorrentes de atua- mente a participação de bancos estrangeiros no
ção mais ampla no mercado brasileiro. Contudo, sistema financeiro nacional está próxima dos 50%
as compras de empresas nacionais por grupos em patrimônio líquido.
multinacionais se acentuaram no período recente. Um ramo em contínua reestruturação é o de
Em contrapartida, deve-se também considerar a hipermercados/supermercados. O grupo francês
aquisição de companhias estrangeiras por grupos Carrefour absorveu redes menores em vários Esta-
brasileiros. E há casos de recuperação do contro- dos e o mesmo fez o grupo nacional Pão de Açú-
le de empresas desnacionalizadas por empresários car, em aliança estratégica com o francês Casino.
domésticos. Ao mesmo tempo, nos Estados do Sul o grupo
Uma pesquisa do BNDES, divulgada em português Sonae tem avançado rapidamente, tal-
meados de 2000, mostrou que a penetração do ca- vez com o intuito de se estender a outras partes
pital estrangeiro na indústria brasileira é palpável do país. A rede Bompreço, dominante no Nordes-
mas seletiva. Considerando os treze setores mais te, foi adquirida pelo grupo varejista holandês Ro-
importantes da indústria, a participação das em- yal Ahold. O resultado é que, a esta altura, cinco
presas nacionais nas vendas anuais caiu de 67%, redes detêm pelo menos 40% do faturamento do
em 1995, para estimados 62%, em 1999. O capital setor – pela ordem, Pão de Açúcar, Carrefour,
nacional domina absolutamente (com mais de Bompreço, Sonae e Sendas.
80% das vendas) os segmentos de couro e calça- Embora em menor escala, transferências de
dos, vestuário, têxtil e metalurgia/siderurgia. De- controle vêm ocorrendo de modo expressivo na
tém entre 70% e 80% das vendas de papel/celulo- indústria alimentícia. Casos recentes em Minas
se, alimentos, bebidas e cimento. Abaixo de 55% Gerais foram o da Aymoré, uma das maiores fabri-
estão os setores de máquinas e equipamentos, cantes de biscoitos do país, e o da Forno de Mi-
químico e petroquímico, de informática e de ma- nas, bem-sucedida produtora de pães de queijo.
terial elétrico. Nestes últimos é que se observou a Ambas vendidas a companhias estrangeiras. Outra
maior penetração externa. O padrão de desnacio- importante empresa mineira, a Granja Rezende,
nalização da indústria é seletivo na medida em sediada em Uberlândia, passou ao controle da Sa-
que afeta segmentos que requerem acesso à tec- dia, permanecendo portanto no âmbito do capital
o
98 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 17 N 50

nacional. Já a Arisco, de Goiás, foi vendida para a ranjos, envolvendo capitais externos. Assim, a Aço-
norte-americana Best Foods (a qual, aliás, foi ab- minas, cuja privatização resultou altamente proble-
sorvida em 2001 pelo conglomerado anglo-holan- mática (sob a gestão temerária do grupo Mendes
dês Unilever). E a companhia francesa Bongrain Júnior, que encabeçava seu bloco diretivo), recupe-
adquiriu nos últimos tempos uma série de indús- rou-se com o ingresso, em 1997, de dois novos só-
trias de queijos especiais – Polenghi, Skandia, cios, Gerdau e Nat Steel (de Cingapura). No ano
Campo Lindo, Luna –, localizadas em São Paulo e seguinte, a Acesita, que vivia situação igualmente
no Sul de Minas, ficando com 60% do mercado instável, foi adquirida pela Usinor (francesa), o que
desse ramo da indústria de laticínios. foi uma solução positiva para sua sobrevivência,
O segmento de lácteos, por sinal, tem vivido uma vez que a Acesita é a maior produtora de aços
uma profunda reestruturação patrimonial desde especiais da América Latina e desempenhou papel
1995. Marcas conhecidas de várias regiões passa- de relevo no processo brasileiro de substituição de
ram às mãos de multinacionais: a Fleischmann importações desde sua fundação nos anos de 1940.
Royal comprou a Avaré; a Parmalat comprou a Be- Com esta negociação, a Usinor assumiu também o
thania e a paranaense Batavo; a Danone comprou comando da Cia. Siderúrgica de Tubarão, controla-
a Paulista; a holandesa Royal Numico comprou a da pela Acesita desde algum tempo antes.
Mococa; a argentina Mastellone comprou a Leite- Outra empresa do mesmo ramo, a paulista
sol; outra argentina, a Sancor-Milkaut, comprou os Aços Villares, bastante tradicional, foi transferida,
Laticínios Ivoti; o grupo Perez Companq, também em agosto de 2000, para a Sidenor, espanhola (do
argentino, comprou a Prolane (ex-Queijo de Mi- País Basco), atualmente a maior produtora mun-
nas); o New Zealand Dairy Board comprou a Vigor. dial de aços especiais. Meses antes, situação aná-
Das grandes produtoras de capital nacional, resta loga deu-se com a compra da Consul, líder da
apenas a mineira Itambé, que, diante das circuns- produção brasileira de eletrodomésticos, com cin-
tâncias, planeja uma parceria com sócio estratégico qüenta anos de funcionamento, pela norte-ameri-
externo. Algumas aquisições, porém, têm sido fei- cana Whirlpool. Pode-se mencionar ainda, entre
tas por companhias nacionais: a gaúcha Elegê foi as metalurgias brasileiras bem conhecidas, a com-
comprada pela Avipal, e o Laticínio Palmeira dos pra da Metal Leve, da Brastemp e da Bombril por
Índios (marca Vale Dourado), forte no Nordeste, grupos externos.
comprou duas fábricas da Fleischmann Royal, uma Observa-se, nesse setor e em outros, uma
na Bahia e outra em Minas Gerais. tendência gradual de desnacionalização. Mas, ao
No ramo de processamento de aves e suínos mesmo tempo, verifica-se um fluxo inverso, de
de Santa Catarina, ao qual se fez referência em se- deslocamento de capitais brasileiros para aquisição
ção anterior, a Perdigão foi adquirida por fundos de companhias em outros países. O desenvolvi-
de pensão nacionais, a Seara faz parte do grupo mento do Mercosul constitui-se em forte incentivo
argentino Bunge e o Frigorífico Chapecó passou para esse movimento. Entre as notícias recentes,
ao controle do grupo Macri, também argentino, está a da compra da argentina Morbe, fabricante
em sociedade com o BNDES. Por sinal, o grupo de motores para máquinas de lavar, pela catarinen-
Macri tem feito forte investida no Brasil, pela se Weg, que assim começou a internacionalizar
aquisição de fábricas de biscoitos e massas, con- sua produção. A paulista Tigre, que detém 60% do
vertendo-se num dos principais produtores de mercado brasileiro de tubos e conexões, comprou
macarrão do país. três pequenas companhias no Chile (já possuía na-
Pelo seu porte na economia, o setor metalúr- quele país uma fábrica própria) e mais o grupo ar-
gico constitui o exemplo mais notável da intensida- gentino Santorelli, concretizando um plano de ex-
de das reestruturações societárias. Na primeira me- pansão no Cone Sul que lhe assegura atualmente
tade da década de 1990, ocorreu a privatização das 45% do mercado chileno e 23% do argentino. A
siderúrgicas estatais, arrematadas por consórcios na- Embraco, de Santa Catarina, possui unidades in-
cionais. Posteriormente, estabeleceram-se novos ar- dustriais na Itália e na Eslováquia.
ITINERÁRIOS DO CAPITAL E SEU IMPACTO NO CENÁRIO INTER-REGIONAL 99

Na discussão sobre a política de atração de guem se manter no novo cenário. Entre projeções
capital estrangeiro, um ponto essencial se refere otimistas e pessimistas, fica em aberto a questão
ao grau em que este contribui para qualificar a das perspectivas do sistema empresarial nacional
produção nacional e para incrementar as exporta- no cenário da economia globalizada.
ções.4 Um aspecto negativo sempre ressaltado é o
de que sua penetração desequilibra a balança de
pagamentos, pelo aumento da remessa de lucros Os impasses das políticas de
e dividendos, sem contar as despesas de juros. desenvolvimento regional
Pois bem, a expansão de empresas nacionais para
o exterior compensa em parte o desequilíbrio,
A análise da experiência brasileira revela a
ajudando a melhorar a balança. As razões da in-
sua correspondência com as teorias a respeito do
ternacionalização, naturalmente, têm a ver com a
desenvolvimento tardio, que acentuam o caráter
posição das empresas no mercado global. Veja-se
politizado do processo em virtude mesmo do seu
a decisão recente da CSN de comprar a siderúrgi-
atraso em relação aos países centrais. Aventada
ca Heartland Steel, com o fito de transferir parte
por Trotski e Veblen, sistematizada por autores
de sua produção, de maior valor agregado, para
como Gerschenkron e Bendix, a noção de que o
os Estados Unidos. Essa decisão busca contornar
atraso é uma variável explicativa de diferenças en-
os obstáculos protecionistas dos norte-americanos
tre modelos de desenvolvimento iluminou nota-
à exportação de aço do Brasil e de outros países.
velmente os estudos dos processos de mudança
O caso mais notório de expansão internacio-
macro-histórica, no terreno comum que comparti-
nal é o do grupo Gerdau, originário do Rio Gran-
lham a história econômica, a política comparada,
de do Sul, que já em 1980 adquiria uma usina no
a economia do desenvolvimento e a sociologia
Uruguai, estendendo-se depois para operações no
histórica.5 A aplicação desta vertente de análise à
Canadá, no Chile e na Argentina, culminando com
América Latina foi inclusive aprofundada por
a compra, em agosto de 1999, da AmeriSteel, pro-
meio das elaborações da Cepal e da exploração
dutora norte-americana de aço. Com essa aquisi-
teórica da questão da dependência, em que se
ção, a Gerdau passou a efetuar quase metade de
distinguiram Florestan Fernandes e Fernando
sua produção em usinas situadas fora do Brasil.
Henrique Cardoso.
De modo geral, o empresariado brasileiro
Com efeito, o processo brasileiro de moder-
sente-se na defensiva diante das investidas exter-
nização caracterizou-se, a partir da Revolução de
nas propiciadas pela abertura econômica do país.
1930, pelo manejo de instrumentos políticos e ins-
Há, de certo, os que dispõem de melhores condi-
titucionais como meios de recuperação do atraso,
ções para crescer com a abertura. Talvez o para-
sob a égide do poder central. Em outro plano, o
digma do grande capital nacional aberturista seja
do país como sistema de regiões, a mesma pers-
o grupo Gerdau, que tomou parte ativa na priva-
pectiva teórica pode ajudar a esclarecer o trata-
tização de siderúrgicas estatais e, em seguida, lan-
mento dado à questão da heterogeneidade inter-
çou-se a empreendimentos internacionais. No en-
na que o próprio processo de desenvolvimento
tanto, para muitos dirigentes empresariais, a aber-
nacional tornava mais acentuada e problemática
tura tem sido um movimento de mão única, que
em termos políticos e sociais.
resulta na desnacionalização da economia brasi-
No início deste artigo, foi sugerida uma tipo-
leira, mais do que um processo de integração de
logia de modelos de desenvolvimento regional que
mão dupla. Essa visão é estimulada por anúncios
equacionam variavelmente a lógica de mercado e
freqüentes de vendas de conhecidas empresas na-
o emprego de mecanismos institucionais. A idéia
cionais a grupos estrangeiros. Se muitas dessas
básica, extraída de Gerschenkron, é a de que quan-
empresas são antiquadas e pouco competitivas,
to maior o atraso relativo, maior a necessidade de
muitas outras têm uma história dinâmica, de ino-
utilizar recursos estratégicos para enfrentá-lo. Ou
vação tecnológica, e mesmo assim não conse-
seja, menores as chances de contar, para tanto,
o
100 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 17 N 50

com a mão invisível do mercado. O Brasil como autonomia que cabe aos Estados no arranjo fede-
nação teve de lidar com essa realidade ao longo do rativo brasileiro. Estabeleceu-se uma intensa dis-
século XX. E, dentro do país, o Estado brasileiro, puta por investimentos, sobretudo entre os Esta-
sob a ótica intervencionista que o inspirou de 1930 dos economicamente mais fortes, configurando a
aos anos de 1980, tentou reproduzir esse padrão chamada “guerra fiscal”.
para atenuar os desequilíbrios regionais. O conflito fiscal que se observa entre os Esta-
É interessante que a engenharia institucional dos tem causas bem definidas.6 Resulta de certas
construída para enfrentar essa questão evoluiu em condições políticas e econômicas que emergiram,
momentos de intensificação da concentração da uma após outra, desde meados da década de 1980,
economia brasileira. Não por acaso, a Sudene e a cuja interação resultou potencialmente crítica. Hou-
Sudam foram criadas por presidentes – respectiva- ve, em primeiro lugar, o processo de desmontagem
mente Kubitschek e Castelo Branco – muito volta- do regime autoritário de 1964, culminando com a
dos para o estabelecimento no Brasil de um “capi- Constituição de 1988, que estimulou uma espécie
talismo maduro”, como o definiu este último. Foi o de anomia no que diz respeito ao quadro tributá-
modelo que pautou o regime de 1964: centraliza- rio no âmbito da Federação, ao atribuir a cada Es-
ção de capitais, sob hegemonia de grandes interes- tado o poder de fixar autonomamente as alíquotas
ses, numa triangulação que associava corporações do ICMS. Uma segunda causa é a política de libe-
multinacionais, grupos brasileiros e empresas esta- ralização adotada no Brasil em 1990, que não só re-
tais. No entanto, nas condições brasileiras, o pro- sultou na mudança do papel do Estado em face
blema do desenvolvimento desigual não podia ser dos desequilíbrios regionais, como provocou, pela
ignorado. O Nordeste preocupava como foco de abertura econômica, a escalada da guerra fiscal, na
tensões sociais, e as regiões Norte e Centro-Oeste medida em que atraiu um fluxo crescente de capi-
ocupavam lugar destacado na geopolítica do regi- tais internacionais em busca de oportunidades de
me autoritário. Mais adiante, a desconcentração in- investimento no país. Muitas escaramuças entre Es-
dustrial foi encarada de modo sistemático, quando tados têm a ver com a disputa por projetos indus-
o governo Geisel canalizou volumosos projetos es- triais de origem externa, sendo os mais visíveis os
tatais para os Estados de desenvolvimento interme- da indústria automobilística.
diário (os pólos petroquímicos da Bahia e do Rio A expectativa de consolidação do Mercosul,
Grande do Sul, a Açominas, as usinas nucleares no junto com o quadro de relativa estabilidade pro-
Rio de Janeiro etc.). Esse foi o ápice da atuação porcionado pelo Plano Real, ofereceram boas ra-
empresarial do Estado brasileiro. zões para as corporações multinacionais incluírem
Desde então o governo federal se retraiu o Brasil em seus planos de expansão. Considera-
como empreendedor. As superintendências de de- se, em geral, que o leilão de incentivos fiscais pro-
senvolvimento regional, por sua vez, foram paula- movido pelos governos estaduais não foi impor-
tinamente esvaziadas de sua função de planeja- tante para que essas grandes empresas se definis-
mento, mantendo apenas o fluxo de incentivos sem por novos projetos no Brasil. Elas o fariam de
fiscais, que eventualmente viriam a sofrer sérios qualquer maneira por razões de mercado. E se ins-
questionamentos de fraude e corrupção. A Sude- talariam em princípio na área economicamente cen-
ne e a Sudam foram finalmente extintas em 2001, tral do país. Ora, é precisamente essa opção que o
para dar lugar a novas agências cujas perspectivas leilão de incentivos pretende alterar. Trata-se de co-
ainda não estão claras. brir com vantagens financeiras o custo da alocação
O abandono por parte do governo federal de uma empresa em outra região que não aquela
de políticas ativas para equacionar a questão do que ela escolheria por uma lógica de mercado.
desenvolvimento desigual deixou aos Estados a Na origem estão as desigualdades regionais
alternativa de enfrentar o problema por conta pró- do país e a limitação de recursos internos para in-
pria. A solução típica que se utilizou foi a de ope- vestimentos capazes de atenuar tais desigualdades.
rar com mecanismos fiscais dentro da margem de Tendo isso em conta, pode ser oportuno para cada
ITINERÁRIOS DO CAPITAL E SEU IMPACTO NO CENÁRIO INTER-REGIONAL 101

Estado, considerado isoladamente, entrar nesse como meios de recuperação econômica. Trata-se,
jogo, sobretudo se suas chances de atrair investi- ao contrário, de não reduzir as ações de cunho po-
mentos sem incentivos são reduzidas. Para o país lítico e institucional à mera concessão de incentivos
como um todo, contudo, as conseqüências são ne- fiscais, como tem acontecido.
gativas. Ao lado das tensões políticas entre os Esta- Os Estados têm um papel a cumprir nesse
dos, cabe ponderar qual o impacto social das re- sentido, assim como o governo federal, a despeito
núncias fiscais, promovidas por governos estaduais da relutância deste último em adotar estratégias de
que nem sempre estão em condições de fazê-lo política industrial e de coordenação econômica in-
sem penalizar ainda mais suas populações. ter-regional. Na área federal, a abordagem mais
Controvérsias entre Estados sobre medidas próxima desse objetivo durante os anos de 1990 foi
de renúncias fiscais têm ocorrido a propósito de representada pelos “eixos de desenvolvimento”,
variados setores produtivos, tanto da indústria que integram o programa Brasil em Ação. Esses ei-
quanto da agricultura. As rivalidades atingiram xos referem-se à infra-estrutura e à logística dos flu-
alta temperatura desde o episódio Ford, em 1999, xos de produtos. Não visam, senão indiretamente,
que colocou em rota de colisão o Rio Grande do a focalizar os desequilíbrios regionais, mas abrem
Sul e a Bahia. O conflito logo envolveu São Pau- sólidas perspectivas para aprimorar a estrutura de
lo, cuja economia passava por mudanças significa- produção e comércio através do território.
tivas com a internacionalização, exigindo maior Por fim, papel mais ativo também cabe ao
esforço de competição com outras áreas do país. próprio empresariado, dado o cenário de enfraque-
A reação paulista, por sua vez, voltou-se contra os cimento do setor público em face do capital. Os
vizinhos Paraná, Rio de Janeiro e Minas Gerais, impasses das políticas de desenvolvimento regional
Estados que se engajaram nos anos de 1990 em no Brasil podem ser enfrentados por parcerias en-
esforços para atrair investimentos de montadoras tre agentes públicos e privados, conforme o mode-
de automóveis.7 lo da Terceira Itália, por exemplo, concretizado
Além das tensões provocadas no âmbito das também em outros países. A estruturação de clus-
relações federativas, a excessiva ênfase dos Esta- ters - microregiões relativamente especializadas em
dos em incentivos financeiros tem se mostrado certos segmentos produtivos - tem ganhado desta-
insuficiente para alcançar seus objetivos. Há pou- que na agenda das elites econômicas. Ela corres-
co a Daimler-Chrysler anunciou o fechamento de ponde a uma mudança da escala de iniciativas, do
sua fábrica no Paraná, comprometendo-se a de- nível macro para o microregional, que se revela
volver ao governo a soma dos incentivos fiscais bastante promissor. A cooperação entre administra-
que recebeu. Ao mesmo tempo, é incerto o des- ções locais, redes empresariais e instituições acadê-
tino da fábrica da Mercedes Benz em Minas Ge- micas está apenas começando no Brasil e tem po-
rais, que pertence ao mesmo grupo. Em época tencial para crescer em muitas áreas.
de produção flexível, de alta competição global e
de intensa mobilidade de capitais, a expectativa
de reter investimentos com benefícios artificiais NOTAS
não é sustentável.
Na medida em que a política de incentivos fi- 1 Nesse tipo de comparação é preciso levar em conta
nanceiros seja repensada, incentivos propriamente a influência de variações conjunturais, tais como a
econômicos – concernentes ao escopo do mercado elevação ou a queda de cotações de produtos bási-
cos de um dado Estado. Mas essa qualificação não
consumidor, à infra-estrutura, à base de pesquisa e
altera o sentido da análise aqui efetuada.
desenvolvimento, à logística etc. – podem ser devi-
damente valorizados como recursos mais consis- 2 Os principais foram os bancos dos Estados de São
Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Paraná e
tentes de atração de investimentos para uma dada Minas Gerais, além do Banco de Crédito Real, tam-
região. Não se trata, no caso, de confiar na lógica bém do governo mineiro. O Banco Meridional, as-
do mercado em detrimento de fatores institucionais sumido pelo governo federal nos anos de 1980 e
o
102 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 17 N 50

que foi o primeiro a ser privatizado, tinha função DINIZ, Clélio Campolina. (1993), “Desenvolvimento
parecida, como instituição de alcance regional. poligonal no Brasil: nem desconcentração
3 Os dados foram colhidos por meio de consulta regular nem contínua polarização”. Nova Econo-
a jornais de economia e negócios entre 1999 e 2001. mia, 3 (1): 35-64, Belo Horizonte.
4 Como ressaltou Tavares (2002), a distribuição geográ- DINIZ, Clélio Campolina & CROCCO, Marco Au-
fica das filiais de empresas multinacionais é pautada
pelo potencial de crescimento do mercado interno
rélio. (1996), “Reestruturação econômica
dos países, mais do que por vantagens comparativas e impacto regional: o novo mapa da in-
clássicas (mão-de-obra barata, recursos naturais dústria brasileira”. Nova Economia, 6 (1):
abundantes etc.). Elas são atraídas fundamentalmen- 77-103, Belo Horizonte.
te pelo dinamismo das economias locais. “As filiais
industriais das empresas globais só entraram nos paí- DULCI, Otávio. (1999). Política e recuperação eco-
ses da Ásia que tinham políticas internas industriais e nômica em Minas Gerais. Belo Horizon-
de crescimento coerentes e que mantiveram uma te, Editora UFMG.
taxa de crescimento sustentado a médio e longo pra-
zo. Na América Latina, nas últimas duas décadas, en- DULCI, Otávio. (2002), “Guerra fiscal, desenvolvi-
traram sobretudo para desnacionalizar o agrobusi- mento desigual e relações federativas no
ness, os bancos, as grandes cadeias comerciais e os
Brasil”. Revista de Sociologia e Política,
serviços de utilidade pública, e não para promover a
industrialização e o crescimento. As exportações 18: 95-107, Curitiba.
mantiveram-se por isso essencialmente ligadas às
GERSCHENKRON, Alexander. (1965), Economic
matérias-primas e, no caso das manufaturas, dirigi-
ram-se sobretudo ao mercado regional, com baixo backwardness in historical perspective.
valor agregado e componente tecnológico” (p. B-2). Nova York, Frederick A. Praeger.
5 Ver especialmente Gerschenkron (1965) e Bendix “INDÚSTRIA pós-abertura continua nacional”. Fo-
(1996). lha de S. Paulo, 2 jul. 2000, p. B-1.
6 Sobre a guerra fiscal, suas causas, conseqüências e
OLIVEIRA, Francisco de. (1987), O elo perdido:
perspectivas de solução, ver Prado e Cavalcanti
(2000) e Dulci (2002). classe e identidade de classe. São Paulo,
Brasiliense.
7 Sobre as disputas em torno da alocação de investi-
mentos no setor automotivo, ver Arbix (2002). PRADO, Sérgio & CAVALCANTI, Carlos Eduardo
G. (2000), A guerra fiscal no Brasil. São
Paulo/Brasília, Fundap/Ipea.
BIBLIOGRAFIA TAVARES, Maria da Conceição. (2002), “Tempos e
Movimentos”. Folha de S. Paulo, 12 mai.
2002, p. B-2.
ARBIX, Glauco. (2002), “Políticas do desperdício e
assimetria entre público e privado na in-
dústria automobilística”. Revista Brasilei-
ra de Ciências Sociais, 17 (48): 109-129,
São Paulo.
AZZONI, Carlos Roberto. (1986), Indústria e re-
versão da polarização no Brasil. São
Paulo, IPE-USP.
BENDIX, Reinhard. (1996), Construção nacional e
cidadania. São Paulo, Editora da USP.
CANO, Wilson. (1990), Raízes da concentração
industrial em São Paulo. 3 ed., São Pau-
lo, Hucitec.
182 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 17 Nº. 50

ITINERÁRIOS DO CAPITAL CAPITAL ITINERARIES AND ITINÉRAIRES DU CAPITAL ET


E SEU IMPACTO NO CENÁRIO ITS IMPACT IN THE INTERRE- LEUR IMPACT DANS LA
INTER-REGIONAL GIONAL SCENE SCÈNE INTER-RÉGIONALE

Otávio Soares Dulci Otávio Soares Dulci Otávio Soares Dulci

Palavras-chave Keywords Mots-clés


Brasil; Desenvolvimento regional; Brazil; Regional Development; Brésil; Développement régional;
Desenvolvimento econômico. Economical Development Développement économique.

O artigo focaliza a trajetória recente The article focuses on the recent tra- L’article aborde la trajectoire récente
do sistema empresarial brasileiro jectory taken by the Brazilian entre- du système entrepreneurial brésilien
sob a perspectiva inter-regional. preneurial system under an interre- à partir de la perspective interré-
Busca avaliar os desdobramentos da gional perspective. It aims at evaluat- gionale. Il cherche à évaluer les
abertura econômica (e de reformas ing the unfolding of the economical dédoublements de l’ouverture écono-
institucionais correlatas) no tocante opening (as well as correlated insti- mique (et des réformes institution-
à divisão da produção entre as re- tutional reforms) in matters of pro- nelles qui y sont associées) en ce qui
giões. Atenção especial é dada ao duction division among the various concerne la division de la production
impacto político dos deslocamentos regions. Special attention is placed on entre les régions. Une attention spé-
territoriais do capital, exprimindo-se the political impact due to the capital ciale est donnée à l’impact politique
por processos como a “guerra fiscal” territorial transferences, the so-called des déplacements territoriaux du
entre os Estados. “fiscal-wars” seen among the States. capital, qui s’exprime par des proces-
sus comme la “guerre fiscale” entre
les États.

Você também pode gostar