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O período colonial termina, de fato, com a vinda da família real ao Brasil, em 1808.

Ao abrir os
portos brasileiros às “nações amigas” – sob pressão britânica – D. João VI punha fim à relação
de exclusividade comercial metropolitana em terras brasileiras. Em 1822, foi proclamada a
Independência, em um processo que não altera a ordem econômica, política ou social vigente.
Um resquício de fricções de interesses entre D. Pedro I e a classe social vitoriosa no processo
de emancipação colonial – a aristocracia latifundiária escravista – conduziu à abdicação do
imperador e à instabilidade política de 1831-1840, período em que os latifundiários escravistas
estabeleceram poder hegemônico, controlando o sistema político e criando a norma legal do
então neonato Estado brasileiro.

Porém, há muito o domínio externo trocara de face: tendo subjugado os portugueses no


comércio exterior, os ingleses voltavam-se para o Brasil com interesses sutilmente diferentes
dos antigos colonizadores: a principal potência industrial do século XIX queria não apenas os
recursos naturais, os produtos primários e as matérias-primas, mas também o mercado efetivo
e potencial do jovem Império. Isso fazia que o império britânico tivesse interesse especial não
apenas na manutenção da exportação primária como atividade dinâmica da economia
brasileira, mas também no contingente de consumidores potenciais representado pela
população de escravos.

Nesse equilíbrio de interesses internos e externos, Pedro II reinaria por quase meio século,
mantendo a base da estrutura econômica brasileira – a agricultura de exportação – e
conduzindo – novamente sob demanda britânica – um lento processo de erradicação da
escravidão que terminaria por indispô-lo com a aristocracia latifundiária cafeeira, viabilizando
o golpe militar que traria a república ao governo do país, em 1889.

Não é surpreendente, nesse caso, que o então novo governo republicano não fosse diferente
do antigo em sua vinculação às bases economicamente arcaicas da economia e da sociedade.
Após um período de regime militar – a chamada “república da espada” (1889-1894) –,
representantes da aristocracia rural paulista e mineira alternaram-se em um poder voltado
basicamente para o latifúndio e a exportação primária para o exterior.

Nesse ambiente, as tentativas de fomento da indústria nacional tiveram o caráter episódico e


pontual de surtos isolados de curta duração. Não que a agricultura de exportação não
demandasse produção industrial; apenas não o faria na escala apropriada ao suprimento da
demanda efetiva interna, tornando o país dependente de importações ou carente de bens
industrializados. Somente com o choque externo de 1929, um colapso definitivo da
cafeicultura e uma mudança correlata no equilíbrio político de forças, teria início um modelo
de industrialização substitutiva de importações.

Características gerais da economia brasileira (1808-1930)

Conforme salientamos, a Independência do Brasil não significou nenhuma ruptura com o


panorama econômico e social herdado dos tempos de colônia. O fato de o príncipe herdeiro
do trono da metrópole ser o líder do movimento nativista por si só demonstra essa
característica de continuidade. A estrutura política, em que o poder moderador era exercido
pelo monarca de maneira similar à de um Estado Absolutista, afastava as classes populares de
qualquer participação efetiva. Os partidos que se alternavam no poder, Conservador e Liberal,
expressavam o vínculo fraternal da monarquia com a escravidão. O Estado era controlado pelo
consórcio dos latifundiários escravistas, fossem eles usineiros, cafeicultores, plantadores de
algodão ou pecuaristas. Tal situação retardou o advento dos pressupostos para a existência de
um capitalismo industrial, por meio de uma massa significativa de trabalhadores assalariados,
que complementasse a existência de uma classe interessada em se apropriar do excedente
criado por trabalhadores livres (para mais detalhes, ver Barbosa, 1994).

Nesta seção, descreveremos as características básicas da economia brasileira no período de


1808 a 1930, tendo por pano de fundo a principal atividade econômica do período, a
cafeicultura, e as relações da economia local com a economia internacional, hegemonizada
pelo predomínio político, econômico e militar da Inglaterra.

A cafeicultura

Mantidas as condições gerais do antigo regime colonial, mesmo com a abertura dos portos
brasileiros em 1808, não é surpreendente que um novo ciclo de exportação primária com uso
de mão de obra escrava fosse a opção de continuidade da economia brasileira no século XIX.
Plantado originalmente no Rio de Janeiro, de onde se espalhou para a região do Vale do
Paraíba, que abrange o sudeste do Estado de Minas Gerais, o Estado do Rio de Janeiro e o
nordeste do Estado de São Paulo, o café seria, como no caso colonial da cana-de-açúcar, a
melhor opção para os fazendeiros, em função de seus preços convidativos nos mercados
europeu e norte-americano. Na segunda metade do século XIX, a lavoura cafeeira estendeu-se
para o oeste paulista, em razão de solos novos e mais apropriados à cultura da rubiácea.

Observada por todo o século XIX, a exportação de café, então, adquiriu um perfil tendencial
crescente, como se pode observar no Gráfico 2.1. Uma pequena flutuação no quantum
exportado devia-se ao caráter sazonal da lavoura e ao ciclo de crescimento quinquenal da
planta.

A ênfase na produção cafeeira levou o Brasil a ocupar uma posição hegemônica no comércio
internacional desse produto, no qual chegou a representar, entre 1875 e 1880, mais da
metade da produção mundial. Também é digno de nota que o café se convertera, no século
XIX, no principal produto de exportação da América do Sul. Isso ocorreu porque os
cafeicultores se aproveitavam da demanda crescente do produto, impulsionada pelo
crescimento da população urbana, o que acabava por se refletir nos preços do café. O valor
médio da saca passou de uma libra e 32 pence no período 1841-1850 para duas libras e 54
pence no decênio 1881-1890. Completando os poucos espaços que o café deixava na cesta de
produtos agrícolas oferecida pelo Brasil ao comércio internacional, encontravam-se culturas
também crescentes de cana-de-açúcar, fumo, algodão, borracha e mate (Silva, 1953). A
evolução da cafeicultura e o crescimento das demais culturas podem ser vistos na Tabela 2.1.

O principal “parceiro” comercial do Brasil era a Inglaterra, seguida de longe pelos Estados
Unidos. A Grã-Bretanha era responsável por absorver 32,9% das exportações brasileiras e
fornecia 54,8% das mercadorias estrangeiras que entravam no país, em meados do século XIX.
Já os Estados Unidos eram responsáveis por aproximadamente 28% de nossas exportações e
por apenas 12% das importações. Nota-se que a Grã-Bretanha abocanhava a maior parte do
superávit obtido pelo país com os Estados Unidos, como se vê na Tabela 2.2.

O crescimento das exportações, liderado pelo café, passou a determinar o próprio crescimento
econômico do país, ocasionando ciclos de expansão econômica quinquenais, vinculados ao
próprio ciclo da rubiácea, em que o câmbio desempenhava papel fundamental (Delfim Netto,
1960; Furtado, 1986). Apesar dos predominantes resultados negativos no comércio exterior no
período de 1846-1861, na maior parte da série se constatam ganhos na balança comercial
brasileira (ver a Tabela 2.10, no final deste capítulo). É importante considerar também que
parte do superávit decorre da contenção das importações, por meio da elevação das taxas
alfandegárias, conforme o Gráfico 2.2, a seguir.

Viabilizados pelos ganhos no comércio internacional na segunda metade do século XIX, e


também em parte pela abolição do tráfico de escravos, em 1850, verifica-se uma forte
expansão do produto. Nesse tempo, tiveram início as estradas de ferro, a imigração
estrangeira, o telégrafo, a fundação de casas bancárias, a ampliação do mercado doméstico, o
crescimento de centros urbanos na região Sul do país, beneficiados pelas primeiras
manufaturas, que surgiam para atender ao crescimento da economia cafeeira.

A estreita correlação entre o crescimento do país e a exportação de café também traria


problemas crônicos à economia. Dependente das exportações cafeeiras e das importações de
bens de consumo, o Brasil passou a apresentar grande vulnerabilidade às crises econômicas
ocorridas na Europa e nos Estados Unidos.

Outro fator que gerou pressão crescente na economia brasileira, no longo prazo, foi
justamente a expansão da cafeicultura. Esta provocava o aumento da produção, o que
conduzia ao aumento da oferta. Dada a inelasticidade da oferta ante a demanda externa do
produto, a pressão dos cafeicultores para a manutenção dos preços (e ganhos) do café dava-se
não no mercado, e sim sobre as autoridades imperiais e, posteriormente, sobre as autoridades
republicanas, com vistas a “socializar seus prejuízos”. Nesse sentido, a postura, tanto da
monarquia quanto da primeira república (1889-1930), pautou-se na manutenção dos ganhos
em margem dos cafeicultores, tanto pela desvalorização cambial quanto pela compra de
estoques excedentes. Enquanto isso, a política monetária restritiva, particularmente do
Segundo Reinado (1840-1889), dificultava o fomento de outras atividades em nível interno, ou
mesmo o desenvolvimento de uma demanda interna, o que traria consequências ao modelo
de industrialização posteriormente adotado no Brasil.

Vulnerabilidade externa

Na primeira metade do século XIX, a Europa recuperava-se das guerras napoleônicas,


aumentando e desenvolvendo sua produção; graças aos novos métodos industriais recém-
descobertos, apareciam grandes concentrações industriais na Inglaterra, na França, na
Alemanha e na Bélgica, que duplicavam ou triplicavam em certos casos suas populações. Os
bancos difundiram-se, desempenhando papel cada vez maior no comércio interno e externo. O
capitalismo rumava para a sua fase mais liberal, expandindo-se pelo globo e estabelecendo a
divisão internacional do trabalho. A “pax brittanica” apresentava-se como uma nova “idade de
ouro”, com a difusão do livre-câmbio, a eliminação das fronteiras políticas, a integração das
economias nacionais num sistema econômico “mundial”, e, como resultante, o
estabelecimento de zonas de poder derivadas da supremacia britânica sobre o globo.

A marcha da indústria para o Oeste, ocorrida a partir de 1860 nos Estados Unidos, em busca de
matérias-primas e do barateamento dos custos, ilustra o outro lado do desenvolvimento do
capitalismo naquele momento histórico. Progressivamente, a república norte-americana
deixava de ser uma exportadora de matérias-primas para tornar-se uma potência industrial.

O século XIX também se caracterizou por crises cíclicas do capitalismo, as quais, dando-se no
âmbito internacional das potências hegemônicas do Hemisfério Norte, afetaram a conjuntura
econômica reflexa e voltada aos interesses externos do Império brasileiro. Os principais e mais
significativos picos de crise do capitalismo para a política econômica do Império brasileiro
foram: (a) 1847-1848; (b) 1857-1858; (c) 1865-1866; (d) 1873-1874; e (e) 1885-1887.

O caráter cíclico dessas crises explica-se por um aspecto inerente ao capitalismo: a tendência
decrescente da taxa de lucro. A vontade de elevar a taxa de lucro dos capitalistas os faz
aumentar a produção, dispondo-se a aumentar a taxa real de salários dos trabalhadores. A
elevação do lucro favorece a competição, o que acaba fazendo a produção crescer acima da
necessidade do mercado. As vendas diminuem e ocasionam a queda da taxa de lucro, o que
leva os capitalistas a aumentar a composição orgânica do capital, para manter ou elevar a taxa
de lucro.

Em 1847, sobrevêm dificuldades nas construções ferroviárias da Inglaterra, arrastando atrás de


si a construção civil, com repercussões nas indústrias mineradora e metalúrgica e consequente
baixa da produção e dos preços. Isso acarretou crises monetárias e bancárias na Inglaterra e na
França, com desemprego e depressão dos salários, o que resultou em levantes populares na
Inglaterra, com o renascimento do Cartismo, e nas circunstâncias políticas de 1848, na França,
na Alemanha, na Checoslováquia e na Hungria. A abertura do mercado chinês permitiu outra
fase de expansão ao capitalismo, a qual foi incrementada ainda pela descoberta de ouro nos
Estados Unidos e na Austrália.

A superestimação das jazidas de ouro recém-descobertas na Califórnia, e a quebra de


empresas ferroviárias nos Estados Unidos, na Inglaterra e na França, somadas à especulação
imobiliária e à crise na indústria de transformação decorrentes, em parte, da oferta metálica,
deflagraram outra crise. Nos Estados Unidos, entre 1857 e 1858, 9.655 empresas com passivo
maior que 400 milhões de dólares fecharam suas portas.
O período seguinte incensou o livre-câmbio na França e na Inglaterra, permitindo breve e
tênue recuperação. Mas a guerra civil norte-americana (1861-1865) causaria outra crise, que
acarretaria diminuição do consumo, baixa da produção, crise monetária, crise especulativa e
desemprego. Casas bancárias inglesas e francesas entraram em liquidação.

O desfecho da Guerra Franco-Prussiana, com a vitória dos germânicos, em 1870, acelerou a


acumulação na Alemanha, em função das indenizações francesas de guerra. A competição pelo
mercado internacional fez a Inglaterra expandir as fronteiras de seu comércio internacional,
forçando suas zonas de influência e suas colônias a adotarem um rígido controle monetário,
provocando um jogo no qual, vitoriosa ou não em sua política de controle cambial e oferta
monetária, a localidade favorecia os interesses britânicos.1

Essa nova onda de expansão britânica teve a companhia de alemães, belgas, franceses e
holandeses, na formação do imperialismo moderno, com a “Partilha da África” (1870-1914) e a
disputa pela Ásia, gerando instabilidades econômicas periódicas. Em 1873, eclodem crises
ferroviárias, mineiras e metalúrgicas na Alemanha, onde queda dos preços abalaria a Bolsa de
Viena, produzindo pânico especulativo. Entre 1871 e 1873, mais de 6 mil empresas faliram nos
Estados Unidos, provocando enormes filas de desempregados.

Entre 1882 e 1884, deu-se uma crise financeira que teve suas piores consequências na França
e nos Estados Unidos. O impacto sobre o nível de emprego, não apenas nessas economias, mas
também na economia britânica, perduraria até 1887.

Esses movimentos cíclicos repetiam-se no Império brasileiro de modo quase sincronizado, de


maneira automática, como se fossem seus reflexos diretos. De fato, em uma economia cujo
setor dinâmico é a exportação de um produto como o café, turbulências econômicas no
comércio exterior afetarão negativamente:

a) o preço da mercadoria exportada;

b) a demanda pela mercadoria exportada; e

c) a disponibilidade creditícia para a produção da mercadoria exportada, bem como para as


atividades ligadas a ela.

Em situação de crise econômica internacional, o preço de uma mercadoria não essencial, como
o café, tende a baixar pela queda da procura, posta a inexistência de uma política de controle
de estoques. Porém, a crise deprime os mercados de oferta de crédito, fazendo que: (a) os
credores forcem os devedores já existentes a saldar mais rapidamente os seus compromissos e
(b) novos compromissos sejam tomados a taxas e prazos mais desfavoráveis para os
devedores.

Dadas as condições externas, a resposta interna da economia brasileira era caracterizada por:

Falta de meio circulante: a insuficiência de meios de pagamento na economia brasileira era


crônica desde os tempos de D. Pedro I. A falta de meio circulante era tanta que as fazendas de
café chegavam a imprimir seu próprio “dinheiro” em cédulas, muitas vezes com a efígie do
dono, em um costume herdado dos engenhos de açúcar. Mesmo admitindo-se o argumento
de que em fazendas de café que utilizam mão de obra escrava não há a necessidade de meio
circulante impresso pelo Estado, resta a situação dos poucos centros urbanos do país, que
também reclamavam da falta de moeda circulante para o pagamento de salários, serviços e
pequenas obrigações. No Segundo Império, de tempos em tempos, levantava-se a necessidade
de expansão monetária, a qual, de acordo com seus defensores, traria o crescimento
econômico. O que se percebe pela Tabela 2.4 (página 38), que informa a circulação monetária
do Segundo Império, são fracos movimentos de expansão e alguns movimentos mesmo de
retração da oferta de meios de pagamento, ou seja, na contramão da necessidade, chegou-se
a retirar a moeda fiduciária da praça.

Tal oscilação parece ser uma das poucas arestas políticas entre “conservadores” e “liberais”,
no exercício da política econômica imperial. Os gabinetes conservadores, compostos em sua
maioria por membros que representavam os interesses da velha aristocracia latifundiária
escravista, viam três “perigos” na expansão monetária: (i) a perda do controle de um
mecanismo “eficiente” de manutenção dos preços do café; (ii) o fortalecimento de atividades
industriais, que favoreciam o trabalho livre; e (iii) a mudança do ritmo da economia brasileira,
o que favoreceria mudanças estruturais. Guardada a proporcionalidade, e feita a ressalva de
que havia mais semelhanças e mesmo identidades entre conservadores e liberais, os
problemas apontados pelos primeiros consistiam nas vantagens indicadas pelos setores mais
radicais dos liberais: industrializar o país, mudar a estrutura agroexportadora de cesta restrita
e substituir o trabalho escravo pelo livre, assalariado.

A debilidade das políticas industrializantes: os surtos industriais ocorridos nas décadas de


1850 e 1870 não tiveram expressividade suficiente para engendrar um processo industrial
efetivo no país e suprir a grande distância entre a demanda suprida e a efetiva.

A insipiência das protopolíticas de desenvolvimento: o Segundo Império tende a ser associado


no imaginário da História do Brasil com inovações tecnológicas, como ferrovias, telefones,
telégrafos etc. A evidência de contato do Império com aquelas tecnologias pode causar a ideia
errada de seu uso comum e difundido. Na verdade, com exceção da expansão da malha
ferroviária, o uso de novas tecnologias não foi difundido de maneira a promover o
desenvolvimento da economia brasileira, e mesmo o aumento do número de ferrovias serviu
apenas à reprodução e ao incremento da exportação de café.
A crise do trabalho escravo e sua substituição pelo trabalho assalariado: as pressões para o
abandono do uso de mão de obra escrava exercidas, sobretudo, pela Grã-Bretanha desde o
início do século tornaram-se efetivas a partir de 1845, com o ultimato do Bill Aberdeen.
Contudo, a resistência passiva empreendida pela elite brasileira em abandonar o escravismo
refletiu-se na conhecida política gradualista, em que se buscava eliminar a escravidão em
ritmo que permitisse aos latifundiários a absorção de mão de obra assalariada, sobretudo
imigrante europeia. As liberdades concedidas à massa escrava vinham a conta-gotas e ao custo
do desgaste da monarquia.

A crise de 1847 atingiu as exportações, forçando não só a queda da quantidade exportada,


mas também o preço por unidade. O valor das exportações em 1848-1849 seria inferior ao do
período 1847-1848, e o período 1849-1850 seria ainda pior, com um decréscimo de 2% em
relação ao período anterior. O caráter mundial da crise deprimiu também as importações
brasileiras, das quais, de um saldo negativo de 3.290.267 contos de réis, em 1846-1847, o
Brasil conseguiu um superávit de comércio exterior em 1847-1848 de mais de 10 mil contos de
réis, devido à queda nas importações, situação mantida no ano seguinte2 e só revertida em
1850. O comportamento do câmbio indica a ação do Império. Houve a mudança da paridade
pence/réis, ajustando a taxa mantida de 67,5 pences/réis, para 27 pences/réis, em 1847. Essa
mudança de paridade escondeu uma grande desvalorização da moeda brasileira, feita com o
intuito de manter os preços do café. O déficit na balança comercial, evidentemente, não seria
de responsabilidade dos fazendeiros do Vale do Paraíba ou do Oeste Paulista. Na Tabela 2.3
pode-se ver as taxas máximas e mínimas de câmbio entre 1841 e 1851.

Observe que a depressão das importações também foi resultante da mudança da paridade
cambial. Tais fatores, associados à modificação nas taxas aduaneiras, como a Tarifa Alves
Branco, parecem ter favorecido o surgimento das pequenas manufaturas fluminenses.

Em 1857, as crises europeia e norte-americana repercutira de modo mais profundo. As


exportações, que vinham crescendo desde 1852 em ritmo bastante favorável, à taxa média de
7% ao ano, sofreram uma queda de 15% em relação a 1856. Se dessa vez a situação cambial
permaneceu estável (não compensava aos cafeicultores uma nova desvalorização, o que
encareceria as importações), os déficits na balança comercial fizeram uma série quinquenal e
premeram por novas inversões de capital externo. Mas os tomadores de empréstimos
encontrariam situação diferente nas casas bancárias europeias. Assustados pelo fracasso da
“corrida do ouro” nos Estados Unidos e pelo insucesso das companhias ferroviárias, os
credores externos, em vez de oferecerem crédito farto e fácil, reclamaram pela realização mais
imediata de antigos compromissos assumidos.

O reflexo nas casas bancárias brasileiras deu-se na corrida à Casa Alves Souto, causando um
prejuízo de 15 mil contos de réis à praça e levando a 139 falências entre 1857 e 1858 (Lima,
1976, p. 121). Em virtude da restrição de crédito, vários empreendimentos como ferrovias,
estradas e serviços urbanos (luz, água, esgoto) entraram em colapso, e a capacidade
empreendedora de investidores como Mauá viu, repentinamente, faltar-lhe o assoalho.
Mesmo as finanças do Império tiveram de recorrer ao estratagema de mudar o início do ano
fiscal de janeiro para julho.3 Desta vez, a expansão da produção cafeeira e a entrada dos lucros
da borracha, produzida no Norte, recuperariam a situação da balança comercial brasileira
(Tabela 2.10).

A crise de 1864-1866, dada na Europa, colhera os Estados Unidos no final da guerra civil e o
Brasil às portas da Guerra do Paraguai. A situação dessa crise pareceria, a princípio, favorável à
economia brasileira: a Guerra da Secessão, nos Estados Unidos, diminuiria a oferta de algodão
daquele país, abrindo mais espaço para o algodão maranhense. Mas se a abertura do mercado
internacional às exportações brasileiras de algodão foi superestimada – graças à produção
empreendida pela Grã-Bretanha no sul asiático –, não o foram as eventuais restrições de
mercado ao café e às necessidades de financiamento do Império, o qual, com a Guerra do
Paraguai, teve de recorrer a vultosas somas, as quais pagou fazendo uso da prerrogativa de
que todo governo tem quando premido pelo déficit: emitir moeda, conforme se pode verificar
na Tabela 2.4.

Como se pode notar, a quantidade de papel-moeda emitido aumentou em 93% no período. O


volume de papel-moeda emitido pelos bancos diminuiu, como reflexo da depressão da
atividade bancária, exemplificado pela derrocada final da Casa Alves Souto em 1864,
acompanhada de outros 93 estabelecimentos do ramo, que enterraram um passivo de 110 mil
contos de réis, gerando perdas estimadas entre 65 mil contos de réis e 70 mil contos de réis.4
O Banco do Brasil prestou auxílio à praça no valor de 34 mil contos de réis, dois terços do total
de letras a serem protestadas, ou seja, deixando a descoberto mais de 17 mil contos de réis. A
chamada “quebra do Souto” teria repercussões nas praças comerciais e bancárias do Rio de
Janeiro, de São Paulo, de Pernambuco, da Paraíba e Bahia, ocasionando diversas falências.

Mas a entrada do Brasil na Guerra do Paraguai forçou o Império a colocar mais de 130 mil
contos de réis sob sua responsabilidade na economia.5 Os efeitos sobre o câmbio foram de
alívio das exportações, com leve desvalorização da moeda nacional, a qual teria seu ônus
atribuído ao governo.

As crises europeia e norte-americana de 1873 afetaram, novamente, as exportações


brasileiras, mas em escala menor do que as crises anteriores, em relação ao desenvolvimento
do volume de comércio exterior. A estabilidade do câmbio e o nível de emprego da economia
brasileira foram mantidos com a redução na quantidade de papel-moeda emitido.

Finda a Guerra do Paraguai, e desinteressado que estava o Império em promover a expansão


de meios de pagamento à massa de trabalhadores – agora crescente, devido ao início da
imigração europeia –, recolhia-se, gradativamente, o pouco que fora emitido. Porém, a
cafeicultura, em razão das condições inviabilizadoras do trabalho escravo, tinha cada vez mais
dificuldade em manter o nível adequado de rentabilidade apresentado nos anos anteriores,
recorrendo a safras cada vez maiores, conforme a Tabela 2.5.
Já para a crise iniciada em 1882, o efeito depressivo nas exportações remontaria a receita ao
nível de 1877, com uma produção cafeeira próxima ao dobro da daquela época, o que refletia
na queda nos preços do café, mesmo com a desvalorização cambial, que arbitrava o valor de
20 pences para o dinheiro brasileiro. O início da pressão sobre os estoques e o aumento dos
“custos de produção” derivado da inserção do trabalho livre e assalariado, o qual, por sua vez,
pressionava a oferta de meios de pagamento dada pelo Império, forçavam os gabinetes
imperiais a tomar medidas que iam contra o pensamento econômico consolidado durante
décadas de crescimento reflexo, portanto inercial.

Curiosamente, os últimos quatro anos do Segundo Império apresentariam condições


favoráveis para o restabelecimento das finanças governamentais. O empréstimo contraído
para comprar armas e equipar o exército para a Guerra do Paraguai encontrava-se com as suas
prestações pagas regularmente. A extração de látex no Norte do país, então um novo produto
que se agregava à nossa pauta de exportação, apresentava-se bastante lucrativa e crescente,
pois o projeto britânico de plantar seringueiras na Malásia só adquiriria volume suficiente para
inviabilizar o negócio no Brasil durante a década de 1910. A própria economia cafeeira
recuperava-se de uma safra volumosa que se dera em fase de baixa de preços. O crédito de D.
Pedro II nos bancos ingleses, com o pagamento regular da dívida dos “papéis do Paraguai”,
ainda era bom: em 1888, a Casa Rothschild emprestaria mais de 25 milhões de esterlinos
(Calógeras, 1960, p. 190-194).

Contudo, a Lei Áurea desferiria o golpe mortal na monarquia: por mais que as medidas do
Gabinete Ouro Preto buscassem adaptar a economia brasileira a um padrão mais dinâmico de
crescimento, o trono não dispunha de maior credibilidade entre expressiva parcela da elite
brasileira. Em 15 de novembro de 1889, um golpe militar, perpetrado pelo ministro da Guerra
do Império, poria fim à monarquia e instituiria a república.

Assim, as crises econômicas enfrentadas pelo Império, em seus fatos geradores de natureza
endêmica ou externa, estiveram sempre ligadas a esses três fatores conclusivos:

circunstâncias desfavoráveis da condição instável de país monoexportador;

problemas crescentes com a inviabilização gradual do uso de mão de obra escrava, resistência
no reconhecimento desse processo e, por conseguinte, da tomada de medidas de
favorecimento do trabalho assalariado da parte dos políticos do Império;

políticas monetárias restritivas e, quando expansivas, insuficientes.

As restrições apontadas anteriormente persistiriam na maior parte dos anos da chamada


primeira república (1889-1930). No entanto, as condições objetivas da economia brasileira
haviam se alterado substancialmente com a extinção da escravidão e a disseminação do
trabalho assalariado, fato que possibilitou a liberação de forças econômicas contidas pelo
Império. Mencionamos particularmente o surto de crescimento industrial, que teve início na
última década do século XIX, o qual será discutido na seção seguinte.

Origens da indústria brasileira

A polêmica suscitada pelo estudo das origens e do desenvolvimento da indústria brasileira


apresenta uma série de pontos ainda hoje contraditórios e obscuros. Contraditórios na medida
em que condições externas e internas às vezes funcionaram como aceleradores ou empecilhos
ao desenvolvimento industrial, de acordo com o modelo analítico adotado – eventualmente,
dentro do mesmo modelo. Obscuros, pela própria obliquidade dos indicadores que subsidiam
as análises: os dados são escassos, por vezes fornecendo informações pontuais e
excessivamente incompletas. A mensuração indireta parece ser o estratagema predominante.

Contudo, o somatório de pequenas evidências parece tender à construção progressiva de uma


visão mais clara do que foi a introdução e o desenvolvimento da indústria em nosso país. Das
antigas visões, consolidadas, sobretudo, por Celso Furtado, Caio Prado Júnior e Roberto
Simonsen, de caráter quase estritamente teórico – correlacionando negativamente a
agroexportação ao crescimento e desenvolvimento industrial –, observam-se mais
recentemente progressos empíricos. O papel do café – e da agroexportação – parece
identificado no processo. Reconheceu-se também a medida da importância das condições
internas como motrizes de mudanças econômicas. Mesmo o reconhecimento do papel das
políticas do governo no fomento à indústria sofreu adições de perspectiva.

Apesar desse “olhar para dentro”, promovido pelos estudos empíricos mais recentes (Suzigan,
1986; Cano, 1977), a visão do processo como parte de um todo inserido em uma ordem
capitalista mundial não foi abandonada (Mello, 1986). A interferência externa se faz notar na
determinação do tipo e do porte industriais nos momentos específicos do desenvolvimento
industrial brasileiro.

De acordo com Wilson Suzigan (1986, p. 5), é possível identificar quatro interpretações
principais do processo de industrialização brasileira, relacionado com a agroexportação:

1) a teoria dos choques adversos;6

2) a preeminência das exportações sobre a industrialização;7

3) o capitalismo tardio;8 e
4) a industrialização promovida por políticas do governo.9

A teoria dos choques adversos argumenta que a industrialização começou como uma resposta
às dificuldades impostas às importações pelos choques da Primeira Guerra Mundial, da crise
de 1929, e da Segunda Guerra Mundial. A ótica da industrialização liderada pela expansão das
exportações, por sua vez, defende a existência de uma relação linear entre a expansão do
setor exportador (principalmente o de café) e a industrialização. O crescimento industrial teria
ocorrido durante períodos de expansão das exportações, sendo interrompido nas crises do
setor exportador, nas guerras e na crise de 1929. A interpretação baseada no capitalismo
tardio propõe que o crescimento industrial se deu como parte do processo de
desenvolvimento do capitalismo no Brasil. De acordo com esse enfoque, a acumulação de
capital industrial teria ocorrido juntamente com a acumulação de capital no setor exportador
cafeeiro, nos períodos de expansão das exportações. Por último, outra tentativa de explicação
das origens do desenvolvimento industrial brasileiro, embora reconheça um mercado para
produtos manufaturados, enfatiza o papel das políticas do governo, realizadas com o intuito de
promover o desenvolvimento industrial, especialmente proteção aduaneira e concessão de
subsídios da indústria.

Teoria dos choques adversos

Segundo essa teoria, a incidência de um choque adverso, como uma crise no setor exportador,
uma crise econômica internacional ou mesmo uma guerra, afetaria o setor externo da
economia, aumentando os preços relativos das importações, podendo eventualmente torná-
las impraticáveis. Como consequência, a procura interna, sustentada por políticas econômicas
expansionistas, sofreria deslocamentos para as atividades internas substitutas de importações.
Para o período anterior à crise de 1929, tal teoria não encontra identidade com o padrão de
crescimento econômico brasileiro.

Industrialização via expansão das exportações

Essa interpretação estabelece uma relação direta entre o desempenho do setor exportador e o
desenvolvimento industrial, significando que a indústria se desenvolveu durante períodos de
bom desempenho das exportações, sofrendo desaceleração durante períodos de crise no setor
exportador. O desenvolvimento industrial, de acordo com esse enfoque, não está limitado à
produção de bens de consumo e sim a processo mais abrangente. O que se observa, para o
período anterior à crise de 1929, é um avanço industrial correlato à expansão das exportações.
Ao promover o crescimento da renda interna, o café teria criado um mercado para
manufaturas. Ao promover o desenvolvimento das ferrovias e o investimento em
infraestrutura, teria ampliado a extensão desse mercado. Ao desenvolver o comércio de
exportação e importação, teria contribuído para a criação de um sistema de distribuição de
produtos manufaturados. Por fim, a exportação de café supria recursos em moeda estrangeira
para importação de insumos e bens de capital para o setor industrial. Contudo, o período
posterior a 1933, marcado pelo declínio da agroexportação, superada pela produção industrial
na posição de centro dinâmico da economia brasileira, apresenta problemas de congruência
empírica com essa interpretação.
Capitalismo tardio

A interpretação do desenvolvimento industrial brasileiro segundo tal ótica refuta o caráter


reflexo atribuído às economias latino-americanas pela doutrina cepalina dos choques
adversos. O ponto de vista do capitalismo tardio sugere que o desenvolvimento latino-
americano seria um desenvolvimento capitalista, subordinado primeiro a fatores internos e
depois a fatores externos. Assim, enfatizando que a transição do trabalho escravo para o
trabalho assalariado, dentro da economia primário-exportadora, marca a emergência de um
novo modo de produção (capitalista). Já o ponto de vista do capitalismo tardio substituiria a
dicotomia fatores externos versus fatores internos como motores do crescimento, para uma
interpretação que visualizaria o crescimento industrial como primordialmente um resultado do
processo de acumulação de capital no setor agrícola exportador. Este, por sua vez, dependeria
da procura externa. A cronologia adotada por essa interpretação enfatiza a transição da
economia colonial para a mercantil nacional baseada no trabalho escravo e,
subsequentemente, para a economia capitalista e exportadora. Nessa última fase,
especialmente entre fins da década de 1880 e a de 1920, teria se originado o capital industrial.
O padrão de acumulação de capital baseado no comércio de café teria sido rompido pela crise
da cafeicultura e da Grande Depressão de 1930. O motor do processo não seria mais a
expansão do setor exportador, mas sim o crescimento da renda no setor industrial-urbano. As
políticas monetária e fiscal da década de 1930 e a redução da capacidade de importar teriam
estimulado o crescimento da produção nas indústrias de bens de consumo previamente
estabelecidas. Houve um processo de rápida industrialização substitutiva de importações, seja
de bens intermediários, seja de bens de capital. No entanto, tal processo se revelaria
insuficiente para a promoção de indústrias pesadas e de bens de capital. A industrialização
brasileira estaria em condição de dependência da oferta externa dos bens desse tipo de
indústria, até meados da década de 1950. Então, por meio de política indutora do governo,
estabelecer-se-ia a indústria pesada.

A interpretação da industrialização promovida por políticas do governo

Uma quarta interpretação das origens do desenvolvimento industrial brasileiro atribui grande
importância às políticas intencionais do governo para a promoção da industrialização,
principalmente por meio da proteção tarifária e pela concessão de incentivos e subsídios.
Longe de contestar as demais, essa explicação apenas buscaria enfatizar o papel das políticas
governamentais, sobretudo durante o Segundo Império, não consistindo, em análise mais
rigorosa, interpretação à altura das anteriores quanto a aplicabilidade e extensão.

O próprio Wilson Suzigan (1986, p. 349-352) elaborou uma divisão bastante operacional ao
analisar o desenvolvimento industrial brasileiro. Segundo essa divisão, suas origens estariam
marcadas por três períodos, a saber:

período anterior à Primeira Guerra Mundial;


período a partir da Primeira Guerra Mundial;

década de 1930.

No primeiro período, houve crescimento econômico induzido por produtos básicos, no qual a
expansão do setor exportador seria o motor principal de investimentos industriais em setores
complementares ou subsidiários ao comércio exterior agrícola, além da geração de um efeito-
demanda interno que favoreceria a indústria de transformação. Com a Primeira Guerra
Mundial, houve estímulo para maior diversificação do crescimento industrial induzido pelo
setor exportador. Os investimentos industriais foram expandidos para a produção de insumos
de base (como cimento, papel, celulose) e bens antes importados (como lataria de alimentos,
por exemplo), além da expansão da capacidade de produção das indústrias da primeira fase. A
partir da década de 1930, o processo de industrialização teria sido realizado dentro de
contexto de crise internacional, a partir das difíceis condições políticas e econômicas do
equilíbrio mundial, no processo denominado substituição de importações.

Com essa breve descrição das grandes linhas de interpretação da origem do capital industrial,
passemos agora à contextualização desse fenômeno.

Contextualizando a origem da indústria brasileira

Sérgio Silva (1976) ressalta a importância, para esse processo, da forma de inserção da
economia brasileira no desenvolvimento do capitalismo mundial. O crescimento do comércio
mundial e a exportação de capitais aparecem como condições externas para o
desenvolvimento capitalista em países como o Brasil do século XIX. Mesmo que não tenham
determinado diretamente a nova forma das relações de produção no conjunto da economia
brasileira, estabeleceram-se condições gerais em que a substituição do trabalho escravo pelo
trabalho livre podia ser efetivada. A essas condições externas associaram-se condições
internas que atuaram na mesma direção. Como a independência política do Brasil e o fim do
monopólio de comércio português concretizaram-se no momento em que se iniciava a
expansão cafeeira, tornou-se possível a formação e o rápido crescimento de uma burguesia
comercial brasileira. Essa burguesia organizou, com os grandes proprietários de terra, a
produção cafeeira e era capaz de aproveitar as condições favoráveis do mercado internacional.
Da mesma forma, essa burguesia comercial também participou da empresa imigratória que
conduziu, na visão de Silva, à substituição do trabalho escravo pelo trabalho assalariado. Nesse
contexto, a expansão da malha ferroviária e a criação de instituições de crédito foram outros
investimentos dessa burguesia comercial.

Todas essas transformações que se processaram na economia cafeeira seriam índices do


desenvolvimento capitalista no Brasil: expansão do capital comercial nacional; trabalho
assalariado; estradas de ferro; mecanização do beneficiamento de café; bancos; urbanização;
tudo isso expressa uma nova forma de acumulação de capital e, consequentemente, lança as
bases para a industrialização – que é vista por Sérgio Silva não apenas como a introdução de
técnicas modernas na produção manufatureira, e sim

[…] como um processo social, e mais precisamente como o aspecto técnico do


desenvolvimento de relações de produção determinadas, como uma forma do
desenvolvimento das forças produtivas adequadas a relações de produção determinadas, no
caso as relações de produção capitalistas. […] O desenvolvimento das forças produtivas sob a
dominação do capital não é somente desenvolvimento das forças produtivas; é também
desenvolvimento das relações sociais capitalistas. (Silva, 1976, p. 20)

A industrialização, portanto, não deve ser vista isoladamente como a introdução da fábrica na
produção manufatureira, e sim como fruto de um processo que envolve as relações sociais
capitalistas (essencialmente, o trabalho assalariado) e que pressupõe expansão do mercado,
divisão do trabalho e acumulação de capital.

A natureza dessa industrialização, segundo Wilson Suzigan (1986, p. 346), dá-se pelo
crescimento econômico induzido por produtos básicos. Crescimento no qual a expansão do
setor exportador fomentou investimentos não só nas indústrias de bens de consumo, mas
também por meio dos bens de produção em indústrias produtoras de insumos para o setor
exportador, processamento ulterior de produtos de exportação e outras atividades
econômicas acessórias à exportação, como transporte, casas financeiras e de comércio
exterior.

O papel do governo ainda parece um tanto obscuro no processo. Há os defensores da


existência de uma política ativa, baseada na flutuação de taxas de câmbio associada à
proteção alfandegária (Barros e Versiani, 1979, p. 30-31). Contudo, o caráter empírico desse
trabalho10 não atinge a amplitude suficiente para generalizar uma política governamental
deliberada de fomento à indústria antes de 1930 que ultrapasse incentivos localizados,
esporádicos e efêmeros. Wilson Suzigan (1986, p. 347) parece ponderar, com melhor base
empírica, sobre a polêmica ao afirmar que: “o governo brasileiro financiou (ou garantiu juros
sobre) investimentos em infraestrutura (ferrovias, portos, linhas de navegação,
melhoramentos urbanos etc.) na modernização da indústria do açúcar, na promoção da
imigração etc.”.

No início do Segundo Reinado, verificou-se o surgimento de estabelecimentos fabris em várias


províncias brasileiras. Finda a vigência dos tratados de comércio com a Inglaterra, foram
instituídas as Tarifas Alves Branco (1847), que tiveram algum efeito de proteção sobre a
produção nacional.11 O registro mais frequente é o de fábricas de tecidos que atendiam ao
mercado de tecidos grosseiros para os escravos e para a população pobre, além de sacaria
para o café.
Os dados de Stanley Stein (1979, p. 36) apresentam o crescimento desse tipo de indústria ao
longo da segunda metade do século XIX (Tabela 2.6).

Apesar das lacunas dos dados anteriores, reconhecidos como incompletos pelo próprio autor,
a tendência de crescimento faz-se bastante visível. De um lado, nota-se o número crescente de
fábricas de tecidos registradas no país, o que indica que não se tratava de fenômeno isolado;
do outro, a transferência da concentração da Bahia para o Rio de Janeiro, Minas Gerais e São
Paulo.

Fábricas de outros ramos produtivos também se instalaram no Brasil nessa mesma época, em
especial nos segmentos de chapéus, cerveja e fundições. A agroindústria do açúcar
modernizou-se a partir da década de 1870, com a introdução da usinagem. Mas indústrias
como a de calçados, por exemplo, mantiveram uma estrutura de produção artesanal. Wilson
Suzigan (1986, p. 116-117) assim descreve o perfil geral da indústria brasileira nascente da
expansão da economia agrícola de exportação:

As indústrias desenvolvidas nesse período foram, em sua maioria, complementares ou


subsidiárias à economia de exportação e dependentes do desempenho dessa economia
quanto ao crescimento do mercado interno e quanto às importações de matérias-primas,
combustíveis e maquinaria. Com exceção da indústria de produção de açúcar, que era por si
própria uma indústria de exportação, essas indústrias praticamente não receberam qualquer
auxílio do governo, e a proteção efetiva foi aparentemente baixa. A produção e os
investimentos eram muito sensíveis às mudanças na política econômica e nas tendências na
economia internacional. O capital investido nessas indústrias foi originalmente acumulado
quer diretamente na produção do café, açúcar, tabaco e outros produtos básicos de
exportação, ou indiretamente em atividades ligadas à economia de exportação, tais como
comércio de importação e exportação, comércio interno, transporte e bancos. Houve muito
pouco investimento estrangeiro direto na indústria de transformação neste período.

Visando inicialmente ao mercado consumidor, a demanda por produtos manufaturados


provinha basicamente da expansão da economia de exportação (Suzigan, 1986, p. 117), por
exemplo, nas tecelagens rústicas e na sacaria para café, na produção de maquinaria e
implementos agrícolas simples, nas moendas para cana, nos moinhos para grãos, nas
beneficiadoras de café e arroz, em equipamento de transporte e outros.

No entanto, o crescimento da demanda por manufaturados relacionou-se também de maneira


indireta com a economia exportadora, pelo alargamento do mercado originário do
crescimento da renda de exportação e seus efeitos no desenvolvimento do sistema de
transportes, comércio interno e bancos. O efeito renda oriundo da exportação do café teria
suas consequências manifestas também na urbanização e na imigração. Gerava-se um
mercado consumidor, ainda que de pequeno porte e dotado de pouca renda, disposto a
consumir. Esse foi o motor de indústrias como a de produtos mais refinados de algodão, lã,
chapéus, sapatos, farinha de trigo, açúcar refinado e confeitaria, cerveja, fósforos de
segurança, maquinaria simples e outros bens de consumo não duráveis.

Apesar do papel central do café, não deve ser descartada a participação de outras exportações
do período na criação de efeitos demanda. Tais exportações teriam um impacto tal que, nesse
primeiro momento industrial brasileiro, podem ter determinado concentrações setoriais e
regionais de indústrias (Suzigan, 1986, p. 118). Posteriormente, o próprio perfil industrial
primário dessas regiões teria influência em seu crescimento industrial, mas sempre em caráter
reflexo das condições macroeconômicas nacionais, sobretudo as referentes à balança
comercial e de serviços, como mostram os dados da Tabela 2.7.

Note, nos dados anteriores, que os períodos de câmbio favorável não incentivaram a
importação de equipamentos fabris. Logo, o desenvolvimento industrial associado à maior
disponibilidade de capital causada por ganhos em escala advindos da cafeicultura apresenta-se
realmente mais plausível para o período anterior à crise de 1929.

Outro aspecto que salta à vista é o período 1885-1895, marcado por reformas turbulentas no
sistema monetário nacional. A intensa especulação financeira associada a esse período,
sobretudo ligada ao aumento do volume de papel-moeda e do número de sociedades
anônimas, fomentou o que Albert Fishlow (1979) chama “primeira onda de substituição de
importações”. Maria Bárbara Levy (1973, p. 164) nos apresenta dados referentes às empresas
existentes em 1891, no Rio de Janeiro, que mostram um ambiente financeiro bastante propício
ao fomento de indústrias (Tabela 2.8, a seguir).

O Rio de Janeiro é o primeiro núcleo em que se registra significativo avanço da produção


industrial, seguido por São Paulo. O impacto da expansão cafeeira sobre a economia do Rio de
Janeiro é facilmente identificável, pois era ao porto do Rio de Janeiro que se dirigia a produção
de café das províncias do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, no Vale do Paraíba, que, pelo
menos até o fim do Império, ainda constituíam as principais áreas produtoras do país. Em
consequência, a praça comercial do Rio de Janeiro captou as externalidades desse fluxo.

A cidade do Rio de Janeiro, desde 1808, com a vinda da família real, teve um aumento de
população decorrente das funções políticas e administrativas do Império. O gasto público
estimulou a economia local, analogamente ao comportamento concentrador dos mecanismos
de emissão e circulação adotado pelas instituições financeiras próximas à Corte. Ainda que
menos pujante do que a imigração para o oeste paulista, a imigração também teve os efeitos
anteriormente apresentados na indústria carioca (IBGE, 1987, p. 31-34).

Os dados da Tabela 2.9 fornecem uma comparação entre a indústria paulista e a carioca entre
1907 e 1929.
Observe que, em 1907, essas duas regiões respondiam por 49% da produção industrial do
Brasil, de acordo com o levantamento do Censo Industrial do país. Desse montante, 33%
caberiam ao Rio de Janeiro e 16% a São Paulo. Em 1920, a situação sofreria mudança: se,
juntas, realizavam 52% do valor da produção industrial, São Paulo seria responsável por mais
de 30% (Silva, 1976, p. 80). Tal tendência seria acentuada em 1929. Um aspecto interessante a
ser notado é a manutenção da proximidade da relação força motriz/operário nos três cortes, o
que pode permitir supor, a confiar-se nos dados, o nascimento da indústria brasileira já com
porte significativo.

Com base no censo industrial de 1920, Wilson Cano (1977, p. 245) estima que as indústrias da
região do Rio de Janeiro fundadas antes de 1890 tinham, em 1920, cerca de 50% do capital
declarado por todas as indústrias daquela unidade federativa,12 e, até 1889, detinha 57% do
capital industrial registrado em todo o Brasil, número que despencaria para menos de 30% em
1907. A decadência da indústria carioca teria suas razões: (1) no ocaso da cafeicultura no Vale
do Paraíba e (2) na crescente competitividade da indústria paulista (Cano, 1977, p. 246-247).

A indústria paulista que nasce com a expansão cafeeira não observou, como no restante do
país, a sequência artesanato-manufatura-indústria (Mello, 1986, p. 112-113). Por se tratar de
um processo retardatário de industrialização, teria sido possível a queima de etapas e o
ingresso em estágios técnicos semelhantes aos dos países mais adiantados, o que permitira
empresas de maior porte. Em 1907, no antigo Distrito Federal, as empresas com mais de cem
operários, embora correspondessem a apenas 10% do total de estabelecimentos, englobavam
68% do capital das indústrias recenseadas, 57% dos operários empregados e 46% do valor da
produção industrial. Já em São Paulo, as grandes empresas abarcavam 22% do total de
estabelecimentos, 83% do capital declarado, 80% do número de operários e 75% do valor da
produção.13

Estudos específicos sobre a primeira década republicana (1889-1899) mostram que, ao lado da
especulação, ao período do encilhamento, teria ocorrido alguma capitalização de empresas
industriais aproveitando a abundância de crédito e as facilidades de abertura de sociedades
por ações. Desse modo, empresas de pequeno porte teriam sido capazes de ampliar
significativamente sua escala de produção pelo aporte de capitais de terceiros.14 É importante
apontar, de toda forma, que as indústrias resultantes da fase pré-1929 na economia brasileira
não fazem parte da transformação estrutural que ficaria conhecida como processo de
substituição de importações.

O choque externo de 1929 e o processo de substituição de importações

Antes de descrevermos o impacto da crise de 1929 sobre a estrutura produtiva brasileira, faz-
se necessário descrever o processo que leva ao colapso da economia cafeeira, particularmente
o “castelo de cartas” que se forma a partir das políticas de “valorização” dos preços do
produto, das quais o Convênio de Taubaté, de 1906, é o principal exemplo.
A crise da economia cafeeira

Como discutido, o café transformou-se em principal atividade econômica do Brasil no começo


de sua vida independente. A euforia com os lucros gerados pelo café era tão grande que o
governo adotou uma política de incentivo oficial à imigração, com o objetivo de obter braços
supostamente mais dóceis e mais hábeis para a lavoura cafeeira do que o escravo africano.
Nessa época, entre 1880 e 1900, houve intenso aumento da área plantada, com a abertura de
novas zonas produtoras, especialmente no oeste paulista, que conheceu um crescimento
significativo. Permaneciam, entretanto, as técnicas rudimentares de cultivo, o que provocava
rápido esgotamento dos solos e o posterior abandono das plantações, cujas áreas eram
retalhadas em pequenas propriedades. Tal situação impulsionava a ocupação de novas e
férteis terras.

Os altos preços atingidos pelo café no mercado internacional, além de motivarem o


aparecimento de novas fazendas, incentivaram o aumento do cultivo em outros países. Já em
1893, o setor conheceria a primeira grande crise de superprodução, que se repetiria em 1906,
com a saturação do mercado consumidor e a formação de grandes estoques que, em longo
prazo, gerariam lucros para os agentes intermediários.

Caio Prado Jr. descreve bem o problema. Segundo ele, é:

A necessidade de se defenderem contra tal estado de coisas que levará os produtores a


pleitearem medidas destinadas a sustentarem e estabilizarem os cursos do café. Elas se
verificarão pela primeira vez em 1906, quando efetivamente se chegara a uma situação muito
grave. Os preços, em declínio desde muito, chegam agora, com a valorização da moeda, a um
nível nitidamente abaixo do custo de produção. Os prejuízos da lavoura eram consideráveis.
Entretanto, a posição mundial do comércio cafeeiro não era desfavorável. Nos anos anteriores,
a produção se mantivera abaixo do consumo; graças a um forte aumento deste, compensara-
se o alargamento da produção e haverá no período de 1901-5 um déficit de quase 5.000.000
de sacas. Podia-se esperar com confiança que os estoques acumulados seriam rapidamente
absorvidos. E é de notar que, apesar do declínio dos custos, os preços pagos pelo consumidor
se mantinham inalteráveis. A crise era pois somente do produtor. (Prado Jr., 1970, p. 220)

Diante da magnitude da crise, os representantes dos estados produtores de café se reuniram


na cidade paulista de Taubaté, onde se deliberou pela adoção de uma política de valorização
do produto, por meio do financiamento externo dos estoques, que seriam colocados à venda
por ocasião de uma eventual queda na produção. Na verdade, significava uma primeira
intervenção oficial do governo no mercado de café, prática que se repetiria por toda a
república velha.

Essa política, voltada para a proteção dos produtores, contraditoriamente, levaria, em longo
prazo, a novos prejuízos. Com efeito, a partir do momento em que o governo,
deliberadamente, adotara medidas destinadas a garantir o preço do café no mercado
internacional, incentivava, em contrapartida, o aumento das plantações, inclusive em outros
países. Ao final de alguns anos, nova intervenção teria de ser feita, o que de fato ocorreu
durante a Primeira Guerra Mundial, época em que o consumo mundial se retraiu. De acordo
com Peláez,

A floração do café prometia safra gigantesca para 1917/1918. Dada a retração que se
observava no consumo mundial, em consequência da guerra europeia, estimou-se que a
produção superaria as exportações em 4 milhões de sacas, a mesma situação que provocou a
intervenção de Taubaté. Em virtude dos prognósticos dessa safra, os preços do café
começaram a cair drasticamente. Surgiu séria crise no mercado cafeeiro e a pressão dos
interessados forçou o governo a nova intervenção. O Congresso Nacional votou uma emissão
de moeda e São Paulo solicitou que parte dela fosse utilizada na compra de estoques, em vista
da dificuldade, provocada pela guerra, de levantar empréstimos. Adquiriu-se um total de mais
de 3 milhões de sacas em Santos e no Rio, embora a quantidade comprada nesse último porto
fosse menor. (Peláez, 1979, p. 72)

Com o final do conflito mundial, em 1918, o mercado consumidor voltou a crescer, e um novo
surto de prosperidade se verificou na economia cafeeira, inclusive com um aumento
significativo das plantações. O resultado foi a necessidade de novas medidas de valorização em
1924, quando foi criado o Instituto do Café de São Paulo. Dois anos depois, o problema estava
de volta, estimulado pelo aumento da concorrência estrangeira e pelo acúmulo de estoques
praticamente invendáveis.

Essa situação caracterizava um desequilíbrio estrutural entre oferta e procura. Celso Furtado
apontou a impossibilidade de se aguardar um aumento sensível da procura com o resultado do
crescimento da renda para consumo nos países importadores.

Tampouco se podia pensar em elevar o consumo nesses países baixando os preços. A única
forma de evitar enormes prejuízos para os produtores e para o país exportador era evitar –
retirando do mercado parte da produção – que a oferta se elevasse acima daquele nível que
exigia a procura para manter um consumo per capita mais ou menos estável a curto prazo. Era
perfeitamente óbvio que os estoques que se estavam acumulando não tinham nenhuma
possibilidade de ser utilizados economicamente num futuro previsível. Mesmo que a economia
mundial lograsse evitar nova depressão, após a grande expansão dos anos vinte, não havia
nenhuma porta pela qual se pudesse antever a saída daqueles estoques, pois a capacidade
produtiva continuava a aumentar. A situação que se criara era, destarte, absolutamente
insustentável. (Furtado, 1986, p. 183)

A contradição insuperável dessa política seria finalmente exposta em 1929, com a quebra da
Bolsa de Nova York e a depressão mundial que se seguiu. Ficava clara a fragilidade de uma
economia assentada praticamente sobre um único produto agrícola, cuja demanda era, de
certa forma, inelástica, e que gerava benefícios exclusivamente para uma oligarquia. Esse
grupo, cego às transformações do capitalismo internacional, não se preocupara em promover
políticas que pudessem garantir um mínimo de autonomia ao país, mantendo uma estrutura
econômica totalmente dependente das flutuações externas e incapaz de proporcionar o
desenvolvimento da nação.

Entre 1902 e 1933, o Produto Interno Bruto brasileiro cresceu acentuadamente, apesar das
fortes oscilações na taxa de variação real do PIB. Na leitura do Gráfico 2.3, nota-se a extrema
dependência do crescimento da economia brasileira das exportações do café, nas primeiras
décadas do século XX. Os picos de crescimento de 1906, 1920 e 1928 correspondem
justamente a valorizações do preço do café devidas à compra de estoques pelo governo. Já, os
refreamentos e as depressões do ritmo de crescimento brasileiro podem perfeitamente ser
atribuídos à queda dos preços do café.15 Dado o colapso de 1929, fazia-se mister a
substituição do modelo de crescimento econômico.

A resposta ao “choque externo” e a substituição de importações

O período 1929-1933 – pelo conjunto de fatos que ganha forma a partir dele – constitui um
marco na história da economia brasileira. Muitos economistas da Cepal, bem como outros
observadores contemporâneos, identificaram o impacto da Grande Depressão na América
Latina. Industrial e historiador da época, Roberto Simonsen (1973) apontou um rápido
crescimento industrial na década de 1930.

Celso Furtado, em Formação econômica do Brasil, foi um dos primeiros a analisar de forma
sistemática a década em busca de razões para a guinada da indústria.16 A produção para o
mercado interno passou a ser o centro dinâmico da economia brasileira, ou seja, a atividade
que determinava os níveis de emprego, produto e renda, além da taxa de crescimento da
economia. Até então, isso coubera ao setor exportador. O deslocamento do centro dinâmico
da economia brasileira para o mercado interno deveu-se à crise estrutural do café, conjugada
com os efeitos restritivos de crédito e demanda oriundos da crise mundial. Tais elementos
levaram o governo federal a abrir linhas internas de crédito e a adotar políticas de restrição da
oferta de café. Para Furtado (1986), a utilização da expansão de crédito para a compra de café
permitiu a manutenção do nível de renda e de emprego. Ao se evitar a queda desses níveis,
manteve-se a demanda interna por bens. Com a capacidade de importar reduzida, essa
demanda foi desviada para o mercado interno, pressionando os produtores nacionais. Como a
desvalorização da moeda nacional fez-se maior que o aumento dos preços internos, houve
efeito de proteção da produção nacional perante as importações. Com o recesso da produção
de café, o mercado interno tornava-se interessante também aos ofertantes de bens
domésticos.

O crescimento da produção industrial teria sido sustentado, em um primeiro momento, pela


utilização da capacidade ociosa existente e, posteriormente, pela ampliação da capacidade
produtiva, por meio da importação a menor custo de máquinas usadas dos Estados Unidos e
da Europa. Com o tempo, algum tipo de produção de bens de capital passou a ser feita
internamente, devido à conjugação da demanda crescente de bens de capital, com restrição
da capacidade de importar.

Esse processo de industrialização descrito anteriormente chama-se “substituição de


importações”. Maria da Conceição Tavares (1983) buscou generalizar seus aspectos para toda
a América Latina. Segundo seu modelo, as economias primárioexportadoras latino-americanas
caracterizavam-se não só pela importância do setor externo na renda nacional, mas por este
ser o único elemento autônomo de toda a composição da renda, constituindo-se no centro
dinâmico da economia. Assim, a década de 1930 foi para a América Latina o ponto de ruptura
do modelo primário-exportador, com a passagem para um modelo de desenvolvimento
voltado para dentro (Tavares, 1983, p. 32), com o capital acumulado anteriormente pela
atividade agroexportadora.

O processo de substituição de importações consistiu, então, no desenvolvimento fechado e


parcial de economias primário-exportadoras, pressionadas pelas restrições do comércio
exterior, que buscaram reproduzir, “de maneira acelerada e em condições históricas distintas,
a experiência de industrialização dos países desenvolvidos” (Tavares, 1983, p. 35).

A Revolução Industrial, que transformou o mundo nos séculos XVIII e XIX, não teve efeitos
imediatos de acumulação de capitais por via da industrialização, senão nos países ou
territórios que a viveram diretamente. Dessa forma, os historiadores econômicos costumam
interpretar a formação de dois blocos de países ou territórios, quanto ao efeito da
industrialização: (a) países centrais, ou seja, aqueles que viveram intensamente a
industrialização, tornando-se mais industrializados; e (b) países periféricos, ou seja, os que se
dedicaram a tarefas complementares na divisão internacional do trabalho, tornando-se
“menos industrializados”. O Brasil inclui-se, no estudo da industrialização, dentro desse último
grupo, o dos chamados “países retardatários” (Baran, 1986).

Até 1930, o desempenho das exportações determinou o produto, a renda e o emprego na


economia brasileira. O aumento do valor das exportações ampliava a renda do setor voltado
ao mercado externo. Parte desse acréscimo de renda era gasto no mercado interno por meio
da compra de alimentos e produtos manufaturados. Produtores e comerciantes beneficiados
por essa demanda também gastavam parte de sua receita adicional no mercado doméstico,
permitindo o aumento da produção, da renda e do emprego do conjunto da economia, desde
um estímulo inicial do setor exportador. Caso houvesse redução do valor das exportações, o
inverso ocorreria, produzindo impacto recessivo na economia, voltada ao mercado local.

O investimento agregado era altamente sensível às flutuações do setor externo, por duas
razões, a saber: (1) a expectativa de crescimento da economia era dada por um desempenho
favorável das exportações, justificando novas inversões; e (2) o investimento se dava também
na importação de máquinas e equipamentos, demandando amplo acesso às divisas. O setor da
economia voltado ao mercado doméstico era incapaz de sustentar seu crescimento de forma
autônoma, tendo seu nível de produto, renda e emprego influenciados fortemente pelo
comportamento do setor voltado ao mercado externo.

Como economia suplementar às economias industriais no processo de industrialização, o Brasil


especializou-se no fornecimento de produtos primários, matérias-primas, entre os quais se
destacavam o café e o algodão. O país chegou a constituir-se o primeiro produtor mundial de
café durante mais de um século, formando o preço internacional desse produto.

Após 1930, deu-se o “deslocamento do centro dinâmico”. Os níveis de renda, de produção e


de emprego e o ritmo de crescimento passariam a depender gradualmente da produção para o
mercado doméstico.

Como destacamos anteriormente, a tendência à superprodução cafeeira vinha sendo relevada


pelo governo brasileiro desde 1906, pelo modelo de programa de valorização estabelecido no
Convênio de Taubaté. A crise de 1929 teria conjugado efeitos de diferentes ordens que
tornaram inviável tal política de defesa do café. Do lado da oferta do produto, houve uma
sequência de safras elevadas que ampliaram os estoques já volumosos e as necessidades de
financiamento da produção. Do lado da oferta de capital, a crise mundial iniciada com a
quebra da Bolsa de Nova York restringiu a margem de obtenção de crédito que mantivesse a
valorização do café. Adicionalmente, os efeitos da depressão econômica nos países
importadores de café reduziam a demanda destes pelo produto, fazendo que os preços
ficassem ainda mais desfavoráveis para os cafeicultores.

Com a queda dos preços internacionais do café, houve redução da receita das exportações
brasileiras e da capacidade de importar do país. Diante do quadro desfavorável à economia
brasileira, o governo retomaria a política de defesa do café, não mais adotando apenas ajustes
cambiais ou a simples compra de estoques excedentes, como em situações anteriores. Para
permitir a retirada pelo governo do excedente de produção, via compra, o financiamento
deveria ser feito com recursos internos obtidos pela tributação do café exportado e por meio
de expansão creditícia ou emissão de moeda. Diante da completa inviabilidade de escoamento
do volume de café excedente no mercado, houve a destruição dos estoques a fim de reduzir a
pressão sobre o mercado.

O uso do crédito para a compra do excedente de café teria denotado a prática, da parte do
governo, de uma “política heterodoxa de proteção” (Furtado, 1986). A compra do excedente
de café evitava a redução da renda do setor cafeeiro e, consequentemente, dos setores
voltados ao mercado doméstico. Tratava-se, portanto, de política de manutenção do nível de
renda e de emprego que impedia a generalização do desemprego no setor cafeeiro e, por meio
do multiplicador, nos setores voltados ao mercado local.
Ao se evitar declínio brutal no nível de renda, mantinha-se o nível de demanda por
importações, consideradas as proporções da ação da crise de 1929 sobre os padrões de
procura existentes. A redução da capacidade de importar impedia, no entanto, que as
importações se efetivassem. Como consequência, essa demanda era desviada para o mercado
interno, pressionando os produtores locais. Como resultados: (a) a produção nacional viu-se
“protegida” diante do produto importado, cujo preço relativo aumentara ante o do produto
doméstico, graças ao fato de a desvalorização da moeda nacional ter-se dado em proporção
maior que o aumento dos preços internos; e (b) diante da brutal queda do preço do café, a
produção destinada ao mercado local (principalmente as manufaturas) tornou-se mais atrativa
em relação à de produtos exportáveis.

O crescimento da produção industrial que se observaria na década de 1930 sustentar-se-ia, em


primeiro lugar, pela capacidade ociosa existente. Essa, uma vez utilizada, teria possibilitado a
ampliação em capacidade, por meio da importação, a baixo custo, de maquinário de outros
países. Por fim, algum tipo de produção de bens de capital passou a dar-se em nível
doméstico.

Assim, a procura pelo mercado doméstico assumiu papel decisivo na determinação do nível de
produto, de renda e de emprego. O investimento industrial passou a ser a variável-chave para
definir a taxa de crescimento da economia. As exportações ainda mantinham papel
importante, pois forneciam as divisas necessárias para a importação de insumos, inclusive para
a produção de bens de capital no Brasil. Uma queda nas exportações poderia frustrar as
intenções de investimento, em certas circunstâncias. Ou, então, fazer que o governo exercesse
controle sobre o uso de divisas, privilegiando, por exemplo, a importação de bens
considerados essenciais. O câmbio ganharia, então, papel estratégico nas políticas de
crescimento econômico das décadas seguintes.

Nesse contexto, deu-se o chamado “processo de industrialização por substituição de


importações”, forma predominante da industrialização brasileira depois de 1930.

Devido, pois, ao estrangulamento externo, gerado pela crise internacional, houve a


necessidade de produzir internamente o que antes era importado, defendendo-se, dessa
forma, o nível de atividade econômica dos efeitos generalizados da depressão de 1929 (para
detalhes do processo, ver Versiani e Barros (orgs.), 1978). A industrialização feita a partir desse
processo de substituição de importações esteve voltada ao mercado doméstico e caracterizou-
se pela seguinte sequência:

estrangulamento externo – a queda do valor das exportações com manutenção da demanda


interna, mantendo a procura por importações e gerando escassez de divisas;
ante a escassez de divisas, o governo toma medidas que acabam por proteger a indústria local
preexistente, aumentando a competitividade e a rentabilidade da produção doméstica;

tais medidas geram uma onda de investimentos nos setores produtores de bens substitutos
dos importados. Passa-se à produção interna do que antes era importado, o que aumenta a
renda doméstica e a demanda agregada;

o próprio crescimento da procura agregada pode causar novo estrangulamento, que então
resulta em aumento das importações e de parte dos investimentos que se materializam em
nova importação de insumos (extração de matérias-primas e importação de maquinário).
Retoma-se o processo.

Note-se que o motor da substituição de importações era gerado no estrangulamento externo,


o qual era recorrente e relativo: recorrente porque demandava sua própria reprodução; e
relativo porque tinha como limite a importação de insumos industriais, conforme advertiu
Tavares (1983) em seu livro clássico sobre a dinâmica do processo de substituição de
importações. Assim, a importação substitutiva funcionava como estímulo e limite ao
investimento industrial. Tal investimento determinou o crescimento econômico do país,
influindo na urbanização e na industrialização. Essa discussão será retomada nos capítulos
seguintes.

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