Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
6 - DA TEORIA DO VALOR-TRABALHO
A leitura dessas duas citações deixa claro que Smith ora define o valor
de troca das mercadorias pela quantidade de trabalho requerida para produzi-
las, ora define este valor como sendo igual a certa quantidade de trabalho vivo
que elas podem comprar ou comandar, ou seja, igual ao valor do trabalho
(salário). Ricardo percebe esta confusão de Smith e esclarece que aquele
autor “...que definiu com tanta exatidão a fonte original do valor de troca, e que
corretamente teve que sustentar todas as coisas se tornam mais ou menos
valiosas na proporção do trabalho empregado para produzi-las, estabeleceu
também uma outra medida-padrão de valor e se refere a coisas que são mais
ou menos valiosas, segundo sejam trocadas por maior ou menor quantidade
dessa medida-padrão. Como medida-padrão se refere algumas vezes ao trigo,
outras ao trabalho; não à quantidade de trabalho empregada na produção de
cada objeto, mas à quantidade que este pode comprar no mercado, como se
ambas fossem expressões equivalentes...”.
Essa confusão de Smith, no tocante à definição do valor da troca, faz
sugerir que ele abandona a teoria do valor-trabalho quando analisa os
fenômenos da sociedade capitalista. É o próprio Smith que suscita isto. De
fato, ao se referir ao estágio antigo e primitivo da sociedade, afirma que lá é
“...a proporção entre as quantidades de trabalho necessárias para adquirir os
diversos objetos / que / parece ser a única circunstância capaz de fornecer
alguma norma ou padrão para trocar esses objetos uns pelos outros”. Mas na
sociedade capitalista, onde o produto do trabalho não pertence integralmente
ao trabalhador, “...já não se pode dizer que a quantidade de trabalho
normalmente empregada para adquirir ou produzir uma mercadoria seja a
única circunstância a determinar a quantidade que ele normalmente pode
comprar, comandar ou pelo qual pode ser trocada”.
Entretanto, é preciso qualificar melhor essas duas passagens, antes
citadas, que parecem indicar que Smith abandona a teoria valor-trabalho.
Quando Smith diz que a quantidade de trabalho incorpora na mercadoria
não é mais a única circunstância a determinar o valor de troca, na verdade ele
quer dizer que, uma vez estabelecida a propriedade privada da terra a uma
certa acumulação de capital, o trabalhador já não pode mais desfrutar
integralmente do produto do seu trabalho. Neste caso, a igualdade entre o
valor do trabalho (salário) e o valor do produto deixa de existir. Neste sentido, a
quantidade de trabalho que uma dada mercadoria pode comprar ou comandar
é maior que a quantidade de trabalho nela inserida. Um exemplo esclarece
melhor tudo isso. “Suponha-se que em uma mercadoria estão contidas 100
horas de trabalho, proporcionadas por trabalhadores cujas subsistências custa
50 horas de trabalho: então, como essa mercadoria pode-se proporcionar a
subsistência a um número de trabalhadores capaz de proporcionar 200 horas
de trabalho. Neste caso, o trabalho é contido é 100 o trabalho ordenado /
comandado/ é 200”. Trabalho contido e comandado têm , portanto, duas
grandezas distintas.
Mas, qual dos dois trabalhos deverão ser a medida do valor trova? O
trabalho contido ou comandado? A resposta não pode afirmar um ou outro tipo
de trabalho. Isto porque, por trabalho comandado, Smith queria dar conta da
troca entre trabalho e capital, isto é, entre capitalistas e trabalhadores, troca
esta que expressa o fundamento da sociedade capitalista, ou seja, o
acréscimo de valor das mercadorias possuídas pelos capitalistas. Mas, o
raciocínio de Smith, neste particular, é circular. Com efeito, visto que o trabalho
comandado é a expressão de uma certa quantidade de mercadorias que
compõem a cesta de consumo dos trabalhadores, e o valor de troca desta
cesta é determinada pela quantidade de trabalho que ela comanda, o trabalho
comandado como medida de valores de troca, é uma medida que precisa
antes ser determinada.
Enredado neste círculo vicioso, quando resolve tratar da troca entre
capital e trabalho, Smith nada faz para sair desse impasse, e no capítulo em
que trata do preço natural e de mercado, volta a sustentar sua tese de que as
mercadorias são trocadas pelas quantidades de trabalho nelas inseridas. Volta
a sustentar esta tese porque sua teoria do valor-trabalho tem um caráter
meramente instrumental: explica as proporções individuais da troca. Neste
sentido, seu tropeço na troca entre capital e trabalho, não invalida sua idéia
original de que o trabalho é a única medida de valor de troca das mercadorias.
Se isso não fosse verdade, o preço natural não poderia cumprir nenhuma
função no seu esquema teórico geral. Por isso é que se pode dizer que Smith
não abandona sua teoria do valor-trabalho.
Isto posto, é chagado o momento de analisar a segunda questão
anunciada na abertura dessa seção, qual seja: a relação entre o conceito de
valor e valor de troca.
Como se viu anteriormente, a teoria do valor de Smith se preocupa,
unicamente com a análise das proporções individuais da troca, isto é em
analisar as regras que as pessoas observam ao trocar suas mercadorias por
dinheiro ou por outras mercadorias, para isto, Smith precisava saber porque se
trocam, por exemplo, duas unidades de uma mercadoria por uma unidade de
outra. Sua resposta: depende de quanto custou cada mercadoria em termos
de quantidade de trabalho nelas despendidas. Em outras palavras, a tarefa
que se impunha a Smith era conhecer o valor de cada mercadoria, para
explicar as proporções da troca de mercadorias.
A resposta de Smith a este problema foi longamente discutida na seção
6.1, quando se tratou do preço natural, como sendo o real valor das
mercadorias. Cabe agora, discutir os fundamentos metodológicos deste
conceito e sua relação com o valor de troca.
Indo direto ao problema, Smith constrói o conceito valor (ou preço
natural), procurando identificar o que é comum a todas mercadorias. Descobre
que é o trabalho. Logo, o trabalho deverá ser a medida do valor de troca das
mercadorias.
O conceito de valor, assim definido, é uma generalidade abstrata. Isto é,
Smith constrói este conceito mentalmente, pondo de lado todas as diferenças
existentes entre os distintos trabalhos para chegar a um traço comum, peculiar
a todas as mercadorias: todas são resultados de dispêndio de energia
humana. E como dispêndio de energia humana é um fato comum a todas as
épocas, o valor recebe, em Smith, um estatuto natural. Por isso, aquele
pensador pode trabalhar com o preço natural como tendo validade tanto
naquele rude e primitivo estágio da natureza, como no capitalismo.
Posto que o conceito de valor é uma generalidade abstrata, Smith deixa
de perceber a relação entre valor e valor de troca. Não percebe, portanto, que
o valor se expressa no valor de troca . Por isso Smith não podia operar
redução do valor de troca ao valor, ou seja, não há nenhuma passagem, neste
autor, mostrando como se passa de equação de igualdade das mercadorias
para o fator comum que está na base daquela equação, isto é, o valor cujo
conteúdo é o trabalho. Neste sentido, sua teoria do valor, apesar do conceito
de preço natural, não sai da esfera da circulação.
Em razão disso, sua teoria do valor se resumia em analisar as
proporções individuais em que são trocadas as diversas mercadorias. Não é
disso que fala Smith, quando diz que à teoria do valor cabe examinar “...quais
são as normas que naturalmente as pessoas observam ao trocar suas
mercadorias por dinheiro ou por outras mercadorias”?
Não podendo descobrir a relação entre o valor e o valor de troca - como
deduzir o valor a partir do valor troca a este a partir daquele -, Smith
permanece apenas na esfera da circulação. Permanecendo nesta esfera não
poderia explicar a geração do excedente. Consequentemente, o lucro e a
renda da terra não podem ser explicados com base na sua teoria do valor, a
não ser que sejam consideradas como um dado factual, ou se recorra a uma
acumulação primitiva pessoal de capital (vide seção 5).
Mas, se Smith não dá conta da geração do excedente como este autor
explica o crescimento da riqueza, o desenvolvimento do capitalismo? Convém
deixar o próprio Smith responder. Referindo-se ao desenvolvimento da
Inglaterra, ele diz que a produção anual da terra e do trabalho daquele país é
“...muito maior hoje do que na época da restauração ou da revolução. Em
conseqüência maior deve ter sido também o capital empregado anualmente
no cultivo da terra e para manter essa mão-de-obra. Em meio a todas
exceções feitas pelo Governo, esse capital foi sendo silencioso e
gradualmente acumulado pela frugalidade e pela boa administração de
indivíduos particulares, por seu esforço geral, contínuo e ininterrupto no
sentido de melhorar sua própria condição. Foi esse esforço, protegido pela lei
e permitido pela liberdade de agir por si próprio da maneira mais vantajosa,
que deu sustentação ao avanço da Inglaterra em direção à grande riqueza e
ao desenvolvimento...”.
Como se pode notar, o crescimento da riqueza social se explica não
como sendo resultado da reinversão do excedente apropriado pela classe
capitalista, mas sim como resultado e conseqüência do esforço individual,
fundado no trabalho próprio. Neste sentido, a frugalidade é a base sobre a qual
se apoia a teoria smithiana da acumulação. Com efeito, em suas próprias
palavras, “...os capitais são aumentados pela parcimônia e diminuídos pelo
esbanjamento”.
Em seguida, acrescenta que “...a parcimônia, e não o trabalho, é a causa
imediata ao aumento de capital. Com efeito, o trabalho fornece o objeto que a
parcimônia acumula. Com tudo o que o trabalho consegue adquirir, se a
parcimônia não economizasse e não acumulasse, o capital nunca seria maior”.
6.3 - Conclusão
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- SMITH, Adam. A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas
causas. São Paulo, Nova Cultura, 1985.