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Centralização e internacionalização de capitais na indústria de tintas brasileira no

século XX

Alexandre L.
Martins*

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo identificar e contextualizar historicamente


os processos de centralização e internacionalização de capitais na indústria de tintas
brasileira ao longo do século XX, através das fusões e aquisições ocorridas no período.
A indústria de tintas brasileira iniciou o período com alguns representantes locais,
entretanto, ao longo do tempo a maioria desses não lograram êxito frente à concorrência
de empresas estrangeiras, que entraram de forma mais agressiva em alguns momentos
históricos que conciliaram elevada liquidez com uma conjuntura política e econômica
favorável ao trânsito internacional de capitais. Assim, no fim do século o mercado de
tintas nacional tem sua oferta concentrada em 6 empresas, 4 das quais internacionais,
que dominam 80% da demanda do setor.
Palavras-chave: economia, economia brasileira, história econômica.

ABSTRACT

The present work aims to identify and contextualize historically the process of
capital centralization and internationalization in the paint industry in Brazil throughout
the twentieth century, through the mergers and acquisitions that occurred in the period.
The brazilian paint industry started the period with some local representatives, however,
over time most of these have not succeeded in the face of competition from foreign
companies, which have entered more aggressively at some historical moments in which
it reconciled the high liquidity with a favorable political and economic situation. Thus,
at the end of the century the national paint market has its supply concentrated in 6
companies, 4 of them international, that dominate 80% of the demand of the sector.
Keywords: economics, Brazilian economy, economic history.
* Professor doutor do departamento de economia da UFPB, pesquisador das áreas de
história econômica e ética econômica.

1. Introdução

A economia de mercado evoluiu significativamente desde os primórdios da


revolução industrial, e nesse percurso, o volume de capital de algumas empresas
aumentou significativamente, de modo a formar oligopólios globais. Estes últimos são
constituídos a partir da combinação dos processos de concentração, centralização e
internacionalização de capitais. As fusões e aquisições (F e A) são as operações usadas
pelos capitais no mercado que caracterizam os movimentos de centralização e
internacionalização, permitindo sua mensuração e identificação.
As F e A têm sido objeto de estudo de trabalhos diversos (CEBRAP, 1992 e
1994; Comin, 1996 e 1997; Miranda e Martins, 2000; Magalhães, 2003; Ferreira e
Callado, 2016; entre outros) e alvo de relatórios empresariais especializados (KPMG,
2001), e os que abrangem o fim do século XX, constatam a intensificação desses
movimentos no período. Miranda e Martins (2000, p. 67) verificam a acentuação da
internacionalização dos capitais através das F e A entre 1993 e 1998, quando “as
transações transfronteiriças de fusões e aquisições mundiais representaram, em média,
76,4% do total dos fluxos de investimento direto estrangeiro”. Magalhães (2003, p. 26),
por sua vez, ao explorar os processos de F e A no Brasil, observa que elas aumentaram
em mais de 300% entre 1992 e 1994 e cresceu em 100 % entre 1994 e 1997.
Os dados supracitados estão relacionados diretamente com o desfecho do
processo de abertura econômica, que revelou a relativa fragilidade do capital nacional
frente aos já consolidados grupos internacionais, apesar dos esforços realizados no
sentido da industrialização a partir dos anos 1930, num contexto de mobilização das
potências para guerras e ascensão do paradigma keynesiano (que trouxe a possibilidade
de intervenção e gastos governamentais maiores). Com o fracasso do socialismo no
final da década de 1980 e a ascensão do liberalismo, os grandes capitais afluem com
mais força para as economias periféricas, como o Brasil, e adentram no espaço antes
ocupado por empresas de menor aporte de capital, na maior parte, locais.
A indústria de tintas e vernizes1, por sua vez, é um importante subsetor industrial
que se desenvolve desde o princípio da revolução industrial, porém tem maior evolução
1
Adiante denominada sinteticamente por indústria de tintas.
relativa a partir do século XX em razão de avanços tecnológicos diversos ocorridos
(Telles, 1989, p. 3). Conforme a ABRAFATI ON-LINE (2023), o Brasil é um dos cinco
maiores mercados de tintas e a indústria de tintas no Brasil produziu 1,6 bilhão de litros
e 2022. Levando em consideração a relevância desta atividade, dos processos de F e A e
de suas repercussões para a economia brasileira, o presente trabalho tem por objetivo
identificar e contextualizar historicamente os processos de centralização e
internacionalização de capitais no subsetor da indústria de tintas no Brasil ao longo do
século passado, por meio das F e A ocorridas no período.

2. Marco teórico-metodológico
2.1. Referências teóricas

Os processos de centralização e internacionalização de capitais tem referências


clássicas, começando com o desenvolvimento teórico pioneiro de Marx (1985) 2 acerca
do processo de acumulação, seguido dos desmembramentos posteriores de sua
concepção enfocando as dinâmicas da concentração, centralização e internacionalização
dos capitais por outros autores (Mandel, 1985, p. 219-241; Sweezy 1986, p. 197-204;
Hobson, 1985, p. 85-106). A discussão permanente em torno da evolução dos processos
econômicos capitalistas continua gerando novas contribuições para o entendimento da
questão, Chesnais (1994), por exemplo, defende que a globalização acelerou a
internacionalização, a centralização de capitais, e produziu os ‘oligopólios globais’,
estruturas que estão gradativamente eliminando os oligopólios locais.
Marx (1985, p. 125-130) afirma que os processos de acumulação e concentração
de capital são tendências inexoráveis do capitalismo, que acontecem em meio a
processos cíclicos nos quais as empresas aumentam sua participação no mercado. Em
meio à concorrência, alguns capitais assimilam melhor o mercado e conseguem
aumentar as vendas, elevando a massa de lucro produzida, avançando sobre o mercado
por meio do aumento de sua participação relativa, num processo que é dinâmico e
depende de variáveis econômicas e políticas (como guerras). O importante é o aumento
de seu espaço relativo, representando ganho de mercado, mesmo que outras empresas
também possam estar crescendo num mercado em crescimento, por exemplo. A
acumulação daí gerada dá partida à centralização; a compra de empresas.
Quando uma empresa atinge um certo porte, ela pode se candidatar à aquisição
de outras firmas menores, o que é vantajoso sob várias óticas. Duas razões principais:
2
Em particular o livro segundo da obra citada.
eliminação de um concorrente e aceleração do processo de acumulação (eliminando
fases de planejamento e construção de novas instalações). Se a concentração é corolário
da acumulação de capital, a centralização é uma decorrência de elevada concentração de
capital. As inovações tecnológicas são outro componente importante nesse processo.
Conforme Mandel (1985, p. 181), a tecnologia diferencia e cria novas mercadorias,
abrindo possibilidades de expansão de mercados, só produz tecnologia quem investe
mais-valia em pesquisa industrial aplicada. É um círculo que vai ficando cada vez mais
circunscrito aos grandes capitais, que têm reservas estratégicas, tanto de capital quanto
de tecnologia, para serem usadas nos momentos adequados.
O deslocamento dos capitais de países centrais para os países periféricos, por sua
vez, se deve basicamente à maturidade atingida pelas “contradições do processo de
acumulação... (de modo) que a exportação de capitais é uma característica destacada das
relações econômicas mundiais” (Sweezy, 1986, p. 235). Esse processo se intensifica
com a evolução tecnológica significativa do século passado, tornando a transposição de
limites geográficos cada vez mais simples e barata. O impulso definitivo para tomar a
decisão de explorar novos mercados ‘desconhecidos’, contudo, é de ordem
eminentemente prática: contornar a exaurida demanda nos mercados tradicionais,
disputada por vários capitais, que provoca uma indesejável tendência à queda na taxa de
lucro.
Ao se instalar em países anteriormente inexplorados pelo capital, o capitalista
acaba por desfrutar de vantagens em mercados nascentes que não experimentavam
desde a revolução industrial. Como coloca Mandel (1985, p. 243), entre outros fatores
diferenciais, o capital encontra força de trabalho abundante e desorganizada,
consequentemente, barata (ainda que desqualificada), permitindo uma maior exploração
do trabalhador se comparado aos crescentemente regulamentados mercados de trabalho
dos países centrais (principalmente a partir da década de 1930). O processo de
acumulação e internacionalização de capitais se dá em todo mundo, geralmente sem
ação restritiva suficiente pelo Estado, particularmente em países periféricos. Os
movimentos especulativos do final do século XX são uma mostra disso: os capitais
entram e saem, remetem divisas e provocam crises em mercados ditos ‘emergentes’,
muitas vezes apenas para realizar lucros.
Os grandes capitais se formam primeiro nos países europeus para depois se
expandirem, inicialmente para os Estados Unidos da América, o braço americano da
colonização inglesa, e depois se estendem para países derrotados na segunda grande
guerra (Japão) e outros países anglo-saxões. A entrada do capital internacional na
América Latina acontece embrionariamente desde o final do século XIV, porém só a
partir da década de 1950 há uma intensificação desse movimento, quando o capital
encontra conjuntura política e econômica adequada para o aumento das operações no
país: um momento de liquidez internacional aliado à existência de projetos
desenvolvimentistas internos de cunho dependente nesses países periféricos, onde os
oligopólios passam a exercer papel crucial na economia3.
No Brasil, em particular, a entrada de capitais, intensificada a partir da metade
do século XX, acabou por desarticular todo um projeto de industrialização voltado para
dentro engendrado nas décadas de 1930 e 1940, com a abertura da economia nacional
para a entrada de grandes capitais estrangeiros (industriais e financeiros). Vários estudos
têm confirmado esta tendência central a começar dos clássicos Tavares (1975); Furtado
(1981); Cano (1985), e investigado a evolução do processo de concentração de capitais,
ajudando a compreender a formação de estrutura oligopolizada nacional. Já os processos
de centralização e internacionalização de capitais, entretanto, têm sido relativamente
pouco explorados no Brasil, Comin (1997, p. 90), um dos pesquisadores a se dedicar a
esse tema, destaca a maior atenção recebida pela temática entre estudiosos americanos
ou europeus.

2.2. Elementos metodológicos

O estudo proposto parte do levantamento de dados das F e A 4 ocorridas no


século XX na indústria de tintas brasileira, como indicador do processo de centralização
no respectivo subsetor e a partir daí o processo de internacionalização de capitais é
verificado pela identificação da nacionalidade das empresas. Considera-se como capital
privado nacional aquele que foi fundado no Brasil e aqui se desenvolveu, ainda que
eventualmente decorra de acumulação anterior realizada no exterior5.
A investigação proposta requer pesquisa em fontes primárias para a obtenção de
dados acerca da evolução da indústria de tintas ao longo de sua história no Brasil, e para
isso, foram levantados materiais e informações junto à Associação Brasileira dos
Fabricantes de Tinta e Vernizes (ABRAFATI) e às empresas atuantes no setor
3
Sendo nações em que o processo de acumulação veio tardiamente ou ocorreu precariamente, a
manutenção de suas estruturas econômicas depende muito, tanto do fornecimento de mercadorias, quanto
da produção local dos grandes grupos, resultando daí a exponenciação do poder político e econômico das
empresas transnacionais de porte.
4
Também são computadas as aquisições de empresas falidas ocorridas no período.
5
Como é o caso dos migrantes que iniciam as atividades de produção de tintas no Brasil.
pesquisado (através de seus sites institucionais, acessados via ABRAFATI ON LINE).
Além das fontes primárias também foram levantadas informações em publicações
especializadas, e nesse sentido, uma referência fundamental para os dados históricos é o
trabalho de Telles (1989), que compilou num livro a síntese da história das empresas de
tintas no Brasil6. Vale destacar as restrições que coletas dessa amplitude temporal têm,
como bem coloca Comin (1997, p. 81), porém o conjunto dessas fontes fornece material
suficiente para a construção do presente trabalho.
Nas investigações de maior alcance histórico, as informações mais antigas
possuem imprecisões decorrente de restrições diversas relativas à própria época, seja
pela precariedade dos próprios institutos responsáveis ou pela simplicidade
metodológica, mas, em razão do presente estudo se ater à centralização e à
internacionalização no setor de tintas, não tem especificidades de processos mais
complexos nem de setores mais diversificados, como a atuação de estatais ou empresas
públicas no mercado, de modo que é pouco afetado por essas limitações, não cabendo
maior detalhamento metodológico que se faz necessário em outros trabalhos (caso de
Miranda e Martins, 2000, por exemplo).
Como opção de periodização, se subdividiu em décadas o intervalo temporal
trabalhado. A intensidade e a dinâmica da centralização industrial ao longo do tempo
são medidas por meio da contabilização, em cada subperíodo, do número de empresas
abertas, especificando a forma de ingresso no mercado (indústria nova ou aquisição de
alguma empresa anteriormente existente no mercado), a quantidade de empresas
fechadas e a realização de fusões.
Devido à limitação de dados (históricos) disponíveis, não vai ser levada em
conta a composição do mercado ao longo do período de análise, de forma a distinguir
quais são as transações mais relevantes ou articulações diretas existentes entre fábricas
do ramo de tintas e outros grupos econômicos de outros setores. Quando isso é possível,
apenas a partir dos anos 1980, trabalha-se apenas com as empresas que estão no grupo
que responde por 80% da produção do mercado. Antes disso, se acata as informações da
ABRAFATI contidas no trabalho de Telles (1989) acerca das empresas mais

6
Este trabalho é resultado de uma iniciativa da própria ABRAFATI, e, como tal, embora farto de
informações relativas às indústrias de tintas no Brasil, é desprovido de maior rigor científico, de forma
que foi preciso revisar alguns dados (junto aos sites às empresas) e tratar os dados. Por não ter referencial
metodológico e teórico, tende a uma abordagem parcial do objeto de estudo, enfatizando o
empreendedorismo dos empresários associados, de maneira que sua valia se atém às informações ali
contidas.
importantes no mercado, excluindo da relação as empresas individuais (bem como F e A
entre elas)7.
A convivência entre grandes e pequenas empresas em oligopólios no ramo
estudado pode ser atestada pela distinção significativa entre as margens de lucro
praticadas pelas grandes companhias (dominantes de mercado) e pelas pequenas firmas
(marginais). Um vendedor entrevistado que trabalhou para algumas das maiores
empresas do subsetor e teve contato com microempresas de tintas, afirmou que as
grandes praticam margens de lucro (em torno de) 200 % em relação ao custo
(denominado no meio por ‘fator 2’), enquanto as menores adotam a referência de 100 %
(designado por ‘fator 1’). Isto é possível em razão da técnica para fabricação da
mercadoria ser relativamente acessível aos interessados 8, o que, porém, não garante
crescimento para as pequenas indústrias, pois a combinação entre padronização com
qualidade em escala industrial e aparato de marketing restringe o mercado aos grandes
produtores.
O levantamento realizado acerca das empresas abertas e as F e A ocorridas ao
longo do século XX na indústria de tintas brasileira se encontra sistematizado no quadro
01. As empresas são identificadas por suas respectivas denominações jurídicas, porém
ao longo do texto é citado apenas o núcleo central do nome da empresa. Vale registrar
que no princípio da formação da indústria de tintas, a maior parte das firmas eram
companhias limitadas, passando a predominar as sociedades anônimas a partir da
década dos 19709. No quadro 02, por sua vez, estão listadas as firmas que saíram do
mercado, acompanhadas do motivo do encerramento das atividades (falência ou
incorporação por outra empresa).

3. O processo de centralização e internacionalização dos capitais

A indústria de tintas começou suas atividades no Brasil entre o final do século


XIX e o princípio do século XX, sendo o marco inicial a fundação da indústria Hering,
em 1886, localizada em Blumenau e na sequência vem a usina São Cristovão, em 1904,
Quadro 01 - Principais indústrias de tintas no Brasil no século XX:

7
Esta exclusão é necessária em virtude das barreiras de entrada serem baixas no ramo e da possibilidade
de diferenciação dos produtos permitir a coexistência de inúmeras pequenas empresas.
8
De acordo com Telles (1989, p. 5), já em 1926, por exemplo, podia ser adquirido em bancas de jornais o
‘manual do fabricante de tintas, vernizes e óleos’, editado pela livraria Quaresma, do Rio de Janeiro.
9
Algumas empresas importantes que iniciaram suas atividades como Ltda. mudaram no decorrer do
período analisado para S.A. no sentido de buscar maiores possibilidades de expansão.
início das atividades (por décadas)
Década Indústrias Quant.
s
1900 Usina São Cristovão (Carlos Kuenerz e Cia. Ltda) 01
1910 Fábrica de Tintas París (Romeau e Cia.) 01
1920 Fábrica Vulcão (Carllos Muller e Cia.), Vernizes Horst S.A., CIL 14
(Companhia Industrial Ltda.), Abel de Barros e Cia. (depois S.A.),
Casa Hilpert*, Tintas Internacional S.A., Renner Koepcke e Cia.
Ltda.,
(posteriormente Renner Hermann S. A.), Napoleão Lustoza e Cia.,
Faber
Castell S. A., Atlantis S. A., Wolf Hacker Ltda., A.J.F. S. A.,
Condoroil
e Paint S.A. (compra a N. Lustoza), Indústrias Sika S.A.
1930 Louçalin*, Ideal Tintas e Vernizes Ltda., Polidura Ltda., R. 16
Montesano
e Cia. (depois S.A.), Indústria de Tintas Superba Ltda., King’s
Paint*,
Globo Tintas e Pigmentos S.A., Durlin*, Selqui*, Nitro Química
S.A.,
Pancor*, General Eletric*, Universo*, Hirtz Nurich*, Prema-
Preservação
de madeiras S.A., Otto Baungart*.
1940 Sherwin Williams do Brasil Ind. e Com. Ltda. (comprou a 14
Superba),
Tecno-Química S.A., Indústria e Comércio Oxford Ltda.,
Indústria de
Tintas e Vernizes Super Ltda., Tintas Suvinil S.A., Cremart *,
Tintas
Prospa do Brasil S.A., Caselli*, American Marietta Company,
Indústrias
Químicas Elgin Ltda., Kauri Sigma*, Tintas Coral Ltda., Oxylin*,
Rada *.
1950 Fábrica de Tintas Castelo Ltda, Turmalina S.A., Nevecem*, 04
Super tintas*.
1960 Tintas Ypiranga S.A. (compra a Condoroil), Basf S.A.- Divisão 09
Glasurit
(compra a Super e a Suvinil), Sayerlack Ltda, Sumaré Indústria
Química
S. A., Esso S.A. (compra a Ypiranga), Du Pont* (compra a
Polidura), Hoechst do Brasil S.A. (compra a Oxford), Akzo Nobel
Ltda. (compra a R. Montesano), Killing S.A.
1970 Tintas Iquine Ltda. 01
1980 Eucatex Química Ltda., SCM-Glidden (compra a Esso), Hanson* 03
(compra a SCM-Glidden).
1990 Imperial Chemical Industries Company (compra a Coral), 02
Brasilux Tintas Técnicas Ltda.
Total 65
Fonte: Elaboração própria a partir de Telles (1989), ABRAFATI e sites oficiais das empresas.
* Sem informação precisa a respeito da designação jurídica
Obs: 1- Só é registrada a compra quando a empresa se introduz no mercado por meio
da aquisição de alguma empresa pré-existente.
Quadro 02 - Indústrias de tintas que encerraram suas atividades
no Brasil, no século XX (por décadas)
Décadas Indústrias Quant.
1900 --- 00
1910 --- 00
1920 N. Lustoza (adquirida pela Condoroil). 01
1930 --- 00
1940 Superba (adquirida pela Sherwin William). 01
1950 Louçalim (s.c.), Caselli (adquirida pela Artex, antiga Panco), Usina São 04
Cristovão (s.c.), Paris (adquirida pela Castelo).
1960 Condoroil (vendida para a Ypiranga), Oxford (vendida para a 17
Hoechst) Horst (s.c.), Casa Hilpert (adquirida pela Tecno-Química),
Polidura (vendida para a Du Pont), Nevecem (adquirida pela Castelo),
CIL (s.c.), Ypiranga (vendida para a Esso), Super e Suvinil
(incorporadas
pela Glasurit), Atlantis (adquirida pela Globo), Durlin, Turmalina e
Cremart (fundidas na Cremart-Durlin), Nitro Química (s.c.), Hirtz
Nurich adquirida pela Killing), R. Montesano (vendida para a Akzo).
1970 Hering (adquirida pela Faber Castell), Sayerlack e Ideal (incorporadas 06
pelo grupo Renner Herrmann), Prospa (adquirida pela Selqui),
American Marietta (s.c.). Rada (s.c.).
1980 Du pont e Hoechst (adquiridas pela Renner Herrmann), Esso (vendida à 05
SCM-Glidden), SCM-Glidden (vendida à Hanson), Hanson (adquirida
pela Akzo).
1990 Globo, Sumaré e Elgin (adquiridas pela Sherwin-Williams), Castelo 06
(s.c.), Cremart-Durlin (adquirida pelo grupo Renner Hermann), Coral
(adquirida pela ICI).
Total 40

Fonte: Elaboração própria a partir de Telles (1989), ABRAFATI e sites oficiais das empresas.
Obs: 1- s.c.: Solução de continuidade, as empresas faliram e não foram absorvidas por
nenhuma outra indústria.
2- Neste quadro são abandonadas as razões sociais completas das empresas, que podem
ser verificadas no quadro 01.

situada no Rio de Janeiro. A Hering, entretanto, estava, desde seu projeto inicial,
circunscrita ao mercado de tintas artísticas, um (relativamente) pouco expressivo
subgrupo da indústria geral, enquanto a Usina de São Cristovão fabricava tintas para o
mercado imobiliário, marcando o começo da grande produção de tintas no país
(competindo com fornecedores estrangeiros da matéria-prima). Ambas indústrias podem
ser consideradas nacionais, pois foram fundadas por migrantes que traziam capital
acumulado na Alemanha. A primeira firma transnacional a se instalar no Brasil foi a
Paris, em 1914, um projeto modesto de capital francês que acabou sendo vendido para o
capital nacional no início dos anos 1950 (Tintas Castelo). O surgimento da indústria de
tintas coincide com os primeiros passos da industrialização do Brasil, um mercado
embrionário em que boa parte da demanda era abastecida por mercadorias importadas,
que foram gradativamente sendo substituídos por similares nacionais a partir da década
dos 1920.
O Brasil foi introduzido na economia industrial tardiamente nas primeiras
décadas de 1900, a partir de um baixo e desarticulado crescimento do parque industrial,
e assim foi também no caso da indústria de tintas. Em estudo mais recente, Caldeira
(2017, p. 484) confirma que o processo de formação dos primeiros capitais industriais
brasileiros foi antecedido pela acumulação inicial proporcionada pelo sucesso do café,
cujas vendas se beneficiaram diretamente do longo período (quase todo século XIX ao
começo do século XX) do crescimento econômico nos países centrais ocidentais.
No período que vai do início da primeira guerra ao final da segunda guerra
mundial as dificuldades de produção das firmas americanas e europeias impulsionaram
o desenvolvimento dos processos produtivos, das pesquisas em torno dos compostos
químicos e das possibilidades das matérias-primas locais, acabando por favorecer os
negócios das empresas brasileiras. Especialmente a Usina São Cristovão cresceu,
expandindo e diversificando sua produção, chegando a exportar grande parte de suas
tintas. Esta empresa, no entanto, teve desenrolar um tanto imprevisível para uma firma
que assumia posição importante no ramo, em função das mortes seguidas, num espaço
de 10 anos (1942 e 1952) do fundador e do herdeiro/sucessor da indústria 10. O espírito
empreendedor dos dois gestores iniciais não encontrou substituto e a estrutura familiar
(centralizadora) da administração fez com que o negócio perdesse o rumo e fechasse em
1956.
Na década de 1930, o país dá um salto qualitativo com uma primeira política de
industrialização que tornou o setor industrial expressivo no conjunto da economia, num
contexto avançado do capitalismo, em que alguns países despontavam como detentores
dos maiores estoques de capital e, consequentemente, detinham forte poder político e
econômico (especialmente os Estados Unidos da América), mas saiam de um conflito
bélico mundial para outro, intercalados por uma grande recessão, o que permitiu o êxito
do modelo voltado para dentro no Brasil. Os mecanismos diversos para internalizar os
investimentos resultaram em forte crescimento industrial (média anual de 11,2% entre
1933 e 193911) e números menores da participação do capital externo, de forma que
10
Conforme Telles (1989, p. 33), a morte do herdeiro foi inesperada (um desastre aéreo), o que explica
(em termos) o despreparo da empresa frente à situação.
11
De acordo com Ribeiro (1988, p. 41).
entre 1938 e 1942, por exemplo, a fração dos investimentos externos em sociedades
anônimas cai de 45% para 21,9% (conforme Caldeira, 1998, p. 281).
No ramo de tintas isso se reflete na abertura de empresas de porte médio entre os
anos 1920 e 1940, predominantemente de capital nacional, derivadas da acumulação
anterior realizadas por imigrantes nos seus países de origem. O mercado crescente
absorve os novos produtores que iam surgindo, chegando a um total aproximado de 44
produtores ao final desse subperíodo, à exceção da Usina de São Cristovão, que
dominava a maior parcela do mercado mais importante; o imobiliário.
Até o final da década dos 1940 ocorrem apenas duas aquisições, sendo uma
delas importante por marcar a entrada da Sherwin Williams no Brasil (comprando a
Superba), porém são registros isolados e pontuais que permitem concluir que na
primeira metade do século XX a centralização de capitais ocorrida foi insignificante.
Também em relação à internacionalização pode-se concluir pela incipiência ou
insignificância desse processo, pois predominou o capital nacional, enquanto o capital
internacional ainda era pouco expressivo: de 44 empresas que iniciaram suas atividades
e se mantiveram em atividade entre 1900 e 1949, apenas 7 eram estrangeiras (Atlantis,
America Marietta, Glasurit, Condoroil, King´s paint, General Eletric e Sherwin
Williams), com início de atividade distribuído ao longo do período.
Com a metade da década vem o segundo marco histórico significativo no
processo de industrialização e acumulação de capitais, o pós-guerra, em que a retomada
do crescimento econômico nos países centrais permite a etapa seguinte do crescimento
dos capitais: a internacionalização. Na década de 1950 em si os números ainda são
tímidos, ocorrendo apenas 2 fusões, mas a mudança na concepção do processo de
industrialização nos governos locais, em sintonia com a mudança do contexto
internacional, começa a produzir os primeiros resultados, de forma mais sistemática a
partir da segunda metade da década dos 1960, quando a iniciativa de dar vazão ao
excesso de liquidez de capital no plano internacional se alia com o início de um ciclo de
gestões no Estado brasileiro que estimulam as atividades do capital estrangeiro em
território nacional:

Nos primeiros anos do pós-guerra o crescimento do comércio interno das economias


(centrais) era maior que o do comércio internacional. Entre 1960 e 1963, as taxas de
crescimento do comércio internacional se igualaram à dos mercados internos. A partir daí
começaram a superá-las rapidamente, em taxas superiores a 8% anuais. (Caldeira, 2017, p.
556).
Com a pacificação e a recuperação econômica nas nações industrializadas, os
países periféricos começam a receber capitais estrangeiros, e com isso se encerra no
Brasil a fase nacionalista/intervencionista de Vargas para começar uma série de
governos ainda intervencionistas, porém liberais com o capital internacional, que vai
propiciar as condições para o desenrolar dos processos de centralização e
internacionalização de capitais: Dutra, Kubitschek e o ciclo militar que durou 20 anos
(que restringiu expressivamente as importações de mercadorias). A ‘competição’
desigual das empresas nacionais, com pequeno aporte de capital, com as grandes e
estruturadas firmas transnacionais ocasionou em pouco tempo uma centralização
acentuada de capitais.
Os registros indicam que no ramo estudado, das 17 fusões, aquisições ou
falências ocorridas na década dos 1960, 12 aconteceram depois de 1964, exceto 3: a
venda da Condoroil (Napoleão Lustoza) para a Ypiranga, o fechamento da Horst e a
compra da Casa Hilpert pela Tecno-Química. Vale salientar a predominância das
aquisições, 11 no total, sendo 6 correspondentes à compra por empresas que já atuavam
no mercado e 5 por empresas que entraram naquele instante comprando firmas em
funcionamento, em relação às fusões (uma envolvendo três empresas) e às falências (3).
Também é importante registrar que 4 dos 5 casos de aquisições por indústrias novatas
no mercado brasileiro foram compras de empresas nacionais por transnacionais; quais
sejam: Du Pont (que em 2013 muda sua designação para Axalta Coating Systmes),
Hoechst, Esso e Akzo. Apenas a Condoroil foi comprada por uma firma nacional, a
Ypiranga, para ser vendida logo a seguir para a multinacional Esso.
Do lado das incorporações realizadas por empresas já atuantes no mercado na
década dos 1960, 3 companhias nacionais foram absorvidas por 3 diferentes empresas
nacionais, 2 foram adquiridas por uma transnacional (a Basf-Glasurit), enquanto só uma
foi aquisição de uma empresa transnacional por uma firma nacional (Atlantis pela
Globo). Uma análise parcial do subperíodo revela intensa movimentação de capitais,
destacando o crescimento e expansão de algumas poucas indústrias locais aliada à
entrada no país de algumas das maiores empresas transnacionais do setor, dominantes
do mercado mundial. De um mercado diluído entre aproximadamente 47 empresas no
final dos anos 1950, passa-se a um mercado preenchido basicamente pela oferta local
(sem importações), composto por cerca de 36 produtores ao final dos anos 1960.
Os anos 1970 e 1980 são marcados pela continuação e aprofundamento da
dinâmica observada na década anterior, sendo que o cenário econômico instável no
Brasil diminui significativamente o volume do investimento estrangeiro no país na
década de 198012. Na década dos 1970, todas as 4 aquisições verificadas foram
realizadas entre indústrias existentes anteriormente, sendo 3 compradas por firmas
nacionais a apenas uma comprada por uma companhia transnacional. A Renner
Hermann responde por 2 das aquisições feitas por empresas nacionais (comprando uma
firma transnacional e uma nacional). A única falência significativa registrada nos anos
1970 foi a da American Marietta, uma importante indústria americana que foi adquirida
em 1962 internacionalmente pela Mobil (no processo de reavaliação da atuação da
empresa, a filial brasileira foi relegada até ser fechada perto de 1980). Também nos anos
1970 surge uma indústria nacional de origem nordestina que vai crescer e se tornar
relevante nos anos 2000 em diante: a Tintas Iquine Ltda.
Nos anos 1980 a Esso foi absorvida pela SCM-Glidden, para a seguir ter seu
controle acionário assumido pela Hanson e, por fim, ser vendida para a Akzo. A Renner
Hermann por sua vez, aproveitou esse período para adquirir a fábrica de tintas dos
grupos inglês (Hoechst) e americano (Du Pont), consolidando sua posição de única
indústria nacional a enfrentar os concorrentes estrangeiros e a conseguir se posicionar
entre as maiores do setor. Após estas mudanças, a maior parte do mercado de tintas
brasileiro estava concentrado em cerca de 30 empresas, sendo apenas uma novata, a
indústria de tintas do grupo Eucatex. O balanço parcial das décadas 1970 e 1980 aponta
para a redução no número de grandes empresas (menos 11) e o destacado avanço de
uma firma local na adoção da estratégia de centralização da produção para ganhar
mercado (a Renner Hermann) se transformando em multinacional. Continuam a surgir
novas empresas no ramo, sendo grandes apenas as nacionais Iquine e Eucatex, pois a
projeção e significância de mercado da maioria se restringe, quase sempre, às
imediações geográficas de suas unidades fabris, que, por sua vez, geralmente coincide
com o Estado natal do fundador, como são os casos da Anjo Tintas Ltda. em Santa
Catarina (fundada em 1986) e da Dacar Tintas Ltda. no Paraná (fundada em 1985) e da
Hidrotintas Ltda. no Ceará (que iniciou suas atividades em 1978)13.
Por fim, os anos 1990 são marcados por mudanças profundas iniciadas na
década anterior, consolidando um terceiro marco histórico contemporâneo fundamental
para o mundo, configurado política e economicamente pelo retorno da liberação
comercial a partir da desintegração das economias socialistas e tecnologicamente pela
Como atestam Laplane e Sarti (1997, p. 158 e 162).
12

Informações advindas de material institucional obtido nos sites oficiais das empresas a partir do site da
13

ABRAFATI.
introdução da microeletrônica nos processos produtivos 14. Evidentemente este último
marco do século afeta diretamente os rumos do processo de acumulação internacional,
gerando intensidade similar à observada na segunda metade dos anos 1960, inclusive
nos processos aqui estudados. De tão significativas, essas transformações terminaram
por se cristalizar na própria alteração do paradigma predominante adotado pelo
mainstream no mundo ocidental até então, transitando do Keynesianismo para o
neoliberalismo, dando o tom da evolução recente do capitalismo: exponenciação do
desenvolvimento tecnológico convivendo com precarização das condições do trabalho.
Comin (1997, p. 87-88) assevera que na última década do século XX as compras
e fusões de empresas se intensificam no mundo em razão das transições políticas e
econômicas terem sido cumpridas, que aumentam os valores das transações desses tipos
(com o setor financeiro elevando sua participação nos processos) e, que, no caso do
Brasil, o reestabelecimento democrático (com as eleições) e o econômico (com a
estabilização da inflação em 1994), contribuem decisivamente para disparar nova
intensificação do processo. Cintra (1998), por exemplo, nos fornece um panorama das
fusões e aquisições nesse período, discriminando os capitais nacionais e estrangeiros:
em 1992 aconteceram 21 operações deste tipo, contra 68 em 1993, 94 em 1994, 124 em
1995, 169 em 1996 e 186 em 1997. Ainda de acordo com a mesma fonte, o processo de
internacionalização do capital fica patente quando se compara o número de empresas
nacionais que compraram estrangeiras; 172, em relação ao número de empresas
transnacionais que compraram empresas locais; 428. Os números apresentados ilustram
bem a retomada da centralização e internacionalização do capital na economia brasileira
nos anos noventa, consequência direta da nova mundialização das economias
desencadeada em 1989.
No ramo das tintas, nos anos 1990 as aquisições ficam por conta de três das
integrantes de um seleto grupo de 6 empresas que acabam por dominar o mercado
brasileiro nesta década. A transnacional Sherwin-Williams, concentrou sua expansão
via centralização no Brasil nesta última década, comprando as indústrias Globo, Sumaré
e Elgin15, consolidando uma trajetória anterior de acumulação e concentração de capital.
Registra-se também a compra de mais uma empresa pelo grupo nacional Renner

14
Araújo (2010), por exemplo, investiga como essas transformações econômicas, políticas e tecnológicas
ocorridas entre 1980 e 1990 foram absorvidas diferentemente em 3 países (um deles é o Brasil) antes
fechados, examinando as políticas cambiais e aduaneiras adotadas e seus efeitos na abertura financeira e
inserção internacional até o final da década de 2000.
15
A Sherwin Williams compra também a Lazzuril Tintas S.A., não contabilizada em função do critério
adotado.
Hermann, a indústria Cremart-Durlin e a entrada da transnacional ICI, comprando a
vice-líder do mercado brasileiro (Coral).
No balanço geral ao final do período total, das 65 indústrias de porte médio ou
grande que se instalaram no Brasil e participaram significativamente da produção total
(integrando o grupo de empresas que responde por 90 % do mercado) em algum
momento do período mais recente analisado, apenas 24 empresas sobreviveram. Essas
empresas restantes compõem, juntamente com cerca de 300 pequenas indústrias, a
oferta do mercado de tintas do Brasil em 1997, sendo que um restrito grupo de apenas 6
indústrias supre aproximadamente 80% da demanda do mercado de tintas brasileiro 16:
Basf, ICI, Sherwin Williams, Renner Hermann, Akzo e Eucatex. Fica evidenciado o
processo de centralização ao longo do tempo, com o crescimento acentuado de algumas
poucas empresas e a diminuição relativa (muitas vezes absoluta) das demais que não
foram incorporadas pelas grandes companhias.
Das indústrias que dominam o mercado brasileiro de tintas em 1999, 4 são
transnacionais (Basf, ICI, Akzo e Sherwin Williams) e 2 são empresas nacionais. Das
indústrias estrangeiras, a Sherwin Williams começa a produzir no Brasil na década dos
1940, duas outras na década dos 1960 (Akzo e Basf) e a ICI inicia suas atividades
apenas em 1996, embora já tivesse colaborando tecnologicamente a alguns anos com o
grupo argentino Bunge Paint, da Coral, que, por sua vez, atua no mercado brasileiro
desde a década dos 1940. É relevante observar que as quatro representantes do capital
internacional optaram por iniciar seus negócios no Brasil com a aquisição de empresas
brasileiras, independente do momento da entrada no mercado local. A única indústria
internacional de porte que não está disputando a grandes fatias deste mercado em que a
liderança dos grandes produtores se alterna e se dilui nos segmentos especializados e
pelas regiões do país17 é a PPG (Pittsburg Plane Glass), ainda que esteja presente
mediante acordo de parceria tecnológica com a sua rival internacional Akzo.
As indústrias nacionais que integram o grupo final das 6 maiores do setor no fim
do século XX tem histórias distintas. A Renner Hermann vem de uma longa trajetória
de crescimento através de aquisições desde a década dos 1920 e a Eucatex era uma
pequena indústria de tintas fornecedora interna do grupo Eucatex desde sua fundação,
em 1988, até 1995, passando a se tornar relevante apenas em 1996, após um vertiginoso
16
Conforme ABRAFATI (1997, p.10).
17
De acordo com ABRAFATI (1996, p. 18), a Basf lidera no território nacional, seguida da ICI, enquanto
a Henner Hermann, por exemplo, lidera no Sul detendo 70% do mercado. Do outro ponto de vista, no
mercado específico de tintas navais, a Basf divide a produção global com uma empresa de porte menor,
porém especializada, a Internacional.
crescimento ocorrido em menos de um ano (multiplicando sua fatia de mercado de 2 %
para 8 %). Nesse percurso outras três empresas locais têm importância histórica e
trajetórias específicas.
A Usina São Cristovão foi a primeira e maior indústria de tintas no Brasil entre
os anos 1900 e 1940, mas as mortes, num espaço de 10 anos (1942 e 1952), do fundador
e do herdeiro/sucessor de uma empresa familiar 18, fizeram com que o negócio fechasse
em 1956. A segunda foi a Coral, também marca (vice) líder de um mercado bem mais
diversificado, quando foi absorvida na década dos 1990 por uma multinacional, e a
terceira surgiu no mercado mais recentemente (em 1974), mas após poucos anos
mostra-se competitiva e vem se firmando no mercado como importante indústria do
ramo: a Iquine.

4. Conclusão

Este trabalho procurou identificar, quantificar e contextualizar historicamente os


processos de centralização e internacionalização de capitais na indústria de tintas e
vernizes brasileira. O estudo de caso confirmou pouca relevância das F e A até a metade
do período e sua acentuação a partir da década de 1960, quando o contexto
internacional, propício à expansão dos grandes grupos internacionais, se aliou à
mudança da orientação dos governos locais no sentido da liberação da entrada de
capitais. Ao longo do estudo observou-se 29 aquisições, 1 fusão (envolvendo 3
empresas) e 8 falências, desencadeadas efetivamente a partir dos anos 1960, pois nos
anos anteriores verifica-se ocorrências isoladas (1 na década de 1920, 1 nos anos 1940 e
2 nos anos 1950). Quantitativamente, a década dos 1960 supera qualquer outro
subperíodo do caso em estudo no que diz respeito à intensidade do processo,
especialmente sua segunda metade, quando registra 9 das 11 aquisições que ocorreram
no período, contra apenas 2 de sua primeira metade.
Após os anos 1960, foram registrados praticamente a mesma quantidade de
aquisições por décadas, respectivamente para as décadas de 1970, 1980 e 1990 (4, 5 e 5
respectivamente), algumas falências pontuais (2 na década dos 1970 e 1 na década dos
1990) e nenhuma fusão. O processo constante de seleção de empresas diminui o número
de produtores e, evidentemente, restringe as possibilidades de centralização, que se
atenuam naturalmente após um pico de intensidade, mas fica ressaltado o processo de
internacionalização com movimentos do capital estrangeiro nas décadas de 1980 e 1990.
18
Conforme colocado anteriormente no presente trabalho (p. 10).
Se em 1949, só 7 das 44 empresas atuantes eram estrangeiras, ao final da década dos
1990 restaram 25 firmas, mas numa estrutura oligopolizada da oferta em que 6
companhias respondiam por 80% da oferta de tintas, e, dessas, 4 eram indústrias
internacionais: Sherwin Williams, Akzo, Basf, ICI (Imperial Chemical Industries).
Ao final do século XX, os processos de centralização e internacionalização de
capitais ocorridos na indústria de tintas brasileira resultaram num mercado em que
aproximadamente 80 % da demanda por tintas e vernizes é atendida por seis grandes
indústrias, sendo quatro transnacionais, supracitadas, e apenas duas empresas de capital
nacional, que detém o menor percentual do mercado total (superam apenas a Akzo). No
caso da indústria estudada, desprovida de maiores barreiras à entrada, tanto tecnológicas
quanto de volume de capital, se observa no interstício o processo de oligopolização de
um setor com potencial competitivo, que, entretanto, sucumbe a uma lógica maior do
mercado. No mais, o percurso e os movimentos dos processos estudados no ramo de
tintas no Brasil tiveram desenvolvimento similar ao observado para a indústria
brasileira em geral, que, por sua vez, cumpriu ciclos relacionados com contextos
políticos e econômicos internos, mas manteve-se essencialmente vinculado à dinâmica
internacional do capital, como demostra a redução expressiva na quantidade de
empresas nacionais atuantes e o domínio do mercado pelas estrangeiras.
O caso estudado no presente trabalho confirmou que a seleção das empresas pelo
critério de um mercado globalizado com circulação liberada de capitais restringe o
espaço de empresas locais em países menos desenvolvidos, o que remete a uma política
econômica diferenciada para estas, de modo a fortalecer o capital interno na conquista
de mercados industriais oligopolizados. Se houve momentos no período analisado em
que governos articularam mecanismos de proteção e estímulo a empresas brasileiras,
obtendo algum êxito (ainda que devido a conjuntura externa favorável), é preciso
encontrar estratégias de longo prazo para o desenvolvimento do capital local. Enfim, o
caso da indústria de tintas brasileiras confirma que, num capitalismo avançado e com
poucas restrições à circulação do capital, a dinâmica do processo de acumulação interno
em nações periféricas está vinculada à reprodução internacional do capital, uma vez que
a maior parte dos capitais nacionais sucumbiram aos capitais mais volumosos e
consolidados dos países centrais.

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