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Respostas – Prova I Economia Brasileira – Guilherme Rodrigues de Figueiredo

1) Explique as origens e evolução do processo de subdesenvolvimento latino-americano, segundo a


teoria estruturalista do subdesenvolvimento (Celso Furtado) e a teoria da dependência. Apresente
ainda os principais pontos de convergência e divergência entre estas duas interpretações.

Segundo a teoria estruturalista do subdesenvolvimento (Celso Furtado), após a revolução industrial o


capitalismo se expande para 3 direções: Europa ocidental, terras desocupadas com características similares à
da Europa e regiões já ocupadas de natureza pré-capitalista. O contato entre o capitalismo e essas estruturas
arcaicas de colonização teria causado o subdesenvolvimento: seria criado um núcleo capitalista em meio a
essa estrutura, comercialmente e internacionalmente integrado, com crescimento através da demanda externa
(exportação). Entretanto, esse núcleo utilizava equipamentos europeus poupadores de mão de obra,
adaptados ao contexto europeu, mas totalmente desconexo da realidade brasileira, com abundância de mão
de obra. Isso gerou uma demanda perfeitamente elástica por trabalho, o que implica em salários de
subsistência. Como os salários reais altos impulsionam a economia via consumo, havia uma tendência ao
subdesenvolvimento devido ao consumo restrito. No caso brasileiro, houve uma ampliação das importações
devido à grande massa de trabalho que gerou uma monetização da economia. Com isso, havia baixos
salários e alto lucro, sendo que os produtores absorviam as quedas de preços internacionais sem reduzir o
emprego e mantendo o nível de consumo e importações. Isso gerava pressão no Balanço de Pagamentos, o
que estimulou o crescimento de atividades voltadas ao mercado interno e reduz a importância do setor
exportador, reduzindo também a dependência externa. Quando essas atividades passam a contemplar bens
de capital, tende-se a observar aumento da renda e melhora na distribuição, mas quase sempre o processo
não é completo e permanece o subdesenvolvimento e a dependência dos países centrais. Dessa forma,
segundo essa visão o subdesenvolvimento não é uma etapa necessária do processo, mas sim uma
especificidade da expansão do capitalismo europeu nas regiões de economias arcaicas, principalmente as
colônias de exploração, e pode ser superado ou não de acordo com as circunstâncias.
Segundo a teoria da dependência (FHC e Enzo Faletto), havia uma dependência externa dos países
periféricos para com os países centrais (capitalistas europeus e norte-americano). A teoria defende que as
decisões cruciais de produção, consumo e outros são feitas nos países centrais, mesmo para os países
periféricos, o que retira a autonomia e a perspectiva de planejamento de crescimento futuro para esses
países. Essa dependência era causada por uma série de fatores, como a necessidade de matérias primas para
as indústrias centrais, a necessidade de eficiência para atender à demanda europeia, etc., e leva a relações de
mercado com os países centrais no caso do subdesenvolvimento, em que haveria um crescimento do núcleo
capitalista, mas sempre condicionado ao subdesenvolvimento e ao interesse das economias centrais. O
desenvolvimento é, dessa forma, condicionado ao capital externo dada a limitação de poupança doméstica,
sendo que a partir desse ponto desenvolve-se um ceticismo em relação à possibilidade de desenvolvimento
das economias latino-americanas.
As teorias convergem quando defendem que o subdesenvolvimento foi um advento específico, fruto
de fatores conjunturais históricos e sociais, e que não representa uma etapa necessária para o crescimento e
desenvolvimento econômico. Também são similares quando defendem como essas regiões passam a ter uma
dependência externa muito grande para o sucesso da sua economia. A divergência está principalmente no
ponto da possibilidade ou não do desenvolvimento das economias latino-americanas: a teoria da
dependência associa necessariamente o desenvolvimento dessas economias ao centro de decisão, os países
centrais, o que gera a impossibilidade de desenvolvimento autônomo e coloca a relação direta entre capital
externo e crescimento como a única forma de alcançá-lo; já a teoria estruturalista do subdesenvolvimento
argumenta que, através de fatores específicos como o aumento das importações de bens de capital e a
monetização da economia, é possível alcançar níveis de industrialização satisfatórios e reduzir
significativamente a dependência externa, de forma que haja a possibilidade de obter um grau considerável
de desenvolvimento autônomo.
2) Discorra sobre a evolução do setor industrial brasileiro, explicando como fenômenos relativos à
conjuntura externa e doméstica influenciaram seu processo de desenvolvimento até a primeira metade
do século XX. Com base nas contribuições teóricas de Celso Furtado, explique como os choques
externos favoreceram a substituição de importações no país.

A industrialização prévia brasileira até a última parte do século XIX baseava-se no complexo
cafeeiro, com a presença de tecnologias como as ferrovias e algumas inovações agropecuárias, mas não
tinha expressividade devido à política de abertura comercial desenfreada praticada no Brasil. Ao fim desse
século, no entanto, houve uma aceleração na industrialização principalmente nos setores siderúrgico e têxtil.
Com a eclosão da I Guerra Mundial, a disponibilidade de produtos importados caiu muito devido aos
gastos dos países com a guerra, o que impulsionou a produção industrial nacional. Entretanto, não houve um
estímulo ao investimento e à diversificação estrutural e produtiva, visto que a importação de bens de capital
era extremamente difícil e o aumento da produção nacional se deu somente através da capacidade produtiva
já presente na rede industrial brasileira.
A década de 20, pelo contrário, apresentou um baixo crescimento, mas uma diversificação
considerável na indústria nacional. O contexto era de reconstrução da Europa e havia, nesse sentido, um
grande fluxo de investimentos para todas as direções vindos principalmente dos Estados Unidos; o Brasil
recebeu, com isso, um nível considerável de investimentos externos, que promoveram essa diversificação
produtiva na indústria.
Com a Crise de 1929, a produção e o emprego mundiais reduziram, o que provocou diretamente uma
redução na demanda internacional, gerando uma reação protecionista do governo brasileiro principalmente a
favor do café, que já estava em baixa de preços internacionalmente, induzido pelo excesso de oferta e
elasticidade baixa da demanda. O Convênio de Taubaté, no entanto, garantiu a manutenção dos lucros e dos
salários internamente, favorecendo, ainda que de forma reduzida, os investimentos na indústria. Isso
representou uma mudança no centro dinâmico da economia pela primeira vez, do setor externo (exportador)
para o setor de produção interna, de forma que a demanda interna permaneceu estável, mas a capacidade de
realizar importações reduziu. Esse conjunto de fatores levou a um aumento no preço dos bens
industrializados internos, o que favoreceu consideravelmente o seu desenvolvimento ao longo da década de
30. Pode-se dizer que a dependência externa da economia brasileira, dessa forma, reduziu drasticamente,
dependendo mais da demanda interna e menos diretamente da externa, o que implica na indústria como
principal setor de criação de renda no país, ainda que não tenha uma capacidade ampla de absorver trabalho.
O período da II Guerra Mundial impacta o Brasil de forma análoga à I Guerra, quando se observa um
aumento na produção, mas pouquíssima mudança estrutural na indústria brasileira, dado a impossibilidade
de importações de bens de capital, limitando o desenvolvimento factível da indústria, mesmo verificando-se
um crescimento em alguns setores como a siderurgia. Esses são, basicamente, os fatores externos que
influenciaram no desenvolvimento da indústria brasileira.
Os fatores internos passam a ter relevância com o governo Dutra, quando se passa a adotar políticas
de favorecimento da indústria nacional, como políticas de câmbio, redução nas exportações de produtos
primários e crescimento na exportação de produtos industrializados. Como a II Guerra trouxe um grande
número de reservas internacionais para o Brasil, o câmbio apreciou, favorecendo a importação
principalmente de bens de capital, promovidos pelo governo indiscriminadamente. A partir de então, o
governo adotou diferentes políticas cambiais, sempre favoráveis de uma forma ou outra ao desenvolvimento
da indústria brasileira.
O Plano de Metas também foi importantíssimo para o desenvolvimento da indústria, impactando
diretamente no seu crescimento. Grande parte das metas baseavam-se na indústria brasileira e no seu
crescimento, e políticas adotadas como a Instrução 113 da Sumoc, que favoreceu a importação de bens de
capital e o investimento externo, gerando grandes investimentos na industrialização nacional, mas através de
capital exterior que sufocava as empresas nacionais, sob influência de maiores custos. Durante a vigência do
Plano de Metas, houve um investimento expressivo na indústria, principalmente energética, além da criação
de arcabouços institucionais favoráveis à indústria como o BNDE, e a Lei dos Similares. Foi um período,
portanto, de crescimento da indústria e da economia brasileira priorizado em virtude da inflação galopante,
que chegou ao patamar de 30,5% ao ano em 1960.

3) Explique como a política cambial passou a ser utilizada na promoção do desenvolvimento industrial
no Brasil. Discorra, ainda, sobre os principais modelos cambiais adotados no país entre o primeiro
governo Vargas e o governo JK e seus efeitos sobre a industrialização interna.

As políticas cambiais passam a se tornar influentes para o desenvolvimento da industrialização no


Brasil a partir do ano de 1946, e a partir desse ponto observa-se uma manutenção da política favorável até o
fim do governo JK.
A primeira política cambial favorável foi a do ano de 1946, em que houve um aumento considerável
de reservas internacionais durante o contexto de guerra, o que provocou uma apreciação do câmbio em que o
Cruzeiro valia Cr$18,50 para cada dólar em 1939. O modelo adotado possibilitou o atendimento de uma
demanda reprimida por bens de capital e matéria prima, normalmente essenciais para o desenvolvimento
industrial, o que culminou na rápida redução de reservas adquiridas, mas resultou na estruturação de
crescimento da indústria brasileira.
Em 1947, o governo Dutra instaura outra política cambial, vigente até 1953, caracterizado
principalmente pela criação do sistema de Licenças de Importações. Nesse sistema, o governo realiza o
controle da demanda por importações, em que bens de consumo tinham sua importação dificultada através
de longas filas e recursos escassos, e bens considerados necessários para o desenvolvimento da indústria
eram facilitados. Os resultados do sistema foram uma competição reduzida da indústria com a produção
importada e a manutenção do câmbio valorizado, que reduziu o preço das importações e estimulou o setor
industrial. O sistema se provou, no entanto, extremamente burocrático e de difícil gestão, o que facilitou
brechas de rompimento como a corrupção de agentes que determinavam as classificações de bens para
importação, o que foi uma das razões da sua queda.
Em 1953, o governo adota o sistema de câmbio múltiplo através da instrução 70 da Sumoc e a Lei
2145, em que havia a classificação das importações em 5 graus de essencialidade, cada uma com um leilão
específico que determinaria a taxa cambial própria, paralelamente ao câmbio oficial apreciado de Cr$18,72
por dólar. Nesse contexto, o exportador que convertia seus lucros a essa taxa oficial, o faria posteriormente
para fins de importação sob taxas maiores, o que na prática significou uma redução do poder de compra dos
exportadores. Isso é feito pois há a previsão de que a industrialização requer transferência de renda de um
setor para outro, sendo que no caso brasileiro o processo seria mediado pelo Estado e se daria através da
transferência de renda do setor exportador para o industrial, que também significa mudança no centro
dinâmico da economia. Essa política resultará em estímulo à compra de bens de capital e insumos para a
indústria e desestímulo às exportações, ao passo que mantém o câmbio apreciado.
Durante o Plano de Metas da gestão de JK, o sistema de câmbio múltiplo continuou vigente até o ano
de 1961, com o acréscimo da Instrução 113 da Sumoc (1955), que autorizava a importação de bens de
capital sem divisas e removia boa parte da burocracia para o capital externo, o que estimulou o investimento
externo direto no Brasil. Isso significou maiores custos para as empresas brasileiras, mas o investimento
externo e a importação de bens essenciais ao desenvolvimento da indústria, bem como todo o arcabouço
criado pelo Plano de Metas para investimento e estruturação da indústria brasileira representaram em um dos
períodos de maior crescimento do setor na história da economia brasileira.
Dessa forma, pode-se dizer que em todas as gestões acima mencionadas, houve uma tentativa de
estimular o setor industrial nacional através da política cambial, estimulando as importações de bens
essenciais e modificando o centro dinâmico da economia para esse setor.
4) Apresente as principais características do Plano de Metas (1955-1961), abordando suas virtudes e
fraquezas, e explique seus principais resultados para o processo de substituição de importações no Brasil.
Discuta ainda por quais razões o Plano pode ser interpretado como um marco no uso de planejamento
econômico no Brasil.

O Plano de Metas foi uma política adotada durante a gestão de Juscelino Kubitschek, desenvolvido
por meio de grandes pretensões como o desenvolvimento de setores estratégicos como energia, transportes,
alimentação, indústria de base e educação, financiadas principalmente através de investimentos públicos.

As virtudes do plano foram o notável desenvolvimento principalmente da indústria, o que a propósito


era o seu objetivo principal. Verificou-se um crescimento médio de 8,2% ao ano, um valor considerado alto;
um crescimento médio da renda per capita de 5,1% ao ano apesar da meta de 2%, o que é extremamente
alto; uma queda no coeficiente de importações (a proporção de produtos ofertados no país referentes a bens
importados) para 8% diante da meta de 10%, o que também é ótimo, além de crescimento de 138% da meta
de construção de rodovias, 60% no setor de aço e cimento, 78% no setor automotivo e 11% no produto
industrial, que são valores expressivos. Além disso, o governo promoveu a construção da atual capital
Brasília, que gerou uma integração econômica relativamente maior e deu um caráter de poder econômico e
político da gestão JK. Em suma, o país vivenciou durante o período e devido ao Plano de Metas, um
desenvolvimento econômico expressivo, com enfoque claro no setor industrial brasileiro.
Entretanto, esses níveis de crescimento acima da média foram financiados, principalmente, através
de gastos públicos, visto que muitas previsões de participação do setor privado não se verificaram na prática,
de forma que quase a totalidade dos investimentos necessários e programados foi feito através de recursos
do próprio governo (além do capital externo presente através da promoção deliberada do governo com a Lei
Tarifária de 1957 e a Lei dos Similares, que expandiram a oferta de crédito e reduziram as taxas para efetuar
os empréstimos). Dessa forma, os custos eram financiados, basicamente, através de uma crescente emissão
de moeda, provocando um efeito direto de aumento desenfreado na inflação, que chegou ao patamar de
30,5% ao ano em 1960 apesar da meta instaurada de 13,5%. Além disso, houve uma queda de 15% nas
exportações e, com a expansão de crédito externo e a promoção das importações, gerou-se um desequilíbrio
absurdo no Balanço de Pagamentos, representado por um aumento de cerca de 50% na dívida externa. Esses
fatores levaram, ainda, à adoção em 1958 do Plano de Estabilização Monetária (PEM), em que, para conter a
inflação, o governo tomaria empréstimos junto ao FMI para orientação de investimentos com objetivo de
aumentar a oferta nacional, o que geraria queda nos preços. Esse plano, no entanto, estava claramente
subordinado às pretensões do Plano de Metas, de forma que o FMI se opõe a ele e exige medidas mais
ortodoxas, que prejudicariam o investimento e o crescimento da economia brasileira. Isso é amplamente
criticado pelos diversos setores da economia, gerando uma instabilidade política, ainda que por um período
curto de tempo, até que o governo decide por romper com o FMI e a instabilidade se cessa com a
continuação das consequências inflacionárias e deficitárias do Plano de Metas.
Pode-se dizer, com isso, que o Plano de Metas representa o primeiro registro factível, claro e
expressivo de um planejamento econômico propriamente dito, na história da economia brasileira.
Anteriormente, fatores como a política cambial, a política monetária e fiscal, o investimento, a inflação e o
capital externo, por exemplo, eram utilizados quase que por acaso, adequando-se às tendências e aos
contextos domésticos e internacionais sem, de fato, ser traçada uma trajetória clara previamente analisada e
planejada. O Plano de Metas, por sua vez, foi uma política de planejamento per se, envolvendo análises de
fatores diversos da economia e com a presença de uma linha de objetivo, de métodos e de medidas a serem
tomadas que era clara e que foi realizada mesmo apesar de aspectos contrários aos incluídos no
planejamento. Isso terá influência importante para a economia brasileira, ao passo que os diversos governos
tenderiam a adequar seus projetos e realizar maiores planejamentos no âmbito econômico para sua gestão.

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