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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC – UFABC

PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA POLÍTICA MUNDIAL


DOCENTE: FERNANDA CARDOSO E VALÉRIA RIBEIRO
DISCENTE: CIMERE TATIANE DOS SANTOS KLAUK e ANA CRISTIANA
DISCIPLINA: DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

A substituição de importações brasileira de 1929 a 1939 no contexto da


Revolução de 30.

Resumo: Partindo da interpretação de Celso Furtado sobre o breve e intenso surto


industrial produzido depois da crise de 1929 (Furtado, 2003). Este trabalho buscará
confirmar a análise do economista em relatos de historiadores sobre a política
econômica do período e relacioná-lo à contribuição teórico-metodológica de outros
estruturalistas latino-americanos, como Prebisch e Tavares, na compreensão dos
processos de substituição de importações.

1 As reflexões sobre o processo de formação econômica brasileira na Visão


de Furtado.

Em Furtado (2003), as reflexões sobre o processo de formação econômica, a partir


da atividade agricultura plantation, a contar do século 16 e ao longo de três séculos
posteriores, evidenciam um lento processo de transformações históricas que se
desenvolveu como sendo vegetativo ou estagnado.

O autor identifica nessa economia agroexportadora, no período da colônia


(açucareira, cafeeira e mineira), uma balança de pagamento incapaz de oferecer à
classe dos grandes agricultores um retorno financeiro que pudesse garantir-lhes
lucratividade, dando início a um grande período de dificuldade econômica.

Observados esses acontecimentos por uma perspectiva ampla, já com o processo


de independência brasileira instalado, o modelo de “desenvolvimento” que ora se
apresentava não mais suportava uma estrutura econômica baseada em pouco
dinamismo. Por essa razão, esse movimento também exigiu maior transformação
econômica e social que se integrasse com a expansão do comércio internacional.

Para tanto, as dificuldades econômicas herdadas da colônia e a estrutura social


baseada no modelo de tráfico de escravos, o Brasil apresentava problemas que
provocavam empecilhos para a incipiente estrutura produtiva: a tendência ao
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desequilíbrio externo, pouca autonomia administrativa e falta de mercado


consumidor.

As soluções foram na direção da conquista da autonomia administrativa, econômica


e social. Em 1889, a autonomia administrativa, com a proclamação da república,
trouxe a descentralização política para trazer mais autonomia regional aos Estados
e, social, com a abolição dos escravos. A questão de libertar os escravos não foi
humanitária, mas, sobretudo, de cunho econômico, porque permitiu o aumento do
setor de assalariados na economia cafeeira.

Por outro lado, o movimento da proclamação da república em 1889 e a crise de


1893 no mercado externo mundial provocaram grandes impactos na economia
brasileira, que sofreu uma crise de uma superprodução (1927-29), o que
estabeleceu uma pressão inflacionária nos anos que sucederam, obrigando o
governo central ao financiamento desse estoque. Veja o que nos diz Furtado (2003,
p. 192),

É fácil compreender a enorme forca perturbadora potencial que


representava para a economia esse tipo de operação. O financiamento
desses estoques havia sido obtido em grande parte de bancos
estrangeiros. Pretendia-se, dessa forma, evitar o desequilíbrio externo.
Vejamos o que em realidade se passara. Os empréstimos externos serviam
de base para a expansão de meios de pagamentos destinados à compra de
café que era retirado do mercado. O aumento brusco e amplo da renda da
monetária dos grupos que derivavam suas receitas da exportação não
podia, evidentemente, deixar de provocar pressão inflacionária. Essa
pressão é particularmente grande numa economia subdesenvolvida, e se
manifesta de imediato em rápido crescimento das importações, em razão
da baixa elasticidade da oferta interna (FURTADO, 2003, p. 192).

Nessa direção, a pressão inflacionária favoreceu a inversão de estoque no entre


entre 1927 e 1929, época que a economia brasileira foi favorecida com a forte
entrada de capital privado estrangeiro e com o amplo investimento para financiar o
café em defesa da renda da política de fomenta da renda.

A conjuntura da crise cafeeira e da crise de 1929 em âmbito internacional, as


decisões políticas foram em razão de manter o novo mercado interno que ora se
apresentava, bem como manter uma massa de salários oriundos do mercado
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externo, continuando a expandir mesmo depois da crise. Veja uma significativa


passagem para descrever o processo da incipiente industrialização brasileira,

Possibilitando um melhor aproveitamento dos recursos de terra e mão-de-


obra preexistentes, o impulso dos recursos de terra e mão-de-obra
preexistentes, o impulso externo cria o aumento de produtividade que é o
ponto de partida no processo de acumulação de capital. A massa de
salários e outras remunerações criadas no setor de exportação
representam o embrião do mercado interno. Ao crescer o impulso externo,
a expansão indireta da procura interna tende a integra na economia
monetária os recursos de mão-de-obra e terra subutilizados no setor de
subsistência. Ao reduzir-se o impulso externo, por outro lado, a contração
consequente da renda monetária tende a criar desemprego ou subutilização
da capacidade no setor ligado ao mercado interno (FURTADO, 2003, p.
209)

Nos anos de 1930 a 1939, os mecanismos de política externos do governo central


brasileiro favoreceram significativamente o mercado interno que ora se apresentava
em meio a crise internacional, porque conseguiu articular um duplo mecanismo que
funcionário em sincronia, interno e externo, e nessa direção, se desenrolou a
incipiente processo de industrialização brasileira.

2 As interpretações de Prebisch e Tavares sobre a substituição de


importações. Alcance e limites do PSI.

A sistematização analítica sobre o desenvolvimento econômico adotada por


diversos autores têm como referência o pensamento metodológico da escola
estruturalista, posto que os fatos se apresentam historicamente determinados e
ordenados em ideia-força, ou em cada etapa em que são produzidos, baseados no
método indutivo, relações diacrônicas, históricas e comparativas (PREBISCH, 1949,
p. 18-20)

Para Prebisch (1949), conforme a teoria do desenvolvimento clássico, as análises


de desempenho econômico se dão a partir das condições histórico-estruturais
internas de cada país. Por essa razão, os modelos teóricos de desenvolvimento são
meramente esquemas que não expressam a mesma realidade para todos os
países, motivo pelo qual sempre existiram diferenças de modelo de
desenvolvimento econômico entre eles.
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Sobre isso, o autor nos ensina que em países desenvolvidos a inserção do


progresso técnico na estrutura produtiva ocorre de forma mais uniforme, uma vez
que ela se apresenta mais diversificada, e por essa razão possui melhores
vantagens comparativas em relação aos países subdesenvolvidos, onde há pouca
diversificação.

Noutro ponto, o autor define a dinâmica do conceito “centro-periferia”, do qual se


origina o progresso técnico. Ele observa que esses países se posicionam a partir de
uma clássica divisão internacional do trabalho quando elucida que a periferia
fornece bens primários e, os países centrais, bens industriais. Diante disso, o
subdesenvolvimento se apresenta como sendo resultado de um descompasso na
dinâmica dos arranjos econômicos estruturais entre os países periferia-centro em
termos de vantagens comparativas.

Observa-se que, para um país periférico realizar um “novo estágio do progresso


técnico” deverá enfrentar um conjunto de problemas relativamente importantes para
atualizar seu arranjo estrutural e estimular a produção interna substitutiva dos bens
de capital e das matérias-primas, uma vez que essa dinâmica provoca desequilíbrio
estrutural no balanço de pagamentos, a exemplo da inflação e do desemprego.
Sobre isso o autor demonstra que,

O desequilíbrio estrutural do balanço de pagamentos resultava das


exigências de importação de economias em industrialização que se
especializaram em umas poucas atividades exportadoras e enfrentavam
baixa elasticidade de demanda por suas exportações. Exatamente por
serem estas pouco diversificadas, sofriam permanente pressão por ampliar
as importações além do que era permitido pela expansão das exportações.
[...] A tendência à inflação decorria tanto do desequilíbrio da balança de
pagamentos como das demais insuficiências que o processo de
industrialização enfrenta em economias pouco diversificadas (rigidez
agrícola, escassez de energia e transporte etc.) (PREBISCH, 1949, p. 33).

Adiante, ele estabelece também que, para superar a marca do subdesenvolvimento


faz-se necessário conquistar, da mesma forma, uma condição de homogeneização
social, embora tal condição não seja suficiente para conseguir o desenvolvimento
econômico, pois depende do sincronismo de três variáveis que devem estar
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complementadas entre si: a descentralização de decisões que são amparadas por


políticas de coordenação (p. 35), o Estado orientador e mais propositivo (p. 32) e,
além disso, a exposição à concorrência internacional (p. 27). Sobre essa
homogeneidade, expressa Prebisch (1949, p. 118),

[...] A medida que vai aumentando a produtividade da indústria e


melhorando a renda real per capita, essa população tende a se transferir
naturalmente para as atividades industriais. Por mais que esse fato leve
perturbação de alguns setores, ele é a forma típica de propagação, dentro
de um país, dos benefícios do progresso técnico a todas as classes sociais
(PREBISCH, 1949, p. 118).

Os estudos de Prebisch (1949) corroboram com as interpretações de Tavares


(1993) quando se analisa a economia brasileira do ponto de vista da dinâmica de
reformulação do arranjo estrutural pela opção do modelo Processo de Substituição
de Importação (PSI). Sobre a dinâmica substitutiva, o autor Prebisch (1949, p. 29),

[...] A dinâmica substitutiva consiste na forma como a economia reage a


sucessivos estrangulamentos do balanço de pagamentos. Por progressiva
compressão na pauta de importação, a industrialização vai passando de
setores de instalação “fácil”, pouco exigentes em matéria de tecnologia,
capital e escala, a segmentos cada vez mais sofisticados e exigentes
(PREBISCH, 1949, p. 29).

Tavares (1993) relembra que as principais características do modelo de


desenvolvimento econômico relacionadas às economias tradicionais, a exemplo dos
“países centrais”, ocorrem numa dinâmica de movimentação da estrutura produtiva
voltada “para fora” com base na junção de duas principais variáveis: exógenas
(investimento autônomo) e endógenas (inovações tecnológicas). Os bens de capital
e as matérias-primas, captados por esses países, contribuem para o processo de
substituição de importação e de melhora da Renda Nacional, no contexto em que a
divisão social do trabalho local já se encontra bem estabelecida, conforme
esclareceu Prebisch (1949).

Acerca do desenvolvimento econômico brasileiro, a autora observa que a estrutura


produtiva econômica brasileira era inicialmente voltada “para fora” e muito
associada à posição da Divisão Internacional do Trabalho Social, dada a sua
dependência em relação aos países líderes. Tal dependência era o reflexo da sua
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própria formação econômica, decorrente da forçosa limitação da sua capacidade


produtiva, pouco diversificada e mais voltada para o mercado exportador, setor esse
que recebia a maior parte dos benefícios da Renda Nacional.

Contudo, entre os anos de 1914 e 1945, as crises sucessivas, principalmente


decorrentes de um somatório de 20 anos de guerras, a partir dos anos de 1930,
proporcionaram uma quebra brusca na receita de exportação das economias
globais que atingiu, igualmente, a economia brasileira. Os mais significativos
reflexos percebidos na economia brasileira foram, principalmente, na capacidade de
importar, em razão da forte queda de receita dos grandes capitalistas.
Em linhas anteriores, ficou claro que os modelos de desenvolvimento tradicionais
voltados “para fora” precisam estar alinhados em variáveis endógenas e exógenas,
as quais favorecem para o equilíbrio da balança de pagamentos e promovem
mudanças estruturais que levam à homogeneidade social em níveis significativos
em termos de distribuição de Renda Nacional.

Entretanto, a economia brasileira, por ser dependente, não estava alinhada a essa
dinâmica econômica, muito pelo contrário, o aumento da produtividade, a partir do
progresso técnico, produziu um bloqueio econômico estrutural. Por essa razão, as
políticas cíclicas praticadas na época foram motivadas pelo desequilíbrio do
mercado externo internacional, com o objetivo de aprimorar o manejo e aumentar a
renda dos grandes capitalistas na dinâmica do mercado interno local brasileiro.

Cabe observar que o Processo de Substituição de Importação (PSI), o qual


desempenhou a incipiente indústria brasileira, foi considerado um modelo de
desenvolvimento “parcial” e “fechado”, visto que não proporcionou a transformação
por igual às economias centrais em comparação à divisão internacional do trabalho
social local. Na verdade, essa dinâmica econômica se desenrolou motivada pelo
sucessivo estrangulamento do seu balanço de pagamentos que impactou na
deterioração nos termos de troca.
Diante disso, dois recursos estratégicos foram utilizados como mecanismo de
escolha: o externo e o interno. No externo, somente as exportações repercutiram
como variáveis exógenas ao favorecer o crescimento da Renda Nacional local,
atendendo ao setor mais produtivo, o exportador. No segundo mecanismo, o
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interno, as variáveis endógenas se reproduziram nas importações de bens e


serviços, para atender a demanda do mercado interno. Em suas palavras Tavares
(1993, p. 30),

[...] o grau de difusão da atividade exportadora sobre o espaço econômico


de cada país dependia da natureza do processo produtivo desses bens
primários e do seu maior ou menor efeito multiplicador e distribuidor de
renda (TAVARES, 1993, p. 30).

Nesse sentido, a coordenação de política da época possibilitou o surgimento de um


incipiente processo de industrialização para garantir renda interna para os
capitalistas que sofreram o forte impacto no setor exportador. Por isso, a estrutura
econômica brasileira voltou-se “para dentro”, com o objetivo de manter a renda
nacional local. Nas palavras de Tavares (1993, p. 31),

O que interessa assinalar, porém, é o fato de que essa reduzida atividade


industrial, justamente com o setor agrícola de subsistência, eram
insuficiente para dar à atividade interna um dinamismo próprio. Assim o
crescimento econômico ficava atrelado ao comportamento da demanda
externa por produtos primários, dando o caráter eminentemente
dependente e reflexo de nossas economias (TAVARES, 1993, p.31).

Por essa razão, as políticas cíclicas praticadas na época foram motivadas pelo
desequilíbrio do mercado externo internacional, na perspectiva de trazer melhor
manejo e renda aos grandes capitalistas que operavam na dinâmica do mercado
interno local brasileiro. Assim, as decisões de políticas macroeconômicas se
desenrolaram na dinâmica de alocação de recursos de investimentos para
diversificar a estrutura produtiva, de modo a viabilizar ajustes consideráveis nos
preços relativos à produção interna substitutiva para captar do exterior, bens de
capital (equipamentos) e as matérias-primas essenciais (bens intermediários), para
que favorecessem o mercado exportador e garantisse a renda desses capitalistas.

Sugere-se que a opção forçosa pela substituição de importação foi em razão do


estrangulamento do mercado externo internacional que alterou o dinamismo dos
ganhos econômicos dos grandes capitalistas que estavam se beneficiando de um
modelo de desenvolvimento baseado em agroexportador.
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Por fim, a autora esclarece que a dinâmica do processo de desenvolvimento pela


via da Substituição de Importações impactou em grandes desafios para a pirâmide
social, principalmente ao conciliar uma estrutura produtiva baseada em políticas de
coordenação voltadas à importação de bens de capital (quantitativamente) e
modelada numa estrutura de desenvolvimento econômico de integração
internacional, com uma estrutura de sociedade urbana que fomentava o consumo e
o dinamismo do mercado interno, o qual estava em constante processo de
modernização (qualitativamente).

3 Conclusão: a natureza “inconscientemente” desenvolvimentista da política


econômica do período. Resultados e contradições.

Entre os anos 1914 e 1945, as reflexões acerca da opção do modelo de


desenvolvimento brasileiro baseado em Substituição de Importação para devolver
sua matriz produtiva se processou em meio aos avanços e crises, isso porque a
dinâmica inicialmente se baseou no modelo tradicional “para fora” e, após longo
estrangulamento do setor externo, voltou-se “para dentro”.

Num primeiro momento, a transformação da estrutura produtiva provocou avanços


na sociedade em diversos setores e regiões e um intenso movimento de
urbanização. Entretanto, o excedente de mão-de-obra que ora se apresentava em
razão dos do movimento de urbanização apresentou uma heterogeneidade social,
não coincidindo com a distribuição de renda que alimentava o setor exportador.

Para os autores que escrevem sobre desenvolvimento econômico como Prebisch


(1949) e Tavares (1963), as variáveis endógenas e exógenas devem ser bem
coordenadas e planejadas em etapas, para que o modelo de substituição de
importação seja “real ou efetivo”, pois além promover uma melhora da divisão do
trabalho local, deve também promover a melhora da Renda Nacional a partir do
setor externo e mercado interno que leva a homogeneidade social, tal como se
observa nas economias mais desenvolvidas. Mas, na economia brasileira, que se
baseou no PSI, aconteceu o oposto, a heterogeneidade social e a piora na renda
nacional, por isso a reorientação de fatores produtivos não se consolidaram
amplamente.
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Referências

DRAIBE, S. Rumos e metamorfoses: um estudo sobre a constituição do Estado e as


alternativas da industrialização no Brasil, 1930-1960. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1985.

FURTADO, C. Formação Econômica do Brasil, São Paulo: Companhia Editora


Nacional, ([1959] 2001), Capítulos 32 a 36.

PREBISCH, R. “O desenvolvimento econômico latino-americano e alguns de seus


principais problemas”  em Bielschowsky, Ricardo (org.), Cinquenta anos de
pensamento da CEPAL, Rio de Janeiro: Record, vol.  1, ([1949] 2000).  

TAVARES, M. C. “Auge e declínio do processo de substituição de importações no


Brasil” em Tavares,  Maria da Conceição, Da substituição de importações ao
capitalismo financeiro. Rio de Janeiro: Zahar,  ([1963] 1972).

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