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O paradigma clássico
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Também abordaremos o pensamento de Milton Friedman, ainda que, sendo ele um integrante da escola
monetarista, não possa ser considerado propriamente um economista neoclássico. Tomamos a decisão de
incluí-lo na análise, não obstante esse aspecto, devido à similitude existente entre as concepções de
Friedman e Walras a respeito do caráter científico da Teoria Econômica.
coercitiva do Estado permitira a constituição da sociedade civil.
Já para Locke, o homem é naturalmente bom. As desigualdades
e os antagonismos entre os homens originam-se da posse da
riqueza. O Estado não se constitui em fundamento da sociedade
civil, mas é apenas sua garantia. [...] Nesse sentido, o
pensamento de Smith distingue-se pela superação dessa
contradição, na medida em que atribui um papel socialmente
positivo ao egoísmo. (CORAZZA, 2020, p. 36)
O paradigma neoclássico
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Essa intuição é levada adiante por Marx que encontra na Economia Política Clássica uma das fontes
teóricas de sua Crítica da Economia Política. Não ao acaso o mesmo Marx afirma que: “Não me cabe o
mérito de ter descoberto a existência das classes na sociedade moderna ou a luta entre elas. Muito antes
de mim, alguns historiadores burgueses tinham exposto o desenvolvimento histórico desta luta de classes
e alguns economistas burgueses a anatomia econômica das classes.” (MARX, 2016, p 33).
Se a economia clássica, a partir do desenvolvimento do sistema smithiano,
permitiu consolidar a Economia como um campo particular da ciência, com suas
próprias leis, o paradigma neoclássico foi além. Isso porque, enquanto a economia
clássica ainda admitia a existência de classes com distintos interesses, no paradigma
neoclássico as classes serão abandonadas completamente. Ao eliminar os aspectos
conflitivos e a contradição de classes, a economia neoclássica acabou por salientar o
caráter harmonioso e a igualdade na teoria econômica. Nesse sentido, o paradigma
neoclássico consolida a economia como um campo teórico apartado da política.
De fato, ao conceber os indivíduos como consumidores maximizadores de
utilidade e as firmas como, maximizadoras de lucro, a produção abandona o centro das
discussões teóricas para dar lugar à esfera da circulação. E na esfera da circulação todos
os agentes são, a princípio, iguais. Com efeito, no regime de concorrência perfeita
(modelo básico da economia neoclássica) ao maximizar os lucros as firmas na prática
garantem a maximização da utilidade dos diferentes consumidores. Assim,
consumidores e firmas não têm, a princípio, interesses opostos. Daí que a análise de
classes seja abandonada e os modelos teóricos no máximo incorporarão diferentes
agentes econômicos remunerados segundo a produtividade marginal dos fatores que
possuem (capital, trabalho, terra).
Dessa forma, se segundo a economia neoclássica não há, em linhas gerais,
divergência entre os interesses individuais dos agentes e o bem-estar social, e se o bem-
estar coletivo é visto como um somatório do bem-estar de todos os agentes individuais,
o Estado só poderá ter um papel secundário. E de fato, como afirma Fonseca (2020),
para economia neoclássica o Estado não é posto nas análises, mas inegavelmente
suposto, e o mercado não só é o elemento mais importante da economia, como também
constitui toda a economia (Corazza, 2020).
O paradigma neoclássico é caracterizado também pela microfundamentação da
macroeconomia. Ou seja, uma vez que o bem-estar social é o somatório do bem-estar de
cada um dos indivíduos, os agregados macroeconômicos são simples somatórios de
variáveis microeconômicas. Esse aspecto é ainda mais reforçado pela concepção de
moeda neutra defendida por esses autores. Daí que uma das principais preocupações
econômicas dos Estados deva ser garantir a estabilidade da moeda, já que o sistema de
preços, ou seja, o mercado, é a instituição responsável por garantir a maximização do
bem-estar coletivo.
Assim, a teoria neoclássica “estreitou os horizontes da teoria econômica em
vários sentidos” (CARVALHO, 1999, p. 18), e o pouco espaço reservado à atuação do
Estado - para além da necessidade de garantir a estabilidade de preços - será destinado a
tratar do tema das falhas de mercado. É ali, e só ali, onde o mercado não pode garantir
os resultados mais eficientes, que o Estado deve atuar.
A abordagem das falhas de mercado, contudo, não significou abrir espaço para
um novo agente econômico - o Estado - mas sim criar certas regras para que o Estado
possa compensar o que o sistema de preços por si só não pode garantir. Ou seja, se trata
de buscar mecanismos, essencialmente impostos e subsídios, que compensem as
desutilidades geradas pelas falhas de mercado.
O paradigma neoclássico foi marcado ainda por importantes mudanças
metodológicas. Obras de caráter dissertativo-argumentativo perdem espaço diante de
outras que privilegiam a formalização matemática. A busca pela matematização como
sinônimo de exatidão científica se desenvolverá na Economia de um modo pouco
comparável ao ocorrido em qualquer outra das demais Ciências Sociais.
León Walras, por exemplo, ao conceber a possibilidade de uma economia
política pura, contribui decisivamente nesse movimento. De fato, como ressalta Corazza
(2020), Walras não concebia que toda economia poderia ser entendida sem a política ou
o Estado. Mas, ao separar a economia, por um lado em economia política pura, e por
outro em economia política aplicada e economia política social, Walras permitiu que ao
menos parte da ciência econômica pudesse ser concebida de maneira isolada da política
e, na prática, como uma ciência natural.
De fato, Walras afirma explicitamente conceber essa parcela da economia, ou
seja, a economia política pura, como sendo “uma ciência em tudo semelhante às
ciências físico-matemáticas.” (WALRAS apud CORAZZA, 2020, p. 96). Daí que,
sendo a Economia política pura “como a mecânica, como a hidráulica, uma ciência
físico-matemática, ela não deve temer que se empreguem o método e a linguagem
matemática” (WALRAS apud CORAZZA, 2020, p. 96).
Essa concepção da ciência econômica como uma ciência natural, assim como a
crença de que o rigor matemático é sinônimo de verdade científica, em grande medida
pairam até os dias de hoje na Ciência Econômica e são frequentemente objetos de
disputa. Não ao acaso, anos mais tardes, e já num contexto de disputa com o
keynesianismo hegemônico, Milton Friedman resgatará a ideia de uma economia
positiva muito semelhante à economia política pura de Walras. De fato, com sua
economia positiva Friedman intencionava provar, assim como Walras, a possibilidade
de existir certo conteúdo da Ciência Econômica tão exato que não dependesse de
considerações políticas para ser ciência.
Uma vez que os pressupostos teóricos de um modelo não precisam ser realísticos
para o sucesso do mesmo, é completamente plausível, dentro dessa concepção, conceber
modelos econômicos que excluem a existência do Estado de suas análises. O lugar
ocupado pelo Estado na teoria neoclássica será, portanto, muito pouco privilegiado.
O paradigma keynesiano
Apesar disso, Keynes deixa claro que a socialização dos investimentos não é
sinônimo de socialização da propriedade dos meios de produção. Comentário
importante para diferenciar sua proposta daquela já realizada pelos países socialistas de
então. Quanto a isso ele afirma:
Assim, ainda que Aristóteles tenha tido concepções brilhantes para o seu tempo
a respeito da Economia, as próprias condições históricas o impediam de chegar a
conclusões que só poderiam ser tomadas na sociedade moderna, quando os mecanismos
econômicos estariam plenamente desenvolvidos.
Do ponto de vista da relação entre a história e o desenvolvimento da teoria
econômica, o fenômeno histórico que dá impulso ao paradigma clássico da Economia é
a dissolução do feudalismo e a consolidação das relações capitalistas na Europa. O
mercado, instituição chave das discussões da Teoria Econômica, cumpria um papel
marginal na sociedade feudal. Lá e naquele tempo, o espaço do mercado era, sobretudo,
o espaço das pequenas feiras, bem como do incipiente comércio internacional, que ainda
se centrava principalmente em produtos exóticos vindos do Oriente.
A dissolução das relações feudais e a expansão as relações mercantis serão as
bases para que o capitalismo se consolide, o que garantirá ao mercado a ocupação de um
importante espaço no domínio das relações sociais.
Nesse sentido, do ponto de vista histórico, poderíamos dizer que a Economia
Clássica, em especial a obra de Adam Smith, pode ser entendida num contexto de
afirmação dos mecanismos da economia de mercado e de luta contra o decadente Estado
feudal. E aqui cabe mencionar uma importante diferença entre a sociedade feudal e a
sociedade capitalista: a relação entre economia e política.
Segundo Marx (2013), a separação relativa entre política e economia é fruto da
sociedade burguesa, do mesmo processo que separou formalmente o poder político do
poder econômico. O Estado feudal não buscava representar a totalidade da sociedade
feudal, como o Estado moderno busca representar; isto porque nele a vida política e a
vida não-política são uma mesma coisa.
As relações econômicas entre o senhor feudal e seus servos, por exemplo, eram
ao mesmo tempo - e explicitamente - relações econômicas e relações de poder. Na
sociedade burguesa, ao contrário, “[...] assim como os cristãos são iguais no céu e
desiguais na terra, também os membros singulares do povo são iguais no céu de seu
mundo político e desiguais na existência terrena da sociedade.” (MARX, 2013, p. 103).
Ou seja, na política e, portanto, diante do Estado, os indivíduos são iguais perante a lei,
ainda que economicamente ocupem posições de classe distintas e inclusive antagônicas.
Na sociedade moderna, portanto, as relações entre política e economia se
complexificam, e é no momento histórico em que esse processo mais avançou que
vimos surgir o paradigma da Economia Clássica. Desta forma, é natural, por assim
dizer, que a Economia Clássica buscasse afirmar a centralidade dos mecanismos de
mercado, visto que era necessário, do ponto de vista histórico, e diante da luta entre os
interesses da nascente burguesia em oposição à decadente aristocracia feudal, reafirmar
o poder econômico como um poder separado do poder político. Não causa espanto,
portanto, que nas principais obras da Economia Clássica o tema do Estado ocupe
relativamente pouco destaque.
O paradigma neoclássico da Economia surge em outro momento histórico. O
capitalismo havia se consolidado como sistema dominante e o Estado feudal já havia
ruído e dado lugar ao Estado moderno. As relações mercantis se tornaram as relações
sociais dominantes e o antigo conflito entre burguesia e aristocracia feudal já havia sido
superado. Em seu lugar, e diante do aumento das contradições sociais e das
desigualdades econômicas, surge um novo e importante conflito social, dessa vez entre
a burguesia e classe trabalhadora.
Nesse contexto, o paradigma neoclássico - como afirmamos anteriormente -
abandona a análise da sociedade a partir das classes e iguala os indivíduos como
consumidores. “Os indivíduos já não são identificados por sua posição no processo
produtivo ou por qualquer outra característica institucional. Somos todos consumidores,
identificados por nossa função-objetivo.” (CARVALHO, 1999, p. 18-19).
O individualismo metodológico adotado pelo paradigma neoclássico, bem como
a esterilização dos aspectos políticos da Economia empreendida por sua concepção
liberal da sociedade, foram úteis nesse contexto histórico de acentuação dos conflitos
sociais. Realçou-se assim, a importância do mercado em detrimento do Estado.
Não ao acaso, é justamente durante esse período que: “A Economia deixa de ser
economia política para ser apenas Economia.” (CORAZZA, 2020, p. 292).
O paradigma keynesiano surge também em um contexto histórico particular,
dessa vez de acentuação das crises econômicas e agravamento dos conflitos sociais
gerados pelo crescimento do desemprego. Nesse contexto social crítico era difícil
afirmar, como fazia o paradigma neoclássico, que não existia desemprego involuntário.
Keynes reconhecia ao contrário, que: “É certo que o mundo não tolerará por muito mais
tempo o desemprego que, à parte curtos intervalos de excitação, é uma consequência – e
na minha opinião uma consequência inevitável – do capitalismo individualista do nosso
tempo.” (KEYNES, 1988, p. 250).
É tendo em mente essa preocupação que Keynes busca alternativas à teoria
econômica dominante. A eutanásia do rentier será, como afirmamos anteriormente, uma
das alternativas encontrada por ele como forma de contrarrestar os males do que ele
chamou de “capitalismo individualista”. De fato: “O grande conflito de interesses
presente na teoria geral está entre o capital industrial e o capital financeiro. Keynes
assume abertamente a defesa do capital industrial e propõe-se a eliminar o especulador
financeiro.” (CORAZZA, 2020, p. 160).
Os limites do paradigma keynesiano se encontram justamente no fato de que,
apesar de reconhecer o papel regulador e estabilizador do Estado na economia, não
explicita os estreitos limites desta ação, bem como sua natureza. Em grande medida isso
se deve à concepção ingênua que Keynes possuía a respeito do Estado.
Segundo Fernando Cardim:
Desse modo, por acreditar ser o Estado um ente externo à economia, a Teoria
Econômica acaba por cair geralmente em dois tipos de equívocos: ou entende o
mercado como uma instituição que precisa muito pouco do Estado para garantir o bom
funcionamento de seu próprio sistema, ou, por outro lado, ainda que defenda a
necessidade do Estado para que o sistema não sofra diante de suas próprias
contradições, concebe-o como um ente livre e independente diante do mercado.
Considerações finais
De fato, a evolução das ideias obedece também a uma história que é própria à
história das ideias e está submetida a distintos aspectos sociais. Prova disso é a
discussão teórica realizada na periferia do sistema capitalista. Aqui, frequentemente o
colonialismo intelectual impede que se discutam aspectos relativos à particularidade
local.
No caso do Brasil e da América Latina de forma geral, os estudos sobre o
capitalismo periférico3 desenvolvidos em meados do século XX representaram um
grande avanço na superação da simples reprodução de teorias estrangeiras. Pela
primeira vez produzia-se na América Latina um pensamento econômico próprio,
estreitamente vinculado à superação dos dilemas impostos pelo subdesenvolvimento.
A particularidade histórica do capitalismo periférico impõe certos aspectos na
relação entre economia e Estado que não estão necessariamente dispostos no caso dos
países centrais. A troca desigual, a dependência, a presença importante de capital
estrangeiro na região, assim como as heranças históricas de 300 anos de colonialismo
são aspectos que incidem sobre o mercado e o Estado brasileiro e latino-americano que
não podem ser menosprezados.
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O debate sobre o capitalismo periférico envolveu desde economistas desenvolvimentistas, como por
exemplo, Celso Furtado, Maria da Conceição Tavares, Aníbal Pinto, Raúl Prebisch, etc., até pensadores
marxistas, como Ruy Mauro Marini, Theotônio dos Santos, Vânia Bambirra, etc.
De fato, mencionamos anteriormente que uma das importantes diferenças entre o
Estado feudal e o Estado moderno está em que o Estado moderno supõe a separação
relativa entre o poder político e o poder econômico. Tal separação pode ser realizada na
medida em que para esse Estado, todos os homens são iguais perante a lei. O Estado
moderno é baseado, portanto, na igualdade formal entre os indivíduos.
É nesse contexto histórico que Adam Smith escreveu sua Riqueza das Nações
em 1776, dando o pontapé inicial na consolidação da Economia como um campo
próprio da Ciência. No Brasil, não obstante, levaríamos ainda mais de 100 anos desde a
publicação da obra de Smith até que a escravidão fosse abolida, em 1888. De fato, o
Estado brasileiro, fundado em 1822, conviveu por mais de 60 anos com a escravidão,
mantendo, portanto, justamente a lógica da desigualdade.
Daí que se já é importante reivindicar uma Teoria Econômica do Estado em
termos gerais, para nós, latino-americanos, é necessário ainda mais saber que essa teoria
precisará necessariamente garantir espaço à discussão do caráter histórico particular de
nosso desenvolvimento econômico e social. Somente assim, poderemos avançar, por um
lado no desenvolvimento teórico, e por outro, na compreensão de nós mesmos.
Referências
CARVALHO, Fernando José Cardim de. Mercado, Estado e teoria econômica: uma
breve reflexão. Revista Econômica, Niterói, v. 1, n. 1, p. 9-25, 1999.
FONSECA, Pedro Cezar Dutra. Prefácio. In: CORAZZA, Gentil. Estado e economia
na história do pensamento econômico: uma análise crítica do liberalismo econômico.
Porto Alegre: Cirkula, 2020, p. 11-14.
KEYNES, John Maynard. A teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo:
Nova cultural, 1988.
MARX, Karl. Cartas filosóficas (Antologia). São Paulo: Iskra/Centelha, 2016.
MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2014.
MARX, Karl. O Capital: Crítica da economia política. Livro I. São Paulo: Boitempo,
2014.
SMITH, Adam. A riqueza das Nações. Vol. I. São Paulo: Martins Fontes, 2003.