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Trajetória Econômica Brasileira – Avaliação – Rodney da Silva Amador

Pós-graduação em Teoria e Análise Econômica – FESP São Paulo

O objetivo deste trabalho, apresentado à disciplina de Trajetória Econômica


Brasileira, é apresentar um breve panorama da consolidação do chamado modelo
desenvolvimentista da economia brasileira, incluindo, principalmente, dois períodos: os
primeiros anos da experiência, a partir de 1930 e o modelo que eclodiu após o golpe de
1964 e o “milagre econômico”.

Em que pese as diferenças importantes entre estes dois momentos, ressaltados


pela literatura (como, por exemplo, as diferentes visões sobre a entrada ou não de capital
externo para o financiar a industrialização), este trabalho quer chamar a atenção para uma
semelhança, que é a atuação do Estado como um importante agente econômica: mesmo
com as mudanças implementadas pelos governos militares, em nenhum momento foi
questionado o papel que o Estado teria como indutor do desenvolvimento econômico.
Com isso, quer-se destacar os aspectos políticos dos fenômenos econômicos e a forma
como as decisões dos atores levaram a um tipo de desenvolvimento caracteristicamente
excludente e perpetuador de uma desigualdade social das mais evidentes do mundo. Ao
contrário do que alguns economistas mais ortodoxos defendem – e já defendiam,
paradoxalmente, na era dos tecnocratas do regime militar – a economia não é uma
atividade desenvolvida por técnicos que não se vinculam a decisões de fundo político. Ou
ainda, em outras palavras, toda decisão em matéria econômica implica numa decisão
política ou, pelo menos, em consequências políticas muito palpáveis, sentidas na carne de
quem, por alguma razão, ficou de fora dos beneficiados do desenvolvimento econômico
em voga.

Como mostra o economista e historiador Wilson Cano, a respeito do período


inaugurado em 1930:

Para o Brasil, o período 1929-1945 representa a ruptura com um passado


político liberal e com uma política econômica livre-cambista. Foram
principalmente duas radicais mudanças: uma profunda reorganização do
Estado Nacional, que passaria a ser fortemente intervencionista, e uma radical
mudança do processo de acumulação de capital, que alterou a mudança do
Centro Dinâmico da Economia Nacional, como disse Furtado, agora
comandado pelo investimento autônomo. (CANO, 2015, p. 445).

O primeiro ponto, desenvolvido por Cano, é bastante caro a reflexão que se


está se empreendendo aqui: para que qualquer alteração econômica relevante – como a
industrialização – se efetivasse, era necessária uma profunda reorganização do Estado,
não só dos setores por ele determinados como os mais relevantes (no caso, a agricultura
exportadora), mas também do próprio Estado, no sentido de uma burocracia. Cano cita,
por exemplo a criação do Conselho Técnico de Economia e Finanças (CTEF), do
Conselho Federal de Comércio Exterior (CFCE), do Departamento Administrativo do
Serviço Público (DASP), do Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial, da
Comissão de Planejamento Econômico, bem como uma série de financiamentos setoriais
como a Carteira de Crédito Agrícola ou o Instituto do Café – todos órgãos desenvolvidos
a partir de 1930 e interventores do processo econômico.

Além disso, o período que vai de 1930 a 1945 – a chamada Era Vargas, no
qual há, inclusive, um momento de destacado autoritarismo – viu a consolidação de um
corpo de funcionários públicos e a Consolidação das Leis Trabalhistas, que criou o
mercado de trabalho formal privado no Brasil, até então não regulado por qualquer outra
lei que não fosse o princípio liberal do contrato entre partes. Outro historiador econômico,
Argemiro Brum (BRUM, 1995), concordando com Cano, dá mais algumas características
da política econômica do período:

Para tanto, prioriza e estimula a industrialização, baseada na empresa nacional,


que devia liderar o processo de acumulação e ampliar suas atividades
produtivas a partir de suas próprias forças econômicas, apoiadas pelo poder
público. Através da expansão industrial, gerar-se-iam empregos em número
crescente, objetivando integrar o proletariado e as massas populares
despossuídas à sociedade moderna, inclusive com o apoio de uma política
salarial visando ao progressivo aumento do poder aquisitivo dos ganhos do
trabalho (BRUM, 1995, p. 84).

Ambos também chamam a atenção para o envolvimento direto do Estado na


produção, a partir de grandes empresas estatais, principalmente no setor da indústria de
base. Datam desta época, por exemplo, a Companhia Siderúrgica Nacional, a Petrobras,
a Companhia Vale do Rio Doce, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco e até a
Fábrica Nacional de Motores. O Brasil lançaria mão de uma estratégia de substituição de
importação – isto é, passar a produzir no país artigos industrializados que eram
importados de outros lugares -, algo que já havia ocorrido antes, durante a Primeira
Guerra Mundial, mas que não gerara muitos frutos para além de uma pequena indústria –
Brum cita, por exemplo, o crescimento do número de empregados no setor, que passou
de cerca de 150 mil em 1907 para 275.512 em 1920, porém “sem a participação e à revelia
das autoridades governamentais” (idem, p. 82). Essa é a grande diferença com relação ao
período da Primeira República (1889-1930): a participação das autoridades
governamentais, como já destacado, será efetiva.

O modelo, no entanto, sofre uma modificação importante a partir de 1955,


durante o governo de Juscelino Kubitschek. Nesta época, e acordo com Brum, inicia-se a
preponderância da indústria de bens duráveis em relação a outros setores e isso tem
impacto decisivo na forma como o Estado lida com o financiamento da atividade
industrial. Este setor, bastante dinâmico, permite uma industrialização mais rápida, porém
é, ao mesmo tempo “altamente sofisticada. Exige volume de capital, tecnologia avançada,
mão-de-obra especializada, produção em escala e capacidade gerencial” (idem, p. 89).
Nisso, o governo se voltará para a indústria automobilística e a produção de
eletrodoméstico. Isso tem consequências na nacionalidade do capital empregado no
desenvolvimento econômico: um país de industrialização tardia, como o Brasil, não tinha
condições de desenvolver uma forte indústria de bens duráveis justamente por carecer da
tecnologia e dos recursos necessários para isso. Essa mudança coincidirá, portanto, com
uma entrada mais relevante do capital estrangeiro no país.

O problema, no entanto, está em quem pode participar do consumo do que é


produzido por este setor, que acaba se limitando a uma camada da sociedade com maior
poder aquisitivo. Esta mudança será crucial para o que, no futuro, um modelo
concentrador de renda se instaure no Brasil, como será abordado posteriormente. Um
segundo problema, mais de fundo, diz respeito a participação popular na política e o
conflito distributivo (entre capital e trabalho). Como se tratava de um momento
democrático, havia possibilidade de contestação, por parte dos trabalhadores, dos rumos
da economia e a reivindicação de seus direitos sociais e trabalhistas. Apesar da crescente
concentração, em muitos aspectos o país atinge o crescimento prometido por JK no seu
slogan – cinquenta anos em cinco - e o país passa, entre as décadas de 1950 e 1960, por
uma profunda transformação, com o crescimento urbano de grandes cidades como São
Paulo. Acontece, no entanto, que este modelo vai se esgotando na primeira metade dos
anos 1960. Como mostram Francisco Luna e Herbert Klein, a situação começa a ficar
dramática em 1963, já durante o governo de João Goulart:

Na área econômica, a situação era crítica, com baixo crescimento e inflação de


80% ao ano. Com o objetivo de conter o processo inflacionário e retomar o
crescimento, lançou-se o Plano Trienal, coordenado pelo economista Celso
Furtado. O Plano apontava o setor externo e o setor público como principais
causas da inflação, e, para aliviar a pressão do setor público, sugeria aumentar
a carga fiscal, reduzir o dispêndio e captar recursos do setor privado por
intermédio do mercado de capitais. Apesar do empenho governamental, não
havia condições objetivas para o sucesso do Plano Trienal. Em 1963, a inflação
aumentou para 82%, e o crescimento do produto foi quase nulo. (LUNA e
KLEIN, 2014, p. 55).

O governo de João Goulart é derrubado por um golpe articulado por militares


e lideranças civis – sendo que estas são, aos poucos, postas para fora do regime que irá se
instaurar pelos 21 anos seguintes – em março e abril de 1964. Com a queda do presidente
e de seu gabinete, os planos elaborados pelo economista Celso Furtado são abandonados
e substituídos pelo Plano de Ação Econômica do Governo, o PAEG. Há uma diferença
importante com relação ao período anterior: o uso da violência e da repressão por parte
do Estado permite levar a cabo um plano de estabilização econômica que, provavelmente,
não teria ocorrido sem a impossibilidade de reivindicação social. Porém, algo deve ser
enfatizado: por mais que a estabilização econômica tivesse objetivos de corte de gastos –
algo também preconizado pelo Plano Trienal de Furtado – em nenhum momento há a
revisão da participação do Estado na economia. Uma reflexão de Brum a respeito disso
deixa claro este ponto de continuidade:

Durante os governos militares acentuam-se a intervenção do Estado na


economia – controle salarial, controle de preços (CIP)m indexação,
estatização. Criam-se mais empresas estatais do que em qualquer outro período
da história do país. Não deixa de ser irônico o extraordinário avanço da
presença do Estado na economia durante o regime autoritário militar, uma vez
que os interesses conservadores dominantes supostamente repudiam a
estatização, porque segundo o seu discurso, ela asfixia o setor privado, a livre
empresa, e também porque um dos argumentos para a deposição do Governo
Goulart fora a “ameaça estatizante” que ele representava na época. Quando
favorece o capital, no entanto, a intervenção do Estado é bem aceita pela
burguesia (BRUM, 1995, p. 170).

Ora, se a presença do Estado na economia via investimento permanece


elevada, assim como a entrada de capital estrangeiro, como nos últimos anos do chamado
nacional-populismo, onde particularmente se pode ver a mudança entre um período e
outro? Se antes o Estado havia se constituído como uma espécie de árbitro entre os
problemas do conflito distributivo, principalmente durante a Era Vargas, e se durante o
período democrático, havia espaço para reivindicação dos trabalhadores frente ao capital,
é justamente esta engrenagem que o regime militar decide tirar da máquina. Ou seja, para
estabilizar a economia, via combate a inflação, e promover um desenvolvimento rápido
– também baseado na indústria de bens duráveis – o governo lançará mão de uma
estratégia ainda não utilizada sistematicamente: o arrocho salarial. O governo passou a
não repor a perda de poder de compra do trabalhador, calculando um reajuste que
subestimava a inflação futura. O resultado foi um aumento expressivo da produtividade
do capital frente aos salários que, segundo dados do DIEESE compilados por Brum,
mostram que, partindo do ano base de 1959, o salário mínimo chegou a 1976 com apenas
31% do seu valor original. Mas esta não será a situação de toda a sociedade brasileira. É
necessário que o poder de compra de uma parcela da população, não tanto dependente da
flutuação do salário mínimo – altos cargos gerenciais, por exemplo, das multinacionais e
do funcionarismo público – sejam mantidos realmente altos para o consumo dos bens
duráveis produzidos pela indústria.

Aí começam a aparecer, de modo mais destacado, o caráter concentrador do


modelo econômico desenvolvido pelo regime militar. Duas consequências são
particularmente interessantes e podem ser destacadas para pensar o período do milagre
econômico – momento em que o Brasil apresentou taxas muito elevadas de crescimento
do PIB por anos seguidos. O primeiro, é visível na análise do sociólogo Francisco de
Oliveira no conhecido ensaio Crítica da Razão Dualista (OLIVERIA, 1972). No texto,
Oliveira destaca que, ao contrário da crença de que o subdesenvolvimento é uma etapa
do desenvolvimento, o Brasil mostrava que seu subdesenvolvimento era uma categoria
própria, no qual o moderno convive e se alimenta do arcaico. Numa observação sobre os
padrões de vida da classe média brasileira, fica claro que esta convive com padrões de
consumo incomuns para outras classes médias, de outros países, sustentando o trabalho
de empregados domésticos, motoristas. “Comparado com um americano médio, um
brasileiro de classe média, com rendimentos monetários equivalentes, desfruta de um
padrão de vida real mais alto [...] sustentado pela exploração de mão de obra” (idem, p,
30). Longe de serem um sobrevivente de uma situação econômica superada, esse tipo de
relação é “adequado para o processo da acumulação global e da expansão capitalista, e,
por seu lado, reforçam a tendência a concentração de renda” (idem, ibidem).

A segunda consequência diz respeito a relação com o capitalismo mundial,


que acentua o caráter dependente e associado do capitalismo brasileiro, como é elaborado
por Fernando Henrique Cardoso no também conhecido ensaio Modelo político brasileiro
(CARDOSO, 1972). A indústria de bens duráveis, no Brasil deste período –
principalmente a mais significativa, a automobilística – é controlada e composta por
empresas multinacionais. Sendo este o setor privilegiado pelos investimentos e políticas
do governo, pode-se afirmar que a “revolução” promovida pelo golpe de 1964 “consiste
em integrar-se no capitalismo internacional como associada e dependente” (idem, p. 71).
De forma bastante ilustrativa, Cardoso coloca que:
É neste sentido limitado de uma “revolução econômica burguesa” que se pode
pensar nas consequências revolucionárias do movimento politicamente
reacionário de 1964. Ele pôs a burguesia nacional em compasso com o
desenvolvimento do capitalismo internacional e subordinou a economia
nacional a formas mais modernas de dominação econômica. Neste sentido
modernizou a máquina estatal e lançou as bases para a implementação de um
setor público da economia, que passou a integrar-se no contexto do capitalismo
internacional (CARDOSO, 1972, p. 71).

O modelo, no entanto, encontrará um choque decisivo com a crise do petróleo


de 1978 e, ao longo da década de 1980, juntamente com a redemocratização, encontrará
seu esgotamento e limite. O que virá depois será o ensaio neoliberal do governo brasileiro,
porém as decisões do governo voltarão a ser fiscalizadas pelo escrutínio popular. Somente
na década de 1980, aproveitando o movimento internacional, o papel do Estado como
agente indutor da economia passará a ser revisado – algo que permanece em debate até
hoje.

Referências bibliográficas

BRUM, Argemiro. O desenvolvimento econômico brasileiro. Petrópolis-RJ: Vozes, 1995.

CANO, Wilson. Crise e Industrialização no Brasil entre 1929 e 1954: a reconstrução do


Estado Nacional e a Política Nacional de Desenvolvimento. Revista de Economia
Política, v. 35, n. 3, jul./set. 2015.

CARDOSO, Fernando Henrique. O modelo político brasileiro: e outros ensaios. São


Paulo: Difel, 1972

LUNA, Francisco Vidal; KLEIN, Herbert S. Transformações econômicas no período


militar (1964-1985). In: REIS, Daniel Aarão; RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo
Patto Sá. (Org.). A ditadura que mudou o Brasil: os 50 anos do golpe de 1964. Rio de
Janeiro: Zahara, 2014. (p.74-90).

OLIVEIRA, Francisco de. “A Economia brasileira: Crítica à razão dualista”. Estudos


Cebrap. São Paulo: Edições Cebrap, 1972.

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