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Resumo
Partindo da interpretação de Celso Furtado sobre a industrialização ocorrida
depois da crise de 1929 até o fim da Segunda Guerra Mundial (Furtado, 2007),
este trabalho buscará confrontar a análise do economista com versões
historiográficas sobre a política econômica do período (Fausto, 1970; Prado
Junior, 1980; Dreyfus,1981; Bastos, 2011), para destacar o papel da Revolução
de 30 naquilo que Furtado chamou de “deslocamento do centro dinâmico” da
economia. Ao relacionar aquele trabalho de Furtado à contribuição teórico-
metodológica de Prebisch e Tavares, buscará verificar se e até que ponto o
ocorrido no período em questão pode ser compreendido como exemplo de
processo de substituição de importações (PSI), no sentido cunhado pelo
estruturalismo latino-americano, e até que ponto resultou de um projeto estatal
desenvolvimentista.
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1. O que eram a economia e o estado brasileiros em 1929
Sobre essa ainda pouco complexa base econômica, erguia-se um estado liderado
por um bloco de poder composto pelos representantes diretos ou indiretos de
plantadores de café, elites rurais do Nordeste e interesses comerciais
exportadores (Dreyfus, 1981). A burguesia industrial, minoritária e pouco
dinâmica, encontrava-se fora dos círculos de decisão. No censo industrial de
1907, os setores têxtil e de alimentação são os de maior peso; o Distrito Federal
de então, somado ao Estado do Rio de Janeiro, concentrava 40% das instalações;
São Paulo, 16%; o Rio Grande do Sul, 15%. É uma indústria dispersa e composta
por pequenas oficinas (Prado Jr, 1945/1980). O quadro muda um tanto no censo
de 1920:
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da indústria que tomará grande vulto: a congelação de carnes.” (Prado Júnior,
1945/1980, páginas 261-262)
Para Furtado, a crise econômica mundial de 1929 (que dura até pelo menos
meados dos 30), combinada com a crise estrutural de superprodução da economia
cafeeira e com a política econômica dos governos brasileiros a partir de 1906
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(data da Convênio de Taubaté, que estabelece a política de “valorização” – leia-
se defesa dos preços – do café por meio de compra de estoques e mecanismos
cambiais) foram decisivos para o que ele chama de “deslocamento do centro
dinâmico” da economia, em que o setor industrial passa a ser alvo de inéditos
investimentos a partir de 1930.
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“A compra do excedente da produção cafeeira evitava o declínio
substancial da renda interna: o café continuava a ser colhido, o emprego
no setor não se reduzia, mantendo-se, em conseqüência, o nível da
demanda agregada. Ao mesmo tempo, o desequilíbrio externo, fruto do
declínio dos preços do café no mercado internacional e da receita de
divisas do Brasil, provocava brusco aumento do preço dos produtos
importados em função da desvalorização da moeda nacional diante da
estrangeira. Como resultado, a demanda interna, que antes se resolvia, em
grande parte, pela compra de importados, volta-se agora para a produção
interna, já que seus preços relativos, diante dos importados, haviam
sofrido grande redução.” (Saes, 1989).
Esse processo, segundo Furtado, não se deu sem “pressão na estrutura do sistema
econômico”. O autor analisa em particular o desequilíbrio entre os preços
internos e os externos: no período da depressão, entre 1929 e 1933, ao mesmo
tempo que rendas monetária e real se reduziam, subiam os preços relativos das
mercadorias importadas, “conjugando-se os dois fatores para reduzir a procura
por importações”. Enquanto a renda monetária caiu de 25% a 30% no período, o
preço das importações subiu 33% e o quanto de importações despencou mais de
60%.
“Ao manter-se a procura interna com maior firmeza que a externa, o setor
que produzia para o mercado interno passa a oferecer melhores
oportunidades de inversão que o setor exportador. Cria-se, em
consequência, uma situação praticamente nova na economia brasileira que
era a preponderância do setor ligado ao mercado interno no processo de
formação de capital” (Furtado, 2008, página 277)
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resultado foi que no período 1929-1937, enquanto a renda criada pelas
exportações decresceu em termos reais e o quantum das exportações diminuiu de
5,5 bilhões para 4,5 bilhões de cruzeiros (na conversão feita por Furtado), a
produção primária da indústria para o mercado interno crescia mais de 40%,
levando a renda nacional a aumentar 20% no perído (7% per capita).
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correto mas insuficiente comentário de Furtado, é necessário interpretá-la à luz
das complicadas relações entre classes e frações de classe da República Velha.
“A crise do domínio oligárquico permitiu que pressões cada vez maiores fossem
exercidas pela fração industrial, apoiada por outros grupos sociais,
principalmente pelas classes médias. A fração industrial formou um bloco
burguês que lutou por redefinir as relações de poder dentro do Estado brasileiro,
tarefa esta que foi facilitada por pressões sofridas pela economia oligárquica em
consequência da crise capitalista de 1929” (Dreyfus, 1981, pág. 21)
No entanto, observa o autor, a burguesia emergente não destrui nem política nem
economicamente as classes agrárias, conquistando, como contrapartida,
identidade política frente ao bloco agrário, do qual absorveu valores tradicionais,
e estabelecendo com esse um novo compromisso entre frações de classe – o
"estado de compromisso” inscrito depois na Constituição de 1934. Boris Fausto
(1970) lembra que a instituição que garantiu o compromisso foi o Exército e
complementa:
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procurando “minimizar conflitos com os investidores estrangeiros”, ao mesmo
tempo em que já expressa, referindo-se a insumos básicos e serviços públicos, a
“necessidade de regular o mercado, limitando a liberdade de ações que empresa
estrangeiras gozavam antes da Revolução de 30, visando à segurança econômica
e militar do país” (Bastos, 2011).
Se é possível debater até que ponto a primeira fase da Era Vargas (1930-1937)
representou uma política consciente de substituição de importações e fomento ao
mercado interno, já a partir de 1937 fica inegável que o desenvolvimento
nacional como projeto de estado, ainda que defendido de forma flexível e
adaptativa, era o pilar do ideário varguista. Esse ideário se caracterizou, na
síntese de Bastos (2011) por: antiliberalismo (descrença na autorregulação do
mercado); aproveitamento de oportunidades para barganhas externas que
atendessem a finalidades de desenvolvimento (CSN); e pela capacidade de
adaptação.
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Com uma abordagem voltada mais à compreensão do estado nacional-
desenvolvimentista construído a partir de 1930, mas especialmente depois do
Estado Novo, Draibe (1985, p. 98-99) adiciona à interpretação cepalina o
elemento da correlação de forças sociais, que se expressariam também no Estado:
“De qualquer forma, o que nos interessa ressaltar é que estes organismos, ao
estabelecerem as políticas setoriais levando em conta o conjunto do respectivo
setor em termos nacionais, objetivaram e abstraíram os interesses concretos
envolvidos, de tal forma que as relações intercapitalistas respectivas tinham
expressão apenas dentro e através daquele aparato estatal. E no interior destes
aparelhos é que se defrontarão os móveis particularistas – sejam os de caráter
regional, sejam os típicos interesses proprietários, no seu afã de privatizar ou
orientar, segundo seus desígnios, as políticas estatais (Draibe,1985, p. 90).
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condicionantes estruturais internos; e, finalmente, a análise das possibilidades e
necessidade de ação estatal.
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século XX) voltada “para fora” e periférica na divisão internacional do trabalho,
com dependência em relação aos países centrais. Tal dependência teria sido
reflexo da formação econômica brasileira, que resultou numa capacidade
produtiva limitada, pouco diversificada, voltada para o mercado externo, com os
exportadores se apropriando da maior parte da renda nacional. Contudo, para a
autora, entre os anos de 1914 e 1945, as crises sucessivas, decorrentes de 20 anos
de guerras no âmbito internacional provocam uma mudança. A partir dos anos de
1930, por causa da queda brusca na receita de exportações (também provocada
pela crise dos preços do café, que antecedeu a Segunda Grande Guerra), a
economia brasileira perde capacidade de importar. Note-se a sintonia com o
relato e a análise de Furtado.
6. A modo de conclusão
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estrangulamento do setor externo, com a Primeira e depois a Segunda Guerra
Mundial, o crescimento voltou-se “para dentro”. De qualquer forma, embora
visassem conscientemente defender a renda do setor agrícola (principalmente
cafeeiro, mas não só) da crise internacional de 1929, pela via do controle da
oferta e dos preços do café, as políticas governamentais dos dez anos 1929-1939
– em particular a partir da Revolução de 30, que inaugurou a Era Vargas –
tiveram como efeito em princípio colateral, mas depois principal, o fomento tanto
a preservação da renda nacional quanto da industrialização.
BIBLIOGRAFIA
Bastos, P.P. Zahluth. “A construção do nacionalismo econômico de Vargas”, in
A Era Vargas – Desenvolvimentismo, Economia e Sociedade, Editora Unesp, São
Paulo, 2011.
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Fausto, Boris. A Revolução de 30, São Paulo, Brasiliense, 1970/1995, 11ª.
Edição.
Prado Júnior, Caio. História Econômica do Brasil, São Paulo, Brasiliense, 23ª.
Edição, 1980.
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