cafeeira, urbanização e industrialização José Miguel Arias Neto Introdução
É tradicional uma imagem historiográfica que se consolidou a respeito do
processo de modernização no Brasil: ele teria ocorrido de maneira linear e cumulativa, a partir do território de São Paulo, por entre os desdobramentos da economia cafeeira e da indústria; Essa imagem histórica corresponde à narrativa dos grupos sociais vitoriosos da história brasileira, desde finais do século XIX e início do século XX; Pois, na verdade o processo de formação de nossa indústria e da modernização brasileira é mais fragmentado do que indica essa imagem; A nossa formação social histórica, no interior da expansão burguesa e capitalista no Ocidente, condicionou os processos internos de constituição e organização de capital de variados modos; a) por um lado, restringiu a economia local ao modelo agroexportador; b) e por outro, implicou na criação de condições e estruturas necessárias ao pacto colonial; Assim, por exemplo, poderemos encontrar incipientes capitais industriais instalados desde o século XVI e ligados às explorações da cana-de-açúcar e do algodão; De outro modo, poderemos encontrar processos de modernização, formação industrial e urbanização em outras regiões brasileiras distante de São Paulo e não vinculadas à dinâmicas da economia cafeeira; Não obstante, o eixo mais dinâmico da acumulação industrial brasileiro ocorreu na dependência externa e dos vínculos com a economia cafeeira, centrada no estado de São Paulo. Do Império à República
Como já afirmado, incipientes produções industriais e espalhadas pelo
território brasileiro são conhecidas desde o século XVI (cana-de-açúcar, algodão, produção de carnes, pequenas manufaturas têxteis, produção de embarcações, rouparias para a população escravizada... etc); Mas, um movimento de acréscimo, nitidamente distinto, ocorreria no século XIX, articulado aos processos revolucionários da Europa e da América do Norte; Para além das novas estruturas de produção com a Revolução Industrial, somaram-se os ideais liberais propagados pela Revolução Francesa, as condições de liberdade de comércio, melhorias de infraestruturas e urbanização com a vinda da Corte para o Brasil em 1808; A essas circunstâncias, teremos, em meados do século XIX, outros dois vetores importantes para a formação da indústria e modernização de nossas estruturas produtivas, em especial vinculadas à economia cafeeira: a) o fim o tráfico de escravizados – liberando capitais que seriam investidos em outras ocupações: comércio nacional e internacional, indústrias locais, investimentos em infraestruturas, casas bancárias etc; b) a chamada fase imperialista do capitalismo europeu, após a segunda revolução industrial, e que disponibiliza capitais para investimentos em infraestruturas (portos e ferrovias, por ex) e diretamente no financiamento da produção; (ver p. 208) Essas são as condições que permitiram a espiral expansiva econômica e de modernização no Brasil a partir de meados do século XIX; No caso, a solução buscada e encontrada para a substituição do trabalho escravo, com a importação em massa de famílias imigrantes (1.200.000 somente na década de 1890!), também contribuiu de maneira significativa para o processo de industrialização e modernização (considerando-se a cultura positiva do trabalho admitida por essas populações, o ideário de fazer riqueza e, ainda, as condições extraordinárias de exploração dessa força de trabalho); Devemos ainda considerar a ocupação de novos e férteis territórios para a produção do café; Por tanto, não é por acaso que as zonas cafeeiras fossem responsáveis, desde a década de 1870, por mais de 50% do valor de nossas exportações e 61,50% na década de 1881-1890; Economia cafeeira, urbanização e industrialização na Primeira República De fato, os vínculos entre a economia cafeeira, industrialização e urbanização serão reforçados após a Proclamação da República, em especial com o início dos Governos Civis, capitaneados pela burguesia cafeeira de São Paulo; Passados os primeiros anos, politicamente caóticos (Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto e mesmo de Prudente de Morais), o Regime tinha ainda que lidar com um cenário de grave crise econômica; As políticas modernizadoras iniciadas no tempo do Gabinete de Ouro Preto, foram reforçadas nos primeiros governos da República: farta emissão de moedas, empréstimos externos e facilidades para a formação de empresas de capitais acionários; De maneira geral, o país conheceu generalizada crise inflacionária, fiscal e de credibilidade com o “encilhamento”; no governo de P. de Morais chegou-se à completa insolvência; A saída, aprovada no governo de Campos Sales, foi a negociação draconiana com banqueiros internacionais e a adoção de políticas econômicas anticíclicas (aumento de impostos, retirada de dinheiro de circulação, controle de salários, diminuição de investimentos, retenção de arrecadação para pagamentos de dívidas, retenção do crédito, controle de câmbio etc); Ao final desse processo (já no Governo de Rodrigues Alves – 1902-1906), podemos indicar algumas consequências: 1) a ruína de muitos capitais nacionais e familiares (bancários, comerciais, industriais e agrícolas); 2) Concentração econômica de capitais nacionais; 3) maior internacionalização da economia brasileira, com capitais ingleses e americanos; Todavia, existia outra circunstância que agrava a situação crítica do país; O café, embora diretamente vinculado à dinâmica societária capitalista, é um produto de luxo; E a crise que se abate sobre a economia brasileira, não é apenas de ordem interna, como também de ordem externa; A década de 1890 é caracterizada por grave crise depressiva na economia mundial, atingindo os principais mercados importadores de café; A saída proposta pela burguesia de São Paulo e sancionada pelo governo do Estado foi a “política de valorização do café”; Ela consistia basicamente em: a) comprar e estocar o excedente de café, de modo a garantir os preços e lucros do setor cafeeiro; b) controlar o cultivo de café de baixa qualidade; c) fazer publicidade do café brasileiro em mercados consumidores internacionais; Essa política é implementada a partir de 1906 e já em 1909, seus resultados são considerados altamente positivos, tendo-se em conta a recuperação da economia internacional e do valor do café em moeda estrangeira; A “política de valorização do café” será, então, assumida pelo Governo Federal ou pelo Estado de São Paulo, uma prática comum até a bancarrota de 1930; em um ciclo virtuoso de expansão, mas, também vicioso, com reiteradas crises de superprodução; Podemos, então, afirmar que existiu um processo histórico ao qual se vinculou o desenvolvimento da indústria nacional ao complexo da economia do café; embora, ele não exclua outra dinâmicas de formação da indústria brasileira; Da mesma maneira, devemos compreender o processo de urbanização no país, especialmente, na Primeira República; Há correlatos entre economia cafeeira, modernização de territórios, populações imigrantes, formação de capitais industriais e urbanização; Todavia, nem todas as regiões modernizadas e urbanizadas se encaixam em tais correlações; De qualquer maneira, pode-se indicar que entre o período de 1872 a 1920 a população brasileira aumentou de 9.930.500 para 30.635.600 (203%) e o número de cidade com mais de 30 mil habitantes passa de 67 para 265; Desenvolveu-se as condições que seriam exploradas e ampliadas, para um modelo de desenvolvimento mais urbano-industrial, após a década de 1930.