No Brasil dos anos 1930, o Estado moderno substituiu o Estado oligárquico e
a indústria nacional começou a ser desenvolvida. Esse período da história brasileira é central, pois foi em consequência desse momento que a questão do subdesenvolvimento e da dependência econômica do país começou a ser discutida nos anos 1950 e 1960. Esse debate, além de ser atual, tem relação direta com o posicionamento do Brasil diante de outras economias do mundo. O lugar do Brasil pode ser pensando com base na divisão internacional do trabalho, isto é, em como foi e ainda é construída a economia nacional, que produtos e ramos da indústria foram desenvolvidos na produção nacional, se são produtos estratégicos ou matérias-primas e como essa produção insere o país na economia mundial. como vimos nos itens anteriores, a tradição econômica do Brasil, mesmo depois da Independência em 1822, foi a de um país produtor de mercadorias com baixo valor agregado, que abastecia as demandas de outros países, sobretudo da Europa e dos Estados Unidos. A partir de meados do século XX, a economia brasileira se desenvolveu como uma economia periférica e complementar a outras que se estruturavam de maneira mais sólida e tinham como base de sua produção bens manufaturados pela indústria, sobretudo a automotiva. A questão do subdesenvolvimento aparece, assim, como um problema a ser enfrentado pela Sociologia e pela sociedade brasileira. Um dos principais teóricos do subdesenvolvimento é o economista Celso Furtado (1920-2004), autor de Formação econômica do Brasil, publicado em 1959. Assim como Caio Prado Júnior, Furtado se preocupa com economia do passado colonial e chama atenção para a ligação, presente desde a colônia, entre a economia brasileira e a economia mundial. segundo Furtado, o subdesenvolvimento é uma forma de organização social no interior do sistema capitalista e não uma etapa que antecederia a etapa seguinte. Segundo esse autor, os países subdesenvolvidos tiveram um processo de desenvolvimento indireto, em função do desenvolvimento dos países industrializados. Assim, o Brasil se tornou dependente de países desenvolvidos, condição quase impossível de ser superada, a não ser por meio de uma forte intervenção do Estado no setor industrial. A análise de Furtado destaca a grande concentração da renda no nível mundial durante o século XX até a década de 1950, que ampliou a separação entre países ricos e pobres, desenvolvidos e subdesenvolvidos. A definição de subdesenvolvimento, portanto, se insere em um quadro de relações de dominação e dependência entre países, relações estas que tendem a se perpetuar. Para sair da condição de país subdesenvolvido seria necessário que em meados do século XX o Brasil tivesse estabelecido novas prioridades com o objetivo de atingir uma nova concepção de desenvolvimento. O subdesenvolvimento deveria ser neutralizado a partir de uma ação política que em lugar de reproduzir os padrões de consumo de minorias abastadas passasse a privilegiar a satisfação de necessidades fundamentais da população como um todo, tais como a educação pública. Entretanto, essa ação política sugerida por Celso Furtado não foi implementada pelo Estado brasileiro. Assim, ainda hoje o país se encontra em situação de dependência em relação a países de economia mais forte e as desigualdades sociais permanecem. Como vimos, durante a década de 1950 se inicia o processo de implantação de multinacionais no Brasil. São indústrias de bens de consumo e de veículos que buscam firmar o país como produtor de bens típicos das sociedades de consumo. Segundo Fernando Henrique Cardoso, esse processo não foi específico da sociedade brasileira: pode ser observado em vários países latino-americanos e estabeleceu uma reformulação entre as economias mais ricas e mais pobres. Durante as décadas de 1960 e 1970, o processo se aprofundou, colocando os países pobres em uma nova fase de dependência. Entre nós, essa fase foi marcada pelo interesse dos países centrais em desenvolver no Brasil a indústria e o mercado interno. Segundo Cardoso, essa fase da divisão internacional do trabalho reproduz a dependência industrial e financeira, somada naquele momento à dependência tecnológica. Forma-se, com isso, toda uma discussão sobre a dependência que acaba por constituir uma nova teoria, a teoria da dependência, que tem como principais expoentes, além do já citado Fernando Henrique Cardoso, o economista e sociólogo Ruy Mauro Marini (1932-1997) e o economista Theotonio dos Santos (1936-). Essa nova forma de dependência difere da velha dependência que prevaleceu no Brasil do século XIX até aproximadamente os anos 1930. A nova dependência, configurada entre 1950 e 1970, tem como eixo central a transferência de capital estrangeiro para o processo de industrialização. Essa transferência se deu com base no financiamento de novos segmentos industriais e na instalação de filiais de multinacionais no país. A política de substituição de importações, que teve como elemento central a industrialização e a urbanização da sociedade brasileira, não tinha nenhum tipo de restrição quanto à entrada de capital estrangeiro. Ao contrário: a chegada desse capital, financiador da industrialização automotiva, era vista pelo Estado brasileiro como a única alternativa para garantir a industrialização. Como desdobramento desses investimentos externos, ocorreu uma dinamização do mercado interno. Entretanto, esse processo fortaleceu a concentração de renda e, exceto quanto aos trabalhadores integrados no processo, aprofundou a desigualdade econômica.
Precarização do trabalho no Brasil contemporâneo
Nas últimas décadas ocorreram grandes mudanças na economia mundial, sobretudo a partir da influência da reestruturação produtiva iniciada na década de 1970 nos Estados As consequências desse processo de reestruturação produtiva mundial, que teve por base a substituição intensa de trabalho por novas tecnologias produtivas, sobretudo robótica e microeletrônica, foram percebidas no Brasil durante a década de 1990, mas se prolongam até os dias de hoje. A incorporação dessa base tecnológica foi impulsionada pelo avanço do neoliberalismo dos governos Fernando Collor (1990 a 1992) e Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002), que promoveram a abertura econômica, a privatização de empresas estatais e a desregulamentação de leis de proteção ao trabalhador. Essas medidas tiveram como consequências centrais o aumento do desemprego formal e, em razão disso, o aumento do trabalho informal, reduções salariais significativas, a precarização do trabalho e o enfraquecimento político da classe trabalhadora. ❖ A Sociologia brasileira analisou esse período destacando questões como: ❖ Consolidação da democracia política ❖ Nascimento de novos movimentos sociais ❖ Constituição de políticas neoliberais, de novas identidades sociais e culturais ❖ Questão ambiental, ❖ Questão racial, ❖ Políticas de inclusão social, ❖ Políticas de cotas e, nos últimos anos, a discussão sobre as classes médias, enfatizando em que medida a desigualdade social ganhou novos contornos em razão das relações de trabalho que se estabeleceram nas três últimas décadas. A reestruturação produtiva chegou ao Brasil no final dos anos 1980 e início dos anos 1990. Da mesma forma que a reestruturação produtiva europeia e estadunidense, ocasionou a substituição intensa de postos de trabalho por tecnologias robótica e microeletrônica. Com isso, provocou a dispensa de boa parte da classe operária industrial e o acúmulo de funções para os trabalhadores que permaneceram em seus postos de trabalho. Entretanto, no Brasil, o processo de reestruturação produtiva apresenta particularidades. Enquanto na Europa e nos Estados Unidos observava-se, antes da reestruturação produtiva, leis de proteção ao trabalhador instituídas no contexto do Estado de bem-estar social, no Brasil a história é bem distinta. Nos dois cenários a reestruturação se desenvolve em um mesmo sentido: aumentar a produtividade para gerar mais lucro, com base na subalternização política da classe trabalhadora e de suas instituições representativas (sindicatos e partidos). No Brasil, porém, um passado de desigualdades sociais, que desde o período colonial tem relação com a escravidão, depois com as formas desiguais de inclusão do negro na sociedade de classes, de separação marcante entre ricos e pobres, influenciou profundamente a forma como a reestruturação produtiva se efetivou no país. Em termos de desigualdade social, o Brasil continua apresentando um dos índices mais altos do mundo. A reestruturação produtiva aprofundou uma condição de precariedade que a classe trabalhadora já vivenciava desde sua formação, no início do século XX. A precarização do trabalho tem, portanto, não apenas características gerais, que abrangem outros países no mundo, mas também características específicas. Entre as características gerais, podemos destacar a desregulamentação das leis de proteção ao trabalhador e a terceirização, que se fundamenta no princípio da empresa enxuta. As empresas transferem para terceiros a responsabilidade de partes da produção que não considerem estratégicas. Por exemplo, as indústrias de automóveis terceirizaram não apenas a produção de peças e a distribuição dos veículos, mas também a segurança dos prédios e a alimentação dos funcionários. Esse processo pode ser observado também entre os bancos, que na década de 1990 terceirizaram o serviço de compensação de cheques, além da segurança e da alimentação dos funcionários. Em relação à desregulamentação de leis trabalhistas, durante os anos 1990 houve um processo de “flexibilização” das negociações salariais, de jornada de trabalho (com o banco de horas), de formas de contratação (como a contratação por tempo parcial), o que permitiu ao empregador dispensar o trabalhador a qualquer momento, favorecendo, assim, a subcontratação, muito presente nas empresas terceirizadas, nas quais os direitos trabalhistas foram drasticamente reduzidos. Entre os aspectos específicos da reestruturação da produção e do trabalho no Brasil, temos como características a informalidade, a degradação das condições de trabalho e a intensificação de problemas de saúde no trabalho. A intensificação do trabalho, seja pela extensão da jornada, seja pela aceleração no ritmo da produção, com imposição de metas e acúmulo de funções, caracteriza a superexploração do trabalho. Em termos da saúde do trabalhador, nota-se, como mostra Graça Druck, uma evolução no número de acidentes de trabalho na última década, além do aumento de doenças mentais relacionadas à violência nos ambientes de trabalho, derivada da pressão exercida sobre os trabalhadores em razão de uma ideologia de metas produtivas a serem atingidas a Observa-se, portanto, um quadro de reprodução das formas de desigualdades sociais no Brasil. É importante salientar que as causas dessa desigualdade devem ser pensadas na relação entre vários elementos que compõem a historicidade da sociedade brasileira. Compreender nosso passado é o ponto de partida para entendermos o Brasil contemporâneo, sobretudo se observarmos como novas demandas, reivindicações e problemas sociais aparecem mascarados de novidade, mas, na maioria das vezes, têm relação com velhas questões de nossa estrutura social
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