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Universidade Federal do ABC

Programa de Pós-Graduação em Economia Política Mundial


Disciplina EPM-407A – Teorias do Desenvolvimento
Trabalho final da disciplina
Alunas: Ana Cristina Carvalhaes Machado (matrícula 23202220648)
Cimere Klauk (matrícula 23202220650)

A substituição de importações no Brasil e a Revolução de


1930

Resumo
Partindo da interpretação de Celso Furtado sobre a industrialização ocorrida
depois da crise de 1929 até o fim da Segunda Guerra Mundial (Furtado, 2007),
este trabalho buscará confrontar a análise do economista com versões
historiográficas sobre a política econômica do período (Fausto, 1970; Prado
Junior, 1980; Dreyfus,1981; Bastos, 2011), para destacar o papel da Revolução
de 30 naquilo que Furtado chamou de “deslocamento do centro dinâmico” da
economia. Ao relacionar aquele trabalho de Furtado à contribuição teórico-
metodológica de Prebisch e Tavares, buscará verificar se e até que ponto o
ocorrido no período em questão pode ser compreendido como exemplo de
processo de substituição de importações (PSI), no sentido cunhado pelo
estruturalismo latino-americano, e até que ponto resultou de um projeto estatal
desenvolvimentista.

Palavras-chave: crise de 1929; industrialização; substituição de importações;


desenvolvimetismo

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1. O que eram a economia e o estado brasileiros em 1929

A economia brasileira na década de 20 do século passado se sustentava na


produção e exportação de produtos básicos, principalmente do café – seguido de
borracha, açúcar e algodão. Era tão grande o peso do economia cafeeira para o
Brasil que, em fins do século XIX, o país chegou a controlar três quartas partes
da oferta mundial do produto (Furtado, 2007) e uma média de 65% das
exportações mundiais de 1880 a 1930 (FGV, CPDOC). Herdeira direta do
modelo colonial exportador baseado na mão de obra escravizada e de um
pequeno e inicial surto industrializador entre 1880 e 1899 (Prado Jr, 1945/1980),
a economia esmagadoramente agrária, já sustentada no assalariamento, gerará o
excedente necessário à continuidade da industrialização, ainda em ritmo lento, na
oligárquica República Velha.

Sobre essa ainda pouco complexa base econômica, erguia-se um estado liderado
por um bloco de poder composto pelos representantes diretos ou indiretos de
plantadores de café, elites rurais do Nordeste e interesses comerciais
exportadores (Dreyfus, 1981). A burguesia industrial, minoritária e pouco
dinâmica, encontrava-se fora dos círculos de decisão. No censo industrial de
1907, os setores têxtil e de alimentação são os de maior peso; o Distrito Federal
de então, somado ao Estado do Rio de Janeiro, concentrava 40% das instalações;
São Paulo, 16%; o Rio Grande do Sul, 15%. É uma indústria dispersa e composta
por pequenas oficinas (Prado Jr, 1945/1980). O quadro muda um tanto no censo
de 1920:

“A Grande Guerra Mundial de 1914-1918 dará grande impulso à indústria


brasileira. (...) em 1920, os estabelecimentos industriais arrolados somarão
13.336, com 1.815.156 contos de capital e 275.512 mil operários [contra 3.258
em 1907, com 665.663 mil-réis de capitale e 150.841 operários]. Destes
estabelecimentos, 5.936 tinham sido fundados no quinquênio 1915-1919, o que
revela claramente a influência da guerra. (...) A modificação mais sensível será a
transferência para o primeiro lugar das indústrias de alimentação, que passam de
26,7% da produção em 1907 para 40,2% em 1920. Isto se deve ao aparecimento

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da indústria que tomará grande vulto: a congelação de carnes.” (Prado Júnior,
1945/1980, páginas 261-262)

De fato, durante a década, novos centros econômicos regionais se consolidaram:


um Rio Grande do Sul agrário (mas em diversificação econômica), Rio de
Janeiro e São Paulo industriais – este último em crescimento muito superior ao
da média nacional. No eixo Rio-São Paulo e em Minas concentra-se o sistema
bancário. O poder político se desloca do Nordeste para o Sudeste e novos grupos
sociais urbanos (operários, trabalhadores de serviços e classes médias) invadem a
cena política (Dreyfus, 1981).

Nas palavras de Wilson Cano:

“A década de 1920, para o Brasil, representa um processo de transição


econômica e social, a partir do chamado modelo primário exportador, rumo a
novo padrão de acumulação – o do crescimento para dentro –, que seria
desencadeado a partir da Crise de 1929 e da Revolução de 1930. Transitamos,
assim, do velho padrão primário exportador, onde o complexo cafeeiro paulista
predominava, rumo a um novo, o da industrialização, que se firmaria a partir de
1933.” (Cano, 2012)

Nessa transição, no entanto, cabe ressaltar o caráter muito inicial e pouco


diversificado da indústria, numa visão evidentemente comparativa com o nível
dos países centrais (industrializados):

“Se é certo que já existe no país [década de 1920] um processo instalado de


industrialização, como tantos autores têm assinalado, a indústria se caracteriza
nesta época pela dependência do setor agrário-exportador, pela insignificância
dos ramos básicos, pela baixa capitalização, pelo grau incipiente de
concentração” (Fausto, 1970/1987)

2. A crise mundial e a do café na virada dos 20 para os 30

Para Furtado, a crise econômica mundial de 1929 (que dura até pelo menos
meados dos 30), combinada com a crise estrutural de superprodução da economia
cafeeira e com a política econômica dos governos brasileiros a partir de 1906

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(data da Convênio de Taubaté, que estabelece a política de “valorização” – leia-
se defesa dos preços – do café por meio de compra de estoques e mecanismos
cambiais) foram decisivos para o que ele chama de “deslocamento do centro
dinâmico” da economia, em que o setor industrial passa a ser alvo de inéditos
investimentos a partir de 1930.

Os efeitos da recessão/depressão desencadeada a partir do crack financeiro de


1929 tinham golpeado o setor cafeeiro, que já padecia de superprodução
estrutural devido à ausência anterior de medidas para limitar o replantio de
cafezais (ou seja, ausência de limitação da oferta). Com a queda abrupta do preço
do café no mercado internacional e o aumento da produção sobrante – devido ao
desequilíbrio entre oferta e demanda global –, a política governamental de defesa
do café significava a compra pelo estado dessa produção excedente com recursos
financiados no endividamento externo, no que Furtado chama de “socialização
dos prejuízos”. Combinadamente, a flutuação cambial, com a desvalorização
intensa da moeda brasileira, também favorecia os plantadores e comerciantes de
café, ao mesmo tempo que restringia importações.

Convencido da impossibilidade de continuar contraindo empréstimos externos


para financiar essa política, o governo de Washington Luís (1926-1930), o último
dos representantes do acordo oligárquico do café com leite, havia optado por não
continuar comprando estoques. Mas, após a Revolução de 30 (novembro), o
governo de Getúlio Vargas retoma a defesa do café: além de comprar estoques,
passa a queimar a parte considerada invendável. Para continuar com a compra,
segundo Furtado, Vargas utilizou recursos provenientes da expansão do crédito,
transformando a política de defesa do setor cafeeiro em programa de "fomento da
renda nacional". (Furtado, p. 203).

3. O “deslocamento” a partir de 1929

Saes (1989) explica o mecanismo do “fomento da renda nacional” identificado


por Furtado:

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“A compra do excedente da produção cafeeira evitava o declínio
substancial da renda interna: o café continuava a ser colhido, o emprego
no setor não se reduzia, mantendo-se, em conseqüência, o nível da
demanda agregada. Ao mesmo tempo, o desequilíbrio externo, fruto do
declínio dos preços do café no mercado internacional e da receita de
divisas do Brasil, provocava brusco aumento do preço dos produtos
importados em função da desvalorização da moeda nacional diante da
estrangeira. Como resultado, a demanda interna, que antes se resolvia, em
grande parte, pela compra de importados, volta-se agora para a produção
interna, já que seus preços relativos, diante dos importados, haviam
sofrido grande redução.” (Saes, 1989).

Esse processo, segundo Furtado, não se deu sem “pressão na estrutura do sistema
econômico”. O autor analisa em particular o desequilíbrio entre os preços
internos e os externos: no período da depressão, entre 1929 e 1933, ao mesmo
tempo que rendas monetária e real se reduziam, subiam os preços relativos das
mercadorias importadas, “conjugando-se os dois fatores para reduzir a procura
por importações”. Enquanto a renda monetária caiu de 25% a 30% no período, o
preço das importações subiu 33% e o quanto de importações despencou mais de
60%.

“Ao manter-se a procura interna com maior firmeza que a externa, o setor
que produzia para o mercado interno passa a oferecer melhores
oportunidades de inversão que o setor exportador. Cria-se, em
consequência, uma situação praticamente nova na economia brasileira que
era a preponderância do setor ligado ao mercado interno no processo de
formação de capital” (Furtado, 2008, página 277)

Furtado recorda que os lucros caíam no setor exportador, enquanto a


rentabilidade subia no setor voltado ao mercado doméstico, o que levava o último
a absorver capitais desinvestidos no primeiro. Aproveitamento máximo da
capacidade instalada e compra de bens de capital de segunda mão, de fábricas
que haviam fechado fora do Brasil, permitiram o crescimento da indústria. O

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resultado foi que no período 1929-1937, enquanto a renda criada pelas
exportações decresceu em termos reais e o quantum das exportações diminuiu de
5,5 bilhões para 4,5 bilhões de cruzeiros (na conversão feita por Furtado), a
produção primária da indústria para o mercado interno crescia mais de 40%,
levando a renda nacional a aumentar 20% no perído (7% per capita).

“Aqueles países de estrutura econômica similar à do Brasil, que seguiram uma


política muito mais ortodoxa nos anos da crise, e ficaram portanto na
dependência do impulso externo para recuperar-se, chegaram a 1937 com suas
economias em estado de depressão”. (Furtado, 2006, página 281)

4. A Revolução de 30 e Getúlio Vargas

Teria havido esse “deslocamento do centro dinâmico” sem os acontecimentos


político-sociais que marcaram o período? Teriam sido decisivos? Afinal, Furtado
dedicou apenas uma nota de rodapé do capítulo 32 de Formação Econômica do
Brasil ao grande divisor de águas da História republicana, que foi a chegada ao
poder dos revolucionários de 30, tendo à cabeça Getúlio Vargas (ex-ministro da
finanças de Washington Luís, governador do Rio Grande do Sul e candidato
derrotado da Aliança Liberal às presidenciais daquele ano):

“O movimento revolucionário de 1930 – ponto culminante de uma série de


levantes militares abortados, iniciados em 1922 – tem sua base nas populações
urbanas, particularmente na burocracia militar e civil e nos grupos industriais, e
constitui uma reação contra o excessivo predomínio dos grupos cafeeiros – de
seus aliados da finança internacional, comprometidos na política de valorização
– sobre o governo federal” (Furtado, 2007, nota 166).

A ausência desse elemento político na interpretação furtadiana do “deslocamento


do centro dinâmico” foi compensada pelo papel central que a pesquisa e a
literatura posteriores, em história, sociologia e economia brasileiras, concederam
àquela mudança política e em particular à figura de Vargas para os rumos do
desenvolvimento do país. Para entender a Revolução de 1930 para além do

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correto mas insuficiente comentário de Furtado, é necessário interpretá-la à luz
das complicadas relações entre classes e frações de classe da República Velha.

O movimento revolucionário se gestou numa sociedade já em industrialização e


urbanização, em que crescia o descontentamento de setores médios, populares e
militares (as bases do tenentismo) diante do Estado oligárquico cada vez mais
repressor e exclusivista. Interpreta Dreyfus:

“A crise do domínio oligárquico permitiu que pressões cada vez maiores fossem
exercidas pela fração industrial, apoiada por outros grupos sociais,
principalmente pelas classes médias. A fração industrial formou um bloco
burguês que lutou por redefinir as relações de poder dentro do Estado brasileiro,
tarefa esta que foi facilitada por pressões sofridas pela economia oligárquica em
consequência da crise capitalista de 1929” (Dreyfus, 1981, pág. 21)

No entanto, observa o autor, a burguesia emergente não destrui nem política nem
economicamente as classes agrárias, conquistando, como contrapartida,
identidade política frente ao bloco agrário, do qual absorveu valores tradicionais,
e estabelecendo com esse um novo compromisso entre frações de classe – o
"estado de compromisso” inscrito depois na Constituição de 1934. Boris Fausto
(1970) lembra que a instituição que garantiu o compromisso foi o Exército e
complementa:

“À margem do compromisso básico fica a classe operária. (...) O Estado de


compromisso, expressão do reajuste nas relações internas da classe dominante
corrresponde, por outro lado, a uma nova forma de Estado, que se caracteriza
pela maior centralização, o intervencionamismo ampliado, não apenas restrito à
area do café, o estabelecimento de uma certa racionalização no uso de algumas
fontes fundamentais de riqueza pelo capitalismo internacional (Código e Minas,
Código de Águas). (Fausto, 1970, págs. 109 e 110)

A tese do compromisso entre as elites agrárias e a burguesia industrial, com


apoio nos militares e nas camadas médias urbanas, explica em grande medida a
dualidade da política varguista no instável e ainda turbulento período entre 1930
e 1937, em meio à crise mundial: de um lado, a continuidade da defesa da
economia cafeeira, a “postura cautelosa” diante do capital internacional,

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procurando “minimizar conflitos com os investidores estrangeiros”, ao mesmo
tempo em que já expressa, referindo-se a insumos básicos e serviços públicos, a
“necessidade de regular o mercado, limitando a liberdade de ações que empresa
estrangeiras gozavam antes da Revolução de 30, visando à segurança econômica
e militar do país” (Bastos, 2011).

Seria a partir da decretação do Estado Novo, em novembro de 1937, a “virada”


para uma política abertamente nacional-desenvolvimentista, começando pela
decretação de uma moratória da dívida externa e, mais tarde, pelas políticas
concretas de construção dos ramos básicos da economia, com a CSN na
siderurgia, a regulação dos setores elétrico e petrolífero, que desaguariam na
criação da Eletrobrás e da Petrobrás.

Se é possível debater até que ponto a primeira fase da Era Vargas (1930-1937)
representou uma política consciente de substituição de importações e fomento ao
mercado interno, já a partir de 1937 fica inegável que o desenvolvimento
nacional como projeto de estado, ainda que defendido de forma flexível e
adaptativa, era o pilar do ideário varguista. Esse ideário se caracterizou, na
síntese de Bastos (2011) por: antiliberalismo (descrença na autorregulação do
mercado); aproveitamento de oportunidades para barganhas externas que
atendessem a finalidades de desenvolvimento (CSN); e pela capacidade de
adaptação.

Se o Estado Novo (que fechou o período longo de disputas Inter elites) e a


situação internacional do período permitiram a Vargas pôr em prática plenamente
esse projeto a partir de 1937, as bases para o nacional-desenvolvimentismo
brasileiro já se encontravam na cabeça e na trajetória do líder político gaúcho:
positivista na juventude, iluminista por toda a vida, já na Presidência do estado
do Rio Grande do Sul, entre 1926 e 1928, “desapegou-se parcialmente de certos
preceitos, passando a defender uma atuação mais vigorosa do Estado no fomento
à produção, admitindo e estimulando empréstimo e crédito, bem como ao criticar
o padrão-ouro e, mais tarde, defender o intervencionismo, compromisso do
estado com o “progresso” e a industrialização (Fonseca, 2011)”

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Com uma abordagem voltada mais à compreensão do estado nacional-
desenvolvimentista construído a partir de 1930, mas especialmente depois do
Estado Novo, Draibe (1985, p. 98-99) adiciona à interpretação cepalina o
elemento da correlação de forças sociais, que se expressariam também no Estado:

“As correlações de forças que se estruturaram ao longo do período 30-45


constituíram, sem dúvida, a base social e política sobre a qual se estabeleceram,
simultaneamente, as possibilidades da ação intervencionista e seus limites, que
se expressavam na própria materialidade do aparelho econômico e de seu âmbito
de atuação. Entretanto, sobre essa base estrutural, se definiu e tomou forma uma
direção econômica estatal que sintetizou os diferentes interesses sociais sobre os
quais se erigia com autonomia, mas não se reduziu a eles, como se fosse um
somatório de elementos, pressões e conflitos que o Estado haveria de
contemplar.

Entre 1930 e 1945, surgiram órgãos coordenadores de políticas econômicas


(cambiais e de comércio exterior) e administrativas, a fim de fomentar a nova
indústria. Draibe comenta:

“De qualquer forma, o que nos interessa ressaltar é que estes organismos, ao
estabelecerem as políticas setoriais levando em conta o conjunto do respectivo
setor em termos nacionais, objetivaram e abstraíram os interesses concretos
envolvidos, de tal forma que as relações intercapitalistas respectivas tinham
expressão apenas dentro e através daquele aparato estatal. E no interior destes
aparelhos é que se defrontarão os móveis particularistas – sejam os de caráter
regional, sejam os típicos interesses proprietários, no seu afã de privatizar ou
orientar, segundo seus desígnios, as políticas estatais (Draibe,1985, p. 90).

5. O estruturalismo cepalino e a interpretação de Furtado

Expoente do pensamento surgido em torno da Comissão Econômica para a


América Latina (Cepal), Celso Furtado desenvolveu obra original, mas sempre
alinhada aos quatro grandes traços analíticos do “sistema de economia cepalino”,
sintetizados por Bielschowsky (2000): o enfoque histórico-estruturalista, baseado
na ideia de centro-periferia; a análise da inserção internacional; a análise dos

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condicionantes estruturais internos; e, finalmente, a análise das possibilidades e
necessidade de ação estatal.

Lembremos que, para um dos pais-fundadores da escola, Prebisch (1949), as


análises de desempenho econômico devem ser realizadas a partir das condições
histórico-estruturais internas de cada país. Para superar a marca do
subdesenvolvimento, diz Prebisch, faz-se necessária a combinação de três
variáveis complementares entre si: políticas de coordenação das decisões, o
Estado orientador e propositivo e a exposição à concorrência internacional.

Formação Econômica do Brasil é, em sua totalidade, uma obra estruturalista, à


medida que parte do relato minucioso da história de uma economia que, de
colonial, passa a periférica (inserção internacional) com problemas de produção,
consumo e nível de renda limitados pelo gigantismo do setor exportador (agrário,
em particular cafeeiro) e pequenez do setor produtivo voltado para o mercado
interno (condicionantes internos) e que, no caso do período específico de que
tratamos (crise de 1929 até início da Segunda Guerra), vai viver uma
transformação – o deslocamento do centro dinâmico – em grande medida
provocada pela ação estatal. Como se trata de uma obra de história econômica, a
vertente mais normativa, de orientação para política econômica do Estado, fica
inevitavelmente ausente.

O processo descrito e interpretado por Furtado nos capítulos 30 a 32 de


Formação... tem, ainda que o autor não se valha dessa expressão, muito de
substituição de importações (embora seja mais complexo que isso). Basta
recordar o que Prebisch define como processo substitutivo de importações (PSI):

“A dinâmica substitutiva consiste na forma como a economia reage a sucessivos


estrangulamentos do balanço de pagamentos. Por progressiva compressão na
pauta de importação, a industrialização vai passando de setores de instalação
“fácil”, pouco exigentes em matéria de tecnologia, capital e escala, a segmentos
cada vez mais sofisticados e exigentes (Prebisch, 1949, p. 29).

Já Tavares (1993), ao tratar do caso do Brasil na mesma clave histórico-


estrutural, observa que a estrutura produtiva do país era inicialmente (começo do

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século XX) voltada “para fora” e periférica na divisão internacional do trabalho,
com dependência em relação aos países centrais. Tal dependência teria sido
reflexo da formação econômica brasileira, que resultou numa capacidade
produtiva limitada, pouco diversificada, voltada para o mercado externo, com os
exportadores se apropriando da maior parte da renda nacional. Contudo, para a
autora, entre os anos de 1914 e 1945, as crises sucessivas, decorrentes de 20 anos
de guerras no âmbito internacional provocam uma mudança. A partir dos anos de
1930, por causa da queda brusca na receita de exportações (também provocada
pela crise dos preços do café, que antecedeu a Segunda Grande Guerra), a
economia brasileira perde capacidade de importar. Note-se a sintonia com o
relato e a análise de Furtado.

Ao recordar o período de 1930-1945 do Brasil, Tavares (1985) argumenta que as


condições políticas e econômicas decorrentes da crise de 1930 geraram ações
específicas por parte do Estado brasileiro, sob um regime autoritário, que o
levaram a coordenar e centralizar ações econômicas, numa fase de “acumulação
industrial”. Com a forte ação e posterior presença do Estado na economia, gerou-
se a modernização do país,, embora com tremendas contradições sociais e
políticas.

Para Prebisch (1949) e Tavares (1963), no entanto, para que o modelo de


substituição de importação fosse “real ou efetivo”, as variáveis endógenas e
exógenas deveriam ser bem coordenadas e o desenvolvimento planejado em
etapas, pois além promover uma melhora da divisão do trabalho local, deve
também promoveriam a alta da renda nacional, a partir de um equilíbrio entre o
setor externo e o mercado interno e de uma melhor distribuição da renda, tal
como se observa nas economias mais desenvolvidas. Não foi o que se deu no
Brasil.

6. A modo de conclusão

Entre os anos 1914 e 1945, os momentos de políticas aparentemente orientadas


pela substituição de importações se alternaram (Tavares). Somente após longo

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estrangulamento do setor externo, com a Primeira e depois a Segunda Guerra
Mundial, o crescimento voltou-se “para dentro”. De qualquer forma, embora
visassem conscientemente defender a renda do setor agrícola (principalmente
cafeeiro, mas não só) da crise internacional de 1929, pela via do controle da
oferta e dos preços do café, as políticas governamentais dos dez anos 1929-1939
– em particular a partir da Revolução de 30, que inaugurou a Era Vargas –
tiveram como efeito em princípio colateral, mas depois principal, o fomento tanto
a preservação da renda nacional quanto da industrialização.

No entanto, tal como alertou Tavares, na economia brasileira, os processos de


substituição de importações não teriam trazido redução da heterogeneidade
estrutural, nem melhora substantiva na renda nacional. Num primeiro momento,
a transformação da estrutura produtiva provocou avanços na sociedade em
diversos setores e regiões e um intenso movimento de urbanização. Entretanto, o
excedente de mão-de-obra que cresceu e se concentrou com a urbanização
resultou numa forte heterogeneidade (desigualdade) social.

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