Você está na página 1de 562

N.C..lwn. J3:S.

4 M355t
Autor: Marx, Karl,1818-188
Título: Teorias da mais-valia : teoria

11111~ 11~1 ~1111111~111111111111111~1111111~


1383551& Ac. 6836&
11, J UFCE-!.lh\c
TEORIAS DA MAIS-VALIA-
HISTúRIA CRITICA
DO PENSAMENTO ECONOMICO

Teorias da mais-valia, a parte maior e


mais,desenvolvida do manuscrito econô--
mico elaborado por Marx de 1861 a
1863, é antes de tudo uma hiitória criti-
ca do pensamento econômico. Nessa
obra, entretanto, àS pesquisas histórico-
críticas se aliam à elaboração teórica,
envolvendo questões que são hoje objeto
do mais aceso debate.
Em Teorias da mais-valia, a visão crí-
tica de Marx se liga particularmente a
sua concepção acerca das categorias e
relaçõe.<; econômic.as, bem distinta da vi-
gente na economia clássica. Para Marx,
as relações económicas fazem parte de
um complexo processo evolutivo, social,
mas essa evolução pode culminar em
transmutação revolucionária. Marx viu
que, para explicar as relações econômi-
cas, era mister ir além do domínio eco-
nômico, e por isso elaborou uma teoria
·da história.
A economia clássica, ao considerar as
categorias e relações econômicàs dados
universais, imutáveis, tinha imp1icita-
mente como pressuposto uma estrutura
social petrificada.
As concepções de Marx induziram-no
sem dúvida a empregar métodos de aná-
lise muito · mais amplos e penetrantes
que os da economia clássica, a fim de
ultrapassar o campo estrito .por ela
ocupado, de estudar as transformações
das estruturas sociais e descobrir as leis
que regem sua dinâmica.
Apesar dos progressos realizados pela
: , moderna economia acadêmica em vários
~.domínios~ como na investigação dos ci-
(fclos. nos modelos de crescimento a lon-
i~o prazo e no rolaciona.niento com .as-
'Ll~~UA5
AO ~~~·~T~CNlÇO
...
<!(b..,~~~k-~-:,.•.,;.~ ~-'.'l-Z-~12::.ii.....;_-.;::,~~

U3.?FE;AÇj·~
KARL MARX

Teorias da mais-valia
História Crítica do Pensamento
Econômico

(Livro 4 de O CAPITAL)

Volume III

Tradução de
REGINALDO SANT'ANNA
.. . 1~~.~)51~
ME~RT fU~G:~J ;?!Ui</
. Do original em alemão: TIIEORIEN UBER DEN
(VIERTER BANl> DES "KAPITALS")
DRlTIER TEIL
uFC ,J

Neunzehntes bis vierundzwanrlgstes Kapítel und Beili·1mn-----~·-~----..t


MEW, 26.3
Dieu Verlag, Berlim, 1974 A,:;
.- ~~
G"<),., r :s:.;
ô J u ~.)
ClP·Brasil. Catalogaç.ão·na-Publica~....,.~'"--~"""""-..J,J,..Z...--J
Câmua BJISileira do Lim>, SP

Mau:, Karl, 1818-1883.


M35St Teorias da. mais-valia: históriacríti~ do
v. l ·3 pensamento econômico : liv.ro 4 de O capital j
Karl· Marx ; traduçã'o de Reginaldo Sant' Anna.
- São Paulo : DIFEL, 1980-1985.
1. Capital (Economia) 2. Economia
marmta. 3. Mais-valia l. Título. ll. Título:
História crítica do pensamento econômico.

17. CDD-335.411
18. ·335.412
17. -332
84-2116 18. -332.041

fndkes pan catáJoso sistemático:


l. Capital: Economia 332 (17.) 332.041 (18.)
2. Economia marxista 335.411 (17.) 335.412 (18.)
3. Mm-valia: Economia marxista 335.411 (17.)
335.412 (18.) '
4. Marx, Karl, 1818-1883: Conceitos econômicos
335.411 (17.) 335.412 (18.)

1985
Direitos para ~-ÍíngÜ-; portUguesa .r~~ervados pelo tradutor à

Sede:
Av. VieJia de Ca:rvalho, 40 - CEP 01210
São Paulo - SP- Tel.: 221-5388
Telex: 32294 DFEL-BR

Vendas:
Rua Doie de Setembro, 1305 - V. Guilherme
CEP 02052 - São Paulo - SP-Tel.: 267-0331
SUMARIO

TEORIAS DA MAIS- VALIA


HJSTÔRlA CR1TICA DO PENSAMENTO ECONÔMICO

Volumem
·f' ...,
XIX.T.R. MALffiUS ••••••••..•...•..•. • •••.. · • · • · · · · B,JQ(>? . ~
1. Malthus confunde as categorias mercadoria e capital . . . . . . 1068
2. Concepção vulgar de mais-valia, de Malthus . . . . . . . . . . . . 1074
3. Traços comuns aos malthusianos e ricardianos em sua posi-
ção para com a classe trabalhadora . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1077
4. B unilateral a interpret~§;'o malthusiana da teoria do.valor de
Smith. Utilização das teses falsas de Smith no combate a
Ricardo . . . . . . • . . . . . . . . . . . . . • . . . . ·. . . . . . . . . . 1078
5. Interpretação malthusiana da tese de Smith sobre o valor
bnutável . . . . . . . . . . • . . . . • • . . . . . . . . • . . . . . . . . . 1081
6. Malthus utiliza. as teses rlcardianas sobre a modificação da
lei do valor para contestar a teoria do valor· trabalho . . . . . . 1084
7. Definição vulgar do valor de Malthus. Malthus considera o
lucro acréscbno sobre o preço. Contesta a idéia ricardiana
do salário relativo . . . . . . . . . . . . . . . . . . r . . • . . . . . . • 1086
8. Idéias de Malthus sobre trabalho produtivo e acumu1aç!o . . . 1090
a) O trabalho produtivo e o bnprodutivo . . • . . . • . . . . . . 1090
b) Acwnulação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ·1091
9. O capital constante e o variável segundo Malthus . . . • . . . . 1092
10. Teoria do ..,,alor de Malthus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1094
11. Superproduçâ'o. "Consumidores improdutivos" etc. . ... , . 1096
12. A substância social da argum:entação de .Malthus contra
Ricardo. A deturpação m~thusiana das idêías de Sismondi
sobre as contradições da produção burguesa . . . . . . . . , , . . 1106
13. Crítica dos ricardianos à concepção malthusiana dos "consu-
midores improdutivos" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1114
14. A apologética e o plágio nas obras de Malthus . . . . . . . . . . 1116
15. Princípios de Malthus apresentados na obra anônima "Outli-
nes of Political Economy" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1118

-XX. DESAGREGAÇÃO DA ESCOLA RICARDIANA . . • • . • • . . . . . . . 1124


1. R. Torrens. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1124
a) A ·relação entre a taxa média de lucro e a lei do valor,
segundo Smith e Ricardo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1124
b) Confusão de Torrens ao definir o "valor do trabalho" e a
fonte do lucro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1127
c) Torrens e a idéia dos custos de produção. . . . . . . . . . . . 1134
2. Jaines Mill . . . . . . . . . . . • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1139
a) Confusão entre mais-valia e lucro . . . . . . . . . . • . . . . . 1140
b) Tentativas infrutíferas de Mill, de compatibilizar a troca
entre capital e trabalho com a lei do valor . . . . . . . . . . . . 1143.
e) Mill não compreende o papel regulador do lucro industrial 1153
d) Ptocura, oferta, superprodução . . . . . . . . . . . . . . . . : . 1155
e) Prévost. Rejeição de algumas conclusões de Ricardo e
Jaines Mill. Tentativas de provar que não é inevitável
redução constante do lucro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . 1159
3. Publicações polêmicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1164
a) "Obse:rvation on certain verbal disputes ... " Ceticismo na
Economia Política. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1164
b) "An inquiry into those princíples ... " Incompreensão das
contradiç~s da produção capitalista geradoras de crises . . 1172
c) Thomas de Quincey. Incapacidade de superar as carências
da concepção ricardiana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1179
d) Samuel Bailey ............................ , 1180
a) Relativismo.superficial na obra ..Observations on Certain
Verbal Dísputes... " e na definiçã'o de valor de Bailey.
Rejeição da teoria do valor segundo o trabalho .. , . . . 1180
{3) Bailey confunde-se ao definir o "valor do trabalho" e
o lucro. Confunde a medida imanente do valor com a
expressão valor-mercadoria ou valor-dinheiro·. . • . • . . 1202
'Y) Bailex_ confunde valor e preço . . . . . . . . . . . . . . . . . 1213
4. McCulloch. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1221
a) Versiiovulgar e dissolução do-sistema ricardiano sob a apa-
rência de aperfeiçoamento lógico. Apologia cínica da
produção capitalista. Ecletismo sém escrúpulos . . . . . . . 1221
b) -McCullochdeturpa o conceito de trabalho ao estendê-lo a
processos naturais. Identifica valor de troca com valor de
uso . • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . : . . . . . . . . . . . . . 1229
5. Wakefield. Objeções à teoria ricardiana do valor do trabalho
e da renda fundiária . . . . . . . . . . . . . • . . . . . . . . . . . . . 1240
6. Stírling. Explicação do lucro pela oferta e procura . . . . . . . 1241
7. John Stuart Mil1 ...•..•...• , • . . . . . . . . . • . . . . . . . 1243
a) Confusão entre taxa de mais-valia e taxa.de lucro. Elemen-
tos da concepção do "lucro de alienação". Conceituação
confusa de "lucros antecipados" . • . • . . . . . . . . . . . . . l 243
b) Variação aparente da taxa de lucro quando o capitalista
passa a produz.ir o capital constante prpprto. . . . . . . . . . 1263
c) Influência da variação de valor do capital constante sobre
a mais-valia, lucro e salário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1267
8. ObseIYação final sobre a escola ricardiana . . . . . . . . . . . • . 1285

XXI. OPOSIÇÃO AOS ECONOMISTAS (BASEADA NA


TEORIA RICARDIANA) . . • . . -. . . . . . . . • . • . . . . . . . ...• , 1287
1. "The source and remedy of the national difficulties etc. A
letter to Lord John Russell", Londres, 1821 (Folheto Anô-
niino) . . . . . . . . . . . . . . . . . • . . . . . . . . . . . . • . . • . . . 1287
a) Luc.ro, renda fundiária e juro como trabalho excedente.
Correlação éntre a acumulaç~o de capital e o •'fundo do
trabalho" . , . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1287
b) Troca entre capjtal e renda (revenue) na reprodução sim-
ples e na ampliada. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • . . . . . 1295
e) Méritos e erros do autor. Do comércio exterior. Tempo
-livre, verdadeira riqueza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1301
2. Ravenstone. O capital, produto excedente. Confusão da
forma antagônica do desenvolvimento capitalista com seu
conteúdo. Consideradas nt,;ativas as conseqüências. do
desenvolvimento capitalista das forças produtivas . . . . . . . . 1306
3. Hodgskin . . . . . . • . . . . . . . . . . , . . . . . . . . . . . . • . . . 1312
a) Tese da improdutividade do capital, conclusão necessária
da teoria de Ricardo . . . . . . . . . . . . . . . . . . , . . . . . . 1312
b) Combate à definição de Ricardo: Capital, Trabalho Acu·
mulado. Concepção do "Trabalho coexistente". Subesti-
mada a importância do Trabalho pretérito materializado · 1315
e) A chamada acumulação de mercadorias, mero fenômeno
da circulação (estoques etc. - Reservatórios da circulação) 13 28
d) Hodgskin contra a concepção de os capitalistas "anna·
zenarem" meios de subsistência em favor do trabalhador;
sua incompreensão no tocante às causas reais da fetichi·
zaçã:o do capital . . . . . • . . . . . . . . . • . . . . . • . . . . • 1337
e) Juro de juro; a justificativa do decréscimo da taxa de
lucro . . . . • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1344
f) O caráter social do trabalho e a relação entre capital e
trabalho, segundo Hodgskin . . . . . . . . . . . . . . • . . . . 1359
g) Hodgskin formula teses fundamentais em seu livro "Po-
pular Political Economy" . . . . . . . . . . • . . . . . . . . . . 1361
h) Idéias de Hodgskin sobre o poder do capital e sobre. a
revolução no direito de propriedade . ·..... · ... , . , . . 1364
4. Oposição de Bray aos economistas . . . . . . . . . . . . . . • . . 1365
XXII. RAMSAY . . • . . • . . . . . . . . . . . . • • . . • . . . . . . . . . • . ·, . 137 l
L Tenta distinguir capital constante de capital .variãvel.
Concebe· o capital como forma social acessória .. . . • • . . . . 1371
2. Idéias de Ramsay sobre mais-valia e valor. Redução de niais-
valia a lucro. Influência das variações do valor <;lo capital
constante e do variável sobre o montante e a taxa de lucro . 1373
3. Lucro broto e a sua repartição em lucro líquidoe lucro do
empresário seiundo Ramsay. Elementos apologéticos <fu""
seus pontos de vista . . . . . . . . . . . . : .......• , . . . . . 1396
XXlll.CHERBULmz . . . . . . • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1405
l. Tentativa de distinguir capital constante de variável . . . . . . 1405
2. Decréscimo relativo do capital variável com desenvolvimen-
to da produçã'o capitalista . . . . . . . . . . . . . • . , . . • . . . 1408
3. Cherbuliez: Influência da composição orgânica do capital
na taxa de lucro. Sua "Lei da Apropriação". . . . • . . . . . . 1412
4. A acumulaçlío, reprodução ampliada . . . • . • • . . . . . . . . 1421 ·
5. O lado sísmondiano de Cherbuliez. A composição orgânica
do capital. Capital fixo e circulante . . . . . . . . . . . . . . . . 1423
6. Cherbuliez procura harmonizar os pontos de vista incompa-
tíveis de Ricardo e Sismondi . . . . . . . . ~ . . . . . . . . . . . . 1436
XXIV.RICHAAD JONES . • . • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • • • . . 1439
1. "An Essay on the Dístribution of Wealth ..."Significado da
diferença histórica dos modos de produção, segundo Jones.
Sua superioridade em relaçlro a Ricardo rio tocante a certas
questões sociais da teoria da renda . . . . . . . . . . . . . . . . . 1439
2. "An Introductozy on Political Economy .. !' O conceito
de "Estrutura Econômica da Nação". Confusão de Jones a
respeito de "Fundo do Trabalho" . . . . . . . . . . . ·. . . . . . 1454
3. Richard fones, "Text·Book of Lectures on the Politícal
Economy ofNations", Hertford, 1852 . . . . . . . . . . . . . . 1459
a) O capital segundo Jones. Sua concepção de trabalho
produtivo e improdutivo . . . . . . . . ~ . . . . . . . . . . . . 1459
b) fones: A influência da produçlro capitalista no desenvol-
vimento das forças produtivas; as condições para a apli-
cação do capital fixo adicional . . . . . . . . . . . . . . . . . 1472
c) Acumulação, taxa de lucro e fonte de mais-valia. segun-
do Jones . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1485

ADITAMENTOS

A RENDA (REVENUE) E SUA FONTES. A ECONOMIA VULGAR . . . 1493

1. Desenvolvimento do capital produtor de juros na base da produ-


ção. capitalista. O capital produtor de juros, fonna fetichista do
capital. O juró· do.(;apital segundo os economistas vulgares e os
socialistas vulgares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1493
2. Capitàl produtor de juros e capital comercial em relação ao
capital industrial. Formas antigas. Fonnas derivadas . . . . . . . . . 1508
3. Divisão da mais-valia em partes individualizadas e configuradas
em rendas diferentes. Relação entre juro e lucro industrial. Irra-
cionalidade das formas fetichizadas da renda . . . . . . . . . . . . . . J 513
4. Como as formas transmutadas da mais-valia se separam cada vez
mais da essência dela, o trabalho excedente. O lucro industrial
considerado "Salário do Capitalista". . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1520
5. Diferença essencial entre a economia clássica e a vulgar. Juro e
renda fundiária, elementos constitutivos do preço de mercado da
mercadoria. Os economistas vulgares tentam .dar aparência racio-
nal às formas irracionais do juro e da renda fundiária .. . . . . . . . . 1536
6. Proudhon combate o juro e não compreende o nexo causal entre
juro e sistema de trabalho assa1ariado . . . . . . . . . . . . . . . . . • . 1558
7. Lutero supera Proudhon. no combate ao juro. As idéias sobre
juro mudam com o desenvolvimento das relações capitalistas 1562

ADENDOS
Tabela de pesos, medidas e moedas ingleses . . . . • . . . . . . . . . . . . 1579
fndice onomástico · . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ~ . 1580
fudice analítico • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • • . . . . • . . . I 584
,·•~ '

Capítulo XIX
T. R. Malthus 1

Trabalhos de Malthus que se examinam aqui:


(1) The Measure of Value Stated and Rlustrated, Londres, 1823.
(2) Definitions in Political Economy etc., Londres, 1827 (considerar
também a mesma obra editada por John Q.zzenove, Londres, 1853, com
"notas e observações suplementares" de Cazenove).
(3) Principies of Política/ Economy etc., 2~ ed., Londres, 1836 (com-
pulsar primeira edição, de 1820 mais ou menos).
(4) Também levar em conta o trabalho seguinte de um malthusiano2
(malthusiano por op0siçlio aos ricardianos): Outlines of Political Economy
etc., Londres, 1832.

1. Neste capítulo examina Marx os trabalhos que Malthus escreveu após o apa-
recimento da obra principal de Ricardo, On the principies of political economy, and
taxation, de 1817. Ricardo desenvolvera aí a teoria do valor-trabalho e preconizara "o
desenvolvimento mais desenfreado possível das forças produtivas $0ciais, sem se p1eo-
cupar com o destino dos agentes da produçã"o, fossem eles capitalistas ou trabalhado·
res" (ve1 p. 1106) deste capítulo. Ma.lthus contrapõe-lhe urna teoria em que procura
legitimar a exploração e em geral defender os interesses das camadas mais reacionárias
das cl.a.sses dominantes.
Neste capítulo são apenas ocasionais as refetê.ncía.s a Malthus como autor da
"teoria da populaçào". No cap. "Observações sobre a história da· descoberta da chama-
da lei ricardiana" (ver vol. 2, pp. 546-552), faz M:ux uma avaliação geral da obra de
Malthus, An essay on the principie ofpopulation.
2. Verificou-se depois ser John Cazenove o autor desse trabalho anônimo.

1067
1. Malthus confunde as categorias mercadQria e capital

Em sua obra Observations on the Effects o[ the Com Laws., 1814,


Malthus dizia ainda de A. Smith:

"A. Smith foi levado a desenvolver essa argumentaçã'o pelo hábito de con·
siderar o trabalho" (isto é, o valor do trabalho) "o estalão do valor, e o
trigo, a medida· do trabalho ... Nem o trabalho. nem nenhuma outra mer-
cadoria pode constituir medida exata do valor real de troca: esta proposi·
çfo é considerada hoje uma das doutrinas itrefutiveis da economia políti·
ca., e na.verdade provém da própria definição do valor de troca" (p. 12).

Mas, em sua obra de 1820, Princ. of Pol. Ec .. , acolheu esse "esta/ão


do valor" de Smith para brandi-lo contra Ricardo, estalão que o próprio

1068
Smith jamais utiliza ao desenvolver realmente seus ternas 3 • Malthus mesmo,
na obra citada, Obseryations on the Effects of the Com Laws, ativera-se a
outra definição de Smith: a determinação do valor pela quantidade neces-
sária de capital (trabalho acumulado) e de trabalho (imediato) para produzir
um artigo.
Está meridianamente claro que Malthus, ao elaborar a obra Prmciples
e as duas outras citadas, destinadas a ponnenorizar certos pontos daquela,
foi movido em grande parte pela inveja que tinha do sucesso do lívro de
Ricardo 4 e pelo empenho em reconquistar a posição culminante a que che-
gara C-Om suas habilidades de plagiador, antes de aparecer o livro de Ricardo.
Além disso, em Ricardo, a determinação do valor, embma ainda abstrata em
seus desdobramentos, se volta contra os interesses dos proprietários das ter-
ras e de seus serviçais, interesses que Malthus representava de maneira ainda
mais imediata que os da burguesia industrial. Apesar disso, não se pode
negar que Malthus esposava certo interesse por laborações especulativas. Mas
sua oposiçlro a Ricardo - e a fom1a que ela assumiu - só foi possível por ter
Ricardo incorrido em tod.as as espécies de incoerências.
r Os alvos do ataque de Mal.thus são a origem da mais-valias, a maneira
/ como Ricardo atribuí à modificaçã'o da própria lei do valor o nivelamento
/ dos ·preços de cu.sto 6 nas díferentes esferas de emprego do capital, e sua
j confusão contínua de lucro com maís-v-.tlia (identificando diretamente uma
· coisa com a outra). Malthus, ao invés de destrinchar essas contradiç<Jes e
qüiproquós, aceita-os de Ricardo, para lançar por terra, apoiado nessa con-
1 fusão, a lei ricardiana do valor etc. c tirar conclusões agradãveis a seus
'\ protetores.
'\

3. Em capítulos anteriores (ver vol. 1, pp. 54 eSS,evol.2,pp. 834-836)Marx


critica o ponto de Vista sustentado por Adam Smith, de ser o valor do trabalho o esta·
lâ"o do valor e mostra que essa idêia contraria outras concepçães mais profUndas sobre
o wlor, elaboradas por Smith.
4. On rhe principlss of political economy, and taxation, Londres, 1817.
5. No vol. 2, pp. 827-832 e 836-&39, trata Marx da inexistência de uma análise
da origem da mais-valia em Ricardo e do problema da troca de trabalho por capital,
insolúvel para esse autor.
6. Marx utiliza o termo "preço de custo" em difererites sentidos: (1) no de custo
de produÇão para o capitalista (v+c); (2) no de "custo imanente de produção" da mer-
cadoria (c+v+m), o qual coincide com o valor da mercadoria . e (3) no de preço de pr~
dução (c+v+Jucro médio). No vol. 2, Marx emprega o te.troo "preço de custo" no sentí-
do (3), isto é, no sentido de preço de produçã'o ou "preço médio". Esses tel!llOS aí são
sinônimos.
Neste volume emprega o tenno "preço de eusto" no sentido de preço de produ-

1069
A verdadeira contribuição dos três livros de Malthus consiste no des·
taque que dá à troca desigual entre capital e trabalho assalariado, enquanto
Ricardo na realidade nã'o esclarece como surge da troca das mercadorias,
segundo a lei do valor (do tempo de trabalho nelas contido), a permuta desi-
gual entre capital e trabalho vivo, entre detemúnada quantidade de trabalho
acumulado e determinada quantidade de trabalho imediato, e por isso deixa
de fato ininteligível a origem da mais-valia (uma vez que, para ele, o capital
se troca díretamente por trabalho e nã'o por força de trabalho). Um dos pou-
cos discípulos ulteriores de Malthus, Gzzenove, no prefácio à obra mencio-
nada acima, Deflnitions etc., atina com a questão e diz:

'"/'roca de mercadorias e distribuiçt!a (salário, renda fundiátia, lucro) têm


de ser consideradas éoisas distintas entre si. •. As leis da distribuição em
nada dependem das referentes à troca... fJ'refácia, pp. VI e VIl).

O que aí significa apenas que a relação entre salário e lucro, a troca de


capital por trabalho assalariado, de trabalho acumulado por trabalho vivo,
nlfo coincide de imediato com a lei da troca de mercadorias.
Se observamos a utilização do' dínheiro ou da mercadoria C()ntO capi·
tal - isto é, nã'o seu valor mas sua utilização capitalísta - perçebemos que
a mais-valia é apenas o excedente do trabalho, o trabalho Íl!ío pago que o
capital - isto é, a mercadoria ou o dínheíro - comanda acima da quantidade
de trabalho que a própria mercadoria encerra. Esta compra, ~êm.d-.. quanti-
dade de trabalho nela contida(= a soma de trabalho encetrada nos elemen-
tos de produção nela incorporados+ o trabalho iÍnediato 3 eles adicionado),
um excedente de trabalho que nela nãO se inseriu. Essa sobra constitui a
mais-valia; de sua magnitude depende a taxa de valorização. E essa quantida-

çâo e também no sentido de custo de produção pua o capítalísta (ver, por exemplo,
pp. 1098, 1099, 1414 e 1506).
Essa variação no emprego do tenno ''p1eço de custo" decorre dos diferentes
significados. que tem a palavra "custo" na economia, a saber: (1) adiantamento pago
pelo capitalista; (2) preço do capital adiantado +lucro médio; (3) custo de produção
real (imanente) da p.rópria mercadoria. Marx faz observações específicas sobre o assun-
to neste volume (ver pp. 1134 ·1138, 1549 e 1550).
O termo "preçO de custo", além dos três sentidos consideudos, encontrados nos
economistas clássicos, possui um quarto, apresentado por Say em sua obra Trllité d'éco-
nomíe politique (li!- ed., t. m, Paris, 1814, p. 453). Segundo Say, p1eço de custo é o
que se paga pelos serviços produtivos do trabalho, do capital e da terra. Marx rejeita
essa concepção vulgar (ver, por exemplo, vol. 2, pp. 576, 577, 663 e 933).

1070
de excedente de trabalho vivo, por que se troca a mercadoria, constitui a
/fonte do 1ucro. O lucro (ou melhor, a mais-valia) nã:o decorre da troca de
uma quantidade de trabalho materializado por quantidade igual de trabalho
vivo, e sim da porção de trabalho vívo capturada nessa troca sem se pagar
por ela um equivalente, isto é, do trabalho não pago de que o capital se
apropria nessa pseudotroca. Se abstraímos da mediação desse processo -
e faltar essa mediação em Ricardo é o que mais dá razão a Malthus, para
omiti-la -, se olhamos somente o conte'Üdo efetivo e o resultado do proces-
so, a produção de mais-valia, de lucro, a conv~rs[o do dinheiro ou mercado-
! ria em capital náO surgem da circunstância de a.s mercadorias se trocarem
.\ de acordo com a lei do valor, ou seja, na razão do tempo de txabalho que
custam, mas, aci revés, da circunstância de as mercadorias ou o dinheiro (tra-
\.' ba1ho materializado) se uocarem por mais trabalho vivo do que neles se
· incorporou, se consumiu.
O único mérito de Malthus nas obra& mencionadas é acentuar esse
ponto que, em Ricardo. perde a nitidez, tanto mais que ele supõe sempre o
produ~o acabado, que se reparte entre capitalista e trabalhador, sem conside-
rar a troca, o processo mediador que leva a essa distribuiçã'o. Esse mérito é
anulado por confundir ele a l'alorização do dinheiro ou da mercadoria como
capital, ou seja, seu l'alor na função específica de capital, com o valor da
mercadoria como tal; por isso, como veremos, a exposiçlfo de Malthus retro-
cede ãs idéias vãs do sistema monetário ~ ao lucro de alienação (profit upon
exproprlation) 7 - e em geral enreda-se na mais -insuportável confusa-o.
Assim, em vez de superar Ricardo, procura Malthus fazer a economia recuar
às idéias anteriores a Ricacdo e mesmo a Smith e aos fisiocratas.

"No mesmo paú, ao mem\O tempo, o valor de troca das mercadorias que
podem ser 1eduzidas apenu a trabalho e lucro se.râ medido, a rigor, pela
quantidade de trabalho que resultwí de se adicionar ao uabalho acumula-
do e ao imediato de fato consumidos para produzi.tas, a magnitude cam-
biante do lucro sobre todos os adiantamentos medidos em trabalho. Mas
isso tem de ser igual à quantidade de trabalho que elas comandarão" (Tlle
Mu:sure of Value Stated (111dnlustrilted, Londres, 1823, pp. 15, 16).
"O uabalh.o que uma mercadoria pode comandar é medida do valor"
(l.c., p.61).

7. Luéfo de alienação ("profit upon expropriation" ou "profit upon aliena-


tion "), conceito desenvolvido por James Steuart, analisado por Mar}[ no wl. 1,
pp. 15-18.

1071
"Nunca Yi'' (antes de seu próprio livro The Measure of Value erc.) "quem
est11beh:.ccsse que a. normal quan ridade de trabalho que uma mercadoria
comanda, tem de 1epresentar e medír a quantidade de trabalho emprega-
da pOTa produzi-lo, com a adição do lucro"' (Definir. in PoLEc.etc., Lon-
dres, 1827, p. 196).

Para Q "lucro" provir da definiçã'o de valor, de imediato, Malthus o


inclui logo nessa definição, o que não faz Ricardo. Vê-re daí que ele sente
onde está a dificuldade.
Além disso, atinge as rafas do absurdo ao identificar o valor da merca-
doria com sua valorização como capital. Quando mercadoria ou dinheiro
(em suma, tiabalho materializado) na função de capital se trocam por traba-
Jho vivo, trocam-se sempre por quantidade de trabalho maior do que o que
encerram; e se comparamos a mercadoria, antes dessa troca, com o produto
resultante de ser permutada por trabalho \'ivo, verificamos que a me.rcadorla
foi trocada por seu próprio valor (equivalente) + uma sobra acima desse
valor, a mais-valia. Mas é absurdo dizer por isso que o valor da mercadoria
= seu valor + sobra acima desse valor. A mercadoria, se se troca como mer-
cadoria por outra e não como capital por trabalho vivo, permuta-se - ao
trocar-se por um equivalente - pela mesma quantidade de trabalho materia·
lizado nela conti.do.
O notável aí, portanto, é apenas a circunstância de Malthus considerar
de imediato o lucro, já pronto e acabado, no valor da mercadoria," estando
uma coisa clara para ele: que a mercadoria sempre comand.a mais trabalho
que o que encerra.

"O trabalho que uma mercadoria de ordinário comanda mede o trabalho


nela consumido com o acréscimo do lucro, e é precisamente por isso que
é legítimo considerá-lo" (o trabalho) "medida do valor. Se portanto se
considerar o valor ordinário de uma mercadoria detenninado pelas condi·
ções naturais e necetsárias de sua ofert11, o trabalho que ela nonnalmente
comanda é, por certo, a única medida dessas condi~es" (J)efin. fn Pol.
Ec., Londres, 1827, p. 214). ·
"Cusros elementares de produção: exprw.to que é o equivalente exato de
condições da oferta" (ed. Cazenove, Londres, 1853, Lc., p.14).
"Medida das condi;ties da oferta: a quantidade de trabalho por que se
tioca a mercadoria quando se encontra em seu estado natu.ral e usual..
(ed. Cazenove, l.c.,p.14).
"A quantidade de trabalho que uma mercadoria comanda iepre~nta a
rigor a quantidade de trabalho empregada para produzi-la com o lucro
sobre os adiantamentos, e por isso de fato representa e mede as condições
naturais e necessárias da oferta, os custos elementares d~ piodução que
determinam o valor" (ed. CazenoVe, l.c., p. 25).

1072
"A procura de uma mercadoria, ei.nbon não esteja na razão da quantida·
de de qualquer outra mercadoria que o comprador pretende e pode ceder
por ela. está realmente na razão da quanddti.de de trabalho que ele dará
por efa; e por esta razão: a quantidade de trabalho que uma mercadoria
de ordinário comanda .cepresenta sua exata p1ocura efetiva, por repre.<$en·
tar a rigor aquela quantz'dade de trabalho e lucró necessários em conjunto
para se efetuar a oferta dessa mercadoria; enquanto a quantidade real de
trabalho que uma me.ccadoria pode comandar, ao diferir da quantidade
normal, representa o excesso ou deficiência de procura, oriundos de
causas temporárias"' (ed. Cazenow, l.c.; p.135).

Malthus está certo aí. As condições da oferta, isto é, da produção ou


antes da reprodução da mercadoria, na base da produção capitalista, consis·
tem em que a mercadoria ou seu valor (o dinheiro em que se converte) em
seu processo de produção ou de reprodução se troca por mais trabalho do
· que o nela contido, pois só é produzida para realizar um lucro .
. Um fabricante de chita, por exemplo, vende-a, e a condição da oferta
de nova chita é trocar ele o dinheiro, o valor de troca da chita - no processo
de reproduzi-la - por mais trabalho do que nela se continha ou do que o
dinheiro representa. Pois o fabricante de chita a produz como capitalista. O
que ele quer produzir não é chita e sim lucro. A produção de chita é apenas
meio para produzir o lucro. E daí? Na chita produiída há mais tempo de
trabalho, m~s trabalho que na chita adiantada para a produção. Esse tempo
de trabalho excedente, mais-valia, também se configura em produto exce-
dente, em mais chita do que a trocada pelo traba1ho. Parte do produto
portanto não repõe a chita trocada por trabalho, mas constitui produto
excedente que p~rtence ao fabricante. Ou quando observamos o produto
ínteiro, cada jarda, ou seu valor, encerra uma parte alíquota por que não se
paga equivalente e que representa trabalho não pago. Por conseguinte, o
fabricante, se vende a jarda de chita por seu valor, isto é, se a troca por
dinheiró ou mercadoria que encerrem a mesma quantidade de tempo de
trabalho, realizará uma soma de dinheiro ou receberá uma quantidade de
mercadoria as quais nada lhe custam. :É que não vende a chita pelo tempo de
trabalho que pagou, mas pelo que nela se contém, e não pagou parte desse
tempo de trabalho. A chita contém, digamos, 12 xelins de tempo de traba·
lho. Ele pagou 8. Vende-a por 12, quando a vende por seu valor, e assim
ganha 4 xelins.

1073
2. Concepção vulgar de mais-valia, de Malthus

De acordo com o pressuposto, o comprador, sejam quais forem as


circunstâncias., só paga o valor da chlta. Isto é, dá uma soma de dinheiro
onde se encerra tempo de trabalho igual ao contido na chita. São então pos-
síveis 3 casos. O comprador é capitalista. O dinheiro (isto é, o valor da mer-
cadoria) com que paga encerra também porção de trabalho não pago. Assim,
se um vende trabalho não pago, o outro compra com trabalho não pago.
Cada um realiza trabalho não pago, um como vendedor, o outro como com·
prador. Ou o comprador é produto autônomo. Então recebe ele equivalente
em troca de equivalente. Para ele tanto faz que esteja ou não pago o traba-
lho que o vendedor lhe vende na mercadoria. Recebe tanto trabalho materia-
lizado quando dá. Ou, por fim, o comprador é assalariado. Também nesse
caso recebe, como qualquer outro comprador - supondo-se que a mercado-
ria se venda por seu valor - um equivalente em mercadoria por seu dinheiro.
Recebe em mercadoria tanto trabalho materializado quanto o que dá em
dinheiro. Mas pelo dinheiro que constitui seu salário deu mais trabalho que
o contido no dinheiro. Repôs o trabáJho nele encerrado, acrescido ~o traba-
lho excedente que fornece grátis. Assim pagou o dinheiro acima de seu
valor, pagou portanto o equivalente do dinheiro, a chita etc;, acima de seu
valor. Para ele, como comprador, o custo é por consegÍlinte maior do que
para o vendedor de toda mercadoria, embora receba na mercadorfaum equi-
valente em troca de seu dinheiro; mas não recebe,u no dinheiro um equiva-
lente por seu trabalho; ao contrário, deu mais que o equivalente em traba-
lho. O trabalhador é portanto o único que paga todas as mercadorias acima
do valor delas, mesmo quando as compra por seu valor, porque comprou
com trabalho o equívaJente geral, o dinheiro, acima do valor deste. Daí não
resulta vantagem para quem vende a mercadoria ao trabalhador. Este não
'lhe paga mais que quaJquer outro comprador~ paga o valor do trabalho. Na
realidade, o capitalista que vende ao trabalhador a mercadoria que este pro-
duziu, realiza lucro nessa venda, mas apenas o mesmo lucro que obtém com
qualquer outro comprador. Seu lucro - no tocante a esse trabalhador - não
decorre de lhe vender a mercadoria acima do valor e sim de a ter antes com·
prado do trabalhador, no processo de produção, abaixo do valor.
Malthus então, ao transformar em valor da mercadoria a valorização
da mercadoria como capital, em conseqüência, converte todos os comprado-
res em assalaríados, isto é, faz que todos troquem com o capitalista, em vez
de mercadoria, trabalho ímediato e lhe dêem de volta mais trabalho que o

1074
contido na mercadoria, quando o lucro dele, ao contrário, deriva de vender
o trabalho todo encerrado na mercadoria, enquanto só paga parte do traba-
lho inserido na mercadoria. Assim, enquanto a dificuldade para Ricardo é a
circunstância de a lei da troca das mercadorias não explicar de imediato a
troca entre capital e salário, parecendo ao contrário contradize·la, Malthus
resolve a dificuldade pela conversão da compra (troca) de mercadorias em
troca entre capital e salário. O que Malthus não entende é a diferença entre
a totalidade do trabalho encerrado na mercadoria e a quantidade de traba-
lho pago nela contido. Justamente essa diferença constitui a fonte do lucro.
Mas, além disso, Malthus é levado necessariamente ao extremo de derivar o
luero da circustância de o vendedor vender a mercadoria acüiuz do que ela lhe
custa (o que fai o capitalista) e ainda acima dei que ela custa, retrocedendo
portanto à concepção wlgar do lucro de alienação; deriva, por isso, a mais-
. valia da circunstância de o vendedor vender a mercadoria acima do valor
(isto é, por mais tempo de trabalho que o nela contido). O que se ganha
como vendedor de uma mercadoria, perde-se como comprador de outra, e é
de todo ininteligível o que na realidade se pode ganhar por meio dessa eleva·
ção geral e nominal dos preços. Sobretu.do como a sociedade em conjunto
pode enriquecer-se por esse meio, e assim efetivar-se mais-valia real ou pro-
. duto excedente; Idéia tola e estúpida.
Malthus tenta confusamente construir uma teoria em oposição a Ri-
cardo e arrebatar-llle a primazia, mas apoiado numa conjectura correta e na
consciência de uma dificuldade não superada, apoiando-se em proposições
de Smith, que, como vimos, empresta a todos os elementos contraditórios
uma expressão ingênua e assím toma-se fonte, ponto de partida de concei-
tos diametralmente opostos. Veremos agora como essa tentativa faz sua
transição para as vãs concepções vulgares.
Se examinamos a valorização da mercadoria como capital, isto é, ao
trocar-se por trabalho produtivo vivo, verificaremos que ela comanda, além
do tempo de trabalho nela mesma contido, no equivalente que o trabalhador
reproduz, tempo de trabalho excedente, que constitui a fonte do lucro. Se
transferimos então essa· valorização para o valor dela, todo comprador da
mercadoria tem de ser para ela trabalhador, isto é, tem de dar-lhe na com-
pra, para repô-la, além da quantidade de trabalho nela contida, uma quanti·
dade excedente. Uma vez que, além dos trabalhadores, os outros comprado-
res não síío trabalhadores para a mercadoria (mesmo quando. o trabalhador
surge como mero comprador de mercadoria, perdura indiretamente a dife-
rença antiga, original), é mister admitir que eles não dão de imediato mais
trabalho que o contido na mercadoria, mas, o que dá no mesmo, um valor

1075
J -
que representa mais trabalho.tPor meio dessa quantidade de "trabalho exce·
dente ou, o que dá no mesmo, de valor de mais trabalho" faz-se aquela tran-
sição. Na realidade, isso se reduz a isto: o valor de uma mercadoria consiste
no valor que o comprador por ela paga, e esse valor é igual ao equivalente ./>:
(:valor) da mercadoria + excedente desse valor, mais-valia. A concepção vul-
gar, portanto. O lucro consiste em que uma mercadoria se vende mais caro
do que se compl'tl. O comprador adquire-a com quantidade maior d~~raba-
lho ou de trabl\lho materializado do que o que ela custa ao :vendedor. ,1
Mas, se o próprio comprador é capitalista, vendedor de mercad~ria, e
seu dinheiro - o meio de compra - representa apenas mercadoria vendída,
resultará daí apenas que· os dois lados vendem caro demais as respectivas
mercadorias, se fraudam reciprocamente e na mesma proporção, ao realiza-
rem ambos a mera taxa geral de lucro: Donde viriam então os compradores
que pagam ao capitalista a quantídade de trabalho, igual à contida em sua
mercadoria + seu lucro? Por exemplo, a mercadoria custa -ao vendedor 10
xelins. Ele a vende por 12. Por isso, comanda trabalho correspondente a 10
xelins e ainda a 2 xelins mais. Mas o comprador também vende sua merca-
doria que custa 10 xelins por 12Í Cada um perde como comprador o que
ganhou como vendedor. A única exceção é a classe trabalhadora_. Pois, tima
vez que o preço do produto ultrapassa o custo, só pode readqúlrir parte do
produto, e assim outra parte do produto ou o preço dela constituí lucro para
o capitalista. Mas, uma vez que o lucro decorre justamente de os tra!>alhado-
res só poderem readquirir parte do produto, nunca pode o capitaliSta (a elas-,
se capitalista) realizar seu lucro por meio da procura dos trabalhadores, isto
é, trocando o produto todo pelo salário; realiza-o, ao contrário, mediante a
troca do salário todo por parte apenas do produto. Além dos próprios traba-
lhadores, outra procura e outros compradores são necessários, ou não haverá
lucro. Donde virão eles? Se são os próprios capitalistas, os próprios vendedo-
res, surge o mencionado logro recíproco entre os capitalistas, ao fazerem a
elevação nominal recíproca das respectivas mercadorias e ao ganhar cada um
como vendedor o que perde como comprador. São portanto necessârios
compradores que rufo sejam vendedores, para que o capitalista realize seu
lucro e ''venda por seu valor" as mercadorias. Daí a necessidade dos proprie-
tários das terras, dos pensionistas, sinecuristas, clérigos etc., sem esquecer-
mos seus serviçais e lacaios. Como esses "compradores" se apoderam dos
meios de compra - como antes, têm de tomar dos capitalistas, sem dar equi-
valente, parte do produto para voltarem a adquirir, com o que assim conse-
guiram, menos que um equivalente .,.., não explica Malthus; Em todo caso,
daí resulta sua argumentação em favor do maior acréscimo possível ~

1076
classes improdutivas, a fim de que os vendedores encontrem mercado,
procura para sua oferta. E daí resulta ainda que o panfletista contra o cresci·
rnento da população 11 prega como condição da produção o superconsumo
constante~ e que os que nada f~zern se apropriem, o mais possível, do produ-
to anual.\}.. argumentação oriunda necessariamente da teoria acresce a de
que o capital representa o afã de n"queza abstrata, o afã de mais-valia, que
só pode realizar-se por meio de uma classe de compradores que corporificam
o afã de despesa, consumo, dissipação, justamente as classes improdutivas,
que são compradoras sem serem vendedoras.\..

3. Traços comuns aos malthusianos e ricardianos


em sua posição para com a classe trabalhadora

Qaquela base emergiu deliciosa polêmica na década dos 20 (em geral


vai de 1820 a 1830 a grande época metafísica da economia política ínglesa)
entre maJthusianos e ricardianos. Estes, como os malthusíanos, também
consideram necessário que o próprio trabalhador não se aproprie de seu pro·
duto, mas que parte deste caiba ao capitalista, para que o trabalhador tenha
estimulo para produzir e assiro fique assegurado o desenvolvimento da rique·
za. Mas os ricardianos se enfurecem contra a idéia malthusiana de que pro·
prietários das terras, sínecuristas do Estado e da Igreja e toda uma cáfila de
lacaios ociosos tlS_m primeiro de se apoderar, sem dar equivalente, de parte
do produto dos capitalistas (tal como estes fazem com o trabalhador), para
depois comprar as próprias mercadorias deles, dando-lhes lucro. Embora os
ricardianos sustentem a mesma coisa contra os traballiadores. A fim de cres·
cera acumulação e, em conseqüência, a procura de trabalho, o trabalhador
tem de ceder grátis a maior quantídade possível de seu próprio produto ao
capitalista, para que este de novo reconverta em capital a renda (revenue)
líquida assiro acrescida. O mesmo pensam os malthusíanos. Tomar grátis dos

8. Malthus tJata do assunto em sua obraAn essay 011 the pn·nciple ofpopulation,
aparecida primeiro ein 1798, em Londres, sem o nome do autor. Sustenta aí que a
miséria das populações laboriosas decorre de a capacidade de crescer da população
ultrapassaI a da teua, de fornecer meios de subsistência à humanidade. Segundo Mal-
thus, a população, se não for contída, aumentará cm progressão geométrica, enquanto
os meíos de subsíst&lcía só aumentarão em progressã"o aritmética,

1077
capitalistas industriais, a título de renda fundíária, tributos etc., o máximo
possível, a fün de que eles possam continuar a vender, com lucro, o qui: lhes
resta aos "cotistas" que lhe s!fo impostos. O trabalhador não deve apropriar-
se de seu próprio produto, a fim de não perder o incentivo para o trabalho,
dizem em coro ricardianos e malthusianos. O capitalista industrial tem de
transferir parte de seu produto para classes meramente consumidoras - os
que nasceram para fruir 9 - , para que estes, em condições desvantajosas,
troquem com ele o que lhes foi transferido. Do contrário, o capitalista per-
deria o estímulo para produzir, que consiste justamente em obter grande
lucro, em vender sua mercadoria bem acima do valor. Voltaremos mais tarde
a essa degladiaçã'o cômica.

4. É unilateral a interpretação malthusiana da teoria


do valor de Smith. Utilização das teses falsas de
Smith no combate a Ricardo

Antes de mais nada, para mostrar que Malthus acaba c;hegando à con-
cepção totalmente vulgar: ;

"Qualquer que seja o número de operações íntennediá:rias de-'ti:oca ocor·


rentes no tocante ~ mercadorias - remetam-nas os produtores para a
China ou vendam-nas .no mesmo local o.ndê as produzem-, a questão de
existir um mercado adequado para elas depende apenas de poderem seu:t
produtores repor seus capi!4ú com o lucro wzwú e assim ficai:em capacita-
dos a prosseguir .no negócio com sucesso.Mai, que são seus capitais? São,
como afuma A. Smith, os instrumentos com que se·trabalha, os materiais
consumidos no trabalho e os meios de comandar a quantidade necessária
de uabalho" (p.70}.

(E isso, diz ele, é o trabalho todo consumido na mercadoria. O lucro é


um excedente sobre o trabalho despendído na mercadoria. Na realidade,
portanto, acréscimo nominal sobre o custo da mercadoria.) E para que não
paire a menor dúvída sobre seu modo de ver, cita ele, aprovando e ratifican-
do como seu próprio ponto de vista o que diz Colonel Torrens, On the Pro-
duction of Wealth, cap. VI, p. 349:

9. Em Marx, aexpressã'o está em latim: "fruges oonsum$I'C nati" (Horácio).

1078
"A procura efetiva consiste no poder e propensão dos consumidores" (a
oposição entre compui.dores e vendedores torna-se a oposição entre con-
sumidores e produtores), "de dar por mercadorias, mediante troca direta
ou indíreta, porção de todos os ingredientes do capital, maior que o custo
de pzoduzi-los" (j)efin.,ed. Cazenove, pp.70, 71).

E o próprio Cazenove, o editor, apologista e comentador das Defini-


tions de Malthus, diz.:

"O lucro não depende da proporção em que as mercadorias se trocam"

(pois, se fosse levada em conta apenas a troca de mercadorias entre capitalis-


tas - ao se excluir a troca com trabalhadores, que não têm outra mercado·
ria, além do trabalho, para trocar com aqueles -, ficaria evidente na teoria
de Malthw o disparate de considerar o lucro mero acréscimo recíproco,
nominal dos preços das mercadorias dos capitalistas. Daí ser necessário que
se omita ·a troca de mercadorias e que pessoas que não produzem mercado·
rias troquem dínheiro),

"sendo possível que a mesma propoIÇão se mantenha para todos os níveis


de lucro, e sim da proporção para com o salário ou da que se requer para
cobrir o custo original (prime cost) e que em todos os casos é determina·
da pelo ·nível em que o sacrifr'cío feito pelo comprador, ou o valor do
trabalho que ele dd, para adquírir a mercadoria excede o feito pelo p1odu·
torpa:ra levá-la ao mercado" (Cazenove, 1.c., p. 46).

Para chegar a esses maravilhosos resultados tem Malthus de fazer pom·


posos preparativos teóricos. Antes de mais nada, por apegar-se a uma única
faceta de Adam Smith, configurada na proposição de ser o valor da merca-
doria ígual â quantidade de trabalho que ela comanda, ou pela qual é coman·
dada ou se troca, é mister que se eliminem as objeções levantadas pelo pró·
prio A. Smith, por seus sucessores e tambêm por Malthus, à alegação de que
o valor d~ uma mercadoria, o vdlor, pode ser medida do valor.
A obra The Measure of Value stated and il/ustrated, Londres, 1823, é
genuíno modelo de pensar de um intelecto obtuso, que, aturdindo-se a si
mesmo num processo casuístico, abre caminho at.ravés da p~ópria confusão,
e com seu estilo emaranhado e lerdo deixa no leitor ingênuo e incompeten-
te a impressão de que a díficuldade de esclarecer a confusão não está em
serem incompatíveis a confusão e a clareza, mas na falta de compreensão da
parte dele.

1079
O que Malthus tem de fazer primeiro é apagar a distinção de Ricardo
º.
entre ''valor do trabalho" e "quantidade de trabalho" 1 e reduzir a justapo-
sição deles, feita por Srníth, a um aspecto único e falso. -

"Qualquer quantidade de trabalho dada tem de ter o mesmo valor (h;


salário que comanda ou por que de fato se troca" (The Measure of Value
stated ond illustrated, l.ondtes, 1823, p .5).

O objetivo dessa frase é igualar as expressões: quantidade de trabalho


e valor do trabalho. ·
Em si, a frase expressa merà tautologia, um truísmo absurdo, Uma vez
que o salário ou aquilo "por q_ue" (a quantidade de trabalho) "se troca"
constitui o valor dessa quantidade de trabalho, é uma tautologia dizer: o
valor de determinada quantidade de trabalho é igual ao salário ou à quanti·
dade de dinheiro ou mercadoria pela qual se troca esse trabalho. Noutras
palavras, isso quer dizer apenas que o valor de troca de determinada quanti-
dade de trabalho é igual a seu valor de troca, chamado aliás de salário. Mas
daí nã"o se segue que (abstraindo-se .de que o que se troca diretànÍente por
salário não é trabalho e sim força de trabalho; o disparate toma~se pos,~ível
em virtude da confusão feita) detenninada quantidade de trlj.bil.Í.ho é igual a
detenninada quantidade de trabalho contida no salário ,ou no dinheiro ou
nas mercadorias onde figuram os salários. Se um operário trabalha ,12 horas
e recebe de salário um produto de 6, esse produto de 6 horas constitui o
valor de l 2 horas de trabalho (porque o salário representa a mercadoria per-
mutável por 12 horas de trabalho). Daí não se infere que 6 "horas de trabalho
= 12 horas, ou que a mercadoria que representa as 6 horas, é igual à que
representa as 12 horas. Não se deduz que o valor do saládo é igual ao valor
do produto em que o trabalho se mat.erializa. Deduz-se apenas que o valor
do trabalho (por ser medido pelo valor da força de trab,alho e não pelo tra-
balho realízado por essa força), o valor de dada qt,1antidade de trabalho
contém menos trabalho em relação à quantidade que compra; que por i~o
o valor da mercadoria em que se materializa o trabalho comprado difere
muito do valor da mercadoria com o qual se comprou essa dada quantidade
de trabalho e pelo qual foi ela comandada.

10. Sobre os conceitos- "valoJ do trabalho'• e "quantidade de trabalho" segun-


do Rieardo, ver vol. 2, p. &27. -

1080
Malthus tira conclusão oposta. Porque o valor de dada quantidade
de trabalho é igual ao valor dela, infere que o valor que essa quantidade de
trabalho representa é igual ao valor do salário. E daí segue-se ainda que o
trabalho imediato (isto é, depois de excluídos os meios de produção) que
uma mercadoria absorve e encerra, não cria valor maior que o por ele pago;
reproduz apenas o valor do salário. Daí resulta nec~ss111iamente que não se
pode explicar o lucro se o valor da.r; mercadorias for detemúnado pelo traba-
lho nelas contido; quer dizer, é mister buscar outra fonte para explicá-lo,
desde que o valor de urna mercadoria tenha de incluir o lucro que ela realiza.
Pois o trabalho nela despendido consiste (1) no encerrado na maquinaria
desgastada etc ..e que reaparece no valor do produto, e (2) no contido nas
matérias-primas consumidas. ~ claro que esses dois elementos não aumen-
tam a quantidade de trabalho neles inserida antes de se produzir a nova rner·
cadoria., por se tomarem meios de produção de nova mercadoria. Resta por-
o
tanto (3) trabalho contido nos salários e que se trocou por trabalho vivo.
Mas este, segundo Malthus, não é maior que o trabalho materializado por
que se troca. Por isso, uma mercadoria não contém nenhuma parte de traba-
lho não·pago, mas apenas trabalho que repõe equivalente. Segue-se daí que,
se o valor da mercadoria fosse determinado pelo uabalho nela encerrado, ela
não daria lucro. Se dá lucro, este é por conseguinte um excesso de seu preço
sobre o trabalho que ela contém. Para ser vendida por seu valor (que inclui o
lucro), tem portanto de comandar uma quantidade de trabalho= quantida-
de de trabalho nela mesma despendida + excedente de trabalho que repre·
senta o lucro realízado com a venda da mercadoria.

5. Interpretação malthusíana da tese de Smith sobre


o valor imutável

Ademais. para que o trabalho, niío a quantidade de trabalho requeri-


da para a produção e sim trabalho como mercadoria, sirva de medida dos
valores, estabelece Malthus que·

"o valor do trabalho é constante" (The Measure <>! Volue etc., p. 29,
nota).

1081
(Essa afümaç!!o nada tem de origínal; é mera paráfrase e reelaboração
da tese de A. Smith, 1.1, cap. V, ed. Garnier, t.l, pp.65, 66:

"Quantidade> iguais de trabalho têm de representar, para o trabalhador, o


·mesmo valor em todos os tempos e em todos os lugares. Em estado nor·
mal de saúde, vigor e disposição, e de acordo com o grau de atividade e
destreza, tem sempre de ceder a mesma porção de repouso, de liberdade
e felicidade. Qualquer que seja a quantidade de mercadorias que receba
em remuneração de seu trabalho, o preço que paga é sempre o mesmo.
Esse preço pode na verdade comprar quantidade ora menor oramaior de
mercadorias, mas, só por variar o valor delas, não varia o valor do traba·
lho que as compra. Em todos os tempos e em todos os lugares é caro o
que é difícil de obter ou o que custa muito babalho adquirir, e barato o
que se pode obter com facilidade ou com pouco trabalho. S6 o trabalho
mantém sempre inalterado o próprio valor e por isso é a única medida
real e definitiva capaz de medir e comparar o valor de tod~ as me1cado-
rias em todos os tempos e em todos os lugares.")

{Além disso, a descoberta de Malthus - da qual tanto se orgulha e diz


ter sido o primeiro a fazê.la -, a saber, que o valor é igual à quantidade de
trabalho contida na mercadoria e acrescida de uma quantidade de trabalho
configuradora do lucro, também parece ser pura e simples combinação das
duas p~posições de Smith (o plagiário nunca larga Malthus), em,-1 cap. VI .t
(ed. Gamier, t.I, p. 100): ·

"O valor real de todas as diferentes partes constitutivas do p~ se mede


pela quantidade de trabalho que cada uma delas pode comprar ou coman-
dar. O trabalho mede o valor tanto da parte do preço a qual se reduz a
trabalho, quanto da que se reduz a rendo fimdiária é da que se reduz a
lucro.")

Nesse sentido diz Malthus:

"Se sobe a procul1) de trabalho, os salinos maío~s dos trabalhadores pro-


vêm não de uma ascençtro no valor do trabalho e sim de uma queda no
valor do produto por que se boca o trabalho, No caso de abundância de
uabalho, os salários baixos dos uabalhadores decorrem de alta do valor
do produto e não de queda do valor do trabalho" (The Mea~re of Value
etc., p.35) (cf, pp.33-35).

Deliciosa a ironia que Bailey faz com a demonstração malthusiana (va·


lor inVariável do trabalho) no sentido de ser constante o valor do trabalho,
como segue (a demonstração ulterior de Malthus, não a de Smith; sobretudo
a proposiçã'o):

1082
"Da mesma manell:a poder·se·ía p:rovar que qualquer artigo tem valor
invariável; por exemplo, 10 jardas de pano. Pois, dêem-se 5 ou 10 libras
pelas 10 jar®, a soma dada será .sempre igual ao valor do pano que ela
paga ou, noutras palavras, será de valor invariável em relação ao pano.
Mas o que se dá por coisa de valor invariável tem pot sua vez de ser úwa-
e
riável, e por isso as 10 jardas de pano têm de ter valor invariável ... inci-
dir na mesma espécie de frivolidade atribuir ao salírio valor invariável,
porque, embora variável em magnitude, comanda a mesma porção de tra-
balho, ou dizer que a soma paga por um chapéu é de valor in"f11riável por-
que, embota às vez.es acresça e às vezes decresça, sempre compra um cha·
péu" (A CriticaJ Dfsrertation on the Nature, Mea.wm, anà Causes of
Va/ue etc., l.ondres, 1825, pp.145 a 147).

Na mesma obra, satiriza ele as tabelas de dados numéricos absurdas,


impressionantes pela aparência de profundidade. com as quais Malthus. "ilus-
tra" sua medida do valor.
Em seu livro Dejinitions in Polit. Econ., Londres, 1827, Malthus desa-
bafa seu desgosto pelo sarcasmo de Bailey, e procura, entre outras coisas,
demonstrar o valor ínvariável do trabalho assim:

"Um grande grupo de mercadorias, como produtos primários, encarece


com o progresso da sociedade, em comparação com o trabalho, enquanto
os produtos manufaturados barateiam. Desse modo, não está longe da
verdade quem diz que a quantidade média de mercadoria que dada quan-
tidade de traballm comanda no mesmo país, não experimenta, no decuno
de vários sêculos, variação muito substancial" (Defiriitions etc., Londres,
1827, p. 206).

Como a demonstração do "valor invariável do trabalho", é também


maravilhosa a que M;ilthus faz de que a ascensão dos preços em dinheiro do
salário tem de acarretar alta geral dos preços em dinheiro das mercadorias.

"Se subir em geral o salário em dinheiro do trabalho, o valor do dinheiro


call:á proporcíonalmente; e quando o valor do dinheiro cai ... sempre
sobem os preços das mercadorias" (Deftn., Lc., p.34).

É mister justamente demonstrar que, ao cair o valor do dinheiro em


relação ao salário, sobe o valor de todas as mercadorias em relação ao dinhei-
ro, ou que o vaJor dinheiro, estimado na-o cm dinheiro e sim em outras mer-
cadorias, cai. É o que Malthus demonstra por suposição.

1083
6. Malthus utili;z.a as teses ricardianas sobre a
modificação da lei do valor para contestar a
teoria do valor-trabalho

Os elementos para contestar a definição ricardiana do valor, retira-os


Malthus totalmente das proposições estabelecidas primeiro pelo próprio
Ricardo, relativas ãs variações nos valores de troca das mercadorias e inde-
pendentes do traballio nelas despendido, produzidas pela composição dife·
rente do capital, a qual decorre do processo de circulação - proporções
diferentes de capital circulante e fixo, diferentes graus de durabilidade do
capital fixo empregado, diferentes tempos de rotação do capital circulante.
Retira-os, em suma, da confusão que Ricardo faz entre preço de custo e
valor, ao conceber, como modificações do próprio valor, os nivelamentos
dos preços de custo, que não dependem da quantidade de trabalho emprega·
da nos ramos particulares de produção, lançando assim por terra o princípio
todo. Malthus apreende essas contradições, destacadas e descobertas primei-
ro pelo próprio Ricardo, referentes à' determinação do valor pelo tempo de
trabalho, não para resolvê-las e sim para retroceder a meras concepções levia-
nas e fazer passar por solução delas o enunciada dos aspectos contraditórios,
a conversfío destes em palavras. O mesmo método vemos seguido na díssolu-
ção da escola ricardiana, como é o caso de James Mille MacCullQch, que
charlam procurando harmonizar os aspectos opostos diretamente. com a lei
geral, por meio de definições e distinções escolásticas e ridículas, a fim de
exorcizá-los, com o que, aJ,iás, se destrói a própria base.. , ·
A seguir, as frases em que Malthus emprega o material que o próprio
Rícardo lhe forneceu contra a lei do valor e que utiliza contra ele;

"Observa A. Smith que o trigo tem uma colheita por ano, e o gado um
desfrute pot cada 4 ou 5 anos; em conseqüência, se comparamos duas
quantidades com igual valor de troca, uma de trigo e outra de carne, é
certo que uma diferença de 3 ou 4 anos adicionais de luc10 a 15% sobie
o capital empregado na produção da carne servirá, exclu{das outras con·
sideraçõ~. para compensar em valor uma quantidade bem menor de
trabalho. E assim podemos ter duas mercadorias de igual valor de troca,
enquanto o trabalho acumulado e imediato é numa 40 ou 50 por cento
menor que na outra. i o que se dá todos os días com muitas mercadorillS
importantes do país; e se o lucro cair de 15% para 8%, o valor da carne
em relação ao do trigo cairá em mais de 20% (The Measure of Value
stated etc., pp. 10, 11).

1084
Uma vez que o capital consiste em mercadorias e grande parte das
mercadorias que nele entram ou que o formam têm um preço (isto é, valor
de troca no sentido vulgar) que não consiste em trabalho acumulado nem
imediato, mas decorre - desde que consideremos apenas essa mercadoria
particular - de mero acréscimo nominal de valor, gerado pela adiçã'o do
lucro médio, diz Malthus:

..O trabalho não é o único elemento que entra no capital" (Defin., ed.
Cau:nove, p. 29).
"Que são os custos de produção? ..• a quantidade de trabalho que $e tem
de de~pender na mercadoria e nos instrumentos e materiais oonsumidos
para produzi-la, acrescida de quantidade adicional, equivalente ao lucro
usual.dos adiantamentos no prazo em que foram feitos" (1.c., pp. 74, 75).
"Pelo me!IIJlo motivo, Mil! está de todo enado ao ehamar o capital de
trabalho acumulado. Pode-se talvez chamá-lo de trabalho acumulado e
lucro; por certo, não trabalho acumulado apenl?S, a não ser que decida-
mos chamar lucro de trabalho" (l.c., pp. 60,61).
"J;. erro essencial dí.zer que os valores das mercadorias siio regulados ou
determínadoslela quantidade de trabalho e de capital necestária para
produzi-las. essencialmente verdadeiro diZer que são regulados
pela quantidade de trabalho e de lucro n«essária para as produzir'~
(1.c., p.129).

A esse respeito observa Cazenove em nota à p.130:

"A expressão trabalho e lucro está sujeita à objeção de que os dois não
são teanos correlatos, sendo o trabalho um fator e o lucro um resultado;
um, a causa, e o outro, a conseqüência. Por isso, Senior substituiu-a por
'trabalho e abstínlncia'. Contudo, é mister reconhecer que a causa do
lucro nio é a abstinência, mas o uso produtivo do capital."

Nas palavras de Senior:

"Quem converte sua renda (revenue) em capital abstém-se da fruição que


lhe proporcionaria o d:bpêndío dela".

Bela explicação. O valor da mercadoria consiste no trabalho nela


encenado+ lucro; em trabalho nela contido e em trabalho que nela não se
contém, mas que lhe tem de ser pago.
·Outra contestaçã'o que Malthus faz a Ricardo:

"A afürn:ação" de Ricardo, "de que, ao subir o valor do salário, os lucros


caem proporcionahnente e vice-versa, só é verdadeira supondo-se que as
me1cadorias em que se despendeu a mesma quantidade de trabalho têm

1085
sempre o mesmo valor, o que em 500 casos se -yerifica em l, porque, com
o pcogresso da civilização e os melhoramentos, a quantidade de capital
fixo empregado aumenta semp[e e toma cada vez mais diversificados e
desiguais os tempos de rotaÇão do capital circulante" (Defm., Londres,
1827,pp.31,32).

(O mesmo nas pp. 53, 54 da edição de Cazenove, onde Malthus diz


líteralmen te:

"O estado natural das coisas" deteriora a medida do valor de Ricardo,


pois dele resulta que, "com o progresso da ciYilização e com os melhora-
mentos, cresce sempre a quantidade de capital fixo empregado e se tor-
nam cada vez mais diversificados e desíguais os tempos de rotação do
capital círculante. ") -
"O próprio Ricardo admite consideráveb exceções à sua regra; mas, se
examinamos os casos que constituem exceções, isto é, em que as quanti-
dades de capital fixo empregadas são diferentes e de graus de duração
dive[sos, e em que não são os mesmos os períodos de rotação do capital
circulante aplicado, verificaremos que elas são tio numerosas que a 1egra
bem pode ser considerada a exceção, e as exceções, a 1egra" (p.SO).

7. Definição vulgar do valor de Malthus. Malthus conSidera


o lucro acréscimo sobre o preço. Contesta a idéia ricardiana
do salário relativo ·

Em concordância com o já visto, Malthus explica ainda o valor 11 :

"A avaliação de uma mercadoria s.e funda em seu custo para o comprador
ou no sacrifi'cw que ele tem de fazer para adquiri-la, e que se mede pela
quantidade de trabalho que cede par e/IJ ou, o q~ dá no memio, pelo
trabalho que ela comanda" (Dejin., ed. Cazenove, pp. 8, 9).

Cazenove destaca esta diferença entre Malthus e Ricardo:

l L Cazenove formula essa definição do valor na base de enunciados de Malthus


e de Adam Smith; deste tomou Malthus de empréstimo a determinação do valor da
mercadoria pela quantidade de trabalho vivo que ela pode comprar.

1086
"Rícaido, como A. Smith, adotou o trabalho como a verdadeita medida
dos custos; mas aplicou-o apenas aos custas de produçoã; ... mas o tlllba·
lho pode medir também os custos pana comprador" (Lc., pp. 56, 5 7).

Em outras palavras: o valor de uma mercadoria é igual â soma de di-


nheiro que o comprador tem de pagar, e é melhor avaliar essa soma pela
quantidade de trabalho comwn que ela pode comprar.* Mas, naturalmente,
:e
nfo se diz como é determinada a soma de dinheiro. a concepção de todo
vulgar que se obtém da coisa na vida cotidiana. Mera trivialidade em estilo
grandiloqüente. Noutras palavras, quer dizer apenas que preço de custo e
valor sâ'o idênticos, confusão que em A. Smith e mais ainda em Ricardo con·
traria a análise real, mas que Malthus erige em lei. :S a idéia que tem do valor
o filisteu e prisioneiro da concorrência, que dela só conhece a aparência.
Que determina então o preço de custo? Os adiantamentos acrescidos de
lucro. E que é que detemrina o lucro? Donde vem o fundo para o lucro,
donde o produto excedente em que se representa esse valor excedente? Se
se trata apenas da aJta nominal do preço do dinheiro, nada mais fácil que
elevar ~ valor das mercadorias. E que é que detennina o valor dos adianta-
mentos? O valor do trabalho neles contido. diz Malthus. E que é que deter-
mina esse valor? O valor das mercadorias em que se despende o salário. E o
valor dessas mercadorias? O valor do trabalho+ lucro, E assim prosseguimos
em círculo. Suposto que se pague de fato ao trabalhador o valor de seu tra·
balho, isto é, que as mercadorias (ou sorna em dinheiro) que formam seu
salário se igualem ao valor das mercadorias (soma em
dinheiro) em que se
realiza seu trabalho, de modo que, ao receber salário de 100 tá.leres, apenas
adiciona ele ã matéria-prima etc., em .suma, aos adiantamentos, valor de 100
táleres, o lucro em geral, nessas condições, só poderá consistir num acrésci-
mo que o vendedor, ao vender, faz sobre o valor real da mercadoria. e o que
fazem todos os vendedores. Desde que os capitalistas portanto façam as
trocas entre si, nenhum obtém coisa alguma por meio desse acréscimo, e
muito menos se cria assim um fundo excedente donde possam tirar sua ren-
da (revenue). Só os capitalistas cujas mercadorias entram no consumo da
classe trabalhadora farão o lucro real, não ilusório, voltando a vender mais
caro aos trabalhadores as mercadorias que compraram deles. As mercadorias
que compraram dos trabalhadores por 100 tálere$, revendem-lhes por 110.

* Malthus prenupõe a existência do lucw para então mensurar seu valor por
meio de uma medida externa. Não toca na questlío de sua origem e de sua possibilidade
intrínseca. (Nota.de Marx.)

1087
Isto é, só lhes revendem 10/ l 1 do produto, e guàrdam para si 1/ 11. Significa
isso outra coisa a nã:o ser que, por exemplo, ao trabalhador que trabalha 11 ·
horas, só 10 sã'o pagas, só lhe é dado o produto de 10 horas, enquanto ao
capitalista, que não dá um equivalente, cabe l hora ou o produto dela? Que
quer dizer isso senâ"o que - no tocante à classe trabalhadora - o lucro é
obtido porque ela executa grátis para os capitalistas parte de seu trabalho, e
porque assim "quantidade de trabalho" não tem o mesmo sentido de ''valor
do trabalho"? Os outros capitalistas, uma vez que nfo tivessem esse recurso,
só fariam lucros imaginários.
O pouco que Malthus entendeu das primeiras proposições de Ricardo,
sua total incompreensão da circunstância de o lucro ser possível de outra
maneira que não seja a adição de um acréscimo, sãO coisas, entre outras, em
evidência contundente no seguinte trecho:

"t admissível que as primeiras mercadorias, se prontas e acabadas e obje-


to de uso imediato, resultem de trabalho puro, e seu valor seja por isso
determinado pela quantidade de trabalho; todavia, é de todo impossfvel
que esw mercadorias sejam empregadas como capital para produzir
oot.ras mercadorias, sem o capitallsra privar-se do uso de seu capital adian-
tado durante certo período e sem exi,U uma remuneração na forma de
lucro. Nos períodos Íll:iciais da sociedade, em virtude da relativa escassez
desses adiantamentos de trabalho, essa remuneração seria, alta e influiria
muito no valor dessas mercadorias, por causa da taxa elevada de lucro.
Nos estágios mais adiantados da sociedade, o valor do capital e das merca.--
dorias é muíto influenciado pelos lucros porque acresce ,muito o· e.apitai
fixo empregado e é maíor o prazo por que. se adian~a grande parte do
capital circulante, até que o capitalfata se reembolse' com ·a receita. Em
ambot os casos, o montante variável dos lucrot influencia de maneira
enencial a taxa a que se trocam tlS mercadorias." (EJéfinit., ed. Cazenove,
p.60).

A concepção do salário relativo é um dos maiores méritos de Ricar-


do.12 Consiste em que o valor do salário (e portanto do lucro) depende
absolutamente da proporção do segmento da jomada de trabalho durante o
qual o trabalhador trabalha para si mesmo (para produzir ou reproduzir seu
salário), com o segmento_ da jornada destinado ao capitalista. Isso é impor·
i.(l.nte no domínio econômico, e é de fato apenas outro modo de expressar
a teoria verdadeira da mais-valia. Adernais, é importante para a relação social
de ambas as classes. Malthus fareja aí o risco e é forçado por isso a objetar:

12. Ver vol. 2, pp. 848·856.

1088
"Nunca encontrei um autor anterior a RkMdo que usasse o t(mno saldrio
ou salário real em sentido que envolvesse uma proporção."

(Ricardo fala no valar do salário, por certo representado também na


parte correspondente do produto.)

"O lucro na veidade implica proporções; e a taxa de lucro sempre foi


com acerto calculada por uma percentagem sobre o vtllor do capit/Jl
adiantado."

(O que Malthus entende por valor dos adiantamentos é muito difícil, e


para ele mesmo impossível, de dizer. Segundo ele, o valor de uma mercado-
ría é igual aos adiantamentos nela contidos+ lucro. Uma vez que os adianta·
mentos, fora o trabalho imediato, também consistem em mercadorias, o
valor dos adiantamentos será igual aos adiantamentos neles contidos+ lucro.
Desse modo, o lucro = lucro sobre os adiantamentos+ lucro. E assim até o
infinito.

"Mas er:i universal C-Onsíderai que o salário subia ou caía, não segundo
uma proporçlio que tivesse com o produto total obtido com certa quanti·
dade de trabalho, e sim de acordo com a quantidade maior ou menor de
determinado produto, recebida pelo trabalhador, ou de ··ilonfonnidade
com o poder maio1 ou menor desse produto de conundllr os bens perti-
nentes às necessidades e às comodidades da vida" (J)efin., Londres, 1827,
pp.29,30).

Uma vez que, na produç!o capitalista, o valor de troca - o acréscimo


do valor de troca ~ é o objetivo imediato, importa saber medi-lo. Uma vez
que o valor do capital adiantado se exprime em dinheiro (real ou de conta),
mede-se a magnitude desse acréscimo pela magnitude em dinheiro do pró·
prto capital, e adota-se por medida um capital (soma em dinheiro) de gran-
deza determinada 100.

"O lucro do capital", diz. Malthus, "consiste na diferença entre o valor do


capital adiantado e o valor da mercadoria quando vendida ou utilizada"
(Def in Polit. Ec., Londres, 1827, pp. 240, 241).

1089
8. Idéias de Malthus sobre trabalho produtivo
e acumulação

a) O trabalho produtivo e o improdutivo

"O ser humano despende renda (revenue) com vistas ao sustento imediato
e ao praze1, e despende capital para produzir lucro" (Dejin., Londres,
1827, p. 86). .
Um trabalhador e um criado são "dois instrumentos bem distintos: um
ajuda a criar riqueza, o ou txo, a consumi-la" (1.c., p. 94) 13 .

É boa a seguinte definição de trabalho produtivo:

Trabalho p1odutivo é o que aumenta diretamente "a riqueza do patrão"


(Princ. of Pol. Ec., Londres, 1836, p. 47).

hnporta acrescentar ainda o trecho:

"O único consumo pmdutivo no ve1dade.iro sentido é .o consumo e des-


truição de riqueza por capitalistas para fim de xep1odução.,. O trabalha-
dor que o capitalista emprega consome po1 certo como 1enda, com vistas
ao sustento e ao praze1, aquela parte que não poupa do salário;' não a con-
some como capital, com o objetivo de pmduziI. E um· consumidor produ-
tivo para a pessoa que o emprega e para o Estado, mas, em sentido exato,
não para si mesmo" (Def., ed. Cazenove, p.11). '

13. Essa citação de Malthus 1eproduz quase literabnente as observações de


Smith apresentadas por Marx no vol. 1. pp. 135 e 136: (" ... o trabalho de um operário
da manufatura geralmente ae1escenta ao valo1 do material por ele trabaJhado o valo1 de
seu próprio sustento e o IJJcro do patrão. O trabalho de um criado, ao contrário, não
adiciona valor... Um homem enriquece empregando grande número de ope1ários;
empobrece sustentando grande número de criados"). Ao colocar aí o título "O trabalho
produtivo e o improdutivo", o tema lançado e desenvolvido por Smith, está Marx alu-
dindo à circunstância de Malthus te1 utilizado uma idéía de Smith.

1090
b) A cumulação

"Nenhum·economista político hodierno pode considerar poupança mero


entesouramento; excetuado este vezo tacanho e ineficaz, não se pode
imaginar para o tenno outro uso no tocante à riqueza nacional, a não ser
o que tem de provir do emprego diferente da poupança, fundado sobre a
distinção real entre as diversas espécies de trabalho por ela mantidas"
(Princ. of Pol., pp. 38, 39).
"Acumulação de capital: emprego de uma porção de renda (revenue)
como capital. Por isso, o capital pode aumentar sem acréseimo dos have-
res ou da riqueza" (Defin ., ed. Cazenove, p. 11 ).
"Hábitos prudentes relacionados com o matrimônio, se mantidos além de
certo ponto pelas classes trabalhadoras de um país que depende sobretu-
do da indústria e do comércio, prejudicariam esse país" (P. of Pol. Ec.,
p. 215). .

É o que diz o pregador dos entraves à superpopulação.

"A carência dos meios de subsistência é o que mais incentiva as classes


trabalhadores a produzirem os bens suntuários; e se se remover ou ate-
nuar esse incentivo, de modo que se consigam os meios de subsistência
com muito pouco trabalho, teremos toda razão em supor que não se dedi-
cará tempo maior e sim menor à produção de artigos de luxo" (P. of P.E.,
p. 334).

Mas, ~ da maior importância para o mestre da teoria da superpopula-


ção, o seguinte trecho:

"De acordo com a natureza da população, um acréscimo de trabalhadores


não pode ser levado ao mercado, em conseqüencia de uma procura parti-
cular, até decorrerem 16 ou 18 anos, e a conversão de renda (revenue) em
capital por meio da poupança pode-se dar com muito mais rapidez; um
pa(s está sempre propenso a aumentar o fendo de trabalho com mais rapi·
dez que a população" (Lc.,pp.319,320).

Cazenove observa com acerto:

"O capital, quando aplicado para adiantar os salários dos trabalhadores,


nada acrescenta ao fendo destinado a sustentar o trabalho, mas consiste
apenas no emprego de porção determinada desse fundo já existente para
fins de produção" (Def. in P. Ec., p. 22, nota).

1091
9. O capital constante e o variável segundo Malthus

"Trabalho acumulado" (ou melhor, trabalho materializado, trabalho


objetivado) "é o trabalho despendido nas matérias-primas e instrumentos
utilizados para produzir outras mercadorias" (Def. in P. Ec., ed. Cazenove,
p.13).

"Quando falamos do trabalho despendido nas mercadorias, importa deno-


minar o capital necessário para produzi-las, de trabalho acumulado, para
distinguir este do trabalho imediato empregado pelo último capitalista"
(l.c., pp. 28, 29).

Sem dúvida é de importância fundamental fazer essa distinção. Mas,


em Malthus, não tem ela a menor conseqüência.
Faz ele uma tentativa de reduzir a mais~valia, ou pelo menos sua taxa
(o que, aliás, confunde sempre com lucro e taxa de lucro), à relação da mais-
valia com o capital variável, que é' do capital a parte que se despende em
trabalho imediato. Mas a tentativa é pueril e não podia ser de outra maneira,
considerando-se sua concepção do valor. Em Principies ofPol. Ec., diz:

Admitimos que se aplique o capital apenas em salário. "Sejam 100 libras


despendidas em trabalho imediato. Se a receita noJlm do ano for 110,
120 ou 130 libras, é evidente que em cada caso o lucro será determinado
pela proporção do valor do produto global requerida para pagar o traba-
lho empregado. Se o valor do pioduto no mercado for 11 O libras, a pro-
porção requerida para pagar os trabalhadores será 1O/11 do valor do pro-
duto, e o Incro será 10%. Se o valor do produto for 120 libras, a proporção
para pagar o trabalho será 10/12, e o lucro será 20%;se 130, a proporção
necessária para pagar o trabalbo adiantado será 10/13, e o lucro será 30%.
Admitamos agora que os adiantamentos do capitalista não ronsistam
apenas em salário. O capitalista espera lucro igual de todas as partes do
capital que adianta. Suponhamos que certa porção do valor de seus adian-
tamentos, 1/4 ·por exemplo, consista no salário do trabalho imediato, e
3/4 em trabalho acumulado e lucro, inclusive algumas adições que prove-
nham de rendas da terra, impostos e outras despesas. Então é a rigor certo
que o hJcro do capitalista se alterará ao variar o valor desse 1 /4 de seu
produto, comparado com a quantidade de trabalho empregada. Por exem-
plo: empregue um anendatário na agricultura 2 000 libras, 1 SOO das
quais em sementes, na manutenção de cavalo.s, desgaste do capital fixo,
juros sobre o capital fixo e circulante, renda fundiária, dízimos, impos-
tos etc., e SOO em trabalho ·imediato, e tenha no fün do ano uma receita

1092
de 2 400 libras. O lucro do arrendatário será 400 libras, ou 20%. E tam-
bém é óbvio que, se tomannos 1 /4 do valor do produto, isto é, 600 libras",
e o compararmos com o montante pago em salários de trabalho imediato,
o resultado mostrará exatamente a mesma taxa de lucro" (pp. 267, 268).

Malthus usa aí mais pretensão que água benta. O que ele quer (pres-
sente que a mais-valia, o lucro portanto, tem determinada relação com o
capital variável, o despendido em salário) é demonstrár que o "lucro é deter-
minado pela proporção do valor do produto global, requerida para pagar o
trabalho empregado". Acerta, de início, ao supor que o capital todo consiste
em capital variável, em capital despendido em salário. Nesse caso, lucro e
mais-valia são de fato idênticos. Mas também aí cinge-se a uma observação
tola. Se o capital despendido for 100 e o lucro 10%, o valor do produto será
igual a 110, o lucro constituirá 1/10 do capital despendido (isto é, 10% dele)
e l/ 11 do valor do produto global onde se incluirá seu próprio valor. Consti-
tui portanto 1/11 do valor do produto global, e o capital adiantado, 10/11.
No tocante ao produto total pode exprimir-se o lucro de 10%, de modo que,
excluído o lucro, a parte restante do produto global fica igual a 10/11 desse
produto; ou um produto de 110, se incluir 10% de lucro, configurará em
10/11 dele as despesas com que se obtém o lucro. O brilho dessa observação
matemática empolga-o tanto que ele repete o mesmo exemplo aritmético
para lucro de 20%, de 30% etc. Temos até aí mera tautologia. O lucro é per-
centagem sobre o capital despendido; o valor do produto total contém o
valor do lucro, e o capital despendido é o valor do produto global menos o
valor do lucro. Assim 11 O- 1O = 100. E 100 é 10/ 11 de 11 O. Mas pros-
sigamos.
Admitamos um capital com parte variável e parte constante. "O capita-
lista espera lucro igual de todas as partes do capital que adianta." Isso porém
contradiz a afirmação sustentada acima de ser o lucro (ou antes, a mais-
valia) determinado pela relação com o capital despendido em salário. Mas
tudo bem. Malthus não é a pessoa indicada para contradizer "as expectati-
vas" ou idéias "do capitalista". E, agora, sua façanha. Admitamos um capital
de 2 000 libras: 3/4 dele, 1 500 libras, é capital constante; 1/4, ou 500 li-
bras, capital variável. Lucro = 20%. Assim, o lucro = 400 libras, e o valor do
produto = 2 000 + 400 = 2 400 libras. Mas 600 : 400 = 66 2/3%. O valor
do produto global = 1 000, e a parte despendida em salário= 6/ 10. E como
se faz a conta de Malthus? Tomemos 1/4 do produto global, e teremos 600
libras; 1/4 do capital despendido corresponde a 500 libras, a parte despendi-
da em salário, e 100 = 1/4 do lucro, a parte do lucro relacionada com esse
salário. E isso se destina a provar "que o lucro do capitalista se alterará com

1093
a variação do valor desse 1/4 de seu produto, cómparado com a quantidade
de trabalho empregada". Isso prova apenas que um lucro de percentagem·
dada, digamos, de 20% sobre um detenninado capital, de 4 000 por exem-
plo, configura uni lucro de 20% sobre qualquer parte alíquota do capital:
uma tautologia. Mas nada absolutamente demonstra quanto a urna relação
determinada, específica e caracterizante desse lucro com a parte do capital
despendida em salário. Se em vez de 1/4, como fez Malthus, tomo 1/24 do
produto global, isto é, 100 (de 2 400), essas 100 libras contêm 20% de lucro
ou 1/6 delas é lucro. O capital seria 83 1/3, e o lucro 16 2/3. Se essas 83 1/3
libras correspondessem, digamos, a 1 cavalo empregado na produção, ficaria
demonstrado, à maneira malthusiana, que o lucro se altera com a variação
do valor.do cavalo ou com 1/28 4/~ do produto total.
Malthus exibe essas inferências deploráveis quando voa com as pró-
prias asas e não dispõe de Townsend, Anderson ou de outros para plagiar. O
notável, pertinente ao problema (omitindo-se o que caracteriza o homem), é
ter pressentido que a mais-valia deve ser calculada sobre a parte do capital
despendida em salário.
(Dada urna taxa de lucro, o lucro total, o montante do lucro, depen-
de sempre da magnitude do capital adiantado. Então, a acumulação é deter-
minada pela parte desse montante que é reconvertida em capital. Mas essa
parte, uma vez que é igual ao lucro total menos a renda :consumida pelo
capitalista, dependerá não só do valor daquele montante, mas. também da
barateza das mercadorias que o capitalista pode comprar coni o Jucro total;
tanto da barateza das mercadorias que entram em seu consumo·, absorvidas
por sua renda (revenue), quanto da barateza das mercad~1ias que entram no
capital constante. Aqui o salário também se supõe dado, uma vez que se
supõe dada a taxa de lucro.)

10. Teoria do valor de Malthus

Segundo essa teoria, o valor do trabalho nunca varia (legado de


A. Smith); só varia o valor da mercadoria que obtenho com ele. Seja o salá-
rio por jornada de trabalho, de 2 xelins num caso e· de l xelim no outro. No
primeiro caso, o capital dá pelo mesmo tempo de trabalho duas vezes mais

1094
xelins que no segundo. Mas, no segundo, o trabalhador dá pelo mesmo pro-
duto o dobro do trabalho que dá no primeiro, pois no segundo trabalha uma
jornada inteira por 1 xelim e no primeiro meià jornada apenas. Malthus acre-
dita então que o capitalista ora dá mais ora dá menos xelins pelo mesmo
trabalho. Não vê que o trabalhador em total correspondência dá menos ou
dá mais trabalho por dado produto.

"Dar mais produto por dada quantidade de trabalho ou obter mais traba-
lho por dada quantidade de produto são para ele" (Malthus) "a mesma
coisa, ao invés de serem coisas contrárias, como se teria suposto" (Obser·
vations on certain verbal disputes in Po.E e., particularly relating to 11alue
and to demand and supply, Londres, 1821, p. 52).

Na referida obra (Observations on certain verbal disputes etc., Lon-


dres, 1821) observa-se com acerto que o trabalho como medida do valor, no
sentido que aí lhe dá Malthus, de acordo com uma concepção de A. Smith,
seria medida de valor da mesma maneira que qualquer outra mercadoria, mas
não tão boa quanto o é o dinheiro na realidade. Em geral, haveria aí a mera
questão de medida dos valores no sentido em que o dinheiro é medida do valor.
Em geral, nunca é - ver parte 1, p. 45 de minha obra 14 - a medida
dos valores (no sentido de dinheiro), o que torna as mercadorias comen-
suráveis.

"Ao contrário, somente a comensurabilidade das mercadorias como tem-


po de trabalho materializado faz do ouro dinheiro."

Como valores, as mercadorias são unidade, meras configurações da


mesma unidade, o Úabalho social. A medida do valor (dinheiro) as pres-
supõe como valores e refere-se apenas à representação e à grandeza desse
valor. A medida do valor das mercadorias relaciona-se sempre com a conver-
são dos valores em preço, já supõe o valor.
Nas passagens mencionadas da obra Observations lê-se:

"Diz Malthus: 'No mesmo lugar e no mesmo tempo, as diferentes quanti-


dades de jornada que mereadorias diferentes podem comandar estarão
exatamente na proporção de seus valores de troca relativos', e vice-

14. Marx, Zur Kritik der Polimchen Oekonomie. Erstes Heft (ver MEW, vo!. 13,
pp.51,52).

1095
veISa 15 . Se isso é verdadeiro para o trabillto, também é verdadeiro para
qualquer outra ooisa" (1.c., p. 49).
"No mesmo tempo e no mesmo 1ugw:, o dinheiro desempenha muito bem
o papel de medida.do valor. Mas (a proposição de Malthus) naõ parece ser
correta para o trabalho. Trabalho não é medida, nem sequer no mesmo
tempo e no mesmo lugar. Tome111os uma quantidade de trigo que no mes-
mo tempo e no mesmo espaç.o seja de valor igual a dada diamante; o trigo
e o diamante, pagos em espécie, comandatio porções iguais de trabalho?
e possível di2er não; mas o diamante comprará dinheiro que comandará
quantidade igu.al de trabalho ••. A medida de nada adianta, pois não pode
ser aplicada em retificá·la a aplicação da outra medida que ela se .destina·
va a substituir. S6 podemos inferir que o trigo e o diamante comandarão
quantidades iguaís de trabalho por serem de.igual valor em dinheito. Mas
exigiu-se a conclusão de que du!IS coisas seriam de igual valo1 por pode·
rem comandar quantidades iguais de trabalho" (l.c., pp. 49, 50).

11. Superprodução. "Consumidores improdutivos" etc.

Da teoria malthusiana do valor depreende-se a doutrina tOda da neces-


sidade do consumo improdutivo sempre crescente que esse catedrático da
supetpopulação (oriunda da escassez de meios de subsistencia) apregoa com
tanta veemência. O valor de uma mercadoria é igual ao valor dos ·materiais,
maquinaria etc., adiantados + a quantidade de trabalho imediato nela conti-
da, e essa parcela em Malthus é igual ao valor dos salários nela encerrados+
acréscimo de lucro sobre os adiantamentos, de acordo com o nível da taxa
geral de lucro. Esse acréscimo nominal de preço constitui o lucro e é uma
condição da oferta, isto é, da reprodução da mercadoria. Esses elementos
constituem o preço do comprador, em contraste com o preço do produtor,
e o preço do comprador é o valor real da mercadoria. Pergunta-se então;
como se realizará esse preço? Quem o pagará? E de que fundo será pago?
Na análise de Malthus, temos de fazer distinções (que ele descurou).
Parte dos capitalistas produz mercadorias que entram diretamente no consu·
mo dos trabalhadores; parte produz ou mercadorias que só indiretamente

15. O autor da obra anônima Obsetvatians on certam verbal disputes in political


economy cita a primeita edjção do livro de Malthus Principies of politica/ economy,
aparecido em Londres, em 1820, p.121. ·

10%
entram nesse consumo, o que se dá quàndo se incorporam ao capital, como
matérias-primas, maquinarias etc., requerido para produzir os meios de
subsistência, ou mercadOrlas totalmente excluídas do consumo do traba-
lhador, por serem absorvidas apenas pela renda (revenue) dos não traba-
lhadores.
Antes de mais nada obsen'emos os capitalistas que produzem os arti-
gos que entram no consumo dos trabalhadores. Além de compradores de
trabalho são vendedores de seu próprio produto aos trabalhadores. Se a
quantidade de trabalho que o trabalhador adiciona vale 100 táleres, paga-lhe
o capitalista 100 táleres. E este é, segundo Malthus, o único valor que o
trabalho comprado pelo capitalista adiciona à matéria-prima etc. Assún rece-
be o trabalhador o valor de seu trabalho e restitui ao capitalista o equivalen-
te. Mas, embora o trabalho contenha nominalmente o valor, recebe o traba-
lhador na realidade quantidade de mercadorias menor que a que produziu.
De fato recupera apenas parte do seu trabalho materializado no produto.
Admitamos para simplíficar, como o faz Malthus com freqüência, que o
capital consista apenas em capital despendido em salário. Se 100 táleres forem
adiantados ao trabalhador para produzir a mercadoria - e esses 100 táleres
s!o o valor do trabalho comprado e o único valor que este adiciona ao
produto --, o capitalista, em contraposição, venderá essa mercadoria por 11 O
táleres, e o trabalhador com os 100 táleres só pode recuperar 10/l l do pro-
duto; 1/11 fica com o capitalista, o valor de 10 táleres. ou a quantidade de
produto excedente em que se configura esse valor excedente de 10 táleres.
Se o capitalista vender a mercadoria por 120, o trabalhador só receberá
10/12, e o capitalista 2/12 do produto e de seu valor. Se vender por 130
(30%) o trabalhador só receberá 10/13, e o capitalista 3/13 do produto. Se
vender com acréscimo de 50%, isto é, por 150, o trabalhador receberá 2/3, e
o capitalista 1/3 do produto. Quanto mais alto o preço por que venda, tanto
menor a participação do trabalhador, e tanto maior sua própria participação
no valor do produto, por conseguinte também na quantidade do produto. E
do valor ou do próprio produto tanto menos pode o trabalhador recuperar
com o valor de seu trabalho. A coisa em nada se altera quando, além do
capital variável, se adianta o constante, por exemplo, quando, fora os 100
táleres em salário, ainda se aplicam 100 em rnatérías-primllS etc. Nesse caso,
se a taxa de lucro for 1O, o capitalista venderá a mercadoria por 220 e nlfo
por 210 (isto é, 100 correspondem a capital constante, e 120 a produto do
trabalho).
(A obra Nouveaux Principes etc., de Sísmondi, apareceu primeiro em
1819).

1097
Nessa obra, com referência à classe capitalista A que produz os bens
de consumo direto dos trabalhadores, encontramos um caso em que, me-
diante acréscimo nominal - o acréscimo normal do lucro sobre o preço dos
adiantamentos -, na realidade se cria um fundo excedente para o capita-
lista; pois este, com esse expediente, do produto do trabalhador, só lhe
restitui uma parte, enquanto se apropria da outra. Mas ocorre esse resultado
não por vender ao trabalhador o produto todo ao valor elevado, e sim por-
que a elevação do valor do produto incapacita o trabalhador de readquirir o
produto todo com seu salário, permitindo-lhe apenas recuperar parte dele.
Por isso compreende-se que a procura do trabalhador nunca chegue para
converter em dinheiro o excedente do preço de compra sobre o preço de
custo 16 , isto é, o lucro e o "valor" da mercadoria. Ao contrário, só há um
fundo de lucro porque o trabalhador não é capaz de readquirir, com o salá-
rio, seu produto todo, isto é, sua procura não corresponde à oferta. O capi-
talista A portanto dispõe de determinada quantidade de mercadoria de dado
valor, no caso 20 táleres, de que não precisa para repor o capital e dos quais
pode gastar parte como renda, e parte empregar em acumulação. N.B.: o
montante desse fundo que tem em mãos depende do acréscimo de valor que
fez sobre o preço de custo e que détermina a proporção em que o produto
global se reparte entre ele e o trabalhador. ..
Chegamos agora à classe capitalista B, que fornece as matérias-primas,
maquinaria etc.,. em suma, o capital constante à classe A: A classe B só. pode
vender à classe A, pois não pode vender aos trabalhadores, qúe .J.lada têm a
fazer com o capital (matéri~-prima, maquinaria etc.), nertí aos capitalistas
que produzem artigos de luxo (tudo o que não é riieio de s.ubsistência enqua-
drado no consumo geral da classe trabalhadora), nem aos capitalistas que
produzem o capital constante requerido para a produção de artigos de luxo.
Vimos que 100 táleres de capital constante fazem parte do capital
adiantado por A. O produtor desse capital constante, se a taxa de lucro é de
10%, produziu-o pelo preço de custo de 90 10/ l l, mas vendeu-o por 100
(90 1O/11 : 9 l/ 11 = 100 : 10). Consegue portanto lucro acrescendo o preço
para a classe A. Por isso, de 220, o produto desta, obtém 100 táleres, em vez
de apenas os 90 10/11 com que, admitamos, compra trabalho imediato. B
de modo nenhum faz seu lucro por meio de seus trabalhadores, cujo produ-
to no valor de 90 10/ 11 não lhes pode revender, uma vez que nada lhe po-
dem comprar. Não obstante, ficam na mesma situação dos trabalhadores

16. Ver nota 6, p. 1069.

1098
de A. Conseguem por 90 10/11 uma quantidade de mercadorias que só
nominalmente tem o valor de 90 10/11, pois toda fração do produto de A
encarece por igual, ou toda fração de seu valor configura, considerando-o
acréscimo de lucro, fraçífo menor do produto.
(Esses acréscimos todavia só podem ir até certo ponto, pois o traba·
lhador tem de receber mercadoria em quantidade suficiente para viver e
para reproduzir a força de trabalho. Se o capitalista A acrescentasse 100 por
cento e vendesse por 400 a mercadoria que custa 200, poderia o trabalhador
recuperar soinente um quarto do produto (se ele recebe 100). E se precisasse
de metade do produto para viver, o capitalista teria de lhe pagar 200 táleres.
Assim ficaria apenas com 100 táleres (100 corresponderia a capital constan·
te, e 200 a salário). Seria portanto como se tivesse vendido por 300 etc.)
E não obtém seu fundo de lucro (diretamente) com seus trabalhado-
. res, mas por meio da venda a A. O produto de A serve pa'ra realizar seu lucro
e ainda forma seu próprio fundo de lucro. Fica então claro que A não pode
realizar o lucro feito às custas dos trabalhadores, por meio de venda a B, e
que B também não pode mais que seus trabalhadores prover procura bastan·
te para: seu produto (a fün de vendê-lo por seu valor). Ao contrário, aí já
surge efeito regressivo. Quanto mais A acresce o lucro, tanto maior é, para
seus trabalhadores, a parte do produto total da qual se apropria e também
priva B.
B faz seu acréscimo na mesma proporção do de A. B continua a pagar,
como dantes, 90 10/ 11 táleres aos trabalhadores, embora. estes recebam, por
essa soma, menos mercadorias. Mas quando A acrem,mta 20% em vez de
10%, também B acrescenta 20% em vez de 10%, e vende por 109 l /11 e não
por 100. Com isso aumenta essa parte das despesas de A.
Com razão pod~-se mesmo considerar' A e B uma só classe. (B se
enquadra nos custos de A, e quanto mais este tem de pagar a B do produto
global, tanto menos lhe sobra.) Do capital de 290 10/11, B possui 90 10/11,
e A 200. Despendem em conjunto 290 10/11 e fazem um lucro de 29 1/11.
B não pode readquirir de A mais do que 100, e aí se inclui seu lucro de
9 1/11. Os dois juntos têm agora, como dissemos, renda (revenue) de
29 1/11.
No tocante às classes C e D, C abrange os capitalistas que produzem o
capital constante necessário para a produção dos artigos de luxo, e D os que
produzem diretamente os artigos de luxo, e antes de mais nada evidencia-se
que a procura imediata de C é constituída apenas por D. D é o comprador
de C. E C só pode realizar lucro vendendo caro sua mercadoria a D, median-
te. acréséimo nominal acima do preço de custo. D tem de pagar a C mais do

1099
que. o necessário para C repor todos os ingredientes de suas mercadorías.
D por seu lado acrescenta lucro, em parte sobre os adiantamentos feitos por
e, em parte sobre o capital que diretamente adianta em salário. e, do lucro
que obtêm de D, pode comprar parte das mercadorias de D, embora não
possa gastar seu lucro inteiro desse modo, pois precisa para si mesmo de
meios de subsístência, e não apenas para os trabalhadores, com os quais
troca o capital realizado com D. Primeiro, a mercadoria de C, para se reali-
zar. depende diretamente de ser vendida a D; segundo, efetuada essa venda,
a procura decorrente do lucro de e não pode realizar o valor. das mercado·
rias vendidas por D, e o mesmo Sucede na procura de B em relação a A. C
extrai de D o lucro que obtém, e se, em retomo, o despende em mercadoria
de D e não em outra, sua procura, ainda assim, nunca pode ser maior que o
lucro que fez âs custas de D. Tem sempre de ser bem menor que o capital de
D, que sua procura global, e nunca constitui fonte de lucro para D (no máxi-
mo, D logra um tanto C por meio do acréscimo sobre as mercadorias que em
retomo lhe vende), uma vez que o lucro feito por e flui diretamente do
bolso de D.
Além disso, é claro que os capitalistas, sejam da classe C ou da D, den·
tro de cada classe, ao se venderem ~eciprocamente as respectivas mercado·
rias, nenhum deles por isso ganha alguma coisa ou realiza lucro.-0 capitàlista
M vende por 110, a N, mercadoria que custa apenas 100, mâs o mesmo faz
N com M. Depois da troca, cada um possui, como dantes, uma, quantidade
de mercadoria com o preço de custo de 100. Cada um obtéJJi por110 ape·
nas mercadoria que custa 100. O acréscimo não dá a um, sobre a mercadoria
do outro, comando maíor que o que dá ao outro sobre sua,mercadoria. E no
tocante ao valor seria como se M e N, sem trocar suas mercadorias, se des-
sem ao prazer de marcá-las com 110 e não com 100.
Alem disso, é claro que a mais-valia nomúlal em D (pois C aí se inclui)
, não configura produto excedente real. A circunstância de o trabalhador
obter, por 100 tâleres, menos meios de subsistência, em virtude do acrésci-
mo feito p·or A, de início pode não ter a menor importância para B. Ele tem
de continuar a despender 100 táleres para empregar determinado número de
trabalhadores. Paga aos tiabalhadores o valor do trabalho que executam; e
eles nada além disso acrescentam ao produto; dão-lhe apenas um equivalen-
te. D só pode obter o excedente sobre esse equivalente por meio de venda a
terceiros, desde que lhes venda súa mercadoria acima do preço de custo.
Na realidade, o fabricante de espelhos, em seu produto, dispõe de
valor excedente e produto excedente, como ocorre com o arrendatário.~
que o produto contém trabalho não pago (mais.valia), e esse trabalho não

1100
pago se configura tão bem no produto quanto o pago. Configura-se no pro-
duto excedente. Parte dos espelhos nada lhe custa, embora tenha valor, por
nela se conter trabalho como sucede com a parte que repõe o capital adian-
tado. Essa maís-va1ía existe em produto excedente antes da venda do espe·
lho, ao invés de ser gerada apenas por essa venda. Em contraposição, se o
trabalhador tivesse dado em trabalho imediato apenas um equivalente em
troca do trabalho acumulado que recebeu na fonna de salário, não existiria
o produto excedente nem a correspondente mais-valia. Mas, segundo Mal-
thus, para quem o trabalhador apenas restitui um equivalente, as coisas se
passam de maneira diferente.
É claro que a classe D (inclusive C) não pode constituir para si, me·
diante artifício, um fundo excedente, como o faz- a classe A, isto é, reven-
dendo sua mercadoria aos trabalhadores.mais cara do que a comprou deles,
e assim, depois de repor o capital despendido, apropriar-se de parte do pro-
duto total. J! que os trabalhadores não são compradores da mercadoria de D.
Também ·esta classe não pode formar seu fundo excedente por meio-da ven-
da ou da troca entre os capitalistas que a compõem. Isto só se pode efetivar
portanto mediante venda de seu produto às classes A e B. Uma vez que D
vende por 110 mercadoria no valor de 100, A só pode, com 100, comprar
10/11 do produto de D, e este conserva 1/11, que ele mesmoconsomedas
próprias mercadorias ou pode trocar por mercadorias da própria classe.
Com todos os capitílistas que não produzem de imediato mejos de
subsistência, que portanto não revendem a parte mais importante ou parte
importante de suas mercadorias aos trabalhadores, a coisa se comporta
assim:
Seja seu capítal ,constante = l 00. Se, além disso, o capitalista pagar
100 em salário, pagará aos trabalhadores o valor de seu trabalho. Os traba-
lhadores adicionam 100 ao valor de 100, e assim o valor global (preço de
custo) do produto é 200. E donde provém o lucro? O capitalista vende por
220 mercadoria que vale 200, se a taxa média de lucro é 10%. Se vender
realmente a mercadoria por 220, é claro que 200 bastam para reproduzi-la,
100 para despesas com matérias-primas etc., e 100 com salário, e embolsa
20, que pode gastar como renda (revenue) ou com que pode acumular
capíta1.
Mas, a quem vender a mercadoria com 10% acima de seu "valor de
produção", que segundo Malthus dífere do valor de venda ou do valor real,
de modo que, de fato, o lucro = diferença entre valor de produção e valor
de vend!l = valor de venda - valor de produçá'o? Por medo de troca ou de
venda entre si, esses capitalistas não podem realizar lucro. Se A vende a B,

1101
por 220, mercadoria que vale 200, B aplicará em A o mesmo logro. Essas
mercadorias, por mudarem de mãos, não mudam de valor nem de quantida-
de. A quantidade de mercadoria que antes estava nas mãos de A encontra-se
agora nas de B, e vice-versa. A coisa em nada se altera por ser agora de 110
a etiqueta anterior de 100.. De maneira nenhuma variou o poder de compra
deA ou o de B.
Mas aqueles capitalístas, de acordo com a hipótese, não podem vender
suas mercadorias aos trabalhadores.
Têm portanto de vendê-las aos capitalistas que produzem os meios de
subsistência. Esses capitalistas têm em mãos, na realidade, em virtude da
troca com os trabalhado~es, um fundo excedente efetivo. A criação de mais-
valia nominal pôs-Jhes de fato nas mãos um produto excedente. E este é o
único fundo excedente que até agora existe. O dos outros capitalistas só
pode proceder da venda de suas mercadorias acima do valor da produçã"o,
àqueles possuidores de um fundo excedente.
No tocante aos capitalistas que produzem o capital constante neces-
sário para a produção dos meios de subsistência, já vimos que o produtor
destes bens tem por força de comprá-lo daqueles. E essas compras entram
em seus custos de produçlio. Quanto mais alto seu lucro, tanto mai_s caros os
a
adiantamentos que se aplica a mesma taxa de lucro. Se vender com acrésci-
mo de 20 por cento em vez de 10, o produtor de seu capitaf:constante tam·
bém fará neste uma adição de 20 por cento em vez de l O. E em troca de
90 10/11 exigirá, em vez de 100, 109 1/11 ou, arredondan4ó, HO, e desse
modo o valor do produto passa a ser 21 O que, acrescidos de 20% = 42, per-
fazem 252, o valor agora da totalidade do produto. Daí recebe o trabalhador
100. O capitalista recebe agora de lucro mais do que 1/11 do produto glo-
bal; antes, quando vende a 220, 1/11 apenas. O volume do produto perma-
neceu o mesmo, mas a parte disponível para o capitalista aumentou em valor
e quantidade.
Os outros capitalistas que não produzem meios de subsistência nem
capital para produzir estes bens, só podem obter lucro mediante venda às
duas primeiras classes de capitaHstas. Se estes se apoderam de 20%, o mes·
mo fazem aqueles.
Mas a troca na primeira classe dos capitalistas dífere muito da troca
entre as duas classes de capitalistas. A primeira, mediante a troca com os
trabalhadores, constituiu um real fundo excedente de meios de subsistência
(um produto excedente), que lhe fica disponível como sobra do capital, e
assim parte dela serve-lhe para acumular, e parte para gastar como renda
(revenlie), seja nos próprios meios de subsistência, seja em artigos de luxo.

II02
A mais-valia representa aí, na realidade, trabalho excedente e produto exce-
dente, embora se chegue a isso, segundo Malthus, pelo tosco expediente de
wn acréscimo sobre o preço. Admitamos que o valor do produto dos traba-
lhadores que produzem meios de subsistência seja na realidade apenas de
100. Mas, uma vez que 10/11 desse montante é suficiente para pagar os salá-
rios, basta que o capitalista despenda 90 10/ 11, s~bre o que faz um lucro
de 9 1/11. Todavia, se paga 100 aos trabalhadores ri.a ilusão de serem idênti-
cos valor do trabalho e quantidade de trabalho, e lhes vende o produto por
110, recebe, como dantes, 1/11 do produto. Que essa fração valha agora 10
libras em vez de 9 1/11 não representa ganho para ele, pois adiantou agora
100 de capital em vez. de 90 l O/ 11 .
Para as demais classes de capitalistas não existe nenhum produto exce-
dente real, nada em que se corporifique tempo de trabalho excedente. Ven-
. dem por 110 o produto de um trabalho de 100, e supõe-se que, por simples
acréscimo de preço, esse capita] se transforma em capital+ renda (revenue).
E como está o caso agora, conforme diria Lord Dundreary, entre aque-
las duas classes de capitalistas?
Os produtores de meios de subsistência vendem por 11 O produto exce-
dente no valor de 100 (porque pagaram 100 de salário, em vez de 90 10/I l).
Mas são os únicos que têm em mãos produto excedente. Se os outros capita-
listas lhes venderem também por 110 produto com o valor de 100, reporão
de fato seu capital com lucro. Por que? Porque meios de subsistência no
valor de 100 lhes bastam para pagar seus trabalhadores, e portanto guardam
para si 10. Ou melhor, por terem recebido meios de subsistência no valor de
100, e 10/11 desses meios bastarem para pagar seus trabalhadores, encon-
tram-se no mesmo caso dos capitalistas A e B. Estes, em contraposição, rece-
bem de volta apenas uma quantidade de produtos na qual se representa valor
de 100. De nada lhes serve que esses produtos custem nominalmente 110,
uma vez que quantitativamente,. como valor de uso, não representam volume
maior que o fomecído pelo tempo de trabalho contido em 100 libras, nem
eles podem com esses produtos repor, além de um capital de 100, um de 10.
Isso só seria possível com a revenda.
Embora as duas classes se vendam reciprocamente, por 110, o que vale
100, só na mt!o da segunda classe corresponde 100 na realidade a 110. A pri-
meira classe de fato recebeu somente um valor de 100 em troca de wn valor
de 110. E vende seu produto excedente a preço mais alto só porque paga os
artigos ~m que despende sua renda (revenue) acima do valor deles. Mas, na
realidade, o valor excedente que a segunda classe realiza também se limita

1103
apenas a sua participação no produto excedente realizado pela primeira
classe, uma vez que ela mesma não gera produto excedente.
Considerando esse encarecimento com relaçã'o aos artigos de luxo, a
tempo afigura-se a Malthus que acumulaç1fo, e não dispêndio, é o -objetivo
imediato da produçã'o capíta1ista. Assim, a classe capitalista A, em virtude
desse comércio desvantajoso - nele perde parte dos frutos que extorquiu
dos trabalhadores-, moderará sua procura de artigos de luxo, Mas, se o faz
e acumula mais, cru a procura efetiva, o mercado dos meios de subsistência
que produz, um mercado que, para expandir-se em toda a plenitude, exige
mais que a procura dos trabalhadores e dos produtores do capital constante.
Cairia assim o preço dos meios de subsistência, quando é só por meio da
elevação desse preço, de seu acréscimo nominal, que a classe capitalis-ta A
extraí seu produto excedente dos trabalhadores - e justamente na razão
desse acréscimo. Se o preço cair de 120 para 110, seu produto excedente
(e sua mais-valia) cairá de 2/12 para 1/11. E com isso cairá também o merca-
do, a procura dos artigos de luxo em proporção bem maior.
A primeira classe vende, no intercâmbio com a segunda, produto exce·
dente real, depois de ter reposto seu capital. A segunda, ao contrário, vende
apenas seu capital para convertê-lo, 'por meio desse comércio em çapítal +
renda (revenue). A produção toda é assim mantida em funcionamento (e
sobretudo seu crescimento) mediante o enctlTecimento dos meios de subsis~
tência, mas ao qual corresponderia, em contrapartida, um preço dos artigos
de luxo, o qual estaria na razão inversa do volume· real produzido de~s
artigos. A classe Jl também não ganha nessa troca, por vender por 110 o que
vale 100. É que na realidade recebe em retorno 110 cujo valor também é
100 apenas. Mas estes 100 (em meios de subsistência) repõem capital+ lu-
cro, enquanto aqueles 100 só têm de 110 a etiqueta. Daí resultaria portanto
receber a classe l artigos de luxo no valor de 100. Com 110 compra artigos
_de luxo no valor de 100. Mas os 110 para a outra classe valem 110, pois ela
paga o trabalho (repõe o capital) com 100 e assim guarda 10 como ex.ce-
dente.
n difícil entend~r como em geral pode originar-se um lucro, por ven-
derem os participantes dá troca uns aos outros suas mercadorias a preços
excessivos, resultantes do acréscimo da mesma taxa, logrando-se reciproca·
mente na mesma propo~ão.
Essa dificuldade seria removida se, ao lado da troca entre uma classe
de capitalistas e seus trabalhadores e entre as diferentes classes de capítalis·
tas, aparecesse um deus "ex-machina", uma terceira classe de compradores;
uma classe que pagasse as mercadorias pelo valor nominal, sem por sua vez

1104
p
vender mercadorias, sem retribuir por sua vez a burla; uma classe, portanto,
que levasse a cabo D - M e não D - M - D; que comprasse, não para repor
seu capital com lucro, mas para consumir as mercadorias; que comprasse
sem vender. Neste caso, os capitalistas realizariam lucro não por meío da
troca, entre si, de mercadorias, mas (l) por meio da troca com oÚrabalha·
dores, revendendo-lhes parte do produto global pelo mesmo dinheiro com
que lhes compraram o produto global (depois de dedúz.ido o capital conslan·
te); (2) por meio da parte dos meios de subsistência e dos artigos de luxo,
vendida ã terceira espécie de compradores. Uma vez que estes pagam 110
por 100, sem vender, em contrapartida. 100 por 110, realizar-se-ia assim de
fato e na:o nominalmente um lucro de 10%. O lucro se faria de duas manei-
ras: do produto global, a menor quantidade possível se vendería aos traba·
lhadores e a maior quantidade possível se vendería à terceira classe, que
compra com dinheiro efetivo para consumír sem ela mesma vender.
Mas compradores que ao mesmo tempo não são revendedores têm de
ser consumidores que ao mesmo tempo não são produtores, ou seja consu-
midores improdutivos, e é essa classe dos consumidores improdutivos que,
segundo Malthus, resolve a colisão. Mas esses consumidores improdutivos
têm de ser ao mesmo tempo consumidores solvíveis, de fonnar procura real,
isto é, as somas de valor que possuem e gastam durante o ano têm de bastar
tanto para pagar o valor das mercadorias que compram e consomem, quanto
para pagar o acréscimo nominal do lucro, a mais-va1ia, a diferença entre o
valor de venda e o valor de produção. Essa classe representará na sociedade
o consumo pelo consumo, como a classe capitalista representa a produção
pela produção; uma, a "paixâ'o pelo gasto", e a outra, a "paixão pela acumu-
lação" (Princ. of P.E., p. 326). A propensão a acumular se mantém acesa na
cl~e capitalista por ser sua receita sempre maior que suas despesas, e sem
dúvida o lucro é o incentivador da acumulação. Apesar desse zelo pela acu-
mulação, os capitalistas não são levados a produzir em excesso, ou só difi-
cilmente o são, uma vez que os consumidores improdutivos, além de consti-
tuírem um escoadouro imenso para os produtos lançados no mercado, por
sua vez não lançam produto no mercado, e assim, qualquer que saja seu
número, nã'o fazem concorrência aos capitalistas, ao contrário, configuram
procura sem oferta, e por isso anulam a preponderância da oferta sobre a
procura do lado dos capitalistas.
Mas donde provêm os meios de pagamento anuais dessa classe? Em
primeiro lugar, figuram os proprietários das terras, os quais se apoderam
de grande parte -:- sob o título de renda fundiária - do valor do produto
anual. e. em contrapartida gastam o dinheiro assim tirado dos capitalistas

1105
no consumo das mercadorias por esr.es produzidas, na compra das quais são
logrados. Os próprios donos das terras não são obrigados a produzir e em
regra não produzem. É essencial que, ao gastarem dinheiro na compra de
trabalho, não sustentem trabalhadores produtivos e sim meros comensús de
sua fortuna, criados que mantêm o preço dos meios de subsistência, em vir-
tude de os comprarem sem contribuir para crescer a oferta deles ou de qual-
quer outra mercadoria. Mas esses que vivem de renda fundiária não basUm
para criar "uma procura adequada". É mister recorrer a meios artificiais.
Estes consistem em impostos pesados, em quantidade considerável de síne-
curistas do Estado e da Igreja, em grandes exércitos, em pensões, dízimos
para os párocos, enorme dívida pública e, de tempos em tempos, guerras
dispendiosas. Estes são os "remédios" (hinc. of Pol. E'c., pp. 408 e segs.).
A terceira classe, convocada por Malthus para essa "missão terapêu-
tica", compra sem vender e consome sem prod1:1zír, recebe portanto. de
início, parte considerável do valor do produto anual sem pagá-lo, e enríque-
ce os produtores assim: estes tém primeiro de lhe soltar grátis dinheiro para
a compra de suas mercadorias, a fim de ela depois reembolsá-los, ao lhe ven·
derem eles suas mercadorias acima do valor, ao recuperarem dela, em dinhei-
ro, valor maior que o que lhe fornecem em mercadoria. E todo ano se repete
esse intercâmbio. ·

12. A substância social da argumentação de Malthus


contra Ricardo. A deturpação malthusiana das idéias de
Sismondi sobre as contradições da produção burguesa

Malthus extraí de sua teoria básica do valor conseqüências absoluta-


mente lógicas; mas essa teoria por sua vez se adequava admiravelmente a seu
objetivo, a apologia das condições vigentes na Inglaterra: o sistema fundiário
(landlordisrn), "o estado e a igreja", os pensionistas, os coletores de impos-
tos, os dízimos, a dívida pública, os corretores de- bolsa, os funcionários
paroquiais, os párocos e os criados ('"dispêndio nacional") - condições que,
como outros tantos empeços inúteis e antiquados da produção burguesa,
eram combatidas como praga pelos rícardlanos. Ricardo, contudo, represen-
tava a produção burguesa no que ela significasse o desenvolvimento mais

1106
desenfreado possível das forças produtivas sociais, sem se preocupar com o
destino dos agentes da produção, fossem·eles capitalistas ou trabalhadores.
Atinha-se à razão histórica e à necessidade dessa fase do desenvolvimento.
Por mais que llie falte o sentido histórico do passado, vive no patamar histó-
rico de seu tempo. Malthus também quer o desenvolvimento o mais livre
possível da produção capitalista, s6 que a condiçã'o desse desenvolvimento é
a miséria de seus principais agentes, as classes trabalhadoras, e essa produção
deve, ao mesmo tempo, adaptar-se às "necessidades de consumo" da aristo-
cracia e de suas ramificações no Estado e na Igreja, e servir de base material
para as exigências arcaicas dos representantes dos interesses remanescentes
do feudalismo e do absolutismo monárquico. Malthus quer a produção bur-
guesa desde que não seja revolucionária, não constitua fator de desenvolvi-
mento histórico e sim mera base material mais ampla e mais cômoda para a
''velha" sociedade.
De um lado, portanto, segundo o princípio da população, a classe
trabalhadora, sempre excessiva em relação aos meios de subsistência a ela
destinados, superpopulação decorrente da carência da produção; do outro
lado, ã. classe capitalista que, em virtude desse princípio da população, pode
sempre revender aos trabalhadores o que eles mesmos produziram a tais
preços que só recuperam o necessário paca sobreviver; e mais, um segmento
enorrné da sociedade, constituído de parasitas, zangões dissipadores, senho-
res ou criados que, de graça, sob o título de renda fundiária ou sob títulos
políticos, se apropriam de montante considerável da riqueza, tomando-a da
classe capitalista, cujas mercadorias pagam acima do valor com o dinheiro
dela extraído; a classe capitalista fustigada para produzir pela propensão
para acunmlar, é' os improdutivos que, no plano econômico, personificam a
propensão para consumir, a dissipação. E este é o único meio de escapar à
superprodução que existe em conjunto com uma superpopulaçã'o em relação
à produção. E o melhor remédio para ambas é o superconsumo das classes
que estão fora da produção. A desproporção entre a populaçã'o trabalhàdora
e a produção anula-se porque não-produtores, mandriões devoram parte do
produto. A desproporcionalidade da superprodução capitalista elimina-se
pelo superconsumo dos desfrutadores da riqueza. Vimos a debilidade pueril,
a trivialidade e a insipidez de Malthus, quando, apoiado na parte frágil de
A. Smith, procura construir uma teoria contrária ãquela que Ricardo edifi-
cou sobre os segmentos sólidos de A. Smith. É difícil encontrar um dispên·
dio mais cômico de esforço impotente que a obra de Malthus sobre o valor.
Mas, quando chega às conseqüências práticas e volta a trilhar os domfuios
que invadiu como uma espécie de orador sacro (Abraham a Santa Clara) da

1107
economià, sente·se Malthus inteírarnente à vontade. Contudo, também se
revela aí o plagiário congênito. Quem acreditaria, ã primeira vista, que.Prin-
cipies o/ PoliticaJ. Economy .de Malthus é mera tradução, ao jeito malthusia-
no, da obra Nouveaux Príncipes d'éco. pol. de Sismondi? A obra de Sismon-
dí apareceu em 1819. Um ano depóis vem ao mundo a caricatura ínglesa e
malthusiana dessa obra. De novo achou Malthus, como antes em Townsend
e Anderson e agora em Sismondi, um ponto de apoio teórico para um de
·seus obesos panfletos econômicos, e nessa ocasião também lhe foram úteis
incidentalmente as novas teorias aprendidas nos Principies de Ricardo.
Se Malthus combate em Ricardo a tendência da produçlro capitalista,
como força revolucionária em face da velha sociedade, só toma de Sismondi,
com infalível faro clericat, o que é reacionário em face da produção capita-
lista, da moderna sociedade burguesa.
Excluo Sismondi desta parte da minha pesquisa histórica, porque a
crítica a suas idéias pertence a setor de que só posso tratar depois desta
obra: o movimento real do capital (concorrência e crédito).
A adaptação malthusiana das idéias de Sisrnondi já se evidencia no
título de um capítulo de Pr. of Pol. Ec.:

"Necessidade de unir forças produtivas aos meios de dístribuíçã'o ·para


assegurar acréscimo continuado de riqueza" (p.361). ·

Nesse capítulo lê-se:

"As forças produtivas de per si não asseguram a cria.Çio de um nível de


riqueza propo1cionado. Para se obter a açã'o plena dessas forças é mister
algo mais, a saber, uma procura eficaz e sem travas para tudo que se pro-
duza. E o que parece contribuir, no mais alto grau, para se atingir ~
objetivo é uma distribuição dos produtos e wna adaptação des!l'es produ-
tos às necessidades daqueles a cµjo consumo se destinam, em nível tal que
acresça constantemente o v~or de. troca do volume global" (Pr. ofPol.
Ec.,p.361).

Continua sísmondíano e contra Ricardo:

"A riqueza de um país depende em parte da qUJJntidade dos produtos


obtida pelo trabalho na.Cional, e em parte de adaptação tal dessa quanti·
dade, às necessidades e ao poder de compra da população exístente, que
se preste a conferir valor à quantidade p.coduzida. E absolutamente cerro
que a riqueza. não é detennínada pOJ: wn des.ses fato1es· apenas" (Lc.,
p. 30 l). "Mas riqueza e valor talv~ tenham sua conexão mais íntima na
necetsidade deste para se produzir aquela" (Lc,).

1108
Isso é dirigido especialmente contra Ricardo. No cap. XX, Vaiue and
Riches, their distinctive properties (On the Principies of Political Eci:momy
and Taxation, 3!1 edição, Londres, 1821, p.321), entre outras coisas, díz
Rícardo:

"O valor portanto distingue-se fundamentalmente da riqueza, pois o valor


não depende da abundância e sim da dificuldade ou da facilidade da pro-
dução."

(Aliás, o valor pode também sµbir com a "facilidade de produção".


Admitamos que, num país, a populaÇão trabalhadora de 1 milhão passe para
6 milhões. um; milhã'o trabalhava 12 horas. Tenham os 6 milhões d~envolvi­
do tanto as fo'rças produtivas que cada um produza o dobro em 6' horas. A
riqueza teria sextuplicado, e o valor, triplicado, segundo o próprio ponto de
vista .de Ricardo.)

"A .riqueza não depende do valor. Um homem é rico ou pobre de aêordo


com a abundância dos meios de subsisténcia e bens de luxo de que pode-
dispor. Foi a confusão entre a ídéia de valor e a de abundância ou riqueza
que levou à afümação de que se pode aumentar a rique:za, reduzindo-se a
quantidade de mercadorias, isto é, as coisas necessárias, úteis e agradáveis
da vi_da. Isso seria incontestável se o valor fosse-a medida da riqueza, por-
que o valor d.as mercadorias aumenta com a escassez; mas ... se a riqueza
consiste em meios de subsist<Sncia e de luxo, não pode ser acrescida por
meio de redução da quantidade" {Lc., pp. 323 ,324).

Noutras palavras diz ai Ricardo: a riqueza consiste apenas em valores


de uso. Converte a produção burguesa em mera produção para o valor de
uso, o que é unia configuração deliciosa de um modo de produção domina-
do pelo valor de troca. Considera a forma específica da riqueza burguesa
algo puramente formal que não atinge o conteúdo do modo de produção.
Por isso nega também as contradições da produção burguesa, as quais setor-
nam gritantes nas crises. Daí sua concepção errada do dinheiro. Daí ainda
omitir por completo, no processo de produção do capital, o processo de
circulação no tocante à metamorfose das mercadorias, à necessidade da con-
versiío do capital em dinheiro. Em todo caso, ninguém melhor e mais preci·
sarnente que ele mostrou que a produção burguesa não é produção de rique·
za para os produtores (como repetidas vezes chama os trabalhadores), que a
produção da riqueza burguesa portanto é algo bem diverso da produção de
"abundância", de "meios de subsistência e de artigos de luxo" para os seres
humanos que os produzem, e o que teria de ocorrer onde a produção fosse

1109
apenas um meio de satisfazer as necessidades dos produtores, dominada
exclusivamente pelo valor de uso. Entretanto, o próprio Ricardo diz:

"Se '1-ivêssemos num dos paralelogramas 17 de Mr. Owen e fmíssemos em


comum nossa produção toda, não haveria a possibilidade de alguém
sofrer em virtude da abundância, mas, enquanto a sociedade for consti·
tuída como é agora, a abundância muitas vezes será, paza os produtores,
ptejudicíal, e a escassez, benéficaº (On Proteetion to A8riculture, 4ª ed.,
Londres, 1822, p. 21).

Ricardo considera a produção burguesa, mais precisamente ainda a


capitalista,fomza absoluta da produção, cujas fonnas determinadas das rela-
ções de produção portanto nunca podem contrariar ou estorvar o objetivo
por exceJência da produção - a abundância, que abrange tanto o volume
quanto a variedade dos valores de uso, que por sua vez determinam amplo
desenvolvimento do ser humano como produtor, um desenvolvimento de
sua capacidade produtiva em todos os sentidos. E aí cai ele em contradiçã'o
cômica. Quando falamos de valor e riqueza, devemos ter em mente apenas a
sociedade como um todo. Mas, quando falamos de capital e trabalho, é
·evídente que a "renda bruta" só existe para criar a "renda líquida". Na ver-
dade, o que o extasia na produção burguesa é que as formas que_ a caracteri-
zam - contrastando com as fonnas de produção anteriores :- 'propiciam o
desenvolvimento sem freios das forças produtivas. Quando ·deix.am de ter
esse efeito ou quando se patenteiam as contradições dentro das qµais têm
esse efeito, nega essas contradições ou, antes, expressa-as·ele mesmo de
outra fonna, apontando como objetivo supremo a'rlqueza como tal, em si -
a massa dos valores de uso -, sem levar em conta os produtores.
Sismondi sente em profundidade que a produção capitalista se contra~
diz; que suas fonna."l - suas relações de produção - de um lado incentivam
o desenvolvimento sem peias da produtividade e da riqueza; que essas rela-
ções, por outro, são condicionadas, e suas contradições entre valor de uso
e valor de troca, mercadoria e dinheiro, compra e venda,,produção e consu-
mo, capital e trabalho assalariado etc. - assumem dimensões tanto maiores
quanto mais se desenvolve.a produtividade. Percebe sobretudo a contradição
fundamental: de um lado, desenvolvimento iirestrito da produtividade e

17. Em seus planos utópicos de .refonna social, Owen p1ocui:ava demonstra.r que
o traçado mais vantajoso para construir uma colônia, tanto sob o aspecto econômico
quarito sob o da vida familiar, en um paralelograma ou um quadra.do.

1110
aumento da riqueza que ao mesmo tempo consiste em mercadorias e tem de
se converter em dínheíro~ do outro, a base restringe a massa dos produtores
aos meios de subsistência. Por isso, as crises para ele, em vez de acidentes
como pensa Ricardo, são erupções essenciais, em grande escala e em perío-
dos determinados, das contradições imanentes. Fica numa hesitação perma-
nente: deve o Estado conter as forças produtivas para adequá-las ãs relações
de produção, ou conter as relações de produção para adequá,Ias às forças
produtivas? Refugia-se muitas vezes nas eras pretéritas, toma-se um panegi-
rista do passado ou gostaria de reprimir as contradições ajustando de outra
maneira a renda (revenue) com o capital, ou a distribuição com a produção,
sem entender que as relações de distribuição não passam de relações de pro·
dução sob outro aspecto. S contundente ao criticar as contradições da
produção burguesa, mas não as compreende e por isso não apreende o
processo de explicá-las. Mas o que lhe está subjacente é na realidade a suspei-
ta de que novas fonnas de apropriação da riqueza têm de corresponder às
forças produtivas· desenvolvidas no seio da sociedade capitalista, às condi-
ções matepais e sociais da criação da riqueza; a suspeita de que a.s forinas
burguesas são apena.S formas transitórias e opostas, em que a riqueza assume
uma existência sempre contraditória e se configura por toda parte e ao mes-
mo tempo em sua antítese. A riqueza tem sempre por pressuposto a pobreza
e só se desenvolve, desenvolvendo a pobreza.
Acabamos de ver o primor com que Malthus se apropria das idéias de
Sismondi. Em fonna exagerada e demais nauseante aparece a teoria de Mal-
thus em On Politic. Econ. in Connection with the Moral State and Moral
Prospects of Society, de Thomas Chalmers (profeswr de teologia), 2!1 ed.,
Londres, 1832. Ai·, o elemento clerical se destaca mais seja no plano teôrico
seja no prático: o menibro da "igreja oficial'" defende "economicamente" os
'"benefícios pecuniários" {"loaves and fishes") e o conjunto todo d.as institui-
ções de que depende por completo a existência dessa igreja.
Seguem as proposições de Malthus (referidas acima) relativas aos tra-
balhadores:

"O consumo e a procwa ocasionados pelos trabalhadores ocupados em


trabalhos produtívos nunca podem de per si constituir motivo para se
acumular e empregar capital" (P. ofPol, Ec., p. 315).
"Nenhum empresário agrícola se sujeitará à maçada de super.intender o
ttabalho de dez homens adicionais apenas porque seu produto todo será
vendido no me1cado a um preço previsto justamente igual ao que teria
pago a esses trabalhadores adicionais. Tem de haver algo na situação ante-
rior da oferta e da procura da me.rcadoria em questão ou em seu preço,

1111
antes da procura ocasionada pelos novos trabalhadores e desta indepen-
dente, a fim de garantir o emprego de um número adicional de pessoas
para produzi·fa" (Lc., p. 312).
"A procuta gerada j:ielo próprio trabalhador produtivo nunca pode ser
adequada pois nunca atinge a totalidJNie do que produz.. Se atingisse, não
haveriil lucro e em conseqüência nenhum motivo para o empregar. A pró-
pria e:xís.tência de um lucro numa mercaàorúi qualquer pressupõe uma
procuta fora daquela do trabalhador que a produziu" (l .c., nota à
p.405).
"Um grande acréscimo do con1rumo das classes trabalhadoras, uma vez
que acam:ta grande aumento do custo de produção, tem de :reduzir lucros
e diminuir ou desúull os motivos para acumulaI" (1.c., p.405).
"A escasse'Z de meios de subsistêncfa é o principal incentivo pl!I3. as elas·
ses trabalhadoras produzirem os bens de lux.o; e se esse estímulo fosse
suprimido ou muiro atenuado, de modo que os meios de subsistência
necessários pudessem ser obtidos com muito·ou pouco trabalho, há intei-
ra razão para se supor que, ao invés de mais, empregar-se-ia menos tempo
na produção das coisasapxazíveis" (1.c., p. 334).

A Malthus não interessa encobrir as contradições da produção burgue-


sa e sim, ao contrário, destacá-las para demonstrar a necessidade da pobreza
das classes trabalhadoras (e assim ocorre nesse modo de produção), e para
provar aos capitaJistas a necessidade' de cevarem um clero com privilégios
oficiais, a fim de obterem uma procura adequada. Mostra assim qúe para o
''progresso continuado da riqueza., (p. 314) não basta crescirri,ento da popu-
_lação, nem acumulação do capital (1.c., pp.319,320), nem "fertilidade do
solo" (p.331), nem "invenções para economizar trabalho", nem ~xpansão
dos "mercados externos" (1.c., pp. 352, 359). ·

"Tanto trabalhadores quanto capital podem ex.ístiJ: em demasia, em rela-


ção aos meios de empregá-los oom lucro" (1.c., p.414),

Acentua portanto, contra os ricardianos, a po~ibilidade de superpro-


dução geral (entre outras coisas, 1.c., p.326).
A esse respeito apresenta os seguintes axíomas:

"A procura é semp:re detenninada pelo valor e a oferta pela quantidade"


(P. of Pol. Ec., p. 316). .
"TroC.1111-se mercadorias por mercadorias e também por trabalho produti-
vo e serviços pessoais, e em :relaçã'O a esses como em relação ao dinheiro
podem ehis ser superabundantes" (l .c.).
"A oferta tem sempre de ser ajustada à quantidade, e a procura ao valor"
(De/, inPol, lfc., ed. Cazenove, p.6S).
"'t; evidente', diz James Mill, 'que tudo o que um homem produziu e não
de.seja guarc:lax para o p1óprio consumo constitui um estoque que pode
dai: em troca de outras mercadorias. Por isso, sua vontade de comprai: e

1112
seus meios de comprar, noutras palavras, sua procura é a rigo1 igual ao
montante do que produziu e não pretende consumir' ...
B 6bvio que seus meios de comprar outras me1cadorias não estão na pro-
poxção da quantidadi! da própria mercadoria que produziu e quer ceder,
mas na de seu VQfor de troca; e se o valor de troca de uma mercadoria nfo
está na razão de sua quantidade, não pode ser verdade que a procura e a
oferta de cada indivíduo sejam sempre iguais entre si" (1.c., pp. 64, 65).
"Se a procura de cada indivíduo fosse igual a sua oferta, no sentido cor-
reto da expressão, ficaria provado que ele poderia sempre vender sua mer-
cadoria pelos custos de produção, inclusive lucros razoáveis; e então mes-
mo uma superabundância parcial seria impossível. O aJgUmento prova
demais ... A oferta tem de estar sempre na proporção da quantidade e a
procura na do valor." (Def in Pol. Ec., Londres, 1827, nota â p. 48).
"Mill entende aí po1 procura os meios de compra (dos que pxocuram).
Mas esses meios de comprar outras meteadorias não estão na proporção
da quantidade da própria mercadoria que produziu e quer ceder. mas na
de seu Yalor de troca; e se o valor de troca de uma mercadoria não está
na proporçao de sua quantidade, não pode ser verdade que a procura. e a
oferta de cada indivíduo sejam sempre iguais entre si" (1.c., pp. 48,49).
"Erra Torreru ao dizer •que oferta acrescida é a causa única e exclusiva de
procura efetiva acrescida'. Se assim fora, c0mo wria difícil para a humani-
dade recobrar-se de um decréscimo temporário de alimentos e xoupas.
Mas alimentos e mupas, quando decresce sua quantidade, aumentam de
valor; o preço em dinheiro da quantidade restrita de alímento$ e roupas
aumentazá por algum tempo mais do que decresceu a quantidade, en-
quanto o preço em dinheiro do trabalho pode pennanecer o mesmo. Con-
seqüência necessária: o podei de mobilizar trabalho produtivo em quanti-
dade maior que antes" (pp. S9, 60).
"Todas as mercadorias de uma nação podem cair ao mesmo tempo em
relação a dinheiro ou trabalho" (1.c., pp. 64 e segs). "Assim é poss{vel
superprodução geral" (1.c.). "Seus preços podem todos cair abaixo dos
custos de produção" (l .c.).

Observemos ainda o que diz Malthus a respeito do processo de círcu-


lação:

"Se estimamos o valai do capital fixo empregado corno parte dos adianta-
mentos, temos de calcular o valor remanescente desse capital no fün do
ano como parte da receita anual ..• Na realidade o capital anualmente
t1díantado" (do capitalista) "consiste apenas em seu capital circulante e
no desgaste de seu capital fixo com os juros neste incidente e os juros
daquela parte de seu capital circulante constituída pelo dinheiro emprega-
do para fazer seus pagamentos anuais à medida que se vençam"(P.o/Pol.
Ec:, p. 269).

O fundo de amortização, isto é, o fundo para repor o desgaste do capi"


tal fixo, segundo penso, é ao mesmo tempo fundo para acumulação.

1113
13. Crítica dos ricardianos à concepção malthusiana
dos "consumidores improdutivos"

Citarei ainda algumas passagens de uma obra de linha ricardiana contra


a teoria de Malthus. Mostrarei aJhures que os ataques desfechados, nessa
obra, da posição capitalista cóntra os consumidores improdutivos de Mal·
thus ~ geral, e em particular contra os donos das terras, são literalmente
válidos, do ponto de vista dos trabaJhadores, contra os capitalistas (tratar
disso na seção: "A apresentação apologética da relaçã'o entre capital e traba·
llio assalariado" 18 ).

"Considerando que não ocorrerá emprego acrescido se não fo1 possível


assegurar uma ta.u de lucro igual ou maior que a· anterior, e considerando
que o mero acréscimo do capital de per si não tende a assegur;u essa taxa,
mas atua em sentido contrário, Malthus e todos os que i:aciócinam como
ele tratam de descobrir, independente e fora da produção, alguma fonte
cujo aumento pmgressivo se ajuste ao crescimento progressivo do capital
e donde possnm deri~111'. de contínuo, os complementos para a taxa ie-
querída de lucro" (An Inquire into those Principies, respecting the Nature
cf Demand and the Necemty of Consumption, lately Odvocated by Mr.
Malthusetc.,Londres, 1821,pp. 33,34), .·

Essa fonte, segundo Malthus. são os "consumidores improdutivos"


(1.c., p. 35).

"Malthus fala às vezes como se houvesse doís fundos distintos, capital e


Ienda, oferta e procura, produção e consumo, os quais têm de cuidar de
manter o mesmo ritmo e de um não ufüapas.sar o outro. Como se, além
do volume global dos mercadoria:; produzidas, fosse necessário outro
volume, caído do céu, suponho, para comprá-1.c ... O fundo de consumo,
tal coroo ele exige, só se pode formar às custas da produção" (1.c., pp.
49, 50).

18. Marx não chegou a escreve1 e.~ i.eção.

UI4
..Nas suas especulações" (de Malthus) "ficamos sempre perplexos entre·
o objetivo de acrescer a produção ou travá-la. A quem está carente de
procura aconselha Malthus pagar a outrem para que lhe tome as merca-
dorias? Provavehnente nifo" (l.c.., p. 55). Por certo que sim.
"Ao venderes teus bens, o objetivo é obter certo montante de dinheiro;
de n!lda serve entregares de graça a outra pessoa esse montante, para que
ela possa devolvê-lo a ti, comprando-te mercadorias. Poderias com a mes-
ma razão ter queimado as mercadorias e fic;uias na mesma situação"
(l .c., p. 65).

Quanto à Malthus, correto. Mas, por o fundo ser o mesmo e um só -


"o volume global das mercadorias produzidas" -, o fundo de produção e o
de consumo, o da oferta e o da procura, o do capital e o da renda (revenue),
não se segue absolutamente que não importa como esse fundo global se
reparta por essas diferentes mercadorias.
O autor do trabalho anônimo não compreende o que Malthus quer
dizer quando taxa de "inadequada" para os capitalistas a "procura" dos tra-
balhadores.

"Quanto à procura por parte do trabalho, isto é, a troca de trabalho por


mercadorias, ou de pr0dutos atuais e acabados po1 valor futuro com o
acrescimo superveniente .. ., é ela a ve.rdadeira procura, cujo aumento é
essencial para os produtores etc." (Lo., p. 57).

O que 'Malthus quer dizer l)â'o é oferta de trabalho (que nosso homem
chama de procura por parte do trabalho), mas a procura de mercadorias que
o trabalhador está capacitado a efetuar em virtude do salário que recebe; o
dinheiro com que àge ~o mercado corno comprador. E, a respeito dessa pro-
cura, observa Malthus corretamente que mmca pode ser adequada à oferta
do capitalista. Se assim não fora, o trabalhador poderia, com seu salário,
recuperar seu produto todo.
O mesmo autor anônimo diz:

"Uma procura acrescida po1 pane deles (dos trabalhadores) denota a


propensão de se ap1opriarem de menos para eles mesmos e deixarem
cota maior para os empregadores; e se se diz que essa propensão, ao dimí·
nuir ó co.nsumo, acresce a pletoia, só posso responder que pletora é sinô-
nimo de lucros altos" O .e., p. 59).

Pa,rece piada, mas na realidade contém o segreào fundamental da "ple-


tora do mercado".

1115
No tocante a Essay on Rent 19 de Malthus diz nosso autor anônimo:

"Quando Malthus publicou seu ElilNay on the Rent parece que entre suas
intenções figurava a de responder ao clamor que então 'se lia em letras
vennelhas nos muros', 'Abaixo os senhores das terras'; e a de defender
essa classe e provar que ela diferi3 dos monopolistas. Mostrou que a renda
fundiária não pode ser abolida, que seu aerescimo ê, de modo geral. con-
comitante natural da riqueza e população crescentes; mas o clamor popu-
lar 'Abaixo os senhores das terras' não significa necessariamente que não
deva existir tal coisa chamada renda fundiária, mas antes que ela deve ser
por igual dividida 8ela população de acordo com o que se denominou
'plano de Spencé2 • Mas, quando Malthus passa a defender esses proprie-
tários do odioso apodQ de monopolistas, da observação smithiana de 'que
gostam de colher onde nunca semearam', parece c$taI lutando por uma
nputação. Em todos os seus argumentos transparece demais a figura de
um advogado" (l.c., pp. 108, 109).

14. A apologética e o plágio nas obras de Malthus

O livro de Malthus On Population, de caráter panfletário, ataqiva a


Revolução Francesa e as idéias de reforma na mesma. época na Inglaterra
(Godwin etc.). Era uma apologia da miséria das classes trabalhadoras. Teoria
plagiada de Townsend etc. '·
Seu Essay on Rent, de tom panfletário, era a favor dos donos das ter·
ras e contra o capital industrial. Teoria de Anderson. Em seus Princ. of Pol
Ec. polemizava em defesa dos interesses dos capitalistas, contra os trabalha·
dores, e em prol dos interesses da aristocracia, da Igreja, dos devoradores
· de impostos, dos serviçais etc., contra os capitalistas. Teoria extraída de
A.Smith. É lamentável o que ele mesmo crla. Ao desdobrar a teoria tem por
base Sismondi.

19. Malthus, An inquiry into the nature and progress of rent, and the principler
by which it is regulated, Londres, 181 S.
20. Plano defendido por Thomas Spence, desde 1775, de nacionalizar a tcrrà.
Seria eliminada a p.ropriedade privada da terra·, e a 1enda fundiária, depois de deduzidos
tOdos os imposto& e despesas sociais das comunidades, seria dístn"buída po1 igual entre
seus habitantes. ·

1116
((Malthus (Essai sur la Population etc., 5? ed., trad. deP. Prévost, Ge-
nebra, 1836, 3~ ed., t IV,pp. 104, 105), com sua habitual 'filosofia profun·
da', faz a seguinte observação contra um plano qualquer de doar vacas aos
cabaneiros ( cottagers) ingleses:

"Acreditou-se na obsei:vação de que os cabaneiros que possuem vacas são


muito mais industriosos e levam uma vida mais regulai que aqueles que
nada possuem .•. A maioria daqueles que hoje possuem vacas, compraram·
nas com o fruto de seu trabalho. Por isso, dizer que o trabalho lhes deu
uma vaca é mais correto que dizer que uma vaca os ensinou a trabalhar."

É então acertado dizer que a diligência (junto com a exploração do


trabalho alheio) dos que conseguiram ingressar na burguesia é que lhes deu
as vacas, enquanto as vacas dão aos filhos deles o gosto da ociosidade. Para
·desenvolver nestes o gosto pelo trabalho seáa muito bom tirar dessas vacas
não a capacidade de dar leite, mas a de comandar trabalho alheío não pago.
O mesmo "filósofo profundo" obseJVa:

"8 claro que nem rodos os seres humanos podem pertencer às clam:i;
mtJdias. As classes superiores e as inferiores são, pela natureza. das coisas,
inevitáveis" (é natural, não há meio sem extremos) "e da maior utilidade.
Se tir.á.uemos da sociedade a espe.tam;a de ascel).de.I e o medo de cair, se o
trabalho não redundasse em recompensa e a indolência em punição,
nenhures se veria aquela diligência com que cada um se esforça por me-
lhorar sua situação e que constitui a mola mestra da prosperidade geral"
(1.c., p. 112).

l! mister exi.stirem os inferiores, a fün de que os superiores tenham


medo de cair, e os superiores, a fim de que os inferiores tenham a esperança
de subir. Para a índolência ter sua puniçã'o, é preciso que o trabalhador seja
pobre e que o "rentier" ov o senhor da terra, o bem-amado de Malthus, se-
jam ricos. Que entende Malthus por recompensa do trabalho? Ter o traba·
lhador de executar parte de seu trabalho sem receber o equivalente, confor-
me veremos mais tarde.21 Belo incentivo, se o incentivo fosse a ..recompen-
sa" e não a fome. Tudo se reduz no máximo a que um trabalhador pode
esperar um dia explorar também trabalhadores.

21. As observações redigidas posteriormente por Marx estão nas pp. 1088, 1091,
1092 e 1{)96 -1099 deste volume.

1117
"Quanto mais o monOpÓlio se expande", diz Rousseau, "tanto mais pesa-
das se tomam as cadeias dos explorados."

Malthus, o "profundo pensador", diverge. Sua maior esperança - que


ele mesmo designa de ma.is ou menos utópica ···- é que aumente a massa da
classe média, e o proletariado (que trabalha) constitua um_ segmento relativa-
mente cada vez menor da população total (embora cresça em tennos absolu-
tos). Este é na realidade o rnmo que segue a sociedade burguesa.

"Podemo$ abrigar a esperança", diz Malthus, "de que, no fututo, os mé-


iodos de economizar trabalho, e que já mostram tão grandes progressos,
satisfarão por fun todas as necessidades da ~ociedade mais opulenta, com
menos esforço pessoal que o de hoje; e se então não dimin11ftse o pesado
elforço indi11iduJJ/." (o trabalhador te.rá de continuar fatigando~ na mes-
ma intensidade e, relativamente, cada vez mais para os outros e cada vez
menos para si mesmo), "pelo menos decle$Ceria o número dizquele& aos
quais a sociedade impõe trabalho tão rude" (1.c., p. 113 ),

15. Princípios de Malthus apresentados na obra anônima


..Outlines of Polttical Economy" .

Obra onde se expõem os princípios de Malthus: Outlines of Political


Economy (being a plain and short view of the laws relating to the pro-
duction, distribution, and Consumption of W~lth etc.), Londres, 1832.
Antes de ma.is nada, o autor revela a razão prática por que osmalthu-

.
síanos se opõem à detemúnação do valor pelo tempo de trabalho .

"Qualificar o trabalho de única fonte de riqueza parece ser uma doutrina


tão perigo~a quanto falsa, pois, por infelicidade, proporciona um ponto
de apoio àqueles que sustentam pertencer toda pioprledade às classes tra-
. balhadoras e set furto ou fraude contra elas o segmento dessa propriedade
recebido po1 outros" (Lc., nota à p. 22).

Na passagem seguinte destaca-se, com mais clareza que nas obras de


Malthus, a·confusão entre valor da mercadoria e valorização da mercadoria
ou do dinheiro como capital. Neste último sentido expressa o autor muíto
bem a origem da mais-valia:

1118
"O valor do capital, a quantidade de trabalho que ele vale ou comanda, é
sempre maior do que a que custou, e a diferença constitui o lucro ou
remuneração de se-u possuidor" (1.c., p. 32).

A razão por que o lucro tem de ser incluído nos custos de produção
da produção capitalista, também está correta na apresentação seguinte que
extraiu de Malthus:

"O lucro sollle o capital aplicado" ("se não se obtivesse esse lucro, não
haveria motívo suficiente para a produç:ro da mercado.ria") "é uma condí·
ção essencial da oferta e como tal constitui parte componente dos custos
de produção" (1.c., p. 33).

No trecho seguinte afüma de um lado o correto, que o lucro do capi·


tal decorre diretamente de sua troca com o trabalho, e do outro a doutrina
nialthusiana do lucro produzido na venda: ·

"O lucro de uma pessoa não depende de seu comando sobre o produto do·
trabalho alheio, mas de seu comando sobre o trabalho mesmo!'

(Aí a distinção correta entre a troca de mercadoria por mercadoria e a


troca de mercadoria como capital por trabalho.) ·

"Se a pessoa" (ao caú o valor do d,.nheiro) "pode vender sua mercadoria
a um p1eço mais alto, enquanto não se alteram os salários de seus traba·
lhadore&, beneficia-a por certo aquela alta, enca1eçam ou não outras me1-
cadorias. Proporção meno1 do que p1oduz basta para movimentar o tra-
balho, e ·em conseqilêncía fica para ela mesma proporção maior" (pp.
49,50). . .

O mesmo ocorre quando, por exemplo: em virtude da introdução de


nova maquinaria, de processos químicos etc., o capitalista prodJ.lz a merca-
doria abaixo do antigo valor e Vende-a a seu valor antigo ou em todo caso
0

acima do valor individual a que ela entro cai. Nesse caso, o t,rabalhador na
verdade não trabalha diretamente menos tempo para si mesmo e mais para o
capitalista. Mas, na reprodução, "proporção menor do que produz basta
para movimentar esse trabalho". Na realidade, portanto, o trabalhador· troca
parte maior que a anterior de seu trabalho imediato pelo próprio trabalho
que materializou. Continua a receber as 10 libras de antes. Mas essas 10 lí·
bras - embora representem perante a sociedade a me&ma quantidade de t.ra·
balho - '}ão são mais o produto do tempo de trabalho com magnitude' tpJ.al
à anterior, mas, digamos, com uma hora a menos. O trabalhador portanto

1119
trabalha de fato mais tempo para o capitalista e menos para si mesmo. É_
como se recebesse apenas 8 libras, embora estas, em virtude da elevação da
produtividade de seu trabalho, configurassem o mesmo volume de valores
de uso. ·
No tocante à identidade estabelecida por James Mill entre procura e
oferta e que já examinamos22 , observa o autor:

"A oferta de cada empresário depende da quantidade que leva ao merca-


do, e do valor dessa oferta depende sua procura de outros artigos. A ofer-
ta é indubitável; depende dele mesmo. A procura é incerta; depende dos
outros. A primeira pode ficar a mesma, enquanto a segunda pode variar.
O valor de 100 "quarters" de trigo que uma pessoa leva ao mercado pode
fixar-se, por "quarter", ora em 30 xelins, ora em 60. Nos dois casos, o
volume da oferta é o mesmo; mas a procura dessa pessoa ou seu poder de
comprar outzas coisas é no segundo caso duas vezes maior que no primei-
ro" (1.c., pp. 111, 112). ·

Sobre a relação entre trabalho e maquinaria observa o autor:

"Quando as mercadorias aumentam por meio de distribuição mais ade-


quada do trabalho, não é mister procura maior que.a anterior para manter
o trabalho todo antes empregado".

(Como? Se a distribuição do trabalho é mais adequadá, mais mercado-


rias serão produzidas pelo mesmo trabalho; subirá então a oferta, _e absorvê-
la não exige procura acrescida? Com acerto não diz A. Snúth que a divisi:Io
do trabalho depende da amplitude do mercado? Na realid_ade, ocorre ames-
ma diferença no tocante à procura do exterior; só que, éom a maquinaria, é
necessária procura em escala maior. Mas ''uma distribuição mais adequada
de trabalho" pode requerer o mesmo e até número maior que antes de traba-
lhadores, enquanto a introdução de maquinaria tem de diminuir, seja como
for, a proporção do capital empregado em trabalho imediato);

"enquanto, ao se introduzir maquinaria, parte do trabalho perderá sem


dúvida o emprego, se não houver acréscimo de procura ou queda de salá-
rio ou de lucro. Admitamos uma mercadoria no valor de 1 200 libras,
das quais 1 000 constituem salário de 100 homens, a 10 libras cada um, e
200 libras lucro à taxa de 20%. Imaginemos agora que a mesma mercado-
ria pode ser produzida pelo trabalho de 50 homens, e por máquina que

22. Marx trata das idéias de James Mill sobre a "identidade da oferta e procura"
no volume 2, pp. 929, 939 e 940, e neste' volume, pp. 1112, 1113 e 1155-1158.

1120
custou o trabalho de mais 50 e exige o trabalho de 10 homens para sua
manutenção; o produtor poderá então reduzir o preço do artigo a 800
libras, e ainda continuar a receber a mesma remuneração pelo uso de seu
capital.
Salários
de 50 homens a 10 libras . . . . . . . . . . . . . . 500
de 10 homens para manutenção . . . . . . . . . 100
Lucro de 20%
sobre o capital circulante de 500 } 200
sobre o capital fixo de 500
800" (pp.114, 115).

((Os" 10 homens para manutenção" representam aí o desgaste anual.


Do contrário, calcula-se errado, pois a regra é juntar o trabalho de manuten-
ção aos custos de produção originais da maquinaria.) O empresário tinha
antes de despender 1 000 libras por ano, e o produto valia 1 200 libras.
Agora adiantou, de uma vez por todas, SOO libras em maquinaria; assim, não
existe mais outra maneira para desembolsá-las. O que tem de adiantar por
ano são 100 libras em manutenção e SOO em salário (uma vez que no exem-
plo não _há matéria-prima). Só tem de desembolsar, por ano, 600 libras, mas,
como dantes, obtém lucro de 200 sobre a totalidade de seu capital. O mon-
tante e a taxa de lucro não se alteraram. Mas seu produto anual é tão só
800 libras.)

"Quem antes pagava l 200 libras pela mercadoria terá agora, para econo-
mizar, 400 libras, que pode desembolsar noutra coisa qualquer ou em
quantidade maior da mesma mercadoria. Se forem empregadas para se
obter produto de trabalho imediato, darão ocupação apenas a 33,4
homens,.enquanto a quantidade de trabalho desempregada pela introdu-
ção da máquina terá sido de 40, pois
salários de 33,4 homens a 10 libras... . . . . . . . 334
lucro de 20% . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
total (em libras) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 400"

(Noutras palavras: se forem despendidas 400 libras em mercadorias


que são o produto do trabalho imediato, e se o salário por homem = 10
libras, essas. mercadorias que custam 400 libras têm de ser o produto de
menos de 40 homens. Se fossem o produto de 40 homens, conteriam apenas
trabalho pago. O valor do trabalho (ou a quantidade de trabalho configurada
nos salários) seria igual ao valor do produto (a quantidade de trabalho cor-
porificada na mercadoria). Mas as 400 libras de mercadorias contêm traba-
lho não pago, que constitui justamente o lucro. Têm portanto de ser o pro-
duto de menos de 40 homens. Se o lucro é üe 20%, só S/6 do produto pi)·
dem provir de trabalho pago; portanto, cerca de 334 Iibras = 33,4 homens a

1121
10 libras por cabeça. Um sexto, cerca de 66, representa trabalho não pago. ·
Da mesma maneira demonstrou Ricardo que a maquinaria, ainda quando seu
preço em dinheiro é tio alto quanto o preço da quantidade de trabalho ime-
diato que substitui, só pode ser o produto de igual quantidade de trabalho.)

"Se forem despendidas"' (a saber, as 400 libras) "para a compra de quan-


tidade maior da mesma mercadoria ou de outra me..rcadorla pan cuja
elaboração se usassem a mesma espécie e quantidade de capital lixo, se-
riam empregados apenas 30 homens, pois salários de 25 homens a 10 li·
bras cada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • . . . . . . . • . 250
5 homens para manutenção . . . . . . . . . • . . . • . • . . . . . . . . 50
lucro sabre 250 libras de capital circulante e
250 de capital fixo • • . . . . . . . . • • . • . . . • . • • • • . • . • • 100
total (em libras) • . . . . • . . . . . . . . . . . . . • • • . . . • . • . 400"

(No caso em que se introduz maquinaria, a produção de mercadoria é de


800 libras, e o desembolso com maquinaria é de 500; para a produção de
400, portanto, esse desembolso é de 250 a.penas; ademais, para a maquinaria
de SOO, 50 trabalhadores, e em conseqüência 25 homens ( = 250 libras) para
maquinaria de 250 libras; além disso, 1Ohomens para a manutenção (repro-
dução) da máquina de 500, e portanto 5 (50 libras) para a de. 250. Assim,
250 de capital fixo e 250 de capital circulante, 500 libras, $Obre as quais o
=
lucro de 20% dá 100. Por conseguinte, o produto 300 libras de salário +
100 de lucro= 400. Empregam-se entã'o 30 homens. Aqui se su:p!)e sempre
que o capitalista (o empresário) tqma o capítal emprestado· das,.poupanças
(400 libras) que os consumidores depositaram nó banco ou que ele mesmo
possui capital, além de existírem as 400 libras que são economizadas da ren-
da (revenue) dos consunúdores. Pois não pode, com capital de 400, ·adiantar
250 em maquinaria e 300 em salário.)

"Quando se empregou o total de 1 200 libras do produto de trabalho


imediato, a divisão era 1 000 de salário, e 200 _de lucro" (para 100 traba-
lhadores, salário = 1 000).
"Quando se empregou parte de uma maneira e parte de outra, a divisão
era 934 libras de salário, e 266 libras de lucra" (a saber, 60 trabalhadores
com máquinas e 33,4 sem máquinas, o que perfaz 93,4 em trabalho úne-
diato e salário de 934 libras); "e na terceira suposição quando o total se
aplicou no produto conjunto de máquina e trabalho, a divísã'o era de 900
libras de salário" (isto é, 90 trabalhadores) "e 300 de lucro,. (l .c., pp.
114-117).
"O capitalista não pode, após ter introd111.ida. a máquina. empregar tanto
trabalho quanto antes sem acumular mais capital. Mas a renda (revenue)
que economizam os consumidores do artigo, após ter caído o preço dele,
criará, por acrescer seu consumo t:'lesse artigo ou de algum outro, uma

1122
procura por certa quanridade do trabalho, embora não por todo o tra-
balho que a máquina despendeu" (l .c., p. 119).
"McCulloch acha que a introdução de máquinas em qualquer emprego
gera necessariamente procura igual ou m.oior das trabalhadores deipedi-
dos para algum outro emprego. Para prová-lo supõe que a anuidade neooh'-
sária para repor o l'lllor da máquina na ocasião em que estiver gasta, cau-
sará todo ano procura crescente do trabalho. Mas como as anuidades
sucessivas. agregadas até ao fim do pe1íodo de desgaste, só podem s.er
iguais ao custo original da máquina acrescído dos juros nele incidentes
durante o ptaZo em que ela funciona, não é ficil de: entender corno essa
anuidade pode provocar uma procura de trabalho além daquela que teria
gerado se não tivesse havido emprego de máquina" (1. e., pp. 119, 120 ).

Entretanto, o próprio fundo de amortização pode servir para a acumu-


lação no ínteivalo em que o desgaste se contabilizá, mas sem se efetivar. Em
todo caso, a procura de trabalho assim criada é muíto menor do que quando
o capital todo (despendido em maquinaria), em vez de sua anuidade apenas,
se despende em salário. Mac Peter, como sempre, asnático. Aquela passagem
só é digna de reparo por causa da idéia de ser o próprio fundo de amortiza·
ção u~ fundo de acumulação.

1123
Capítulo XX
Desagregação· da Escola Ricardiana

1. R. Torrens

a) A relação entre a taxa média de lucro e a lei do valor,


segundo Smith e Ricardo

R. To"ens, An Essay on the Production of Wealth etc., Londres,


1821.
A observação da concorr~ncia - dos fenômenos da produção - mos-
tra que capitais de grandeza igual proporcionam em média lucro de montan-
te igual, ou que, dada a taxa média de lucro (e taxa média de lucro só tem
aquele sentido), o montante do lucro depende do montante do capital
adiantado.
A. Smith registrou essa ocorréncia. A conexão dela com a teoria do

1124
valor por ele formulada não lhe causou o menor escr:úpulo de consciência,
sobretudo porque, junto a sua teoria, por assim dizer, esotérica, ainda ela-
borara outras diferentes, e à vontade podia aludir a qualquer delas. A única
reflexão a que o leva o problema está na sua crítica à idéia de reduzir o
lucro a salário de superintendência, uma vez que, excetuada qualquer outra
circunstância, o trabalho de superintendência não cresce na mesma medida
da escala de produção, e além disso o valor do capitâí adiantado (em virtu-
de. por exemplo, do encarecimento da matéria-prima) pode crescer sem que
aumente a escala de produção.n Não apresenta uma lei imanente que deter-
mine o lucro médü:! e sua magnitude. Só diz que a concorrência diminui
esse x.
Ricardo (excluídas algumas poucas observações meramente casuais)
sempre identifiea de imediato o lucro à mais-valia. Assim, para ele, as merca-
dorias se vendem eom lucro, não por serem vendidas acima de seu valor, mas
por serem vendidas por seu valor. Contudo, ao esrudar o valor {cap. l dos
Principies), é o primeiro que chega a refletir sobre a relação entre a determi·
nação do valor das mercadorias e o fenômeno de capitais de magnitude igual
fornecerem lucros iguais. Os capítais só o podem conseguir quando as merca-
dorias que produzem, mesmo que não sejam vendidas por preços iguais (no
entanto, pode-se dizer que o resultado slfo preços iguais, desde que se inclua
no produto o valor da parte niío consumida do capital fixo), proporcionam
. mais-valia igual, excedente igual do preço sobre o preço dos adiantamentos.
Mas Ricardo foi o primeiro a chamar atenção para a circunstância de capitais
iguais não serem em absoluto da mesma composiçã'o orgânica. A diferença
nessa composição tomou-a do legado de A. Smith capital fixo e capital
circulante -, portanto apenas as diferenças oriundas do processo de circu-
lação.
De modo nenhum expressa diretamente que, à primeira vista, está em
contradição com a lei do valor a circunstância de capitais de composição
orgânica desigual, que movimentam portanto quantidades desiguais de traba-
lho imediato, produzirem mercadorias do mesmo valor e proporcionarem a
mesma mais-valia (que ele identifica a lucro). Ao contrário, lança-se a pes-
quisa do valor pressupondo o capital e uma taxa geral de lucro. De antemiio
identifica preços de custo com valores e nã'o vê que essa suposição, de início,
contradiz com evidência imediata a lei do valor. E só na base dessa suposi-
ção, que inclui a contradiçã'o principal e a verdadeira dificuldade, chega a

23. Vervol. l, pp. 67-11.

1125
um fato particular - à variação do .falário, à subida ou queda deste. Para a
taxa de lucro ficar então invariável, a ascensã:o ou queda do salário, as quais·
correspondem a queda ou ascensão do lucro, têm de atuar de maneira desi-
gual sobre capitais de composição orgânica diferente. Se sobe o salário, se
caí portanto o lucro, caem os preços das mercadorias produzidas com pro·
porção maíor de capital fixo. Resultado oposto no caso oposto. Por isso, os
••valores de troca.. das mercadorias não são nessas condições determinados
ptfo tempo de traba1ho necessário para a respectiva produç:ro. Noutras pala-
vras: essa detenninação de igual taxa de lucro (mas Rkardo só chega a esta·
belecê-la em casos individuais e por via indireta) para capitais de composição
orgânica diferente contraria a lei do valor ou, como diz Ricardo, constituí
exceção dela, ao que Malthus observa com acerto que, com o progresso da
indústria, a regra se toma exceçã'o e a exceção, a regra. 24 Ricardo não
expressa a contradição mesma com clareza, isto é, nestafonna: embora uma
mercadoria contenha mais trabalho não pago que a outra - pois a quantida-
de de trabalho mro pago depende da quantidade de trabalho pago, ou seja,
da quantidade de trabalho imediato aplícado com igual taxa de exploração ·
dos trabalhadores -, proporcionam elas os mesmos valores ou. o mesmo
excedente de trabalho nâ'o pago sóbre o pago. Ao contrário. a contradição
nele só ocorre nesta forma singularizada: em certos casos, Jl salário - a
variação do salário · influencia os preços de custo (valores de. troca, diz ele)
das mercadorias.
Do mesmo modo, diferenças no tempo de rotação do capital - quer
pennaneça este mais tempo no processo de produção (embora não no pro·
cesso de trabalho) OU no processo de círculaçãÓ, preciS3!1dO de mais tempo
e não de mais trabalho para sua rotação - não alteram a igualdade dos lu·
cros; e isso também se opõe e constitui uma exceção, segundo Ricardo, à lei
do valor.
Ele apresentou o problema sob aspectos muito unilaterais. Se lhe tives·
se dado a expressão geral, teria encontrado a solução geral.
Mas resta-lhe o grande mérito: Ricardo pressente a diferença entre
valores e preços de custo, e para casos determinados, embora considere exce-
ções à lei, expressa a contradiçã'o de capitais de desigual composiçã'o orgâni-
ca (isto é, em última análise, sempre capitaís que não exploram a mesma
quantidade de trabalho vivo) fornecerem mais-valias Queros) iguais e -
excluída do capital fixo, a parte que entra no processo de trabalho sem

24. Ver neste volume, p. 1085 e 1086

1126
entrar no processo de formar valor - valores iguais, mercadorias de iguaJ
valor (ou antes, de igual preço de custo, mas ele os confunde).

b) Confusão de Torrens ao definir o "valor d9 trabalho"


e a fonte do lucro

Malthus então, conforme vimos 25 , utiliza aquela contradição para des-


truir a lei ricardiana do valor.
Logo no cómeço de sua obra, To"ens parte -daquele achado ricardia~
no, de modo nenhum para resolver o problema, mas para apresentar o "fe-
- nõmeno" como a lei do fenômeno.

"AdmiUm.os se utilizem capitsis de durabilidade diferente. Se um fabri-


cante de teci.do de lã e um de sedaemp:regarem cada um capital de 2 000
libras, aplicando o primeÍIQ 1 500 em máquinas duráveis, e 500 em salá·
rios e materiais, e o ~-egundo, 500 apenas em máquinas ducivefa, e 1 500
em salários e materiais ... Admitamos se consuma por ano 1/10 desses
capitais fixos, e a taxa de lucro seja 10%; então, para lhe dar esse lucro, o
capital de 2 000 libras do fabricante de tecido de lã tem de atingir 2 200,
e como o processo de produção reduziu o valo1 de seu capita! fixo de
1 500 para 1 350, os bens produzidos têm de ser vendidos por 850 libras.
E do mesmo modo, uma vez que o processo de produção do fabricante de
seda reduziu de 1/10 o capital fixo, diminuindi:ro de 500 libras para 450,
a seda produzida tem de ser vendida por 1 750, para que ele obtenha a
taxa cos.tumeira de lucro sob1e o C<tpital todo de 2 000 libras ... Qullfldo
se empregàm,capítais de igual magnitude, mas de durabilidade diferente,
os artigos produzidos numa aplicação, adicionadru ao relípectivo resfduo
de capital igualarão em valor de troca às coisas produzidas llôUtm aplica-
çaõ, acrescidas do resíduo de capital" (pp. 28, 29).

Aí apenas expressa, registra o fenômeno como aparece na concorrên·


eia. De igual modo, supõe uma "taxa costumeira de lucro", sem demonstrar
donde ela vem, ou mesmo suspeitar que fosse necessário fazê-lo.

"Capitais iguais ou, noutras palavras, quantidades iguais de trabalho


acumulado p<Jem muitos vez& em movimento quantidades dlferenta de
trabalho imediato; mas isso em nada fere nom princípio geral" (pp.
29, 30),

25. Ver neste volume, pp. 1069, 1070 e 1084-1086.

1127
a saber, o princípio de o valor do produto eom a adição do resíduo do capi·-
tal não consumido encontrar valores iguais ou, o que é o mesmo, lucros
iguais.
O mérito de Torrens nessa passagem não consiste em ter feito de novo
mero registro do fenômeno, sem explicá-lo, mas em ter definido a diferença
pela circunstância de capitais iguais movimentarem quantidades desiguais de
trabalho vivo, embora arruíne essa idéia qualificando-a de caso "especial".
Se o valor é igual ao trabalho consumido, materializado numa mercadoria. é
claro que, se as mercadorias se vendem por seu valor, a mais-valia nelas inseri-
da só pode ser igual ao trabalho não pago ou trabalho excedente nelas conti-
do. Mas esse trabalho excedente - para a mesma taxa de exploração dos
trabalhadores - não pode ser igual para capitais que põem em movimento
quantidades diferentes de trabalho imediato, e tanto faz que a causa dessa
diferença seja o processo imediato de produção ou o tempo de circulaç:ro.
Expressar isso é portanto o mérito de Torrens. Que conclui daí? Que nesse
ponto ocorre na produção capitalista uma transmutação na lei do valor. Isto
é, que a lei do valor, abstraída da produçã:o capitalista, contraria os fenôme-
nos dessa produção. E que põe no lugar dessa lei'! Absolutamente nada,
a não ser a expressão vulgar, vazia e verbal do fenômeno a .ser ·explicado.

"No período primitivo da sociedade"

(isto é, justamente quando o valor de troca em gecal - o produto como


mercadoria - mal desponta e em conseqüência ainda não se estabelece a
lei do valor}, '

"a qu011tidade total do trabalho acumulado e imediato, despendído na


prndução, é o que determina a quantidade que se t1ocai:á de uma me1ca·
doria por dada quantidade de outra. Mas, quando se acumula capital e
uma classe de capitalistas se distingue de uma classe de trabalhadores,
quando quem su:rge eomo empresário num ramo industrial, em vez de
executar seu próprio trabalho, adianta a outros meios de subsistência e
materiais, o montante de capital ou a quantidade de trabalho acu:nwlado
despendido na p1odução é o que determina o poder de troca das merca-
dorias" (1.c., pp. 33, 34). "Desde que dois capitais são iguais, seus produ-
tos sio de igual wor, não Importa como se altere a quantidade de traba-
lho imediato que os pile em movimento ou que sew produtos exí;am. Se
são desiguais, seus produt0$ serão de valor desígual, embota a quantidade
total de trabalho despendido em cada um seja a rigor igual., (p. 39). "De-
pois dessa di1wciaçáo em capitalistas e trabalhadores, o que detcnnina o
valor de troca é o montante de capital, a quantidade de trabalho acurou·
lado, aplicado na produção, e não, como antes dessa dissociação, a soma
do trabalho acumulado e do imediato" (Lc .. pp. 39, 40).

1128
Aí de novo expressa apenas o fenômeno de capitais de igual magnitude
proporcionarem lucros iguais ou de o preço de custo da mercadoria. ser igual
ao preço do capital adianta.do mais o lucro médio; e ao mesmo tempo insi-
nua que esse fenômeno, desde que capitais iguais ponham em movimento
quantidades diferentes de trabalho imediato, é incompatível, como logo se
vê, com a determinação do valor da mercadoria pelo tempo de trabalho nela
contido. Nilo passa de tautología a observação de que esse fenómeno da pro-
dução capitalista só se manifesta com a existência do capital, das classes
capitalista e trabalhadora, com a existência autônoma das condições objeti-
vas de trabalho como capital.
Mas como a dissociação dos fatores necessários para produzir a merca-
doria - capitalistas e trabalhadores, capital e trãbalho assalariado -- põe
abaixo a lei do valor da mercadoria, é mera "inferência'' do fenômeno que
não foi compreendido.
Ricardo procurara demonstrar que, salvo certas exceções, a separação
entre capital e trabalho assalariado em nada altera a deteIDJinaçlio do valor
das mercadorias. Apoiado nas exceções de Ricardo, Torrens nega a lei. Re-
corre a·A. Smith (contra quem se volta a demonstração ricardiana) segundo
quem ·'no período primitivo", quando os homens se defrontam como meros
possuidores e permutadores de mercadorias, o valor da mercadoria é deter-
mínado pelo tempo de trabalho nela contido, o que nã'o se dá depois de se
terem consti:tuído capital e propriedade da terra. Isso significa que "como já
observei na primeira parte26 " a lei válida para as mercadorias como merca·
dorias não víge para elas quando sá'o consideradas capital ou produtos do
capital, ou logo que em geral se passa do nível de mercadorias para o de
capital. Contudo, ó produto só assume a figura plena da mercadoria porque
o produto todo tem de transfonnar-se em valor de troca e os ingredientes de
sua própria produção nele entram como mercadorias; só com o desenvolvi-
mento e na base da produçã'o capitalista, converte-se por inteiro em merca-
doria. Assirit, supõe-se que existe a lei da mercadoria numa produçio que não
gera (ou só em parte gera) mercadorias, e que não existe no sistema de pro-
dução cuja base é a existência do produto como mercadoria. A própria lei -
do mesmo modo que a mercadoria, forma geral do produto - é abstraída da
produção capitalista, e justamente para esta sustenta-se sua invalidade.

Ui·. Marx, Zur Krltik der Politischen Oekonomie. Etstes Heft (ve;i: MEW, vol. 13,
pp.44,45).

1129
A influência da separaçlo entre "capital e trabalho" sobre a determi-.
nação do valor - omitida a tautologia de que capital, enquanto não existe,
não pode determinar os preços - é, ·aliás, outra versão bastante vulgar de um
fato que aparece na superfície da produção capitalista. Desde que cada pes-
soa trabalhe ela mesma com seus instrumentos e venda ela mesma seu produ-
to (só que na realidade a necessidade da venda do produto em escala social
nunca coincide com a produção que ela efetua com suas próprias condições
de trabalho), os respectf'vos custos abrangem o custo dos instrumentos e o
do trabalho que ela mesma executa. O custo do capitah'sta consiste no capital
adiantado, na soma de valor que despende para produzir e não no trabalho,
que não executa e que .só lhe custa o que pagou por ele. Eis aí uma razão
muito boa para os capitalistas calcularem e entre si repartirem a mais-valia
(social) não pela quantidade de trabalho imediato que dado capital põe em
movimento e sim pela magnitude do capital que adiantaram. Mas isso em
absoluto niio explica donde provém essa mais-valia a distribuir e distribuída
assim.
Torrens apega-se â idéia de Ricardo de que o valor da mercadoria é
determinado pela quantidade de trapalho, mas, segundo ele, apenas "a quan-
tidade de trabalho acumulado", despendida na produção de mercadorias, é
que detennina o valor delas. Torrens cai aí numa primorosa çonfusão. ·
Assim, o valor do tecido de lã', por exemplo, é determi.ó.ado pelo traba-
lho acumulado no tear, na lã etc. e, nos salários, os ingredientes de sua pro·
dução, trabalho acumulado que aí significa apenas trabalho corporificado,
tempo de trabalho materializado. Mas, uma vez pronto o tecido de lã e con·
cluída a produção, o trabalho imediato despendido no tecido de lã converte-
se por igual em trabalho acumulado ou materializado. Por que então o valor
do tear e da lã deve ser determinado pelo trabalho materializado (que é
apenas trabalho imediato corporificado num objeto, num resultado, numa
coisa útil) neles contido, e não o deve ser o valor do tecido de lã? O tecido
de lã, se por sua vez se toma ingrediente da produç:fo, por exemplo, na tin-
turaria ou na alfaiataria, passa a ser "trabalho acumulado", e o valor da rou-
pa é determinado pelo valor dos salários dos trabalhadores, pelo de seus
instrumentos e do tecido de lã, cujo valor é determinado pelo "trabalho
acumulado" nele contido. Se considero a mercadoria na qualidade de capi-
tal, isto é;no papel simultâneo de condição de produção, seu valor se reduz
a trabalho imediato, que se chama de "trabalho acumulado" por existir
em forma materializada. Ao revés, se considero a mesma mercadoria como
mercadoria, como produto e resultado do processo de produção, não é ela

1130
determinada pelo trabalho que nela mesma está .acumulado e sim pelo traba·
lho acumulado em suas condições de produção.
Na realidade, é um notável c:írculo vicioso querer detenninar o valor
da mercadoria pelo valor do capital, uma vez que o valor do capital é igual
ao das mercadorias em que consiste, Em contraposição a esse indivíduo,
James Mill acerta ao dizer:

"O Cllpital é mercadorias, e· afirmar que o valai das mercadorias é deter-


minado pelo valor do capital é sustentar que o valor da mercadoria é de-
terminado pelo valor da mercadoria" (James Mil/, Ekments of Politkal
Eronomy, Londres, 1821,p. 74).i7

Cabe aqui observar outro aspecto. Uma vez que, segundo Torrens, o
valor da mercadoria é detenninado pelo valor do capital que a produz ou,
noutras palavras, pela quantidade de trabalho, o trabalho acumulado e mate-
rializado nesse capital, só teremos duas coisas possíveis.
A mercadoria contém, primeiro, o valor do capital fixo consumido, e
segundo, o valor das matérias-primas, ou seja, a quantidade de trabalho con-
tida no capital fixo e nas matérias-primas. Terceiro, a quantidade de traba·
lho, configurada no dinheiro ou nas mercadorias com a funçã'o de salário.
Agora as duas possibilidades:
O trabalho "acumulado" contido no capital fixo e nas matérias-primas
continua, após o processo de produção, o mesmo que era antes dele. No
tocante à terceira parte do "trabalho acumulado" adiantado, o trabalhador
o substitui por seu trabalho imedíato, isto é, o ''trabalho imediato" adício·
nado às matérias-primas etc. representa na mercadoria, no produto, tanto
trabalho acumulado quanto o que se continha no salário. Ou representa
mais. Se representa mais, a mercadoria contém mais trabalho acumulado
que o capital adiantado. O lucro então provêm justamente do excedente d.o
trabalho acumulado inserido na mercadoria sobre o contido no capital
adiantado. E como dantes o valor da mercadoria ê detenninado pela quanti·
dade de trabalho nela contido, o acumulado e o imediato (este, na mercado-
ria, também é acumulado, e não mais existe o imediato. É trabalho imediato
no processo de produção, e acumulado, no produto).

27. Citação provavelmente tint.da de A critical díssertatíon on the nature, mea·


i;ures, rmd causes of vaJue, de Samuel Bailey, Londres, 1825, p. 202,

1131
Ou entli'o 28 o trabalho imediato representa apenas a quantidade de
trabalho adiantada no salário, apenas lhe é equivalente. (Se fora menor que
isso, não caberia explicar por que o capitalista ganha e sim como é que ele
não perde.) Nesse caso, donde provém o lucro? Donde procede a mais-valia,
o excedente do va!or da mercadoria sobre o valor dos ingredientes da produ-
ção ou sobre o valor do capital adiantado'! Não do próprio processo de pro·
dução, para encontrar na troca ou no processo de circulação sua mera con-
versão em dinheiro, e sim da troca, do processo de circulação. Então retroce-
demos a Málthus é à grosseira idéia mercantilista do "lucro de alienação" 29 •
E Torrem~ nesse ponto é coerente, embora, em contraste, não tenha a coe-
rência de explicar esse valor a pagar por meio de um inexplicável· fundo
caído·do céu, isto é, o fundo que, além de um equivalente da mercadoria,
fonne um excedente sobre esse equivalente, e seja oriundo dos recursos do
comprador, sempre capaz de pagar a mercadoria acima do valor~ com essa
incoerência, a concepção se dissolve. Torrens n!o é tão conseqüente quanto
Ma1thus para recorrer a tal ficção; ao contrário, afirma que a "procura efeti-
va" - a soma de valor que paga o produto - procede apenas da oferta e
assim é por igual mercadoria;com isso, uma vez que os dois lados são vent!e-
dores e compradores, é incompreensível como podem lograr-se de maneira
recíproca e na mesma proporção. ·

"A procura efetiva de qualquer mercadoria é sempre determ.i.i)ada" e, pai:a


qualquer dada taxa de luero, sempre comensurável pela quantidade dos
ingredientes do capital ou das cojsas requeridas para produzi-la que os
consumidores podem e desejam oferecerem troca" (1.c., p. 344).
"Oferta crescente é a única causa da procura efetlva.c1escente" (p. 348),

passagem de Torrens, citada por Malthus, que se manifesta com razão contra
ela (Def in P. Ec., Londres, 1827, p. 59).30
Que Torrens chega àquela conseqüência absurda mostram as frases
seguintes sobre custos de produção etc.:

"O preço de mercado .. (em Malthus, valoz de compra, pu1c:hasíng value)


"abrange sempre a taxa de lucro costumeira na ocasião. O preço natural,
consistente no custo de produçá'o, ou seja, no capital despendido para
p1oduzir ou fabricai: mercadorias, não pode incluir a tax(t de lucro" (l .c.,
p. 51).

28. Isto é, no primeiro caso.


29. Ver nota 7, p.1071.
30. Ver p. 1113 neste volume.

1132
~_:r_;:::::7·~~·-':~~·;:"l:
,• ;c'i. ._.,. i
~ ... .::·,,;_... ::~~-~·

"Seria o mesmo caso de um arrendatário que despendesse no cultivo lOO


quarten de ceieais e recebesse de volta 120; 20 quarte~ então seriam o
lucro. Seria absurdo chamar esse excesso ou luem de parte de suas despe·
sas ... Do mesmo modo, o fabricante recebe uma quantidade de produtos
acabados eom valor de troca superior ao dos materiais adiantados etc."
(pp. 51-53).
"A procura efetiva consiste no poder e na propensão dos consumidores
de dar, mediante troca direta ou indireta de mercadorias, certa porção de
todos os ingredientes do capital, maior que o custo de produ:i:i-los" (l .c.,
p. 349).

120 quarters de trigo, sem dúvida, são mais do que 100 quarters. Mas,
se consideramos apenas o valor de uso e o processo por ele percorrido, isto
é, o processo vegetativo ou fisiológico propriamente, como nesse caso, seria
errado dizer - não com relação aos 20 quarters, mas no tocante a seus
elementos componentes - que estes não entram no processo de produção.
Se não entrassem, nlfo poderiam sair dele. Componentes químicos providos
pelos adubos, sais contidos na terra, água, ar, luz, além dos 100 quarters de
trigo ~ as sementes -, entram todos no proc.esso que converte os 100 quar-
ters de cereais em 120. A transformação e a absorção dos elementos, dos
íngredíentes, das condições - o dispêndío da natureza que converte 100
quarters em 120 - ocorrem no próprio processo de produção, e os elemen-
tos desses 20 quarters entram como ..dispêndio" fisiológico nesse próprio
processo, cujo resultado se revela na conversão de 100 quarters em l 20,
Considerados apenas como valor de uso, esses 20 quarters não são
pura e simplesmente lucro. É apenas o ínorgânico assimilado pela parte orgâ-
nica e convertido em orgânico. Sem o acréscimo de matéria - e esse é o
dispêndio fisiológico - jamais os 100 "quarters" se tomariam 120. Na reali-
dade, mesmo do mero ponto de vista do valor de uso, do trigo como trigo,
pode-se portanto diz.er que nele entrou em forma inorgânica como dispêndio
.o que em forma orgânica, corno resultado efetivo, aparece nos 20 quarters,
o excedente do trigo colhido sobre o semeado.
Mas esse comentário de per si tem tão pouco que ver com a questão
do lucIO como a opinião arbitrária de que arames que o processo de trabalho
estirou em comprimento mil vezes maior que o do metal donde saíram -
uma vez que o comprimento se multiplicou por mil - representam lucro que
é um múltiplo de mil. No caso dos arames, aumenta o comprimento; no caso
do trigo, a quantidade de quarters. Mas nem o excedente de comprimento
nem o-da quantidade constitui lucro, que se refere apenas ao valor de troca,
embora esse valor de troca se configure num produto excedente.

íJiCl ~'t"i( (j)


est=€.~ 1
Mas no tocante ao valor de troca, é ocioso ainda explicar que 90 quar-
ters de trigo podem valer tanto ou mais que 100, 100 mais do que 110, e
120 mais do que 500.
Torrens infere portanto o lucro de um exemplo que nada tem que ver
com o lucro, com o excedente do valor do produto sobre o valor dos adian·
tamentos. E mesmo considerado no plano fisiológico - de acordo com o
valor de uso -, seu exemplo é falso, uma vez que na realidade os 20 quarters
de trigo que aparecem como produto excedente já estão de qualquer modo
presentes no processo de produção, embora noutra forma. De resto, Torrens
enfileira-se por fim entre os que vomitam a velha e engenhosa concepção de
o lucro ser lucro de expropriação3 l.

e) To"ens e a ídéia dos custos de produção

E ménto de Torrem~ ter inoitado o debate sobre a natureza dos custos


de produção. Ricardo confunde de contínuo o valor da mercadoria com os
custos de produção (desde que iguais ao preço de custo) e da{surpreender-
se que Say, embora determine o preço pelos custos de produção, tire outras
conclusões. Como Ricardo, Malthus, além de sustentar que o preçQ da mer-
cadoria é detenninado pelos custos de produção, inclui o _lucro ríesses cus-
tos. Contudo, determina o valor de maneira diversa, não pela quantidade
de trabalho contida na mercadoria e sim pela quantídade de trabalho que ela
pode comandar.
As ambigüídades do conceito de custos de produção decorrem da na-
tureza da própria produção capitalista.
Primeiro: para o capitalista os custos da mercadoria (por ele produzi·
da) são naturalmente o que lhe custa ela. Nada lhe cµsta - isto é, nela mio
despende valor algum - exceto o valor do capital adiantado. Quando desem-
bolsa 100 libras em matérias-primas, instrumentos, salários etc., para produ-
zir a mercadoria, esta lhe custa l 00 libras, nem mais nem menos. Além do
trabalho contido nesses adiantamentos - além do trabalho acumulado conti-
do no capital adiantado e detenninante do valor das mercadorias adiantadas

31. Ou lucro de alienação. Ver nota 7, p. 107 L

1134
- nã'o lhe custa trabalho algum. O custo do trabalho imediato são os salários
que paga. Fora os salários, nada lhe custa o trabalho imediato, e fora o tra·
balho imediato nada adiantou, exceto o valor do capital constante.
É nesse sentido que Torrens entende os custos de produção. e é nesse
sentido que os entende todo capitalista ao calcular o lucro, seja qual for a
taxa.
Aí custos de produção =adiantamentos do capitalista =valor do
capital adiantado =quantidade de trabalho contida nas mercadorias adianta-
das. E todo economista, inclusive Ricardo, utiliza essa definição dos custos
de produção, qualificados de adiantamentos, despesas, etc É o que Malthus
chama de preço de produção em oposição ao preço do comprador. A essa
definição referente aos adiantamentos corresponde a conversão da mais-valia
à forma de lucro.
Segundo: os custos de produçã'o na primeira definição são o preço que
o capitalista paga para gerar a mercadoria durante o processo de produção;
o que, portanto, Ote custa a mercadoria. Mas o que a produção da mercado-
ria custa ao capitalista e o que custa a produção da própria mercadoria são
duas éoisas de todo diversas. São por completo diferentes o trabalho (mate·
riaJizado e imediato) que ele paga para produzir a mercadoria, e o trabalho
que é necessãrio para produzír a mercadoria. Essa diferença constitui a dís-
tinção entre o valor adiantado e o valor obtido; entre o preço de compra,
que ele paga, da mercadoria e o preço de venda (isto é, se for vendida pelo
valor). Se não existisse essa diferença, dinheiro ou mercadoria nunca se
transfonnariam em capital. A fonte de lucro se extinguiria com a mais-valia.
Os custos de produçilo da própria mercadoria consistem no valor do capital
consumido em seu processo de produção, isto é, na quantidade de trabalho
materializado que nela entra+ a quantidade de trabalho imediato nela des-
pendido. A soma total nela consumida "do trabalho materializado" e do
"trabalho imediato" forma o custo de produção da própria mercadoria. Só
pode ser produzida pelo consumo industrial dessa quantidade de trabalho
materializado e de trabalho imedíato. l! essa a condição para que ela saía do
processo de produção como produto, como mercadoria e mesmo como valor
de uso. E não importa como variem lucro ou salário, esse custo imanente de
produção da mercadoria fica o mesmo enquanto as condições tecnológicas
do processo real de trabalho não se alterem ou, o que dã no mesmo, enquan-
to não ocorra variaç!ío no nível dado de desenvolviment'! da produtividade
do trabalho. Nesse sentido são iguais o custo de produção e o valor da mer-
cadoria. O trabalho vivo despendido na mercadoria e o trabalho vivo pago
pelo capitalista são coisas diferentes. Daí serem, de início, diferentes o custo

1135
de produção da mercadoria para o capitalista (seus adiantamentos) e o cus-
to de produção da própria mercadon·a, seu valor. O excesso de seu valor
(isto é, do que a própria mercadoria custa) além e acima do valor dos adian-
tamentos (isto é, do que ela custa ao capitalista) constitui o lucro, que por-
tanto resulta não de se vender a mercadoria acima do valor, mas acima do
valor dos adiantamentos pago$ pelo capitalista.
Com essa defmiçã"o, os custos de produçã:o, os custos de produção
imanentes da mercadoria - iguais a seu valor, isto é, à totalidade requerida
do tempo de trabalho (materializado e imediato) para produzi-la - pe11lla·
necem condição fundamental de sua produção e nã'o variam enquanto não
se altere a produtividade do trabalho. .
Terceiro: já mostrei 32 , contudo, que o capitalista em cada ramo em
separado ou em cada tipo de ocupação mro vende a mercadoria - que é tam-
bém o produto do ramo, ocupação ou esfera de produção determinados -
pelo valor nela mesma contido, isto é, que o montante do lucro não é idênti-
co ao montante de mais-valia, de trabaJho excedente ou de trabalho não
pago materialízado na mercadoria que vende. Ao revês, só pode - em média
- realizar na mercadoria a quantid~de de mais-valia que a ela cabe como
produto de parte alíquota do capital social. Se o capital social= LOOO, e o
capital de um ramo particular de produção = 100, e o montante total da
mais·valia (ou seja, do produto excedente em que se materialíza essa mais-
.valia) = 200, isto ê, taxa de 20%, o capital de 100 nesse ramo particular ven-
derá sua mercadoria ao preço de 120, seja qual for o valor d~ssa mercadoria,
120, menos ou ma.is, quer dizer, o trabalho não pago contido na mercadoria
constitua ou não 1/5 do trabalho nela adiantado.
Eis aí o preço de custo, e quando se fala de custos de produção no
sentido próprio (ecônomico, capitalista), trata-se do valor dos adiantamen·
tos mais o valor do lucro médio.
É claro que esse preço de custo de uma mercadoria particularizada,
pOI mais que divirja de seu valor, é detennínado pelo valor da totalidade do
produto do capital social. É por meio do nivelamento dos lucros dos capitais
particulares, que estes se comportam reciprocamente como partes alíquotas
da totalidade do capital social, e nessa qualidade de partes alíquotas retiram
dividendos do fundo comum de mais-valia (produto excedente) ou de traba-
lho excedente ou trabalho não pago. Isso em nada altera o valor da mercado-
ria; e nada altera o fato de nunca ser possível produzi-la, seja seu preço de

32. Vervol. 2, pp. 461-465,469, 498·504 e 607-666.

1136
custo igual, maior ou menor que seu valor, sem se produzir seu valot, isto é,
sem ser nela despendido o total do trabalho materializado e do traballio
imediato requeridos para sua produção. Essa quantidade de trabalho tem de
ser nela empregada, tanto o pago quanto o não pago, e em nada se modifica
a relação geral entre capital e trabalho com a circunstãncia de "ínnãos capi-
talistas" de certos ramos se apropriarem de parte do trabalho nã"o pago,
substituindo o capitalista que põe o trabalho em movimento naquele ramo
industrial particular. 33 Ademais, está claro que, seja qual for a relação entre
o·valor e o preço de custo de uma mercadoria, este variará sempre, subirá ou
cairá de acordo com as mudanças de valor, isto é, de acordo com a quantida·
de de trabalho exigida para produzir a mercadoria. Também está claro: parte
do lucro tem sempre de representar mais-valia; trabalho não pago, rnateriali·
zado na própria mercadoria, porque no sistema de produção capitalista há
em todas as mercadorias mais trabalho armazenado que o pago pelo capita·
lista que pôs aquele trabalho em movimento. Uma parte do lucro pode con-
sistir em trabalho que não se aplicou na mercadoria fornecida por determi-
nado ramo ou oriunda de dada esfera de produção; mas então há outra mer·
cadoria qualquer, pm~'inda de outra esfera qualquer da produção e cujo
preço de custo se situa abaíxo de seu valor ou em cujo preço de custo se
inclui e se paga menos trabalho não pago do que nela se contém.
Está portanto claro que, embora os preços de custo da maioria das
mercadorias divirjam necessariamente de seus valores e seus "custos de pro-
dução", portanto, da quantidade total de trabalho nelas contido, todavia
esses custos de produção e esses preços de custo são determinados pelos
valores das mercadorias e confirmam a lei do valor em vez de a contradize·
rern; além disso, só na· base do valor e de sua lei pode-se conceber a existên-
cia mesma dos custos de produção e dos preços de custo, a qual sem aquele
pressuposto se toma algo absurdo e sem significação.
Ao mesmo· tempo vemos como os economistas, que por um lado
observam o fenômeno real na concorrência e por outro não entendem a me-
diação entre a lei do valor e a lei do preço de custo, refugiam·se na ficção de
que o capítal e não o trabalho determina o valor das mercadorias, ou antes,
de que não há valor.
O lucro entra no custo de produção da mercadoria; é com razão
incluído por A. Smith, como componente, no "preço natural'' da mercado-

33. VerOCapital, vol. 3,ed. DIFEL,pp.180e 222.

1137
ria, porque na base da produyão capitalista a mercadoria, a longo prazo, em
média, não é levada ao mercado se nã"o proporciona o preço de custo =.valor
dos adiantamentos + lucro médio. Ou, como diz Malthus - embora não
compreenda a origem, a causa real do lucro -, porque o lucro, portanto o
preço de custo que o abrange, é condição da oferta da mercadoria (na base
da produção capitalista). Para ser produzida, para ser levada ao mercado, a
mercadoria tem de alcançar pelo menos aquele preço de mercado, o preço
de custo para o vendedor, e não importa que seu valor seja maíor ou menor
do que esse preço de custo. Para o capitalista tanto faz que sua mercadoria
contenha mais trabàlho não pago ou menos que as outras mercadorias, se no
preço dela entra, do fun4o geral do trabalho não pago ou do produto exce-
dente em que se fixa, o mesmo montante que qualquer outra quantidade
ígual de capital retira desse fundo comum. Sob esse aspecto, os capitalistas
são "comunistas". Na concorrência é natural que cada um se esforce por
extrair mais que o lucro médio, o que só é possivel se outro obtém menos. :h
justamente por meio dessa luta que se estabelece o lucro médio.
Na forma de juro sobre o capital adiantado (seja emprestado ou não),
parte da :mais-valia realizada no lucro também se afigura ao capitalista adian-
tamento, custo de produção que enfrenta como capitalista, enquanto o
lucro em geral é o objetivo imedíato da produção capitalista. Mas no juro
(sobretudo no caso de capítal emprestado). esse fenômeno se revela também
condição prévia e efetiva da produção capitalista. ·
Isso mostra ao mesmo tempo o significado da dístinçio entré formas
de produç!io e formas de distribuição. Lucro, foqlla de distribuição, é af ao
mesmo tempo fonna de produção, uma condição da produção, um elemento
necessário do processo de produção. Por isso, que tolice - voltaremos ao
assunto mais tarde - a de J. St. Mill e outros de conceberem as formas de
produção burguesa como absolutas, mas as formas de distribuição burguesas
como relativas, históricas, portanto transitórias. A forma de distribuição é
apenas a fonna de produção sob outro aspecto. A diferença específica - por
conseguinte também a limitação específica - que baliza a distribuição bur·
guesa, entra na própria produção como detenninação que a ela se sobrepõe e
a domina. Mas a circunstância de ser a produção burguesa forçada por suas
próprias leis imanentes a desenvolver as forças produtivas como se não fosse
produção numa base social estreita, enquanto só pode desenvolver-se por sua
vez: dentro dos limites dessa estreiteza, é a causa mais profunda e mais enco-
berta das crises, das contradições gritantes dentro das quais se move e as
quais a caracterizam, mesmo para a observação grosseira, como forma ape-
nas histórica, transitória.

1138
Sísmondi, por exemplo, compreende isso de maneira tosca, embora
com certa correçil'o, como contradição entre a produçlo pela produção e
uma distribuição que por isso mesmo exclui um desenvolvimento absoluto
da produtividade.

2. James Mill

James Mm, Elements of Polit. Econ., Londres, 1821 (.2Ç ed., Londres,
1824).
Mill foi o primeiro que apresentou a teoria de Ricardo em forma siste·
mática, embora em esboço bastante abstrato. Esforça-se por conseguir coe-
rência lógica, formal. "Por isso" também começa com ele a desintegração da
escola ricardiana. No mestre, o que é novo e importante desenvolve-se em
meio ao "estrume" das contradições impulsionadas com vigor pelos fenôme-
nos que se opõem. As próprias contradições subjacentes testemunham a
riqueza do fundamento vivo donde emerge a teoria. O díscípulo tem condu-
ta diferente. Sua matéria-prima não é mais a realidade, mas a nova forma
teórica a quê o mestre a sublimou. Ora a oposição teórica dos adversários da
nova teoria, ora o relacionamento muitas vezes paradoxal dessa teoria com a
realidade incitam-no .a procurar combater a primeira e a criar explicações
para o segundo. Nessa tentativa envolve-se ele mesmo em contradições e
representa, com sua tentativa de resolvê-las, o início da desintegração da
teoria, que personifica de maneira dogmática. Mill quer, de um lado, qualifi-
car a produção burguesa de forma absoluta da produção e por isso procura
demonstrar que as contradições reais dela são apenas aparentes. Do outro,
procura apresentar a teoria ricardiana como a fonna teóáca absoluta desse
modo de produção e refutar as contradições teóricas, tanto as sustentadas
por outros. quanto as que o importunam. Todavia Mill desenvolve de certo
modo a concepção ricardiana além dos limites em que Ricardo a expõe.
Move-o o mesmo interesse histórico de Ricardo - o do capital industrial
contra a propnedade da terra - e é mais radical ao extrair as conseqüências
práticas da teoria, da teoria da renda fundiária, por exemplo, para se contra-
por à existência da propriedade fundiária, que ele quer transfoanada mais

1139
ou menos diretamente em propriedade do Estado. Não temos de tratar aqui .
dessa última conseqüência e desse aspecto dos trabalhos de Mill.

a) Confusão entre mais-valia e lucro

Como o próprio Ricardo, seus discípulos não estabelecem a distinção


entre mais-valia e lucro. Ele mesmo só se dá conta dela pela infuência diver·
sa que a variação do salário pode ter sobre capitais com diferente composi-
ção orgânica (e esta mesma só com relaçã'o ao processo de circulação). Não
lhes ocorre que - mesmo quando não consideramos capitais em diferentes
ramos, mas cada capital de per si, desde que não consista exclusivamente em
capital variável, ou seja, capital despendido apenas em salário - diferem taxa
de lucro e taxa de mais-valia, e o lucro portanto tem de ser uma fom1a mais
desenvolvida, com modificação específica, da mais-valia. Só se apercebem da
diferença quando se trata de lucro igual - taxa média de lucro - para capi-
tais em diferentes ramos de produção e com diferente comp~ção de ele-
mentos fixos e circulantes. A esse respeito Mill repete, vulgariza apenas o
que Ricardo apresenta no cap. l "On Value". No tocante a essa questão veja-
mos, a seguir, a única dificuldade nova que encontra. .
Mill observa que "o tempo de per si" (isto é, não o tempo de trabalho
e sim o tempo) nada produz, por conseguinte, tampouco.produz "valor".
Como ajustar à lei do valor a circunstância de o capital, éomo diz Ricardo,
por precisar de mais tempo para rotação, dar o mesmo lucro que o capital
que emprega i;nais trabalho imediato, mas que retoma mais rápido? Vê-se
que Mill aí apenas api:eende um caso bastante singularl.zado, que expresso
· de modo geral seria enunciado assim: Como compatibilizar o preço de custo .
e a taxa média de lucro que pre.i;supõe (por conseguinte, valor igual de mer-
cadorias que encerram quantidades muito desiguais de trabalho), com a
circunstância de ser o lucro apenas parte do tempo de trabalho contido na
mercadoria, mas a parte de que o capitalista se apropria sem dar contrapar-
tida 7 No tocante à taxa médi:i de lucro e ao preço de custo sustenta-se, ao
contrário, a detemiinação do valor com idéias de todo estranhas e extrínse-
cas, por exemplo; é mister que o capitalista cujo capital tem de efetuar rota·
ções mais longas por ter de ficar mais tempo no processo de produção, como
no caso do vinho (noutros casos, mais tempo no processo de circulação),

1140
seja índenizado pelo tempo durante o qual esse capital não pode produzir
valor. Mas como pode criar valor o tempo em que não se gera valor?
A passagem de Mill sobre o "tempo., diz:

"O tempo nada pode fazer,. .. como pode então acrescer o valor7 O tem-
po é apenas uma expressão abstrata, uma palavra, um som. E se reduz ao
mesmo absurdo lógico falar de uma unidade abstrata que mede o valor, e
de tempo que o cria" (8/emJJnts etc., 2!led., p. 99). 34 ·

Na realidade, para os motivos de compensação entre os capitais de


diferentes esferas de produção. o que está em jogo não é a produção de
mais-valia e sim· a repartição dela entre as diferentes categorias de capitalis-
tas. Sustentam-se aí portanto critérios que absolutamente nada. têm que ver
. com a determinação do valor como tal, Considera-se como motivo de com-
pensação tudo o que força um capital, numa esfera particular de produção, a
renunciar ãs condições em que poderia produzir mais-valia maior noutras
esferas. É o que se dá, por exemplo, quando se emprega mais capital fixo e
menos ·capital circulante, mais capital constante que variável, quando o capi-
tal por fim tem de permanecer mais tempo no processo de produçfo sem
estar submetido a um processo de trabalho, o que sempre ocorre quando o
processo de produção, de acordo com sua natureza tecnológica, passa por
interrupções para expor aos efeitos das forças naturais o produto em trans-
formação, como o vinho na adega. Em todos esses casos - o último é o úni-
co que Mill escolhe, apreendendo portanto a dificuldade de maneira de todo
limitada e individualizada - entra compensação. Da mais-valia produzida
noutras esferas (a ·concorrência efetua esse nivelamento em que cada capital
particular aparece apenas como parte alíquota do capita] social) transfere-se
parte para os capltais em situação menos favorável quanto à exploraç&'o dire-
ta do trabalho, na razã'o de sua grandeza apenas. O fenômeno é muito sim-
ples quando se entende a relação entre mais,valia e lucro, e além 'di~o o
niveJamento dos lucros segundo a taxa geral de lucro. Mas, se se pretende
apreender isso a partir da lei do valor, sem mediação alguma, isto é, explicar
o lucro que um capital particular obtém num ramo particular a partir da
mais-valia contida nas mercadorias por ele produzidas, a partir do trabalho
não pago (portanto, a partir do trabalho diretamente nelas realizado), ter-se-

34. Citação tirada de Samuel Bailey, A. cn"tical díssertation on the nature,


measure1, and causes of value, Londres, 1825, p. 217.

l14l
á wn problema muito mais insolúvel que o da quadratura do círculo, que
pode encontrar uma solução algébrica. É a tentativa pura e simples de apre·
sentar como existente o que mio existe. Contudo, é nessa forma imediata
que Mm procura solucionar o problema. Assim não é possível resolvê-lo, mas
apenas exorcizar a díficuldade com sofismas, com o uso exclusivo da escolás-
tica. Esse método é lançado por Mill. Num mentecapto sem escnípulo como
McCu.lloch, descamba para descaramento arrogante.
Não se pode caracterizar a solução de Mill melhor do que o faz Railey
dizendo;

"Mill fez uma singular tentativa para transmutar os efeito& do tempo em


dispêndio de trabalho. 'Se', diz ele (Elements, 2~ed., p. 97, 1824) 'o vi-
nho posto na adega tem o valor acrescido de 1/10, por nela se manter du-
rante um 11.t10, pode-se então com acerto considerar que nele se terá des-
pendido 1/10 a mais de trabalho' .•.. Só qu911do um fato na realidade
tiver sucedido ê que se pode considerar com acerto que ele ororreu. No
exemplo referido, nenhum ser humano, de acordo com a suposição, apro·
xírnou-.se do vinho ou com ele despendeu lllll instante ou um simples mo·
v.ímento dos músculos" (.4 critical Dissertutíon on the Nature, Measwes
und Causes o.f Vulue etc., Londres, 1825,pp. 219, 220).

Pretende-se resolver a contradiçã'o entre a lei geral e os <I:esenvolvimen-


tos das condições concretas nã'o por meio da descoberta dos elos intermediá·
rios, mas por meio da subsunçã'o direta e do ajustamento imediatsi.-do con-
creto ao abstrato. E na realidade pretende-se efetuar isso por"mefo de uma
ficção verbal, mudando-se os verdadeiros nomes das coisas. (Aí de fato .. dis-
putas verbais " 35 , '"verbais" mesmo porque se supõe que, se resolvem por
meio de frases contradições reais que não foram realmente solucionadas. Em
McCulloch evidenciar-se-á que esse método de exorc.isar, ainda embrionário
em Mill, desagregou multo mais o fundamento inteiro da teoria ricardiana
que todos os ataques dos adversários.
Mill só recorre a esse método quando não encontra absolutamente
outra saída. De modo geral usa outro método. Quando a relação econômica
- em conseqüência também as categorias que a expressam -:--- abrange con-
tradições, aspectos opostos e- mesmo a unidade de elementos contrários,

35. Alusão à obra polêmica Observations on certaín Verbal disputes in political


ec911omy, Londres, 1821. Marx disseca essa obra na seção 3 deste capítulo (pp. 1164-
1172).

1142
ressalta Mill o momento 36 da unidade das contradições e nega as contradi-
ções. Converte a unidade de coisas que se opõem. na identidade imediata
dessas contradições.
Por exempio, na mercadoria se embuça a contradição entre valor de
uso e valor de troca. Essa contradição prossegue desenvolvendo-se, confi-
gura-se, realiza-se na duplicação da mercadoria em mercadoria e dinh.eiro.
Essa duplícação é processo que aparece na metamorfose da mercadoria, na
qual venda e compra são momentos diferentes de um único processo, mas
cada ato desse processo implica ao mesmo tempo seu contrário. Na primeira
parte dessa obra mencionei que Mill elide a contradição apegando-se apenas
à unidade da compra e venda, e por isso converte a circulação em comércio
de troca direta é, depois, para este contrabandeià ·as categorias tiradas da
circulação. 37 Ver ainda o que aH expus sobre sua teoria monetária, onde
procede de maneira semelhante.38
· · Em J. Mill encontra-se a precária classificação: "Produção", "Distri-
buição", ''Troca", "Consumo". 39

b) Tentativas infrutíferas de Mill, de compatibilizar a troca


entre capital e trabalho com a lei' do valor

Salário:
. .
«Em vez d°e espetar pelo recebimento do produto e pela realiz.ação de seu
valor, achou-se mais c5modo para os trabalhadores que sua parte lhes fos·
se paga adiantada" (à l'ava.nce). "A forma que se achou adequada para re-
ceberem foi a de salário. Quando o trabalhador recebe por inteiro, sob a

36. Momento (das .Morrumt) no sentido hegeliano: "uma fase ou detennínaçio


do devir dialético". Ver Nico41 Abbagnano,Dicionário de Filo:rofia, trad. coordenada e
revista por Alfredo Bosi, ed. Mestre Jou. Das Moment, no sentido hegetiano, também
pode sei traduzido por aspecto.
3 7. Marx, Zur Krítik der Politischen Oelron.omie. Erstes Heft (vei MEW, vol. 13,
pp. 77~79).
3 8. Marx, ZfJ.r Kritik der Politischen Oekonomie. Entes Heft (ve.r l\IEW, vol. 13.
pp. 153-155).
39, James Mill, Élements d'économie politique, t.tadu:z.ido do inglês por J. T.
Parisot, Paxi~. 1823, pp. 7, 13, 85, 237.

1143
fonna de salário, a parte que lhe cabe dos p.rodutos, pertencem estes ape-
nas ao capitalista, P,atque esle de falo comprou a parte do trabalhador e
lha pagou adiantado" (Elements, lradução francesa de Parisol, Paris,
1823,pp. 33, 34).

Mill considera o dinheiro mero expediente inventado por comodidade,


e é bem peculiar a ele, a idéia de serem as próprias refações capitalistas
inventadas pela mesma razão. Essas específicas relações de produçãb sociais
são uma invenção decorrente da "comodidade". Mercadoria e dinheiro con·
vertem.se em capital porque o trabalhador cessou de efetuar trocas na quali-
dade de produtor e na de possuidor de mercadorias. Ao contrário, é forçado
a vender, em vez de mercadoria, seu próprio trabalho (imediatamente sua
força de trabalho) como mercadoria ao possuidor das condições objetivas de
trabalho. Essa dissociação é condição prévia para a. relação entre capital e
trabalho assalariado, assim como é a condição prévia para a converslo do
dinheiro (ou da mercadoria que ele representa) em capital. Mill pressupõe a
separação, a dissociação, pressupõe a relação entre capitalista e assalariado,
para em seguida colocar como questã'o de comodidade a circunstância de o
trabalhador não vender produto, mercadoria, mas a cota que tem no produ-
to (cuja produção, de nenhum modo por ele detenninada, sucede sem. de-
pender dele) antes de o ter produzido. Ou mais precisamente_: á círcunstân·
eia de o capitalista pagar a cota que o trabalhador tem no produto - trans-
fonná·la em dinheiro antes de realizar, vender o produto em que o qabàJha·
dor tem paite.
Por meio dessa concepção pretende-se elidir a dificuldade específica
referente à forma específica da relaçlo. Isto é, a dificuldade· do sistema ricar-
diano, por sustentar que o tJ:abalhador vende diretamente o trabalho (e não
a força de trabalho). A dificuldade: o valor da mercadoria determinado pelo
tempo de trabalho que custa produzi.la. Como se explica não se confirme
essa lei dos valores na maior de todas as trocas, no fundamento da produçfo
capitalista, a troca entre capitalista e trabalhador? Por que a quantidade de
trabalho materializado que o trabalhador recebe em salário não é igual à
quantidade de trabalho hnediato, a qual dá em troca do salário? Para remo-
ver essa dificuldade, Mill converte o trabalhador num proprietário de merca-
dorias que vende ao capitalista seu produto, sua mercadoria, pois a cota que
o trabalhador tem no produto, na mercadoria, é seu produto, sua mercado·
ria, um valor por ele produzido na forma de urna mercadoria particular. Mill
resolve a dificu\dade reduzindo a transação entre capitalista e trabalhador -
a qual encena a oposição entre trabalho materializado e trabalho imediato -

1144
à transaça-o comum entre proprietários de trabalho materializado, de merca-
dorias.
Com essa artimanha Mill impossibilitou a si mesmo apreender a natu-
reza específica, a diferença específica do proce1iso que ocorre entre capitalis-
ta e trabalhador assalariado, e aumentou a difü::uldade, ao invés de diminuí·
la, pois agora não se pode mais entender a especificidade do resultado a par-
tir da especificidade da mercadoria que o trabalhador vende (e que possui a
característica de seu próprio valor de uso ser o elemento do valor de troca,
poís seu uso cria um valor de troca maior que o que nela mesma se con·
tinha).
Para Mill o trabalhador é vendedor de mercadoria como qualquer
outro. Produz, por exemplo, 6 jardas de linho. Dessas 6 jardas, admita-se
que 2 representem o trabalho adicionado pelo trabalhador. Este é portanto
o vendedor de 2 jardas de linho ao capitalista. Por que não deveria então
receber do capitalista, na integra, o valor das 2 jardas de linho como qual-
quer outro vendedor de 2 jardas de linho, uma vez que agora é vendedor de
linho e.orno qualquer outro? Agora, ao contrário, ressalta de maneira muito
mais flagrante a contradíção com a lei do va1or. Ele não vende mercadoria
específica, diferente de todas as demais. Vende trabalho materializado num
produto, portanto mercadoria que especificamente de nenhuma outra se dis·
tíngue. Se então o preço da jarda - isto é, a quantidade de dinheiro que
encerra o tempo de trabalho contido na jarda - é igual a 2 xelins, por que
recebe o trabalhador 1 xelim em vez de 2? Mas, se ele receber 2 xelins, o
capitalista não realizará mais valia alguma, e o sistema ricardiano todo irá
para o brejo. Teríamos retrocedido para o lucro de alienação. As 6 jardas
custariam ao capitali°sta o valor delas= 12 xelíns. Mas ele as venderia por 13
xelins. OU linho ou qualquer outra mercadoria vende.se por seu valor quan-
do o capitalísta a vende; mas vende-se abaixo de seu valor quando o traba-
lhador a vende. A lei do valor estaria portanto desfeita pela transação entre
trabalhador e capitalista. E justamente para evitar isso, recorre Mill à ficção.
Quer transformar a relaçã'o entre trabalhador e capitalista na relação corren·
te entre vendedores e compradores de mercadorias. Mas, por que aí a lei
corrente dos valores ·da5 mercadorias não determinaria a transação? Acontece
que º·trabalhador é pago "adiantado". Na verdade, nã'o se trata portanto da
relação comum entre compra e venda de mercadoria'>. Que significa aí esse
"adiantamento"? O trabalhador pago, digamos, por semana "adiantou" Jra·
balho e criou a cota que lhe pertence no produto semanal, seu trabalho
semanal materializado num produto (segundo a suposição de MiH e de acor·
do com a prática), antes de receber do capitalista o "pagamento" por essa

1145
cota. O capitalista "adiantou" matérias-primM e instrumentos; o trabalha-
dor, "o trabalho", e vende ao capitalista, por lhe ser pago o salário no funda
semana, mercadoria, sua mercadoria, a cota que tem no total de mercado-
rias. Mas o capitalista, dirá Mill, paga, isto é, realiza, tra.nsfonna em dinheiro
para o trabalhador as 2 jardas de linho antes de ter ele mesmo convertido em
dinheiro, vendido as 6 jardas de Unho. E se o capitalista tiver produzido por
encomenda e tiver vendido a mercadoria antes de a ter fabricado? E de ma·
neira mais geral: que importa ao trabalhador -··no caso vendedor de 2 jardas
de linho - que o capitalista lhe compre essas 2 jardas para revendê-las e não
para consumi-las? Que importam ao vendedor os motivos do comprador?
E mais ainda, como poderão estes modificar a lei do valor? Para haver coe-
rêncía, todo vendedor teria então de vender sua mercadoria abaixo do valor
dela, pois entrega ao comprador o produto na fonna de valor de uso, en-
quanto o comprador lhe dá o valor na fonna de dinheiro, a forma monetária
do produto. Nesse caso, o fabricante de linho teria também de ter pago de
menos ao comerciante de fio, ao construtor de máquinas, ao produtor do
carvão etc. :B que estes lhe vendem mercadorias que lhe servem ao propósito
de convertê-las em dinheiro, num prpcesso em que esse fabricante lhes paga
"adiantado", antes de vender e ainda antes de produzir a própria mercado-
ria, o valor dos ingredientes desta. O traballiador fornece-lhe linho (o teci-
do), a mercadoria na forma vendável, em contraste com aqueÍes vendedores
cujas mercadorias, máquinas, matérias-primas etc., primeiro tém de percor-
rer um processo para atingir forma vendável. Para um ricar~íano rádical no
estilo de Mill, que vê como coisas idênticas compra e venda, oferta e procu·
ra, e para quem o dinheiro é mera formalidade, o melhor·mesmo é que na
conversão da mercadoria em dinheiro - e nada além disso ocorre na venda
das 2 jardas de linho ao capitalista - se inclua que o vendedor tem de vender
a mercadoria abaixo do valor e o comprador, com seu dinheiro, tem de com·
prar acima do valor.
Acaba-se portanto chegando a este absurdo: naquela transação o com·
prador adquire a mercadoria para revendê-la com lucro e por isso o vendedor
tem de vender a mercadoria abaixo do valor dela~ com isso desaba a teoria
toda do valor. Essa segunda tentativa de Mill de resolver umà contradição
ricardiana destrói a base inteira do sistema e em particular sua superioridade
por definir a relação entre capital e trabalho como troca direta entre traba·
llio acumulado e trabalho imediato, isto é, em concebê-la em sua especifici·
d ade.
Para sair da dificuldade teria Mill de ir adiante e dizer que náo se trata
de uma simples transação de compra e venda de mercadoria; que a relação

1146
entre trabalhador e capitalista é ao contrário a do capitalista que empresta
ou desconta (o capitalista financeiro) com o capitalista industrial, enquanto
se refira ao pagamento, à convers:ro em dinheiro do produto do trabalhador.
conversão igual a sua cota no produto global. Teríamos aí uma bela gestação
- pressupor o capital produtor de juros, fonna particular do capital, para
explicar o capital produtor de lucro (a forma geral do capital); apresentar
uma forma derivada de mais-valia (que já pressupõe a mais-valia) como fun-
damento da gênese da mais-valia. Além disso, teria entã'o Mill de ser coeren·
te e, para substituir todas as leis definidas sobre o salário e a taxa de salário,
elaboradas por Ricardo, deveria ao contrário derivá-los da taxa de juro, e
nesse caso não se saberia dizer por que meio detenninaI a taxa de juro, uma
vez que esta, segundo os ricaidianos e todos os demais economistas dignos
de menção, é determinada pela taxa de lucro.
A proposição referente ã "cota" do trabalhador em seu próprio pro·
duto baseia-se de fato nisto: se observarmos, em vez da transação isolada
entre capitalista e trabalhador, a troca entre ambos no curso da reproduçã'o;
se olharmos o conteúdo real des.5e prncesso em vez da forma como ele aPa.re-
ce, pafentear·se·á na realidade que aquilo com que o capitalista paga o traba-
lhador (e também a parte do capital a qual na figura do capital constante
confronta o trabalhador) é apenas a parte do produto do próprio trabalha-
dor e precisamente uma parte que não está para ser convertida em dinheiro,
mas já se vendeu,já se transformou em dinheiro, uma vez que os salários são
pagos em dinheiro e não em produtos. Na escravatura etc. onde não opera a
falsa aparência oriunda da prévia conversão do produto em dinheiro - en-
quanto o produto se despende em salário - é aliás palpável que aquilo que o
escravo recebe coino salário não é de fato o que o senhor lhe "adianta", mas
apenas a parte do trabalho materializado do escravo, a qual lhe reflui na for-
ma de meios de subsistência. O mesmo se dá com o capitalista. Ele só
"adianta" na aparência. O que adianta ao trabalhador como salário ou me·
lhor paga, uma vez que só paga o trabalho depois de executado, é parte do
produto produzido pelo trabalhador e já convertído em dinheiro. Do produ-
to do trabalhador, parte de que o capitalista se apropria, confiscando-a
antes, reflui para o trabalhador na fonna de salário, como adiantamento do
novo produto, se assim se quer.
Não é digno de MHI (o que assenta bem a MacCulloch, Say ou Bastiat)
ater-se a essa aparência da transação para explicar a própria transação, O
capitalista nada tem para adiantar ao trabalhador a não ser o que dele tomou
antes, o que lhe foi adiantado pelo trabalho alheio. O próprio Malthus diz
que o adiantamento realizado pelo capitalista não consiste "em pano" e "em

1147
outras mercadorias'', mas "em trabalho'>4°, justamente naquilo que ele não
faz. Adianta ao trabalhador o próprio trabalho do trabalhador.
Todo o circunlóquio de Mill, entretanto, de nada lhe serve, pois não
lhe pennite esquivar-se da solução do problema: como a troca entre trabalho
acumulado e trabalho imediato (assim Ricardo e depois dele Mill etc. enten-
dem o processo de troca entre capital e trabalho) corresponde à lei do valQr,
com a qual está em contradição direta? Que Mill não chega a nenhum resul-
tado fica eVÍdente nas seguintes passagens:

"Em que propoFÇão se repartem os produtos entre trabalhador e capitalis•


ta, ou que proporção regula a taxa da salário?',. (p. 34, ed. Parisot.) "O
rateio das cotas entre trabalhador e capitalista é objeto de Tegateio entre
eles. Todo comércio livre é regulado pela .concouência, e as condições
mudam segundo varia a situ11Ç4'0 da oferta e da procwa" (t.c., pp. 34,
35).

Paga-se ao trabalhador sua "cota" no produto. S o que se disse a fim


de o transfonnar perante o capital num vendedor comum de mercadoria
(produto) e para extinguir a especificidade da relação, A cota que possui no
produto é seu produto, portanto a patte do produto na qual se corporificou
o seu trabalho, o novo trabalho adicionado. Mas é o que nã'o ocor;re. Agora.
ao contrário, perguntamos: qual é sua "cota" no produto, isto é, qual é seu
produto? Pois o produto parcial que lhe pertence é sem dúvidá seu produto,
que ele vende. Agora dizem que seu produto e seu produto são duas cÓísas
o
totalmente diversas. Temos primeiro de determinar que é seu ·produto
(isto é, sua cota no produto, portant:O, o produto parcial que lhe pertence).
Ora pois, seu produto era mero verbalismo, urna vez que'a magnitude do
valor que recebe do capitalista não é determinada por sua própria produção.
Mill portanto conseguiu apenas deslocar um pouco a dificuldade. Assim está
agora na mesma situ~ão inicial.
Há aí um qüiproquó. Consideremos a troca entre capital e trabalho
uma atividade contínua como ela é, se não se fixa, se não se isola um ato sin-
gulai: ou mornento41 da produçã'o capitalista; nessa troca recebe o trabalha·
· dor, do valor de seu produto, a parte que repôs acrescida da porção de _valor
que deu grátis ao capitalista. Isso se repete sempre. Assim, de contínuo recebe

40. Malthus, The Meanue of value stll.ted IZlld illustrt~ted. Londtés,.1823, pp.
17e18. ·
41. Ver nota 39, p.1143.

1148
na realidade parte do valor do próprio produto, parte ou cota do valor que
criou. A magnitude de seu salário não é determinada por sua cota do pro·
duto, mas ao contrário sua cota do produto é determinada pela magnitude
de seu salário. Recebe de fato uma cota do valor do produto. Mas a cota
que recebe é determinada pelo valor do trabalho; e ná'.o o contrário, o valor
do trabalho pela cota no produto. O valor do trabalho é fixado, isto é, o
tempo de trabalho de que precisa para reproduzir a sfmesmo; é fixado pela
venda de sua força de trabalho ao capitalista. Com isso também se fixa de
fato sua cota do produto. E não ao contrário, fixando-se primeiro sua cota
do produtl,l e por meio dela o nível ou o valor de seu salário. Esta é uma
das mais importantes e mais ressaltadas proposições de Ricardo, porque
do contrário o preço do trabalho estaria determinado pelo preço da merca-
doria que o trabalho produziu, enquanto, segundo Ricardo, o preço do
trabalho determina apenas a taxa de lucro.
E como é que Mill estabelece a "cota" que o trabalhador obtém do
produto? Por meio da oferta e da procura, da concorrência entre traba-
lhadores e capitalistas. A todas as mercadorias aplicam-se as afirmações
de Mill: ·

"O rateio das cotas" (leia: do valor da mercad1ui.a) "entre trabalhador


e capitalista" (vendedor e comprador) "é objeto de regateio entre eles.
Todo comércio livre é regulado pela conconência, e as condições mudam
segundo varia a situação da oferta e da procura" (1.c,, pp. 34, 35),

Eis aí o nó da questlio. Ricardiano zeloso, Mm demonstra que oferta


e procura podem por certo determinar as oscilaÇÕes do preço de mercado
acima ou abaixo do valor da mercadoria, mas rufo o valor mesmo, e que
ambas são palavras vazias quando empregadas para determinar o valor,
uma vez que a própria determinação delas pressupõe a determinação do
valor. Agora, ao .revés, para determinar o valor do trabalho, o valor de uma
mercadoria - o que Say já censura em Ricardo -. recorre à fixação dele
pela oferta e procura.
E mais.
Mill ngo diz - o que aqui não importa à questão - qual das duas
partes representa a oferta, e qual a procura. Todavia, uma vez que o capi·
talista oferece o dinheiro, e o trabalhador algo em troca do dinheúo, vamos
supor a procura do lado do capitalista e a oferta do Jado do trabalhador.
Mas que. "vende" então o trabalhador? Que é que oferece? Sua "cota"
do produto que não existe? Mas é mister primeiro que sua cota do produto

1149
futuro seja detenninada pela concorrência entre ele e o capitalísta, pela
relaç!o entre a "oferta e procura". Um lado da relação, a oferta, não pode
consísfü em alguma coisa que seja ela mesma o resultado da luta entre a
oferta e a procura. Assim, que põe à venda o trabalhador? Seu trabalho?
Mas entã'o recai"Mill na dificuldade inicial que queria elidir, na troca entre
trabalho acumu"/ado e trabalho imediato. E quando diz que não se trocam
aí equivalentes, ou que o valor da mercadoria vendida, do trabalho, não
é medido pelo próprio "tempo de trabalho" e sim pela concorrência, pela
oferta e procura, está admitindo que se desmorona a teoria de Ricardo,
que seus adversários têm razão, que é falsa a detenninação do valor da
mercadoria pelo tempo de trabalho, porque o valor da mercadoria mais
importante, o próprio trabalho, contradiz essa lei do valor das mercadorias.
~ o que diz diretamente Wakefield, conforme veremos adiante.
Mill pode usar os recursos que quiser. Não consegue fugir ao dilema.
Na mefuor hipótese, para utilizar seu próprio modo de exprimir-se, a con-
corrência entre os traballiadores leva-os a oferecerem determinada quant;.
daàe de trabalho por um preço que, segundo a relação entre a oferta e a
procura, é igual a· segmento maior ou menor do produto que produzirã'o
com essa quantidade de traballio. Mas a circunstância de esse preço, essa
soma em dinheiro que assim recebem ser igual a segmento maior ou menor
do valor do produto a criar em nada impede de antemão q'Qe determinada
qwzntidaàe de trabalho vivo (trabalho imediato) se troque por quantidade
maior ou menor de dinheiro (trabalho acumulado, existente aqemaís na
forma de valor de troca). Nada impede que quantidades desiguais de traba-
lho se troquem uma pela outra, menos trabalho aCUf!1u1ado por ma.is
trabalho imediato. Esse era mesmo o fenômeno que Mill tinha de esclarecer
e procuJOU afastar com explicações que não ferissem a lei do valor. O fenô·
meno de maneira nenhuma se altera e menos ainda se explica por se
conf;gurar na proporção do valor pago ao trabalhador com o valor do
· produto que ele criou, a relaça-o em que troca seu traballio imediato por
dinheiro. Com isso apenas aparece noutra forma a troca desigual na origem
entre capita\ e traballio. .
O embaraço de Mill com a troca direta entre trabalho e capital - que
Ricardo ainda toma como ponto de partida, com todo desembaraço - pa-
tenteia ·se também na seqüência de sua exposição. Assim diz ele:

"Admitamo$ certo número de capitalistas e certo número de trabalha·


dores. Seja de algum modo frxada a proporção em que repartem o produto.
Se o número de trabalhadores aumenta, sem aumentar a quantidade de

1150
capitais, a parte acrescida dos tmbalhadores tem de procurar expelir a
parte originalmente empregada. O que só pode ronsegu.ir oferecendo-se
para trabalhOF por retribulç6ó menor. A taxa de salário tem de caiJ: •• .''
(no caso contnírio temos o inverso)..• "Se nã:o varia a relação entre a
quantidade de capitais e a da popu!açio. a taxa de salálio fica a mesma"'
(l .c., pp. 35 e segS. passim).

O que cabia detenninar era "a proporção em que" (capitalistas e tra-


balhadores) "repartem o produto". Para fixá-la por meio da concorrência
supõe Mill que essa proporção "seja de algum modo rixada". Para detenni·
nar a "cota" do trabalhador pela concorrêncía supõe que ela, antes da
concorrência, é "de algum modo" fixada. E mais. Para mostrar como a
concorrência altera a repartíçã'o de algum modo detenninada do produto,
supõe que trabalhadores se "oferecem para trabalhar por retribuiçilo menor"
quando seu número aumenta com mais rapidez que a quantidade de capitais.
Aí diz francamente que a oferta dos trabalhadores consiste em "trabalho"
e que eles oferecem esse trabalho contra "retribuiçã'o", isto é, por dinheiro,
determinada soma de "trabalho acumulado". Para evitar a troca direta entre
trabalhei e capital, a venda direta de trabalho, recorre à teoria da "repartição
do produto". E para explicar a proporçã'o da repartição do produto, pressu·
põe a venda direta do trabalho por dinheiro; assim essa troca original entre
capital e trabalho se exprime depois na proporção da cota do traballiador
com seu produto, e de modo nenhum sua cota do produto dejennina aquela
troca original. E por fnn, se o número dos trabalhadores e a quantidade
dos capitais não se alteram, a "taxa de salário" fica a mesma. Mas qual é
a taxa de salário quando oferta e procura são concordantes? É o que é
mister esclarecer. Não -se explica pela circunstância de essa taxa se alterar
quando se rompe aquele equiltbrio entre oferta e procura. Os torcicolos
tautológicos de Mill só provam que ele sente que há aí na teoria ricardiana
uma dificuldade que s6 pode dominar abandonando a teoria.

***
Contra .Malthus, To"ens etc. Contra a detemúnaçã'o do valor das
mercadorias pelo valor do capital observa Mill com acerto:

"Capital é igual a mercadorias. Ent:io, o valor das mercadorias, se depen-


de do valor do capital, depende do valor das mercadorias. O valor das
mercadorias depende de si mesmo" (Elements etc., Londres, 1821,
p. 74).

11 SI
( Mill não dissimula a oposição entre capital e trabalho. É necessário.
que a taxa de lucro seja grande para ser importante a classe social isenta do
trabalho imediato; por isso, o salário tem de ser relativamente pequeno.
É necessário que a massa dos trabalhadores não seja senhora de seu tempo
e seja escrava de suas necessidades, a fim de que as capacidades humanas
(sociais) possam desenvolver-se livremente em classes às quais a classe
trabalhadora serve apenas de base. Esta classe representa a inexistência de
desenvolvimento para que as outras classes representem o desenvolvimento
humano. Eis aí a contradição real em que se desenvolve a. sociedade bur-
guesa e até hoje se tem desenvolvido toda sociedade, e que se considera
lei necessária, isto é, vê-se no existente o racional absoluto.

"A perfectibilidade huma111l, ou o poder de elevar-se de contínuo de um


degrau da ciência e da felicidade para outro, parece depender, em grande
parte, de uma classe de homens que são senhores de seu tempo, isto é,
que são bastante ricos para ficarem isentos dé toda preocupação quanto
aos meios de viver num certo nível de fruição. Essa classe de seres
humanos cultiva e amplia o conhecimento, difunde-o; seus filhos reee-
bem a melhor educação e estão preparados para todas as funções mais
altas e delicadas da sociedade; tornam-se legisladores, juízes, administra-
dores, professores, invent~res em todas as artes e superintendentes de
todas as obras mais importantes por meio das quais se estende o domínio
da espécie humana sobre as forças da natureza" (ed. Parisot, Paris, 1823,
p. 65). "~ evidente que a remuneração do capital tem de ser grande a
fim de que proporção considerável da sociedade esteja em ·Condições de
fruir as vantagens do ócio" (1. e., p. 67).) ·

* * *
Outros aspectos além dos já considerados.
Mill como ricardiano distingue trabalho e capital simplesmente como
formas diferentes de trabalho.

"Trabalho e capital - um, trabalho imediato, ... o outro, trabalho acu-


mulado" (1 (!. ed. inglesa, Londres, 1821, p. 75).

Diz noutra passagem:

· "No tocante a essas duas espécies de trabalho observar: nem sempre


são pagas de acordo com a mesma taxa" (ed. Parisot, p. 100).

Atinge aí o ponto essencial. Uma vez que é sempre o trabalho acumu-


lado, o capital, que paga o trabalho imediato, a circunstância de não serem
pagos de acordo com a mesma taxa significa apenas que mais trabalho

1152
imediato se troca por menos trabalho acumulado e que isso ocorre "sempre",
pois do contrário o trabalho acumulado não se trocaria como "capital"
por trabalho imediato e, além de não dar o juro bem alto desejado por Mill,
não proporcionaria juro algum. Assim, uma vez que Mill, como Ricardo,
considera a troca entre capital e trabalho troca díreta entre trabalho acumu-
lado e imediato, admite-se aí que estes se trocam em proporções desiguais
e que no tocante aos dois se esboroa a lei do valor, a troca entre quantidades
iguais de trabalho.

c) Mill não compreende o papel regulador do lucro industrial

Mill ressalta como lei fundamental a suposição feita por Ricardo para
expor súa teoria da renda (rent). 42

"Todos os outros lucros têm de nivelar-se à taxa de lucro agríeola"


(2!1- ed., Londres, 1824, p. 78).

Isso é um erro fundamental, por começar a produção capitalista na


indústria e não na agricultura e só aos poucos se apoderar desta, de modo
que só com o progresso da produção capitalista o lucro agrícola se nivela
ao industrial e só em virtude desse nivelamento é este lucro influenciado
por aquele. Primeiro, portanto, erro histórico. Mas, segundo, uma vez que
exista tal nivelamento - isto é, supondo-se a agricultura em nível desenvol-
vido e· que o capital vai na indústria para a agricultura e vice- versa conforme
a taxa de lucro -, também é falso que daí em diante os lucros agrícolas
sejam os reguladores, em vez de haver a influência recíproca. Aliás, para
explicar a renda (rent), Ricardo admite o contrário. Sobe o preço do trigo;
por ísso caem os lucros não na agricultura (desde que não haja nova entrada
de terras piores ou de doses adicionais, menos produtivas, de capital) - pois,

42. Ver volume 2, pp. 901 e 902.

1153
para o arrendatário, o benefício da alta do preço do trigo é maior do que o.
custo da alta do salário, oriunda da alta do preço do trigo -, mas na indús-
tria, onde n!l.'o se dá tal compensaçã"o equivalente ou em excesso. Com isso
cai a taxa de lucro industrial e em conseqüência pode o capital que propor-
ciona essa taxa de lucro mais baixa ser empregado em terras piores. Isso
não ocorreria com a taxa anterior de lucro. E só por repercutir essa queda
do lucro industrial sobre o agrícola referente às piores terras é que cai o
lucro agrícola em geral, e uma parte dele nas terras melhores desprende-se
do lucro na fonna de renda. Este é o processo apresentado por Ricardo;
nele, portanto, o lucro industrial regula o agrícola.
Nessas circunstâncias, se o lucro agrícola subisse em virtude de melho-
ramentos na agricultura, subiria também o lucro industrial. Mas isso de
maneira nenhum excluí que, assim como o decréscimo do lucro industrial
originalmente determina o decréscimo do lucro agrícola, uma elevação dele
acarrete alta do lucro agrícola. E isso ocorre sempre que o lucro industrial
suba sem depender do preço do trigo e de outros meios de subsistência
agrícolas que entram no salário dos trabalhadores, em virtude portanto
da queda do .valor das mercadoriás que formam o capital conitante etc.
Há antes impossibilidade absoluta de explicar a renda (rent)J se o_ lucro
industrial não regular o agrícola. A taxa média de lucro se ·estabelece na
indústria pelo nivelamento dos lucros dos capitais e pela resultante conver-
s~o dos valores em preços de custo. Esses preços de custo .-·o valor do
capital adiantado + lucro médio constituem a precon4ição qÚe a agri-
cultura recebe da indústria, uma vez que na agricultura, por causa da pro-
priedade da terra, não pode ocorrer aquele rúvelamentó. Se o valor do
produto agrícola é maior do que seria o preço de custo, determinado pelo
lucro industrial médio, o excedente desse valor sobre o preço de custo
forma a renda absoluta. A fim de se poder medir esse excedente do valor
sobre o preço de custo, o preço de custo tem de ser o primordial, isto é,
a indústria tem de impô-lo como lei à agricultura.

***
Trecho a registrar de Mill:

"O que se consome produtil'amente é sempre capital. ~ uma propriedade


do consumo produtivo digna de observação. O que é consumido produti-
vamente é capital e vem 1u·er capital pelo conwmo" (ed. Parisot, 1.c.,
pp. 241, 242). .

1154
b
d) Procura, oferta. superprodução

"Procura designa a vontade e os meios de comprw... O equivalente"


(meios de comprar) "de que uma pessoa é portadora é o instrumento
da procura. A dimensâ'o de sua procura mede-se pelo valor desse equiva-
lente. A procura e o equivalente são termos que'[eciprocamente se podem
substituir•.. A vontade" (de uma pessoa} "de compr'1r e os meios de
fazê-lo slo portanto iguais, ou a procura" (de uma pessoa) "é exatamente
igual ao montante que produziu e que não quer consumir" (ed. Parisot,
1.c., pp. 252, 253).

Vemos aí como se demonstra a identidade irÍlediata entre a oferta e


a procura (e daí a ímpossibilidade de uma superabundância geral). A procura
consiste no produto, e precisamente a dimensão dessa procura é medida
pelo valor desse produto. A mesma '•demonstração" abstrata com que Mil!
assegura que compra e venda não sã'o diferentes e sim idênticas; as mesmas
frases ·tautológicas com que prova que os preços dependem da quantidade
de dinh'eíro circulante; o mesmo método de provar que oferta e procura
(formas apenas mais desenvolvidas de comprador e vendedor) têm de
coincidir. ~ sempre a mesma lógica. Uma relação, se encerra antinomias,
além de ser urna contradição, ê unidade de elementos contrários. l! por
isso unidade sem contradição. Esta é a lógica de Mill. para eliminar' as
"contradições".
Partamos, primeíro, da oferta. O que ofereço é mercadoria, unidade
de valor de uso e valor de troca, por exemplo, determinada quantidade
de ferro = 3 libras = detenninada quantidade de tempo de trabalho. Sou
fabricante de ferro de acordo com essa suposição. Forneço um valor de
uso, ferro, e forneço um valor, isto é, o valor expresso no preço do ferro,
nas 3 libras. Só existe esta pequena diferença. Detenninada quantidade
de ferro é por mírn lançada realmente no mercado. Ao revés, o valor do
ferro só existe em seu preço, que primeiro tem de ser realizado pelo com-
prador do ferro, o qual para mim representa a procura de ferro. A procura
do vendedor de ferro consiste na procura do valor de troca do ferro, o
qual, embora se encerre no ferro, não está convertido em dinheiro. ~
possível que o mesmo valor de troca se conf'JgUre em quantidades bem
diferentes de ferro. A oferta de valor de uso e a oferta de valor a realizar
portanto nã'o sã'o de modo nenhum idênticas. uma vez que quantidades
bem diversas de valor de uso podem representar a mesma quantidade de
valor de troca.

1155
O mesmo valor de 3 libras pode configurar-se em 1,3 ou lO toneladas..
A quantidade de ferro (valor de uso) e a quantidade de valor que forneço
não estão em nenhuma proporç:r"o recíproca, pois a segunda pode permane-
cer invariável, por mais que a primeira varie. Não ímporta a quantidade
de ferro que forneço, quero sempre, de acordo com a suposição, realizar
o valor dele, independente da sua própria quantidade, de sua existência
de valor de uso em geral. O valor fornecido (mas ainda n:ro realizado) nlio
guarda proporçlio com a quantidade fornecida de ferro. Assim, não há
a menor razão para se supor que a possibilidade de vender uma mercadoria
por seu valor guarde alguma relaçã'o com o volume da mercadoria por mím
fornecida. Para o comprador minha mercadoria existe antes de mais nada
como valor de uso. Compra-a como tal Ele precjsa é de determinada quan-
tidade de ferro. Sua necessidade de ferro nlio é determinada pela quantidade
por mim produzida, corno o valor do meu próprio ferro não guarda corres.
pondência com em quantidade.
Sem dúvida, quem compra tem nas mã:os a imagem trammutada de
uma mercadoria, dinheiro - a mercadoria na figura do valor de troca, e
só pode aparecer como comprador porque antes aparece ou .outros apare-
ceram como vendedores de mercadoria que agora existe na forma de
dinheiro. Mas isso n:ro constituí de modo algum motivo para que seu
dinheiro se reconverta em minha mercadoria ou para que sU:a .necessidade
de minha mercadoria seja determinada pe1a quantidade em que a produzi
Seja qual for sua procura de minha mercadoria, pode··exigír quantidade
menor que a que ofereço, ou a quantidade toda, mas abaixo de seu valor.
Sua procura na-o precisa corresponder à minha oferta, do mesmo modo
que na:o são idênticos a quantidade que ofereço e o valor a que a ofereço.
Todavia não cabe aqui o exame completo da oferta e procura.
Quando forneço ferro, não procuro ferro e sim dinheíro: forneço
um valor de ·uso particular e procuro o valor dele. Minha oferta e minha
procura diferem portanto como valor de uso e valor de troca. Desde que
forneço um valor no próprio ferro, procuro a realização desse valor. Minha
oferta e minha procura diferem tanto quanto o ideal e o real. Além disso,
a quantidade que forneço e seu valor não guardam uma relaçã'o entre si. A
procura da quantidade de valor de uso que ofereço não se regula pelo
valor que quero realizar, mas pela quantidade que o comprador precisa a
dado preço.

1156
Outras afirmações de Mill;

..~ claro que todo ser humano traz para o volume global dos produtos
que constituem a oferta tudo aquilo que produz.iu e não quer consumir.
Seja qual for a forma em que pute do produt.o anual tenha chegado às
mãos de um se.r hUmano, este, se se propõe ele mesmo nada consumiI
dela, quer desf:tter·se totalmente dela, e por. isro toda essa parte vai
acrescer a oferta. Se consumir um segmento dela, quer desfaze:Me do
resto, e todo esse resto entra na oferta" (I.c.,-p. 253).

Noutras palavras, isso significa apenas que todas as mercadorias


lançadas no mercado constituem a oferta.

"Pois a procura de todo ser humano é igual àquela parte do produto


anual, ou seja, à parte da 1iqueu da qual quer desfazer-se"

(essa nã'o ! Sua procura é igual ao valor (desde que se realize) da porçã'o
de produtos da qual quer desfazer-se~ quer desfazer-se de determinada
quantidade de. valor de mo, e o que quer obter é o valor desse valor de
uso. As duas coisas nã"o sã'o em absoluto idênticas), "e a oferta de todo
ser humano é exatamente a mesma coisa" (de modo nenhum; sua procura
nro consiste naquilo de que se desfazer, isto é, no produto, mas na procura
do valor desse produto, e sua oferta, ao contrário, consiste de fato no pro·
duto, enquanto o valor dele só é fornecido idealmente),

"oferta e procura de todo indivíduo são necessariamente iguais" (1.c.,


pp. 2s3. zs4).

Quer dizer que sã'o iguais o valor da mercadoria por ele fornecida
e o valor que por ela exige e que nã'o tem; quando vende a mercadoria
pelo valor, s.io iguais o valor fornecido (na forma de mercadoria) e o valor
recebido (na forma de dínheiro), Mas da circunstância de querer vender
a mercadoria pelo valor nâ"o se segue que isso ocorra. A quantidade ·de
mercadoria constituí sua oferta, encontra-se no mercado. Ele procura o
valor dela.)

"Oferta e procura têm entre si uma relação peculiar. Toda mercadoria


oferecida sempre é ao mesmo tempo instrumento de uma procura, e uma
mercadoria que é o instrumento de procura sempre constitui ao mesmo
tempo parte do volume genl de produtos que fonnam a oferta. Toda
mercadoria é sempre objeto ao mesmo tempo de procura e de oferta.
Quando dois seres humanos efetuam uma troca, um nio representa

1157
apenas uma oferta, e o outro apenas uma procura; (cada um deles repre-
senta duas coisas: oferta e procura43 ); sua oferta é o instrumento de·
sua procu1a, e em c-0nseqüência são por completo iguais rua oferta e
procura. Mas, se a of1;1rta e procura de cada indivíduo são sempre iguais,
também o serão a oferta e a procura de todos os indivíduos de uma
nação, tomados em c.onjunto. Por isso, por mais alto que seja o mon-
tante do produto anual, nunca pode ultrapassar o montante da pro-
cura anual. A totalidade do produto anual se reparte num número de
cotas = número de indivíduos por que se reparte o produto. A tota-
lidade da procura <= segmento da totalidade das cotas, oro reservado
pelos possuidores delas pa:ra o próprio consumo; mas a totalidade das
cotas = totalidade do produto anual" (1. e., pp. 254, 255).

* * *
Uma vez que Mill supõe que são iguaís a oferta e a procura de cada
índivíduo, é perfeitamente supérflua toda a engenhosa prolíxidade para
demonstrar que são iguais a oferta e a procura de todos os indivíduos.

* * *
Como os contemporâneos 1ricardianos viam Mill percebe-se, por
exemplo, no seguinte:

"Temos aí portanto um caso pelo menos" (isto é,'no toca_nte à definição


de Mill do valor do trabalho) "onde o preço (o preço' do trabalho) é
regulado de maneira permanente pela relaç:io entre ofertá' e procura"
(Discours su l'écon. polit., de McCulloçh, tradução de Gme Prévost,
Genebra, 1 B25, no apêndíce de Prévost, Réflexions sur Je ·systeme de
Ricardo, p. 187).

McCulloch, no citado Discours, diz que Mill tem por objetivo:

"proporcionar uma dedução lógica rigurosa dos prindpíos da economia


política» (p. &&). Míll "eumina quase todos os temas em debate. Escla-
rece e simplifica as questões mais complicadas e mais difíceis, e coloca
os diversos princípios da ciência em sua ordem natural" (1. e.).

De sua lógica pode-'se inferír que ele, em geral, conserva a estrutura


ricardiana de todo ilógica - matéria que analisamos antes44 - , ingenua-
mente, como se fosse no conjunto a "ordem natural".

43. A frase entre parênteses foi omitida por Marx.


44. Ver vol. 2, pp. 597-602.

1158
e) Prévost. Rejeição de algumas conclusões de Ricardo e James
Mill. Tentativas de provar que não é inevitável redução
constante do lucro.

No tocante ao citado Prévost, que em suas Réflexíons etc. toma


por base a exposição de Mill sobre o sistema ricardiano, algumas de suas
objeções estribam-se em mera e elementar incompreensã'o de Ricardo.
Mas sobre renda fundiária cabe registrar o seguinte;

"Podê-se levantar dúvida sobre a influência "das tenas irúeriores na deter-


minaça:o dos preços, quando se leva em conta, como é devido, sua exten-
180 relativa" (Prévost, l.c., p. 177).

Prévost cita de Mill a passagem seguinte, que é também rele'lante para


minha investigação, pois Mill imagina aí um exemplo em que a renda dife-
rencial -surge em virtude de a nova procura, a procura adicional, ser suprida
por um solo melhor. e não por um pior, isto é, a seqüência ascendente.

"Mill usa esta comparação: 'admitamos que todas as terras cultiVadas


em determinado país sejam da mesma qualidade e proprocionem os
mesmos lucros aos capitaís nelas aplicados, excetuado um único acre
que gera produto seis vezes maior que o obtido em qualquer outro"'
(Mil!, Elements etc., 2ll ed., p. 71). "Como demonstra Mill, é certo
que o anendatário desse último acre niio poderia elevar sua renda fun-
diária"45 (isto é, não poderia obter lucro maior que os outros anenda-
tários; à coisa está terri:vebnente mal expressa), "e que cinco sextos do
produto fluiriam para o dono da tena."

(Aí portanto renda diferencial, sem redução da taxa de lucro e sem


alta do preço do produto agrícola.) (Isso, tem de acontecer com maior
freqüência por ter a localização de melliorar de maneira constante com o
desenvolvimento industrial de um país, com os meios de transporte, seja
qual for a fertilidade natural, e a localização relativamente melhor atua
como fertilidade natural maior.)

45. Segundo a errata apenas ao livro de Mcô.llloch, Discours sur /'origine, le!
propéa, les objets particulie.rs, et l'imporlance de l'économie politique, trad. de G.
Prévost, essa passagem deve ser lida assim: " ... o arrendatâ:rio desse último acre não
poderia deixar de pagar a renda fundiária ... "

1159
"Mas, se o engenhoso autor tivesse feito uma suposição semelhante do.
caso opo$l:o, teria visto que o resultado seria diferente. Admitamos que
todas as terras sejam de igual qualidade, excetuado um acre de solo
inferior. Seja o lucro do capital nesse único acre a sexta parte do lucro
obtido em qualquer oütro acre. P.. admissível que o lucro de vários
milhões de acres se reduza à sexta parte de seu lucro usual? P.. provável
que esse único acre não tenha influência alguma porque os vários produ-
tos (em especial o trigo), 110 chegarem no mercado, não s:ã"o sen&ivebnente
atingidos pela. concorrência de quantidade tão ínfima. Por isso dizemos
que a asserção dos ricardianos sobre o efeito das terras inferiores deve
ser modificada considerando-se a extenslfo relati11a das terras de fertili·
dade diferente" (Prévost, l.c., pp. 177, 178).

** *
(Say em suas notas ao lívro de Ricardo na traduçã'o 4e Constancio só
apresenta urna observaçã'o correta sobre o comércio exterior. 46 Pode-se
também obter lucro por meio de fraude, e um ganha o que o outro perde.
Dentro de um país perda e ganho se compensam. Mas n!iO entre países
diferentes. E me~o a teoria de Ricardo considera - o que Say não observa
- que 3 jornadas de trabalho de uo;i país podem trocar-se por uma de outro.
A lei do valor experimenta aí modificação substancial. Ou seja, as jornadas
de trabalho de países diferentes podem estar entre si numaraião semelhan-
te à existente dentro de um país entre o trabalho qualífic~do, complexo e
o não qualíficado\ simples. Nesse caso, o país mais rico explora o mais
pobre, mesmo quando este ganha por meio da troca, con:fonne expôs J. St.
Mill em ·Some Unsettled Questions etc. 41 ).

** *
"Reconhecemos que em geral a taxa de lucro agrícola determina a do
lucxo industrial. Mas ao mesmo tempos temos de observar que este reage
necessariamente sobre aquele. Quando o preço do trigo se eleva a certo
ponto, os capitais industriais se encaminham .Para a agricultura e rebai·
xarn necessari1lITlente os lucros agrícolas" (Prévost, L e., p. 1 79).

46. Marx alude à nota de Say no cap. VlI ("Do comércio exterior'') do livro de
Dm.id Ricudo On the principia of politicaJ economy, and taratfon, traduzido por
F. S. C.Onstancio para o francês, nota em que Say apresenta como exemplo o fato de o
açúcar ímpo.rtadc das Antilhas ficar mais baratc na França que o nela produzido.
47. John Stuart Mill, Essays on some unmtled questions ofPolitical econom;v,
Londres, 1844, pp. 2 e 3.

1160
Correta a objeç!ro levantada mas numa fonnulaça:o por demais aca-
nhada. Ver acima. 48
Os ricardianos sustentam que o lucro siJ pode cair por crescer o salário
ao subir, com o crescimento da populaç!io, o preço dos meios de subsistên·
eia, o que decorre da acumulação de capital, por se cultivarem terras piores
com essa acumulação. Mas o próprio Ricardo admite que os lucros também
podem cair quando os capitais crescem com mais rapidez que a populaç:ro;
a concorrência dos capitais entre si faz portanto subir o salário. Isso é
smithiano. Prévost diz:

"Se a procura crescente dos capitais faz subir o preço dos trabalhadores,
isto é, o sal.árío, não parece desarrazoado afimuu: que a oferta crescente
desses mesmos capitais não pode fuer baixar o preço dos capitais, nou-
tras palavras, o lucro?" (1. e., p. 188)

A falsa base ricardíana só pode explicar a baixa de lucro pelo decrés-


cimo da mais-valia, portanto, do trabalho excedente, isto é, pelo valor maior
ou encarecimento dos meios de subsistência consumidos pelo trabalhador,
em conseqüência, pela alta do valor do trabalho, embora a retribuíçió do
trabalhador, em vez de ascender, decline, e Prévo:st procura sobre essa
base demonstrar que não é inevitável decréscimo contínuo do lucro.
Primeiro diz ele:

"A situação próspem começa elevando os 1uc1Qs"

(a saber, os lucro~ agrícolas; com a sítuaçlfo próspera cresce a populaçlio,


em conseqüência, a p·rocura de produtos agrícolas, e daí o lucro suplementar
do arrendatário),

"e bem antes que se cultivem novas terras. Desse modo, quando estas
exercem influência· sobre a renda fundi.ária, que 1eduz os lu c.ros, esteo;.
embora de imediato reduzido$, ficam tio elevados quanto o eram antes
da ascensão... Por que numa época qualquer passam a ser cultivadas
ten:as de qualidade inferior? Isso. só pode ocorrer por se espe.rar um
lucro pero menos igual ao lu.cro corrente. E que circunstância pode gerar
essa taxa de lucro em tais terras? O acréscimo da população. Pressionan-
do ... os limites dos meios de subsistêncfa, esse acréscimo fu 'subir o preço
dos alimentos (do trigo em particular) e desse modo proporciona aos
capitais agrícolas altos lucros. Os outros capitais afluem pata as terras;
m-as, IJIJlll vez que estas têm uma extensão limitada, essa concon:ência

48. Ver pp. 1153 e 1154 neste volume.

1161
encontra sua barreira; e chega·se a um ponto onde ainda se ootém lucro.
maior que no comércio ou nus ma.nu.futuros, cultivando-se terras .ínferio·
res. Se as terras inferiores estão disponíveis em extensão suficiente, daí
em diante os lucros àgrícolas têm de se regular pelos capitais por último
aplicados nas terras. Se partirmos da taxa de lucro existente no início
da ascensão (com a divislío do tu'cro em lucro e renda fundíária), veremos
que o lucro não tende a diminuir. Sobe com a população crescente, até
que o lucro agrícola tenha aumentado tanto que possa experimentar
(com novas culturas) uma redução considerável, sem jantais cair abaixo
da taxa primitíva ou, em palavras mais precisas, abaixo da taxa média,
determinada por diversas circunstâncias" (pp. 190 a 192).

É evidente que Prévost interpreta mal o ponto de vista ricardíano.


Em virtude da prosperidade aumenta a população, em .conseqüência o
preço dos produtos agrícolas, e portanto os lucros agrícolas. (Embora
não se compreenda, se esse aumento é constante, porque, após expirar
o arrendamento, as rendas fundiárias n!o seriam elevadas e esses lucros
suplementares agrícolas nfo seriam percebidos na forma de renda fundiária.
mesmo antes de cultivadas as terr;ts inferiores.) Mas a mesma alta do pro-
duto agrícola que faz subir os lucros agrícolas eleva o salário em todas as
indústrias, e por isso faz. cair os lucros industriais. Forma-sé assinÍ uma
nova taxa de lucro na indústria. Se então as terras ínferior:es, ao existente
preço de mercado, pagam apenas essa taxa de lucro mais baixa, podem
aplicar-se capitais nas terras ínferiores. São para aí atraídos pélos altos
lucros agrícolas e pelo alto preço de mercado do trigo. Os capitais, antés
de terem transmigrado em quantidade suficiente, ainda 'podem, como diz
Prévost, dar lucros mais altos que o lucro industrial rebaixado. Mas, logo
que suficiente a oferta adicional, cai o preço de mercado, de modo que
este para as· terras inferiores só proporciona o lucro industrial ordinário.
O que o produto proporciona a mais nas melhores terras converte-se em
renda fundiária. Esta é a concepção ricardiana, cujo fundamento Prévost
aceita e utiliza para raciocinar. O trigo está mais carÓ que antes da elevaçjfo
do lucro agrícola. Mas o lucro suplementar que proporcionava ao arrenda-
tário converte-se em renda fundiária. Desse modo, portanto, cai o lucro
dos terrenos melhores à taxa mais baixa do lucro industrial, surgida em
vírtude da alta dos produtos agrícolas. Não se concebe como não tenham
os lucros, por isso. de cair - excluídas outras circunstâncias modificadoras
- abaixo de sua "taxa primitiva". Podem naturalmente ocorrer outras
circunstâncias. Seja como for, o lucro agrícola, de acordo com o pressu·
posto, mantém-se mais elevado que o industrial depois da alta dos meios de

1162
subsistência. Mas, se a parte dos meios de subsístência do trabalhador
fornecida pela indústria tiver, em virtude do desenvolvimento da produ-
tividade, barateado tanto que o salário (ainda quando pago pelo valor
médio) não suba tanto quanto, sem essas circunstâncias paralisantes, teria
de se elevar em proporçtro com a alta dos produtos agrícolas; se, ademais,
o mesmo desenvolvimento da produtividade tiver reduzido do mesmo modo
o preço dos produtos fornecidos pela indústria extrativa, e também das
matérias-primas agrícolas que nlfo entram na alimentaç!io, não precisarã
cair o lucro industrial (embora a suposição seja pouco provável), embora
se mantenha mais baixo que o lucro agrícola. Uma queda deste por causa
da transferência de capital para a agricultura e da forrnaçã'o de renda fundiá-
ria apenas restabe)eceria a antiga taxa de lucro.
Segundo, Prévost se lança a outro aspecto da quest!io:

"As terras de qualidade inferior. . . só s!o cultívadas quando proporcio-


nam lucros _iguais ou superiores aos dos capitais industriais. Muitas
vezes, nessas circunstãncias, apesar das novas culturas, o preço do trigo
e dos demais produtos agrícolas continua ainda muito alto. Esses altos
preços oprimem a população trabalhadora po1que a alta dos salários não
segue exatamente à dos preços dos bens de consumo dos assalariados.
Constíiuem um gravame, em maior ou menor giau, para a população
inteira, uma vez que a alta dos salários e a do preço dos gênero de pzi·
meíra necessidade atingem quase todas as mercadorias. Esse gravame
universal, em conjunto com a mortalidade que uma população superabun-
dante acarreta, causa decréscimo do número dos trabalhadores asmlaria-
dos e, em eonseqüência, alta dos salários e baíxa do lucro ag;ríco.l.a. Daí
em díante as operações ocorrem em sentido .inverso ao anterior. Os
capitai$ se retiram das tenas inferiores e voltam para a indústria. Mas
o princípio da população logo atuará de novo; assim que tiver cessado
a miséria, aumentará o número dos trabalhadores, diminuirá seu salário
e portanto crescerão os lucros. Deve ocorrer uma seqüência de tais
oscilações sem que varie o lucro médio. O lucro pode por outras causas
subir ou descer, ou por aquela causa mesma; pode alternar varíaçõe.~
opostas sem que se possa atribuir a média de sua alta ou baixa à necessi-
dade de cultivar novas terru. A população é o regulador que restabelece
a ordem natural e mantém o lucro dentro de certos limites" (l .c., pp.
194a 196).

Embora confuso, o enfoque está correto segundo o "principio da


populaçfo". Só que nJo se hannoniza com o pressuposto de subirem os
lucros agrícolas até que se tenha criado a oferta adicional correspondente
ã população. Admitida por esse meio a alta constante do preço do produto
agrícola, não se segue daí o decréscimo da população, mas o declínio geral
da taxa de lucro, por conseguinte, da acumuJaçlfo e, em conseqüência, da

1163
população. De acordo com a tese ricardo-malthusiana a populaçã'o cresceria .
mais lentamente. Mas o que está subjacente em Prévost é o seguiQte: o
processo comprimiria o salário abaixo do nível médio; com essa queda do
salário e a miséria do trabalhador, queda dos preços do trigo e daí nova alta
do lucro.
Esse estudo, entretanto, nâ'o cabe neste trabalho onde se supõe ser
sempre pago o valor do trabalho, o que corresponde aos meios de subsistên-
cia necessários para a reprodução dos trabalhadores.
A argumentação de Prévost é importante porque mostra que o ponto
de vista ricardiano - em conjunto com o malthusíano que adotou - pode
por certo explicar oscilações da taxa do lucro, mas não queda (constante)
dela sem repercussões, pois, em certo nível, a alta dos preços do trigo
e a queda dos lucros rebaixariam o salário, acarretariam redução violenta
da população, em conseqüência dos preços do trigo e dos meiO:i de subsis-
tência, e por isso nova elevaçã'o do lucro.

3. Publicações Polêmicas

O período entre 1820 e 1830 é a época metafisícamente mais impor:


tante da história da economia nacional inglesa. Quehram,se lanças teóricas
a favor e contra a teoria de Ricardo, numa série de trabalhos polêmicos
anônimos; sã'o citados aqui os mais importantes e sobretudo com vistas
apenas aos pontos ligados ao nosso tema. Mas é ao mesmo tempo caracte-
. rístíco daquelas obras polêmicas girarem todas meramente em torno da
determinação do conceito de valor e de sua relaçã'o com o capital.

a) "Observations on certain verbal disputes... "


Ceticismo na Economia Política

Observations on certain verbal disputes in Political Economy, parti·


c:ulary relating to value.and to dema.nd and supp{y, Londres, 1821.

1164
N:ro lhe falta certa agudeza. O título ê significativo: Vetbal Disputes.
Em parte contra Smith, Malthus e também contra Ricardo. ·
O verdadeiro sentido dessa obra está em que

"as discussões. . . deconem apenas do uso du palavras em sentidos dil'e·


rentes por diferentes pessoas; de os debatedores, C-Omo os cavaleiros
da legenda, tecem uma visão diferente do escudó" (pp. 59, 60).

Um ceticismo dessa ordem prenuncia a dissoluç:ro de uma teoria,


precede um ecletismo atordoado e sem escrúpulos, para uso doméstico.
Antes de mais nada, com relaçtro à teoria do valor de Ricardo:

"Há uma óbvia dificuldade em supor que o trabalho é o que imaginamos


quando falamos do val.01 ou do preço real em oposição ao preço nominal;
pois muitas vezes desejamos falar do valor O/J do preço do pláprio ITa·
bolho. Quando por trabalho, romo o preço real de uma ooisa, entende-
. mos o trabalho que produziu a coisa, acresce outra dificuklade; é que
muita$ vezes queremos falar do l'alor ou preço da terra, mas a terra· não
é pwduzída por trabalho. Es&a definiçã'a partanto só se pode aplicar
a mercadorills" (1.c., p. 8).

No tocante a trabalho está correta a objeçfo contra Ricardo quanto


a admítir este que o capital compra de bnediato trabalho, e quanto a falar
portanto diretamente do valor do trabalho, embora se compre e venda o
uso temporário da força de trabalho, ela mesma um produto. Ao invés de
se resolver o problema, acentua-se aí apenas que um problema está sem
soluç[o.
Assim absolutamente certo que "o valor ou preço da terta", que niio
é produto do trabalho, parece contradizer de imediato o conceito de valor
e deste não pode decorrer diretamente. Usada contra Ricardo, essa afinna-
ção deixa de ser significativa, pois o autor não lhe ataca a teoria da renda
fundiária na qual Ricardo expõe justamente como o valor nominal da terra
se forma na base da produção capitalista, sem contradizer a definiçlo do
valor. O valor da terra é ta'o-s6 o preço que se paga pela renda fundiária
capitalizada. É mister supor aí portanto desenvolvimentos de alcance
bem maior que os que se podem inferir à primeira vista da mera observação
da mercadoria e de seu valor; como acontece com o capital fictfcio 49 em
que atua o jogo de bolsa e que é apenas a compra e venda de certo direito

49. Ve1 O Capital, livto 3, vol. 5, ed. DIFEL, pp. 536, 537, 566 e 567.

1165
a cotas da tributação anual, capital que ruro se pode explicar com a simples·
idéia do capital produtivo.
A segunda objeçã"o, a de que Ricardo converte num ente absoluto
o valor que é um ente relativo, tornou-se outra obra polêmica (de Bailey)
surgida mais tarde, o aJvo do ataque contra todo o sistema ricardiano.
Ao citar esta obra aduziremos o que for pertinente em Observations.
Num comentário incidental encontra-se uma afümaç!o acertada sobre
a fonte donde provém o capital que paga o trabalho, sem que o autor
tome consciência -desse acerto (com isso quer antes provar o que diz no
período seguinte que nã'o sublinhei, a saber, que a própría oferta de trabalho
é uma barreira contra a· tendência do trabalho de cair a seu preço natmal}.

"(Uma oferta acrescida de trabalho é uma oferta acrescida daquilo que


se de!ftina a comprar trabalho.) Assim, se dizemos com Ricardo que o
trabalho tende sempre para o que ele chama. de seu preço natural, temos
de nos lembrar apenas que o acréscimo oconido em sua oferta pau
efetuar essa tendência é ele mesmo causa da força atuante em sentido
contraio a qual impede a. tendência de se tornar efetiva" {l.c.,
PP· 72, 73).

Se não partimos do preço médio do trabalho, isto é, ,do valor do


trabalho, nenhuma análise é' possível; e tampouco é viável se não partimos
do valor das mercadorias em geral. Só então é possível entend~r,os fenôme-
nos reais das oscilações de preços. ,
,.
"Não se quer dizer ter ele" (Ricardo) "afirmado que.dois lotes individua-
lizados de dois artigos diferentes, como chapéu e sapatos, se trocam um
pelo outro quando erses doiH lotes individualizados forem produzídos
por quantidades :iguais de trabalho. Por 'mercadoria' deve-se entendel
aqui a 'espüie de mercadoria', não um chapéu isolado, de pel si, um par
de sapatos isolado etc, O trabalho todo que na Inglaterra produz todQs
os chapéus deve ser, para esse fun, considerado repartido po.r tQdos os
chapéus. Isso parece-me não ter sido expresso no início e nas e-xposiç6es
gerais de sua doutrina" (l.c.,pp. 53, 54).
"Ricardo, por exemplo, 'fala de uma porçã'.o do trabalho do construto.r
de máquinas', contida por exemplo num par de meias. Todavia, o 'tra·
balho total' qúe produziu êada par isolado de meias e do qual estamos
falando abrange o trabalho todo desse construtor e não 'uma porção',
pois uma máquina faz muitos pares, e nenhum par podia ter sido feito
com a dispensa de qualquer parte da máquina" (1. e., p. 54).

A última passagem repousa num mal-entendido .. A máquina inteira entra


no processo de trabalho, e só parte dela entra no processo de formação de valor.
Quanto ao resto há algo acertado na observação.

1166

"
Partimos da mercadoria - dessa forma social específica do produto
considerando-a base e precondição da produção capitalista. Tomamos
produtos individualizados e analísamos as determinações de forma que
encerram como mercadoria e os qualificam de mercadoria. Antes da produ-
ç~o capitalista - em modos de produçã'o anteriores ~ grande parte do
produto nã'o entra em circulaçã"o, nã'o se lança ao mercado, nã'o se gera
como mercadoria, não se torna mercadoria. Além disso, grande parte dos
produtos que entram na produção nã'.o é mercadoria e não é corno merca-
doria que entra no processo. A conversão dos produtos em mercadorias
só ocorre em pontos isolados! estende-se apenas à sobra da produção etc.
ou a esferas isoladas da produç!o (produtos da manufatura) etc. Não é
na qualidade de artigos de comércio que a totalidade dos produtos entra
no processo, nem é nessa qualidade que dele sai. Contudo, a transformaçâ'.o
do produto em mercadoria, a circulação de mercadorias e portanto do
dinheiro dentro de limites determinados e daí um comércio desenvolvido
até certo nível constituem precondição, ponto de partida da fonnaç!o de
. capital e da produção capitalista. Tratamos a mercadoria como tal precon·
díção, ·uma vez que partimos dela como o elemento mais simples da produ-
ç!o capitalista. Mas, além disso, o produto, o resultado da produçlío capita-
lista, ê mercadoria. O que se manifesta como seu elemento apresenta-se
depois como seu próprio produto. Só na base dessa produç:ro é que a
mercadoría se toma forma geral do produto, e quanto mais ela se desen-
volve tanto mais entram em seu processo os produtos como ingredientes,
sob a forma de mercadoria. A mercadoria como sai da produç!o capitalista
difere da mercadoria considerada ponto de partida, elemento da produça-o
capitalista. Já nã'o temos diante de nós a mercadoria isolada, o produto
isolado. A mercadoria singularmente considerada, o produto individualiza-
do, patenteia-se de fato produto e ainda mercadoria como parte real e
também ideal da produçâ'o global. Cada mercadoria isolada aparece rep1e-
sentando determinado segmento do capital e a mais-valia por ele produzida.
O valor do capital adiantado, acrescido do trabalho excedente
absorvido, por exemplo o valor de 120 libras (se o capital corresponde
a 100 libras, e o trabalho excedente a 20) está, como valor, contido no
produto global, digamos, de 1200 jardas de tecido de algodão. Cada
jarda= 120/l200Hbras = l/lOlibras = 2 xelins. O que aparece como
resultado do processo não é a mercadoria isolada, mas a massa de merca-
dorias em que se reproduziu o valor do capítaI global, aumentado da mais-
valia. O valor global produzido dividido pela quantidade de produtos deter-
mina o valor de cada produto isolado, e este, só na qualidade de tal parte

1167
alíquota, toma-se mercadoria. Nã'o é mais o traballio aplicado em cada .
mercadoria isolada ~ o qual na maioria dos casos nio poderia mais ser
calculado e que numa mercadoria pode ser maior que na outra - e sim o
trabalho global do qual uma parte alíquota, a média resultante do valor
global dividido pelo número dos produtos, determina o valor de cada
produto isolado e o qualifica de mercadoria. É mister por isso que também
o volume global das mercadorias seja vendido, cada uma por seu valor assim
detetminado, a fim de que o capital global se reponha com mais-valia. Se
das 1200 jardas forem vendidas apenas 800, n[o haverá possibilidade de
se repor o capital e menos ainda de existir lucro. Mas a jarda seria também
vendida abaixo de seu valor, pois seu valor é determinado não isoladamente,
mas como parte alíquota do produto global.

"Trabalho, se se chama de mercadoria, nlío é .igual a uma mercadoria


que é prim.eíro produ:dda pata ser objeto de troca e em seguida levada
ao mercado, onde tem de ser trocada por outras mercadorias que cnt!o
exístam lá de acordo com as correspondentes quantidades de cada uma;
o trabalho se cria no momento em que é levado ao mercado, ou melhor,
é levado ao mercado antes d~ ser criado" (l.c., pp. 75, 76). ·

Na realidade o que se leva ao mercado não é o trabalho e·sim o ti:af:ia-


lhador. O que ele vende ao capitaHsta não é seu trabalho, mas o uso tempo-
rário dele mesmo como força de trabalho. Esse uso é o objytÔ imediato
do contrato que capitalista e trabalhador fazem, da compra e venda que
acertam.
Quando se paga o trabalho por peça, por tarefa, e· nã'o pelo tempo
em que a força de trabalho fica à disposição do empregador, temos apenas
"
111 outra maneira de detenninar esse tempo. O produto mede-o, pois determi-
nada quantidade do produto é considerada materializaçã'o do tempo de
trabalho socialmente necessário. Em Londres, em muitos ramos industriais
onde domina o trabalho por peça, computa-se desse modo o pagamento
por hora, mas surgem muitas vezes pendências quanto a se esta ou aquela
peça de trabalho representa ou não uma "hora".
Abstraindo-se das formas particulares, no trabalho tanto por peça
como em geral, paga-se o trabalho depois de efetuado, seja por dia, por
semana, etc., embora a força de trabalho se venda em condições d~tenni·
nadas antes de sua utilização. O dinheiro se transfonna aí em meio de
pagamento, depois de ter desempenhado antes idealmente o papel de
meio de compra, porque a transição nominal da mercadoria ao comprador
difere da real Na venda da mercadoria - a força de trabalho -, a cessã'o

1168
jurídica do valor de uso e a alienação real se dissociam no tempo. Por isso,
a realização do preço ocorre depoi~ da venda da mercadoria (ver p. 122,
primeira p11Fte de minha obra 50 ). Aí patenteia-se também que não é o
capitalista e sim o trabalhador quem adianta; do mesmo modo, no aluguel
de uma casa quem adianta o valor de uso não é o locatâtío e sim o locador.
Na verdade, o trabalhador será pago (ou pelo rnenol!.·POde ser pago quando
a mercadoria não ê objeto de encomenda anterior etc.) antes de ser vendida
a mercadoria que produziu. Mas sua mercadoria, sua forÇa de trabalho,
consumida industrialmente, transferiu-se para as mios do comprador, do
capítalísta, antes de ele, o trabalhador, ser pago. E aí n!ío se trata do que
o comprador de uma mercadoria pretende fazer com eia, se a compra para
mantê-la corno Valor de uso ou pàra revendê-Ia. Trata-se da transação direta
entre o primeiro comprador e vendedor.

"Em diferentes estádios da sodedade, a acumulação de capital ou dos


meios de empregar trabalho é mais ou menos rápida e em todos os casos
tem de depender da força produtiva do trabalho. A força produtiva do
trabalho é gerahnente maior onde há abundância de terra fértil"(Ricardo,
Principlesof political economy .... 311 ed., 1821, p. 92).

Com referência a essas palavras de Ricardo observou-se:

"Se na primeira proposição a força produtiilo do tralullho significa a


pequenez da parte alf.qttota de todo produto, destinada àqueles cujo
trabalho manual o produziu, essa proposíção é tautológica, porque a
parte alf.qu.ota restante ê o fundo com que se pode acumular capital,
se assim apraz a .seu proprietário."

(Aí está, portanto, evidente admitir-se que do ponto de vísta do


capitalista '"força produtiva do trabalho significa a pequenez da parte
alíquota de todo produto, destinada àqueles cujo trabalho manual o pro-
duziu". A frase calha muito bem.)

"Mas isso em regra não sucede onde há terra$ extremamente férteis


( ObserPatiJ:ms on certain verbal disputes in po/itical economy ... , p. 74).

50: Marx, Zw Krítifc der Politlschen Oekonomie. Erstes Heft (ver MEW, vol. 1·3,
pp.118-120).

1169
(Puro disparate. Ricardo pressupõe a produção capitalista. Não .
pesquisa se ela se desenvolve mais facilmente com terra fértil ou relativa-
mente estéril. Onde existe, é .mais produtiva onde a terra é mais fértil.)
Como as sociais, as forças produtivas nâturais do trabalho, isto é, as que
ele encontra na natureza inorgânica, manifestam-se como força produtiva
do capital. (O próprio Ricardo na passagem acima identifica, e nesse ponto
está certo, força produtiva do trabalho com trabalho que produz capital,
a riqueza que comanda trabalho, e não aquela que pertence ao trabalho.
Sua expressão "capital ou os meios de emprega! trabalho" .é na realidade
a única em que apreende a verdadeira natureza do capital. Ele mesmo está
tão preso ao ponto de vista capitalista que essa inversão, esse qüiproquó,
se lhe afigura a coisa mais natural. As condições objetivas do trabalho - aliás
por este mesmo criadas-, matérias-primas e instrumentos de trabalho, não
são meios que o trabalho emprega como seus meios, mas, ao contrário, são
os meios de empregar trabalho. Não sã'o empregados pelo trabalho; empre-
gam o trabalho. O trabalho é um meio para essas coisas se acumularem
como capital, e não um meio para proporcionar produtos, riqueza ao
trabalhador.)

"Sucede na América do Norte, mas é um estado de coi5as artificial"

(isto é, um estado de coisas capitalista).

"Não sucede no México, nem na Nova Holanda. Noutro sentido, a força


produtiva do trabalho é de fato maior onde há muita terra fértil, qqer
dizer, a capacidade do homem, se ele assim deseja, de obter grande
quantidade de produtos agrfcolas em relação à totalidade do trabalho
que executa. E, na realidade um dom da natureza que os homens possam
obter alimentos em quantidade maior que a mínima com que poderiam
alimentar e rustentar a população existente."

(Esse é o fundamento da doutrina fisiocrática. O fundamento físico


da mais-valia é esse "dom da natureza" que se patenteia mais palpável no
trabalho agrícola, que originalmente satisfazia quase todas as necessidades.
O mesmo não se dá com o trabalho manufatureiro, porque o produto tem
primeiro de ser vendido como mercadoria. Os fisiocratas, os primeiros
que descobrem a mais-valia, apreendem-na em sua forma física);

"mas o 'produto excedente' (o termo é utilizado por Ricardo, p. 93)


em geral significa o excesso do preço total de uma coisa aeima da parte
dela que cabe aos trabalhadores que a produzem"

1170
(o asno não percebe que onde a terra é fértil, também a parte do preço do
produto a qual vai para o trabalhador compra quantidade suficiente de
meios de subsistência, embora seja pequena, e seja maior a que vai para o
capitalista);

"uma particularidade que é aceita por acordo. entre os seres humanos e


não estabelecida pela natureza" (l.c., pp. 74, 75).

Se há um significado nessa última passagem será o de que "produto


excedente" no sentido capitalista tem de ser muito diferente da produti-
vidade industrial em si. Esta só interessa ao capitalista enquanto se realiza
em lucro para el'e. Nisso reside a estreiteza; o limite da produção capitalista.

"Quando a procura de um artigo ultrapassa a que é eficaz com relaçã'o


ao presente nível da oferta, e quando, em conseqüência, tenha subido
o preço, podem ser feitas adições ao nível da oferta com a mesma taxa
anterior do custo de produçã'o e nesse caso ocorrerá esse aumento até o
ponto em que esse artigo seja trocado pelos outros artigos segundo a
mesma proporção anterior; ou, segundo, não é possível aumentar o
nível precedente da oferta, e entiio o preço que subiu não baixará, mas
continuará proporcionando, como diz Smith, ou renda fundiária ou
lucro ou salário (ou todos os três) de magnitude maior, ao solo particular,
ao capital ou trabalho empregados para produzir o artigo; ou, terceiro,
o aumento que pode ser feito requererá proporcionalmente mais terra
ou capital ou trabalho (ou todos os três em quantidade maior que a
exigida pela produção periódica" (a tentar pua essa expressão) "do volume
antes fornecido. Então o aumento não se faz até que a procura seja forte
bastante pua (1) pagu o acréscÍlilo da oferta por esse preço elevado, e
(2) paga_r o volume anterior da oferta pelo mesmo preço elevado. Pois a
pessoa que produziu a quantidade adicional não terá possibilidades maio-
res de obter por ela preço elevado do que aq11eles que produziram a quan-
tidade anterior. .. Haverá entli'o lucros suplementares nesse ramo ... Os
lucros suplementares ou ficarão apenas nas mãos de alguns produtores
particulares... ou, se o produto adicional não pode distinguir-se do resto,
um excedente será rateado por todos ... As pessoas despenderão algo para
pertencer a um ramo em que se pode obter esse lucro suplementar ... O
que dão por isso é a renda (rent)" (pp. 79 e segs. ).

Aqui observar apenas que é nessa obra que primeiro se concebe renda
(rent) como a fonna geral de lucros suplementares consolidados.

'"Conversão de renda (revenue) em capital' é outra das fontes verbais da


controvérsia. Com isso, um q11er dizer que o capitalista despende uma
parte dos lucros que faz com seu capital para acrescê-lo, em vez de des-
pendê-la para uso pessoal, corno poderia ter feito; outro quer dizer que
uma pessoa despende corno capital algo que nunca obteve como lucro,
ou nenhum capital próprio, e SÍlil o que recebeu como renda (rent),
salário ou ordenado" (l.c., pp. 83, 84).

1171
Aquela passagem - "outra dessas fontes verbais de controvérsia. Com.
isso, um quer dizer... outro quer dízer" - mostra o estilo desse espeqallia:o.

b) "An inquiry into those principies... "


Incompreensão das contradições da produção capitalista
geradoras de crises

An Inquiry into those Principies, respecti'ng the Nature of Demand


and the Necessity of Consumption, lately advocated by Mr. Malthus· etc.,
Londres, 1821 .
Obra ricardiana. Boa contra Malthus. Mostra a extrema estreiteza
a que se reduz a clarividência desses indivíduos quando, em vez. da proprie-
dade da terra, observam o capital. Contudo uma das melhores obras polê-
micas daquele decênio.

"Se o capital em cutela.ria aumentou de 100 para 101 e.só pode gerar
acréscimo dessa produção na mesma proporção, o comando que seus
produtores tiverem sobre outras coisas em geral subirá numa proporção
menor se admitimo§ que a produção delas não aumentou. Esse p9der de
dispor, e nlio o acréscimo da quantidade dos artigos de cutelari;l, constituí
o lucro do empregador ou o acréscimo de sua riqueza. 'Mas, ·:se ao mermo
tempo a mesma adiçtla de 1 % ocorresse l!OS capitais dos demais ramos~
com o mesmo efeito no tocante ao produto, o i:jsultado sería outro,
pois não se alteraria a taxa a que se troca cada artigo pelos demais, e por
isso dada porção de cada um proporcionaria o mesmo poder precedente
de dispor sobre o resto" (l.c., p. 9).

Antes de mais nada, se não tiver ocorrido acréscimo da produçro (e


do capital empregado na produçã'o) exceto em cutelaria, como se supôs, a
receita não será ..menor em proporção", mas apresentará perda absoluta.
Apenas três possibilidades se abrem ao vendedor de cutelaria. Ou troca seu
produto acrescido como teria feito com seu produto menor, e entâ'o sua
produçã'o acrescida motivaria uma perda positiva. Ou tenta obter novos
consumidores. Se ficar no velho círculo, só poderá obtê-los de outro ramo
e deslocar seu prejuízo para os outros, ou tem de ampliar o mercado além
dos limites anteriores. Mas nem uma operação nem. a outra depende de sua
boa vontade, nem da mera existência de uma quantidade acrescida de
artigos de cutelaria. Ou, por fim, tem ele de transferir seu excesso de pro·

. 1172
dução para outro ano e reduzir sua nova oferta, o que também redundará
em perda se seu acréscimo de capita] consistir tanto em salárío adícional
quanto em capital ftxo.
· E mais: se todos os outros capitais tiverem acumulado à mesma
taxa, de modo nenhum se segue daí que sua produção aumente na mesma
proporção. Mas, se assim fora, não se segue daí que e\es precisassem de mais
1% de cutelaria, uma vez que sua procura de cutelaria de modo nenhum
está relacionada com o acréscimo de seus próprios produtos, nem com
seu poder acrescido de comprar cutelaría. Segue-se apenas a tautologia:
s·e o capital pertencente a cada ramo· particular acresce em hannonia oom
a taxa em que as necessidades da sociedade aumentam a procura de cada
mercadoria partfou]ar, o acréscimo de uma mercadoria assegura mercado
para a oferta acrescida de outras mercadorias.
Supõe-se ai portanto (l) prodUção capitah"sta, onde a produção de
todó ramo particular e seu crescimento não são regulados de imedillto pelas
necessidades da sociedade e controlados por ela. mas peJas forças produtívas
de que dispõe cada capitalista de per si, sem depender das necessidades
da sociedade; (2) não obstante, supõe-se que se produz nas proporç(Jes
adequadas, como se a sociedade diretamente empregasse, conforme suas
necessidades, o capital nos diferentes ramos.
Com essa suposição - uma contradição em termos-, se a produção
capítalista fosse por completo produção socialista, mio poderia haver de fato
superprodução.
Aliás nos diversos ramos onde ocorre a mesma acumulação de capital
(e é infrutífera a ,suposição de o capital acumular·se com ta.l:a igual nos
diversos ramos) difere muito a quantidade de produto que corresponde a
esse acréscimo do capital aplicadó, pois difere muito a força produtiva nos
diversos ramos ou o volume dos valores de uso em relaçio ao capital apli·
cado. Produz.-se em dois lados que se confrontem o mesmo valor, mas a
quantidade de mercadorias em que se configura se diferencia muito. Uma
vez que no ramo A o valor subiu de l % e o volume das mercadorias cresceu
de 20%, é absolutamente incompreensível a razão por que tenha esse
acréscimo de achar um mercado no ramo B, onde o valor também subiu
de l %, mas o volume de mercadorias só aumentou de 5%. O autor omitiu
aí a diferença entre valor de uso e valor de troca.
A descoberta retumbante de Say, de "que mercadorias só se compram
com mercadorias"s1 , significa apenas que o próprio dínheiro é a forma

51. Ver volume 2, pp. 929 e 930.

1173
transmutada da mercadoria. De modo nenhum prova que, por s6 poder .
comprar com mercadoría, posso comprar com minha mercadoria, ou que
meu poder de compra está na raza:o da quantidade das· mercadorias por
mim produzidas. O mesmo valor ·pode configurar-se em quantidades muito
diferentes. Mas o valor de uso - o consumo - não depende do valor, mas
da quantidade. Não será absolutamente motivo para eu comprar 6 facas, a
circuostãncia de poder obte·las ao preço anterior de 1 faca. Abstraind.o-se
de que os trabalhadores não vendem mercadorias mas trabalho, grande
número de pessoas não produz mercadorias e as compra :com dinheiro.
Comprador e vendedor de mercadoria não slio idênticos. O dono da terra,
o capitalista financeiro etc. apossam-se da mercadoria de outroS'produtores,
na forma de dinheiro. São compradores sem serem vendedores de "merca-
doria". Os capitalistas industriais, além de comprarem e venderem entre si,
vendem aos trabalhadores e ainda aos proprietários de renda (revenue)
que fabricam mercadorias. Por fim, suas compras e veridas como capita-
listas são muito diferentes de suas compras como despendedores de renda
(revenue).

"Ricardo (p. 359, 211 ed.), depois de apresentar a doutrina·de Smíth sobre
a causa da queda do lucro, acrescenta: 'Say, todavia, mostrou de maneira
bem satisfatória que não há capital que nã'o se pos5a empregar num país,
porque a prorura só é llinítadn. pelaproduçã'o."' '

(Quanta sabedoria, porém limitada. Não 'pode existir procura pelÓ


impossfvel de produzir para satisfazê-la ou pelo que ela na'o encontre pronto
e acabado no mercado. Por ser a procura limitada pela produçãb, ruro se
segue daí que a produção é ou era limitada pela procura e que nunca pode
ultrapassá-la, especialmente aquela ao preço de mercado. Estamos vendo
como é a argúcia de Say .)

'"Num país nã'o se pode acumular um montante de capital (p. 360) que
não se possa empregar produtiWJmente' (o que significa, suponho, confor·
me diz o autor entre parênteses, 'com um lucro para ci proprietário') 'até
que os salários, em 11irt11de da alta dos preços dos meios de subsistência,
tenham subído tanto e por isso fique para o capitalista ião pouco que
cessa o impulso para a acumubçio"' (pp. 18, 19).

(Ricardo aí identifica "produtivo" com "lucrativo", e justamente


o fato de só o "lucrativo" ser "produtivo" é que diferencia a produção
capitalista da produção absoluta e constítu1 seu limite. Para se produzir

1174
"produtivamente" é necessário produzir de modo que a massa dos produ·
tores seja excluída de uma parte da procura dos produtos; é mister produ-
zir em contraposição com uma classe cujo consumo não guarda relação com
sua produção, pois o lucro do capital consiste precisamente no ex.cesso de
sua produçlío sobre seu consumo. Além disso, é mister produzir para classes
que consomem sem produzir. Não basta dar ao produto excedente uma
forma em que se toma objeto da procur.t dessas classes. E mais: o próprio
capitalista, se quer acumular, não deve ser o agente da procura de seus
produtos - desde que estes entrem na renda (revenue) - na proporçã'o
em que é produtor deles. De outro modo, não pode acumular. Daí Malthus
contrapor-lhe classes cuja tarefa não é acumular mas gastar. E enquanto
por um lado se admite todas essas contradições, por outro se supõe que
a produção marche sem fricção alguma, como se essas contradições não
existissem. Estão separados compra e venda, mercadoria e dinheiro, valor
de uso e valor de troca. Entretanto ,supõe-se que não ocorre a separação,
mas troca direta de produtos. Dissociam-se consumo e produção; produto-
res que. nâ'o consomem e consumidores que nlo produzem. Supõe-se que
consumo e produção são idênticos. O capitalista produz diretamente para
aumentar seu lucro, o valor de troca, e nlfo para fruir. Supõe-se que produz
de imediato para fruir e só pela fruição. Supõe-se que as contradições exis-
tentes na produção burguesa - as quais porém se ajustam, processo de
ajustamen.to que se manifesta ao mesmo tempo em crise, em poderosa
conjunção dos elementos dilacerados, que se opõem independentes e ao
mesmo tempo se pertencem em sua existência - na-o existem, e assim
essas contradições .p.lo podem evidenciar-se. Em cada ramo, cada capitalísta
isolado produz em proporção a seu capital, não importa quais sejam as
necessidades da sociedade e sobretudo a oferta competitiva dos capitais
no mesmo ramo. Supõe-se que produz como se o fizesse de acordo com
as ordens da sociedade. Se não houvesse comércio exterior, até os artigos
de luxo, não importa o custo, poderiam ser produzidos no país. Então,
excetuado o setor dos meios de subsistência, o trabalho seria na realidade
muito improdutivo. Isso repercute na acumulação de capital. Assim todo
país poderia aplicar o capital nele acumulado, uma vez que, segundo o
pressuposto, nele só se acumularia pouco capital.)

"A última frase restringe a primeb:a (para não dizer contraria), $e 'o
montante de capital que nã'o se possa empregar', na primeira, significa
'empregar produtivamente' ou antes 'lucrativamente'. E se significa
apenas 'empregar', a proposição é inútil; porque nem A. Smith nem
ninguém, acredito, contestou que 'se possa empregar, o montante de
capital, desde que nlo se cuide do lucro que ele pode obter" (l.c., p. 19).

1175
Na realidade Ricardo diz que todo capital num país, seja qual for a -
taxa a que se acumula, pode ser empregado lucrativamente; e ainda que
a própria acumulaçã() de capita] restringe o emprego lucrativo dele, porque
tem de resultar em decréscimo do lucro, ou seja, da taxa de acumulação.

"O verdadeiro sentido de uma procUla acrescida deles" (dos trabalhado·


res) "é uma disposição de tomar menos para si e ceder parte maior para
os empregadores; e se me disserem que isso, por reduzir o consumo,
aumenta a superabundância do mewido, só posso responder que super-
abundância do mercado, é sinônimo de lucros altos" (Lc:, p. 59).

Essa é de fato a base oculta da superabundância.

"Os trabalhadores, na qwilidade de consumidores, não tiram vantagem


alguma das máquinas durante a prosperidade (conforme diz Say, Traité
d'éco11Dmie politl.que, ed. 4, vol. 1, p. 60), a menos que o artigo que a
máquÍl!a barateia seja de espécie que, por baratear, se tome acessfvel ao
uso deles. Debulhadores, moinhos de vento podem sob esse aspecto ser
muito importantes para eles; mas a invençãO de uma máquina para
produzir lâminas de revestimento ou roldanas ou um tear parn fabricar
rendas não lhes traz conside:táveJ melhoria., (1. e., pp. 74, 75).
"Onde está bem desenvolvida a divisão do trabalho, as aptidões das
traba.lltadores s:fu aplicáveis apenas no r;lmo particular rt que eles estão
habituados; constituem uma espécie de máquinas. Além disso há um
longo período de ociosidade, isto é, de trabalha perdido., de riqueza
cortada pela .raiz. ~ de todo inútil repetir, como um papagaio, que as
coisas posmiem a tendência de achar o seu nível. Temos de ollÍar à nossa
volta e ver que durante muito tempo ntfo podem ·achar seu nível, e,
quando o acham, está ele mais baixo qué no iníc~.do processo" (l.c.,
P· 72).

Esse ricardiano, seguindo as pegadas de Ricardo, reconhece com


acerto as crises oriundas de mudança súbita nos canais de comércio. sz ~
· o que sucede com a Inglaterra depois da guerra de 1815. E assim todos os
economistas posteriores, sempre que surgia uma crise, admitiam como
única razll'o possível das crises o que era a causa mais palpável da crise em
curso.
O autor reconhece que também o sistema de crédito é causa da crise
(pp. 81 e segs.). (Como se o próprio sistema de crédito não emergisse da

S2. "Das mudanças súbitas nos canais do comércio" é o título do cap. XIX do
livro de 'rucardo, On the principies of political eco,,.,my, and taxat(on e nele comércio
(tzade), além do comércio, abrange a atividade produtiva deste ou daquele país (ver
vol 2, p. 933).

1176
dificuldade de empregar capital "produtivamente" isto é, "lucrativamente".)
Os ingleses por exemplo têm de emprestar no exterior seu próprio capital,
para criar mercado. Na superproduçã'o, no sistema de crédito etc., a produ-
ção_ capitalista procura romper as próprias barreiras e produzir além de seus
limites. Tem, de um lado, esse impulso. Do outro, só tolera uma produç~o
a que corresponda o emprego remável do capital existente. Daí as crises
que ao mesmo tempo a empurram sempre para a frente e a faz.em alcançar
com botas de sete léguas - no tocante ao desenvolvimento das forças
produtivas - o que ela só realizaria com muita lentidão dentro de seus
limites.
O autor faz uma avaliação correta de Say, o que apresentaremos
ao tratar de Say (ver p. 134; cademo VII 53 ).

(0 trabalhador) "concorda em trabalhar parte de seu tempo para o


capitalistll ou, o que dá no mesmo, em considerar pertencente ao capita-
lista parte do produto totaJ, quando gerado e trocado. Tem de fazer
assim,, ou o capitalista' não lhe prestar.! ajuda com os meios de que
dispõe".

(Isto é, com o capital. Tudo bem; dá no mesmo que o capita1ista


possua o produto todo e pague parte dele como salário ao trabalhador ou
que o trabalhador deixe, transfira parte do produto (do trabalhador) para
o capitalista._)

..Mas, uma vez que a motiJ!aç4'o do capitalista é o ganho e essa vantagem


sempre depende, em certa medida, da vontade e também da capacidade
de poupar, estará o capitalista propenso a prnporcionar uma porção
adicional daqueles meios; e como encontrará menos gente precisando
dessa - porção adicional do que havia pau a porÇão original, tem de
esperar cota menor de seu ganho; tem de dispor-se, por assim dizer,
a ptesentear" ( ! l !) "o mbalhador com parte do ganho ocasionado
por sua ajuda, pois do contrário não obteria a outra parte: o lucro
reduz-se cntâ'o pela conconência" (l.c., pp. 102, 103).

53. Marx refere-se a um de seus cadernos de excertos de obras sobre economia


política. As primeiras 63 páginas contêm o fim do manuscrito econômico de 1857 -
1858 (ver Karl Marx, Grnndrisse der Kririk per polítischen Okonomie, Berlim, 1953,
pp. 586-764). A partir da p. 63!1 (que traz a observaçã'o de Mar": "início em 28 de
fevereiro de 1859"), o caderno Vll contém extratos de Luthe;o, Linguet, GalÍll.ni,
Verri, Paoletti, Malthus, Richard Joncs e de outros autores. Na p. 134 encontra-se
uma série· de citações da obra, An inquiry ínto those principie~ ... , nas quais critica
Say, expondo-o ao ridículo.

1177
Que bom. Se o capital, em virtude do desenvolvimento da produti·.
"idade do trabalho, se acumula de maneira tffo rápida que a procura de
trabalho eleva os salários, o trabalhador trabalha de graça menos tempo e
participa até certo ponto no ganho de seu trabalho mais produtivo, está
recebendo um "presente" do capitalista. ·
O mesmo autor, em pormenores, mostra que o salário alto desestí·
mula o trabalhador, embora, em confronto com os proprietários das terras,
considere o lucro baixo um desalento para os capítalistas (ver p. 13, caderno
xrrs4 ).
"A. Smith acredita>'a que aclltllulação ou acréscimo de capital em geral
reduz.ia a taxa de lucro em geral, segundo o mesmo princípio que faz o
acréscimo de capital num ramo pmicular rebaixar o lucro desse ramo.
Mas tal acréscimo de capital num ramo particular significa acréscimo
em proporção maior que a do acrêscímo simultâneo do capital em outros
ramos" (1. e., p. 9).

Contra Say (caderno xn, p. 1255 ).

"Pode-se di&er que o mer~l!do imetlíato ou campo de açco. do capital


é o trabalho. O montante de capital que pode ser empregiido num dado
país ou no mundo de modo a render não menos que dada taxa de lucro
parece depender sobretudo da quantidade de trabclhó que o dispêndio
desse capital pode fazer executar pelo número de seres humanos entã'o
existentes" (1.c., p. 20). ·
"Lucros nro dependem do preço; dependem do preço colIÍparado com
as despesas" (1. e., p. 28). ·
"A proposição de Say56 de modo nenhum prova que o capital abre um
mercado para si mesmo, mas tào-somente que capital e trabalho abrem
mercado um para o outro (1.c., p. 111 ).

5 4. Mw:x refere-se ao seu caderno de excertos no XII, em cuja capa escreveu:


"Londres, julho de 1851.,. Na p. 13 desse caderno encontram-se extratos das pp. 97,
99, 103, 104, 106-108 e 111 da obra anônima, An inquiry into thore principies ...
55. Na p. 12 de seu caderno de excertos n. XII cita Marx uma observação
crítica do autor da obra anônima An inquiry into those prürciples ... (p. 15) contra a
idéia de Say, de a superprodução na Inglaterra ter por causa a subprodução na ltâlia
(ver vol. 2, p. 966).
56. O autor cita antes (p. 110), da obra de Say, Lettres à M. Malthus.... Paris,
1820, p. 46, o seguinte: " ... que sh se compram mercadorias coní mercadorias".
Noutra passagem, à p. 13, refere-se a uma fonnulaçâ'o semclliante de Say: " ... que a
produçio sempre abre mercado para a produção".

l 178
e) Thomas de Quincey. Incapacidade de superar as carências da
concepção ricardiana.

Dia.logues of Three Templars on Political Economy, chiefly in relation


to the Principies of Mr. Ricardo (London Magazine, vol. JX, 1824) (autor:
Thomas De Quíncey).
Tentativa de refutar todos os ataques feitos a Ricardo. Para pôr em
evidência que o autor sabe o que está em jogo, basta esta passagem:

"Todas as dificuldades da economia política s5o redutíveis a isto: qua1 é


o fundamento do valor de troca?" (l .c., p. 347).

Aí analísarn~se muitas vezes com argúcia as insuficiências da con-


cepç[o de Ricardo, embora a profundidade dialética seja mais simulada que
real. As verdadeiras dificuldades, que rnro provêm da defíníçã'o de valor,
mas da análise insuficiente de Ricardo sobre essa base e de sua tentativa
de adaptar à força e de imediato relações mais concretas à relação mais
símples do valor, de modo nenhum sâ'o resolvidas nem sequer percebidas.
Contudo a obra é típica do período em que apareceu. Vê-se que entã'o
ainda se levavam a sério a lógica e a investigação teórica na economia polí-
tica.
(A obra posterior do mesmo autor: The Logfc of Political Ea:momy,
Edimburgo, 1844, é mais fraca.)
Quíncey retrata com perspicácia as diferenças entre as ídéias de
Ricardo e as anteriores, e nfío procura atenuá-las por meio de novas inter-
pretações, nem abandona o que há nelas de específico para mantê-las no
mero domínio verbal, o que se fez depois e abriu caminho a um ecletismo
cômodo e inconsistente.
Um ponto da doutrina ricardíana no qual Quincey insistia em especial
e que revela mencionar aqui, por ter papel importante na polêmica contra
Ricardo a referir logo, é o de que o comando de uma mercadoria sobre
outras mercadorias (seu poder de compra; de fato, seu valor expresso.
realizado noutra mercadoria) é por completo díferente de seu valor real.

"~ de todo errado concluí.e que o valor real é grande porque a quantidade
que compra é grande, ou pequeno porque a quantidade que compra é
pequena... Se A dobra de valor, mto comprará por isso o dobro da quan-
tidade anterior de B. Pode fazê-lo, e também pode comandar 500 vezes
mais ou 500 vezes menos. .. Ninguém negacl. que A. ao dobrar o próprio

1179
valor, comandará quantidade duplicada de todas as coisas ci:jo valor .
tenha ficado estacionário. Mas a questão é se universahnente, por dobrar
seu valor, A comandará quantidade duplicada" (l .c., pp. 552 e segs.
passim).

d) Samuel Bailey
a) Relativismo superficial na obra "Observations on certain
Verbal Disputes... " e na definição de valor de Bailey.
Rejeição da teoria do valor segundo o trabalho

A Criticai Dissertation on the Nature. Measures and Causes of Value;


chiefly ín Reference to the Writings of Mr. Ricardo and his Followers. Pelo
autor de Essays on the Formation ;and Publications of Opinions (Samuel
Bailey), Londres, 1825.
Essa é a obra principal contra Ricardo. (Dirigida também contra
Malthus.) Procura pôr abaixo o fundamento da doutrina _:o valor: Desti-
tuída por certo de importância, excetuada a definição da "medida do valor"
ou antes do dinheiro nessa função. Ver do mesmo autor.: A Létter to a
Political Economist; ocassioned hy an Article in the Westminster RevieW
on the Suhject of Value etc.", Londres, 1826.
Uma vez que essa obra, como já observamos antes, pelo fundamento
se liga a "Observations on certain Verbal Disputes in Pol Ec. ", importa
retomar aqui o que é pertinente em "Observations'~
O autor de "Observations" reprova Ricardo por ter convertido o
valor - uma qualidade relativa das mercadorias em seu relacionamento
umas com as outras - em algo absoluto.
A esse respeito cabe reprovar Ricardo apenas por não distinguir a
rigor, ao analisar a idéia de valor, os momentos57 diversos; o valor de
troca da mercadoria como se apresenta, se manifesta no processo de troca
das mercadorias, e a existência da mercadoria como valor em contraposição
à existência dela como coisa, produto, valor de uso.

57. Ver nota 36, p. 1143.

1180
Lê-se em Observations:

"Se aumenta a quantidade absoluta de trabalho que produz a maior


parte das mercadorias ou todas, exceto uma, poder-se-á dizer que o valor
desta não se altera? Em que sentido? E. que além disso trocar-se-á ela
por menos de cada mercadoria. Se se quer afirmar que o serrtido de
acréscimo ou decréscimo de valor é acréscimo ou decréscimo da quanti-
dade de trabalho que produziu a mercadoria em questão, poderiam ser
de certo modo verdadeiras as conclusõ'es que acabo de contestar. Mas
dizer, como o faz Ricardo, que as quantidades relativas de trabalho que
produzem duas mercadorias siro a causa da taxa a que se trocam, isto é,
do valor de troca de cada uma, entendido na relação com a outra, é
muito diferente de dizer que o valor de troca de cada uma sigrrifica a
quantidade de trabalho que a produziu, bem entendido, sem referência
à outra ou à existência das outras" (Observatiám: etc., p. 13).
"Ricardo na realidade nos diz que 'a pesquisa para a qual deseja chamar
a atenção do leitor refere-se ao efeito das variações no valor relativo das
mercadorias e não no valor absoluto delas, como se aí considerasse que
existiria tal coisa, o valor de troca que não é relativo" (l.c., pp. 9, 10).
"Que Ricardo se desviou de seu emprego original da palavra valor e fez
de:r:te algo abroluro em vez de relativo, fica ainda mais evidente em ·seu
capítulo intitulado 'Valor e riqueza; as propriedades que os distinguem'.
A questão aí discutida foi também debatida por outros, tem caráter
apenas verbal e é inútil" (1.c., pp. 15 e segs.).

Antes de nos deter no autor, vejamos ainda o seguinte sobre Ricardo.


Em seu capítulo "Valor e riqueza" expõe que a riqueza social não depende
do valor das mercadorias produzidas, embora este seja decisivo para cada
produtor. Com tanto maior razão deveria ter visto que uma forma de
produção dirigida apenas para o valor excedente, isto é, baseada apenas
na pobreza relat.iva da massa dos produtores, não pode ser a forma absoluta
de produção da riqueza, como sempre a apresenta.
E agora passemos a Observations do ás da sabedoria "verbal".
Se todas as mercadorias, excetuada uma única, aumentam de valor
por custarem mais tempo de trabalho que antes, essa mercadoria única
cujo tempo de trabalho não experimentou variação, troca-se por quantidade
menor de todas as outras. Seu valor de troca, desde que se realize em outras
mercadorias, diminuiu, isto é, seu valor de troca expresso nos valores de uso
de todas as outras mercadorias. "Apesar disso, é possível dizer que seu
valor de troca não se alterou?" Aí apenas se coloca um problema que está
em jogo, e não se favorece resposta positiva nem negativa. O mesmo resul-
tado ocorreria se diminuísse o tempo de trabalho exigido para produzir
uma só mercadoria, e não se alterasse o de todas as demais. Determinada
quantidade dessa mercadoria única trocar-se~ia por quantidade menor de

1181
todas as demais. Temos aí duas vezes o mesmo fenômeno, en.bora por
causas diametralmente opostas. Se ao contrário o tempo de trabalho reque·
rido para produzir a mercadoria A na:o se alterasse, e diminuísse o de todas
as outras mercadorias, aquela trocar-se-ia por quantidade maior de todas
as outras. O mesmo ocorreria pela razão inversa, se o tempo de trabalho
requerido para a produção de A aumentasse, e o de todas as outras merca-
dorias não se alterasse. Assim, a mercadoria A ora se troca por quantidade
menor das demais mercadorias, e precisamente por uma ou outra de duas
razões entre si opostas; ora se troca por quantidade maior de todas as
outras mercadorias e também por uma ou outra de duas razões opostas.
Mas, note-se, sempre se troca, de acordo com o pressuposto, por seu valor,
em conseqüência por um equh-·alente. Realiza sempre seu valor na quan-
tidade dos outros valores de uso pelos quais se troca, nrto importa como
varie a quantidade desses valores de uso.
Segue-se daí evidentemente que a relação quantitativa em que as
mercadorias se trocam umas pelas outras como valores de uso é na verdade
a expressão de seu valor, seu valor realizado, mas não seu próprio valor,
uma vez que a mesma relaçã'o de valor se configura em quantidades dife-
rentes de valores de uso. A mercadoria em sua existência como valor nrto
está expressa em seu próprio valor de uso, em sua existência- como valor
de uso. O valor se manifesta na expressã"o dela em outros :va1ores de uso,
isto é, na relação em que esses outros valores de uso se troc_am por ela.
Se 1 onça de ouro = l tonelada de ferro, por conseguinte péqu,ena quan·
tidade de omo se troca por grande. quantidade de ferro, é por isso o valor.
da onça de ouro expresso em ferro maior do qué' o valor ,do ferro expresso
em ouro? A circunstância de mercadorias se trocarem na proporção do
trabalho nelas contido significa que são iguais, são a mesma coisa, desde que
representam a mesma quantidade de trabalho. Significa portanto que toda
mercadoria considerada de per si é algo diverso de seu próprio valor de uso,
de sua própria existência como valor de uso.
O valor da mesma mercadoria, sem alterar-se, pode configurar-se em
quantidades muito diferentes de valores de uso, conforme o represento no
valor de uso desta ou daquela mercadoria. Isso nâ'o altera o valor, embora
altere sua configuração. Do mesmo modo, todas as diferentes quantídades
nos diversos valores de uso em que o valor da mercadoria A se pode repre-
sentar sã'o equivalentes, e um está para o outro não só como valores, mas
como valores de igual magnítude, de maneira que, quando essas quantidades
diferentes de valores de uso se repõem, o valor contínua por igual inalterado,
como se nrro se tivesse configurado em valores de uso por completo diversos.

1182
Se as mercadorias se trocam na proporção em que representam tempo
de trabalho de magnitude igual, sua existência como tempo de trabalho
materializado, sua existência como tempo de trabalho corporificado é sua
unidade, o elemento que as torna idênticas. Por esse aspecto Slfo qualitafi..
vamente iguais e só se distinguem pela quantidade, conforme representem
mais ou menos da mesma substância, o tempo de trabalho. São valores
por exprimirem essa identidade e valores de igual magnitude, equivalentes,
desde que representem tempo de trabalho de grandeza igual. Para serem
comparados pela grandeza, têm de ser antes grandezas homogêneas, idênti-
cas pela qualidade.
Ao configurarem essa unidade, essas coisas diferentes são valores
e umas estão parâ as outras como valores; também- se estabelece assim a
diferença entre suas magnitudes de valor, sua medida imanente de valor.
E só por isso pode o valor de uma mercadoria representar-se, expressar-se
em valores de uso de outras mercadorias, como equivalentes. Por conse-
guinte, a própria mercadoria singular como valor, como existência dessa
unidade,_ também difere de si mesma wmo valor de uso, como coisa, abs-
traindo-se por completo da expressã'o de seu valor em outras mercadorias.
Como exístência do tempo de trabalho é valor em geral, como existência
de tempo de trabalho quantitativamente determinado é magnitude definida
de valor.
É portanto típico do nosso sabichão dízer: se pensamos isso, não
pensamos aquilo e vice·versa. O que pensamos não tem nenhuma ligação
necessária com os caracteres essenciais da coisa em exame. Se falamos
do valor de troca de uma coisa, o que primeiro se projeta sem dúvida em
nosso entendimento são as quantidades relativas de todas as demais mer·
cadorias que se podem trocar pela primeira. Mas, a um segundo exame,
descobriremos o seguinte: para que se determine a proporçllo em que
uma coisa se troca por um número imenso de outras que nada têm em
comum com ela - se houver semelhanças naturais ou outras, não serâ"'o
levadas em conta na troca - é mister que todas essas diferentes coisas
heterogêneas sejam consideradas configurações, expressões proporcionais
da mesmo. unidade comum, de um elemento que seja por completo distinto
de sua existência ou aparência naturais. Além disso, descobriremos, se o que
pensamos tem algum significado, que o valor de uma mercadoria é nro só
algo que a destaca das outras ou a relaciona com as demais, mas também
uma propriedade que a distingue de sua própria existência como coisa,
como valor de uso.

1183
"A elevaç.ão do valor do artigo A significa apenas valor medido pelo~
artigQs B, C etc., isto é, valor de troca dos artigos B, C etc.,. (1. e., p. 16).

Para medir o valor de A, um livro por exemplo, em B, carvão, e em


C, vinho, é mister que A, B e C como· valores sejam algo diferente de sua
exístêncía como livro, carvão ou vinho. Para medir o valor de A em 8, A
tem de ter o valor que nlío dependa de ser mensurado por B, e ambos têm
de ser iguais a uma terceira coisa; expressa em ambos.
Ê de todo errado dizer que por isso o valor da mercadoria se converte
de algo relativo em algo absoluto. Ao contrário. Como valor de uso a merca·
doria se patenteia algo autônomo. Como valor, ao revés, patenteia~se algo
meramente estabelecido, determinado apenas peJa relaçã'.o da mercadoria
corno tempo de trabalho simples, igual, socialmente nece.ssário. A relativi-
dade vai a taJ ponto que, ao variar o tempo de trabalho requerido para
reproduzir a mercadoria, varia seu valor, embora não se altere o tempo de
trabalho de fato nela contído.
O profundo fetichismo em que mergulha nosso sabicllEo e a maneira
como converte o relativo em algo; positivo, mostram-se mais contundentes
na passagem seguinte:

"Valor é propriedade das coisas, riqueza é propriedade dos homens.


Valor, nesse sentido, envolve necessariamente troca, riqueza não" (Lc.,
p.16). .

Riqueza aí são valores de uso. Estes são por certo riqueza em relação
aos seres humanos, ma~ uma coisa é valor de uso e por isso um .elemento
da riqueza do homem, em virtude das respectivas propriedades, de suas
próprias características. Se tirarmos da uva as propriedades que dela fazem
uma uva, cessará ci valor de uso que ela tem para os homens corno uva;
e ela deixara de ser um elemento da riqueza como uva. Riquezas, considera-
das idênticas a valores de uso, são das coisas as propriedades que os seres
humanos utilizam e que expressam uma relação com suas necessidades.
Ao revés, pretende-se que "valor" é "propriedades das coisas"!
Como valores, as mercadorias são magnítudes sociais, algo portanto
absolutamente diverso de suas "propriedades" corno "coisas". Como valores
representam apenas relações entre os homens em sua atívidade produtiva.
Na realidade, valor implica "trocas", mas trocas sã'o trocas de coisas entre
seres humanos; trocas que em nada atingem às coisas em si mesmas. A
coisa mantém as mesmas "propriedades", esteja nas mãos de A ou de B.

1184
Na realidade, a idéia de "valor" supõe "trocas" dos produtos. Onde o
trabalho é comunitário, as relações entre os homens em sua produçã'o
social não se configuram em "valores" de. "coisas". A troca de produtos
como mercadorias é determinado método de trocar trabalho e de fazer
o trabalho de cada um depender do trabalho dos outros, determinado
modo de trabalho social ou de produção social.
Mencionei na l ~ parte de minha obrasª como Ô trabalho que assenta
na troca privada é caracterizado, ao reverso, de modo que o caráter socíal
do trabalho "se configura" em "propriedade" das coisas e que uma relação
social aparece como re1açtto entre as próprias coisas (entre os produtos,
valores de uso, mercadorias). Nosso fetichista toma essa aparência por
algo real e de fato acredita qual o valor de tróca das coisas é determinado
por suas propriedades COffiO coisas, Unta caraCterística geral e natural deias.
Até hoje nenhum cientista descobriu as propriedades naturaís em virtude
das ·quais rapé e quadros em determinada proporção sio equívalentes
entre si.
O sabichão converte portanto o valor em algo absoluto, "propriedade
das coisas", em vez de ver nisso apenas algo relativo, a relação das coisas
com o trabalho social, com o trabalho social que assenta sobre a troca
privada, no qual as coisas são determinadas como meras expressões da
produção social e não como algo independente.
Mas o fato de o "valor" não ser algo absoluto, de não se conceber
como uma entidade, difere por completo da circunstância de as mercadorias
terem de dar a seu valor de troca uma expressã'o autónoma, distinta de seu
valor de uso ou de sua existência como produto real, independente deste,
isto é, difere da circunstância de a circulaç:io de mercadorias progredir
necessariamente para a formaçifo do dinheiro. As mercadorias dão a seu
valor de troca essa expressão em dinheiro, antes de mais nada no preço
em que todas, materialização do mesmo trabalho, representam apenas
quantidades diferentes da mesma substância. O próprio fato de o valor
de troca da mercadoria tomar-se autônomo no dinheiro é o produto do
processo de troca, do desenvolvimento das contradições entre valor de uso e
valor de troca encerradas na mercadoria, e da antinomia n:Jo menor nela
contida, a de o traba1ho detennínado, particular de cada indivíduo ter de
apresentar-se como seu oposto, como traba1ho igual, necessário, geral e,

58, Marx, Zw Krítik de,. Politischen Oekonomie. Erstes Heft (ver MEW, vol. 13,
pp. 21, 22 e 34-45).

1185
nessa fonna, social. Na configuração da mercadoria em dinheiro não se encerra.
apenas a circunstância de as diferentes magnítudes das mercadorias. serem
medidas pela representação· de seu valor no valor de uso de uma mercadoria
exclusíva, mas também a de elas 'todas se apresentarem numa forma em que
existem como corporificação do trabalho social e de serem por isso inter·
cambiáveis por qualquer outra, conversíveis à vontade em qualquer outro
valor de uso. Por isso, sua configuração em dinheiro - no preço - manifes-
ta-se primeiro no plano ideal; configuração· que elas só realizam por meio
da venda real. Ric{lrdo erra ao ocupar-se apenas com a magnitude do valor.
Por isso tem em míra apenas a quantidade relativa de trabalho que diferentes
mercadorias configuram, contêm como valores nelas corporificados. Mas o
trabalho nelas contído tem de apresentar-se como trabalho social, como
trabalho índívidual alienado. No preço, essa configuração é ideal. Só se
realiza na venda. Ricardo nã'o explica essa conversa:o do trabalho dos indiví-
duos particulares, contido nas mercadorias, em trabalho social igu!ll e por
isso em trabalho representável em todos os valores de uso e por todos eles
intercambiável; esse aspecto qualitativo da coisa, o qual se encerra na
configuração do valor de troca em ,dinheiro. Rlcardo omite essa circunstân-
cia - a necessidade de apresentar o trabalho nelas contido como trabalho
social igu!ll, isto é, como dinheiro,
O desenvolvimento do capital por seu lado já supõe o·pleno desenvol-
vimento do valor de troca da mercadoria e por isso a existênc.íà autônoma
dele no dinheiro. No processo de produção e de circulação ··do capital
parte-se do valor como figura autônoma, que se mantém, se expande,
mede seu crescimento em todas as variações que experimentam as mer-
cadorias em que se configura, por meio de sua magnitude original, não
se levando em conta que ele mesmo se representa nos mais diferentes
valores de uso, muda de mercadorias que o encarnam. A relação do valor
que precede a produç!ro com o valor dela resultante - como valor que
a antecede, o capital é capital em oposição ao lucro - constitui o elemento
que domina e determina o processo de produçífo capitalista por inteiro.
Trata-se não só de representação autônoma do valor como se dá com o
dinheiro, mas de valor àtuante, valor que se conserva num processo onde
os valores de uso passam pelas mais diferentes formas. No capital, portanto,
a .autonomização do valor eleva-se a potência bem superior à que se observa
no dinheiro.
A partir daí pode-se julgar .a ciência "verbal". do nosso sabichão que
trata da existência autônoma do valor de troca como um modo de expres-
são, maneira de falar, invenção escolástica.

1186
"Valor, ou "valeur'', em francês, além de usado em senHdo absoluto,
em vez de relativo, como qualidade de coisas, é empregado por alguns
como mereadoria mensurável: 'po$SUU um valor', 'transferir uma porçã'o
de valor' "(o que é tão importante para o capital fixo)" 'a soma ou
totalidade dos valotes' etc. Não sei o que significa issou (1.c.• p. 57).

Que o valor que se tornou autônomo s6 pQ.ssua no dinheiro urna


expressâ'o relativa por ser o próprio dinheiro mercadoria. com valor por-
tanto variável, em nada muda a questlfo, mas é uma ímperfeiçã"o oriunda
da natureza da mercadoria e da representação necessária de seu valor de
troca em contraposição a seu valor de uso. Nosso autor demonstrou plena-
mente que ..na:o sabe" disso. Evidencia-se aí aquela espécie de crítica que
se apraz em remover com palavras as dificuldades "lígadas às detennínaçõ'es
contraditórias das coisas, como se estivessem em jogo produtos da reflexiio
ou definições conflitantes.
"'O valor relativo de duas coisas' pode ter dois significados: a taxa a
que duas coí15as se trocam ou se trocariam entre si, ou :•~ porçõeuelativas
de uma terceira pelas quais cada uma se troca ou se trocaria" (1.c., p. 53).

Isso seria, antes de mais nada, uma definiçifo deliciosa. Se 3 libras-


peso de café se trocam por l libra-peso de chá hoje ou se trocariam amanhã,
de modo nenhum significa isso que se tenham trocado equivalentes entre
sL Preestabelecida a equivalência, uma mercadoria podería trocar-se tão·
somente por seu valor, pois este seria uma quantidade qualquer de outra
mercadoria pela qual fosse casualmente trocada. Todavia, não é isso o que
as pessoas em geral pensam quando dizem que se trocaram 3 libras-peso
de café por seu equivalente em chá. Supõem que uma mercadoria do mesmo
valor, ames e depois da troca, estã nas mlfos de cada um dos que a efetuam.
A taxa a que duas mercadorías se trocam nifo determina o valor delas,
mas esse valor determina a taxa a que se trocam. Se valor nada mais é
que a quantidade de mercadoria pela qual se troca eventualmente a merca-
doria A, como expressar o valor de A na mercadoría B, C etc.? Pois, não
havendo medida imanente entre os dois, o valor de A não poderá expressar-
se em Bantes de se ter trocado por B.
Valor relativo, primeiro, sígnifica magnitude de valor em contra-
posíção à qualidade de ser pura e simplesmente valor; este por isso também
não ê algo absoluto. Segundo, significa: o valor de uma mercadoria expresso
no valor de uso de outra, É uma expressli'o apenas relativa do valor dela,
isto é, em relação ã mercadoiia em que se manifesta. O valor de uma libra-

1187
peso de café ê expresso em chá apenas relativamente; para expressá-lo.
absolutamente - mesmo de forma relativa, em relação não ao tempo de
traballio, mas às demais mercadorias - seria mister exprimi-lo numa série
infinita de equações com todas as outras mercadorias. 'feríamos entã"o
uma expressão absoluta de seu valor relativo; sua expreSSfo absoluta seria
sua expressi'o em tempo de trabalho, e com essa expresslo absoluta esse
valor revelar-se-ia como algo relativo, mas na refação absoluta por meio
da qual é valor.

* * *
Voltemos agora a Bailey.
Em sua obra só revela um mérito positivo: o de ser o primeiro que
defme, como mais correção, a medida dos valores, isto é, na realidade
uma das funções do dinheiro, ou o dínheirn numa forma determinada
particular. Para medir os valores das mercadorias, para haver wna medida
externa dos valores, ntro é mister que seja mvariável o valor da mercadoria
em que se medem as outras mercadorias. (Ao contrário, como demonstrei
na parte primeira 59 , tem de ser ;Variável, porque a própria medida dos
valores é e tem de ser mercadoria, sem o que nâ'o teria medida. imanente
comum com as demais mercadorias.) O valor do dinheiro, por exemplo,
se se altera, também se altera em face de todas as deníais mercadorias
em proporção ígual Por isso, os valores relativos delas se .exprimem no
dinheiro com a mesma correçío, como se tives8e ele ficado· invariável.
Com isso eliminava-se o problema de achar uma "medida invariável
dos valores". Mas esse problema (o ínteresse de comparar valores de merca-
dorias em diferentes períodos históricos nlio é de per sí interesse económico
e sim interesse acadêmico) oríginou-se de um mal-entendído e encobria
uma questão muito mais profunda e mais importante. "Medida invariável
dos valores" significa antes de tudo uma medida dos valores que seja ela
mesma de valor invariável, e portanto, uma vez que o próprio valor é um
atributo da mercadoria, uma mercadoria de valor invariável. Se, por exem-
plo, ouro e prata ou trigo, ou ainda trabalho fossem tais mercadorias,
poder-se-ia por meio de comparação com elas medir a rigor a proporção
em que as outras mercadorias se trocam por elas, as variações no valor
dessas outras mercadorias, por meio de seu preço em ouro, em prata, trigo,

59. Marx, Zur Kritik der Polili.sch~n Oekonomie. Erstes Heft (ver MEW, vol. 13,
PP· 50-53).

1188
ou sua proporÇ[o com o salário. No problema assim colocado supõe-se
portanto de antemão que na "medida dos valores" trata-se apenas de uma
mercadoria em que todas as outras mercadorias configuram seu valor, seja
a mercadoria em que o configuram de fato - o dinheiro, a mercadoria. que
serve de dinheiro -, seja uma mercadoria que em virtude de seu valor
invariável seria o dinheiro com que o teórico faria se_us cálculos. Mas paten-
teia-se que, seja corno for, trata-se aqui apenas de uin tipo de dinheiro que
como medida dos valores - teórica ou praticamente - não estaria ele
mesmo sujeito a variações de valor.
Mas, a fim de que as mercadorias configurem seu valor de troca
de maneira autônoma no dinheiro, numa terceira mercadoria, a mercadoria
exclusiva, já se pressupõem os vii/ores das mercadorias. Agora só se trata
de compará-las quantitativamente. Já está pressuposta uma unidade que as
toma homogêneas - que as converte em valores-, que as iguala na quali-
dade de valor, a fün de que seus valores e diferenças de valor se manifestem
dessa maneira. Se todas as mercadorias, por exemplo, expressam seus valores
em ouro, essa expressão em owo, esse preço em ouro é a igualdade delas
com o ·ouro, igualdade donde se pode inferir e com que se pode calcular
as relaçôes recíprocas de valor, pois as mercadorias se revelam agora quanti-
dades diferentes de ouro, e dessa forma ficam em seus preços representadas
por grandezas homogêneas e comparáveis.
Mas, para se· representar assim, já têm elas de ser idênticas como
valores. Do contrário, seria impossível resolver o problema de expressar o
valor de cada mercadoria em ouro, se mercadoria e ouro ou duas merca-
dorias quaisquer nio · fossem, como valores, configurações da mesma
unidade, exprimíveis- uma na outra. Aliás, esse pressuposto já reside no
próprio problema. Já se supõem as mercadorias valores, valores distintos
de seus valores de uso, antes de se poder tratar da representaçío desse valor
numa mercadoria particular. A fim de que duas quantidades de valores
de uso se equiparem como equivalentes já se supõe que são iguais num
terceiro, QWllitatfvamente iguais e apenas expressões quantítativas diferentes
dessa igualdade qualitativa.
O problema de uma "medida invariável do valor.. na realidade na-o
passava de uma expressão falsa para a busca do conceito, da natureza do
próprio valor, cuja determinação mro poderia ser outro valor, nem sujeitar-se
portanto a variaçOes como valor. Entrava aí o tempo de trabalho, o trabalho
social, corno especificamente se apresenta na produÇ[o de mercadorias.
Quantidade de trabalho nio tem valor, nâ'o é mercadoria, mas é o que
converte as mercadorias em valores, a unidade delas, e por corporificá-la

1189
sa:o elas qualitativamente iguais e diferentes apenas quantitativamente. .
Revelam-se expressão de determinada quantidade de trabalho social.
Admi.tamos tenha o· ouro valor invariável. Se os valores de todas
as mercadorias fossem então expressos em ouro, poderia eu medir as varia-
ções de valor das mercadorias em seus preços em ouro. Mas, para expressar
os valores das mercadorias em ouro, mercadorias e ouro têm de ser idênticos
como valores. Só como expressões quantitativas determinadas desse valor,
s6 como magnitudes determinadas de valor podem ouro e mercadoria ser
identificados um ao outro. O valor invariável do ouro e valor variável das
demais mercadorias não impediriam que como valor fossem ·a mesma coisa,
consistissem na mesma substância. O valor das mercadorias teria .de ser
primeiro expresso, avaliado em ouro - ouro e mercadorias teriam de ser
apresentados como expressões da mesma unidade, como. equivalentes -,
antes que o valor invariável do ouro nos permitisse dar um passo adiante.
(A fim de as mercadorias serem mensuradas pela quantídade de
trabalho nelas contida - e a medida da quantidade de trabalho é o tempo
-, os trabalhos de espécies diferentes contidos nas mercadorias têm de ser
reduzidos a trabalho simples igual; trabalho médio, ordinário, níro qualifi-
cado. Só então pode a quantidade do tempo de trabalho nelas contido
ser medida pelo tempo, por medida igual. A mercadoria tem de ser qualita·
tivamente igual, a fim de que suas diferenças se tornem meramente quanti-
tativas, simples diferenças de magnitude. Contudo, essa reduçãó a trabalho
médio simples não é a única determinaçã'o da qualidade desse ·trabalho, a
que se reduzem, como unidade, os valores das mercadorias. Uma determí-
naça:o que se refere apenas à magnitude do valor é a de que a quantidade
do trabalho contido numa mercadoria seja a quantidade socialmente nece~
sdria para produzi-la - o tempo de trabalho portanto seja tempo de trabalho
necessário. Mas o trabalho que constitui a unidade dos valores não é só
trabalho médio simples, igual. O trabalho é trabalho índívídual, privado,
representado num produto determinado. Como valor tem, no entanto,
o produto de ser corporificação do trabalho social e como tal de imediato
conversível de um valor de uso em todos os demais. (O valor de uso deter-
minado em que esse trabalho de ímedíato se configure nã'o deve importar
para que ele seja transferível de uma forma para outra de valor de uso).
O trabalho privado tem de representar.se portanto de imediato em seu
oposto, o trabalho social; esse trabalho transmutado é, como o composto
imediato, trabalho geral abstràto, que por isso também se configura num
equivalente geral. O trabalho individual só se apresenta realmente como
seu oposto por meio de sua alienação. Mas a mercadoria tem de possuir essa

1190
expressão geral antes de ser vendida. Essa necessidade de ser o trabalho
individual representado pelo geral é a necessidade de uma mercadoria
ser representada pelo dinheiro. Enquanto esse dinheiro serve de medida
e de expressão do valor da mercadoria no preço, obtém a mercadoria essa
representação. Só por meio de sua conversã'o' real em dinheiro, pela venda,
ganha a expressão adequada de valor de troca. A primeira transfonnaçã'o
é mero processo teórico, a segunda, processo real. ·
No tocante à existência da mercadoria na figura do dinhe'iro cabe
portanto ressaltar nlio só que as mercadorias se dâ'o no dinheiro medida
detenninada de suas magnitudes - pois todas expressam seu valor no
valor de uso da mesma mercadoria -, mas ainda que todas se apresentam
como existência do trabalho social, abstrato, gerál; forma em que todas
possuem a mesma significação; todas· aparecem de imediado encamando
·o trabalho social; e como tais todas desempenham as funções inerentes
à exísténcía do trabalho social, e de ünedio:to - em relação à magnitude
de seu valor - S!"o trocáveis por todas as demais mercadorias; enquanto
nas mãos de quem se converteram em dinheiro não configuram a existência
do valor de troca num valor de uso particular, mas a existência do valor de
uso (o ouro, por exemplo) como simples veículo do valor de troca. Pode-se
vender uma mercadoria abaixo ou acima de seu valor. lsso concerne apenas
à magnitude do valor. Mas toda vez que é vendida, transformada em di-
nheíro, seu valor de troca adquire existência autônoma, dístinta de seu
valor de uso. A mercadoria passa a existir tão-só como determinada quanti-
dade de tempo de trabalho social, e como tal se confirma porque é de
imediato trocável por qualquer mercadoria e conversível em qualquer
valor de uso (na proporção de sua quantidade). No tocante ao dinheiro
nlto se pode dei.xar de lado esse ponto, nem se pode omitir a converS[o
formal a que se submete o trabalho contido na mercadoria como o elemento
constitutivo do valor dela. Mas no dinheiro - nessa permutabilídade abso-
luta que a mercadoria possuí corno dinheiro, em sua efetividade absoluta
como valor de troca, o que nada tem que ver com a magnitude do valor
- nã'o se evidencia determinação quantitativa, mas sim qualitativa, e se
patenteia que, p,or meio do processo por que passa a própria mercadoria,
seu valor de troca se torna autônomo e se apresenta realmente, ao !ado de
seu valor de uso, em configuração livre, como jâ o faz idealmente em seu
preço.
Vê-se portanto que o "observador verbal" entende t!i'.o pouco sobre
o valor .e sobre a natureza do dinheiro quanto Bailey, ao tratarem ambos
da autonomia do va1or como invenção escolástica dos economistas. Essa

119l
autonomia ressalta ainda mais no capital, que num sentido se pode chama~
de valor em processo, isto é - uma vez que o valor só tem existência autô·
noma no dinheiro -, dinhei{o em processo, que percorre uma série de
processos onde se mantém, parte de si e regressa a si mesmo em montante
maior. É claro que o paradoxo da realidade se exprime em paradoxos de
linguagem que contrariam o senso comum e aquilo que os economistas
vulgares entendem e acreditam estar dizendo. As contradições que surgem
da circunstância de trabalho privado na base da produçã'o de mercadorias
apresentar-se como traballio social geral, e do fato de as relações entre as
pessoas se apresentarem como relações entre coisas e corno coísas - essas
contradíções residem na própria matéria em análise e n!o na expressâ'o
verbal dela.) ·
Com freqüência transparece em Ricardo a idéia de que a quantidade
de trabalho - de fato assim fala por vezes - seria uma soluç!o do falso
problema ou do problema falsamente concebido de urna "medida invariável
do valor" no mesmo estilo em que antes o trigo, o dinheiro, o salário etc.
eram considerados e prescritos como drogas com essa propriedade miracu-
losa. Em Ricardo se impõe essa f;flsa aparência por lhe ser a detenninaçã"o
da magnitude do valor a tarefa decisiva. Por essa razâ'o não apreendeu a
forma específica em que o trabalho é elemento do valor, e sobretudo nâ'o
entendeu que o trabalho individual tem de apresentar-sé como trabalho
geral abstrato e, nessa forma, social Daí rnro ter compreendido a conexâ'o
da formaçâ'o do dinheiro com a natureza do valor e com a deferminação
desse valor pelo tempo de trabalho. ·
A obra de Bailey tem mérito pelo que elucida, com suas objeções, a
confusão entre "medida do valor" - como se apresenta no dinheíro, uma
mercadoria ao lado de outras - e a medida Imanente e substância do valor.
Mas, se ele mesmo tivesse analisado o dinheiro como "medida do valor", nã"o
só como medida quantitativà, mas também como transmutação qualitativa
das mercadorias, teria ele mesmo chegado à análise correta do valor. Em vez
disso fica na mera observaçã'o superficial da "medida do valor" externa -
que já pressupõe o valor-, no domínío das considerações ocas.
Em Ricardo, contudo, encontram-se passagens esparsas onde acentua
diretamente que a quantidade de trabalho contida numa mercadoria consti-
tui a medida imanente de suas magnitudes de valor, das diferenças de
magnitude de seus valores, apenas porque o traballio é o que torna iguais
as diferentes mercadorias, é sua unidade, sua substância, a razão intrínseca
de seu valor. Só que descurou de investigar a forma específica em que o
trabalho tem essa funçtro.

1192
''Quando fazemos do trabalho o fundamento do valor das mercadorias,
e da quantidade relativa de trabalho necessária para produzi-las, a regra
que determina as quantidades respectivas de bens que serão dadas em
troca uma pela outra, não se suponha que negamos os desvios acidentais
e temporários do preço real ou de mercado, oe-0nentes em relação a esse
preço primário e natural" (David Ricardo, On the principles of political
economy, and taxatilm, 3~ ed., 1821, p. 80).
"'Med it.. . é achar quantas vezes.., (as coisas medidas) "•contêm... unta~
de: da mesma espécie. Um franco não é medida do valor para coisa
alguma, exceto para uma quantidade do mesmo metal de que se fazem
francos a nfo ser que esta moeda e a coisa a medir possam ser comparadas
com alguma outia medilla comum a ambas. "h possíVel fazé-lo, acredíto,
pois ambas resultam de trabalho; por ísso.. (por ser o trabalho sua causa
eficiente), "o trabalho é a medida comum pela qual podem ser estimado~
tanto o valor real quanto o valor relativo de ambas" (1. e., pp. 333, 334).

Todas as mercadorias podem ser reduzidas a trabalho, sua unidade. O


que Ricardo não pesquisa é a fonna especifica em que o trabalho se apre-
senta corno unidade das mercadorias. Por isso falta·lhe a compreensâ'o do
dínheír_o. Por isso, a conversão das mercadorias em dinheiro parece.lhe algo
puramente formal e que n!o atinge a fundo o âmago da produçlfo capitalis-
ta. E só. diz isto: apenas porque o trabalho é a unidade das mercadorias,
apenas porque todas elas sâ'o meras configurações dessa unidade, do traba-
lho, é o trabalho que as mede. Só é sua medida por ser sua substância como
valor. Na:o faz Ricardo a distinç!o pertinente entre o trabalho configurado
em valores de uso e o configurado em valor de troca. O trabalho, funda-
mento do valor, nã'o é o trabalho particular, com qualidades particulares.
Ricardo confunde. em regra trabalho representado em valor de uso e tra·
balho representado em valor de troca. Sem dúvida, esta forma do trabalho
é apenas aquela apreendida em forma abstrata.
Por va1or real entende Ricardo, na passagem acima, a mercadoria
enquanto materializaçâ'o de determinado tempo de trabalho. Por valor
rei.ativo, a expressio do tempo de trabalho nela contido nos valores de
uso de outras mercadorias.
Voltemos a Bailey.
Bailey apega-se à forma em que o valor de troca da mercadoria apa·
rece, representa-se em mercadoria. Representa-se de maneira geral quando
expresso no valor de uso de uma terceira mercadoria que serve de dinheiro
- valor de uso em que todas as demais mercadorias também expressam
seu valor - isto é, no preço em dinheiro da mercadoria. Repr~senta-se de
maneita especial quando expresso o valor de troca de uma mercadoria
qualquer no valor de uso de qualquer outra mercadoda, ist~ é, preço em

1193
trigo, preço em linho etc. Na realidade, o valor de troca da mercadoria,·
ao estar representado por outras mercadorias, ~mpre aparece apenas na
relação quantitativa em que elas_se trocam. Cada mercadoria de per si não
pode representar o tempo de trabalho geral, ou só pode representâ-lo em
sua equação com a mercadoria que ê dinheiro, em seu preço em dinheiro.
Mas entã'o o valor da mercadoria A é de maneira constante representado em
quantidade detenninada do valor de uso D, a mercadoria que serve de
dinheiro. -
Esta é a aparência imediata. E a ela apega-se Bailey. A forma mais
superficial em que o valor de troca se manifesta, a relação quantitativa em
que as mercadorias se trocam, é para Bailey seu valor. Fica vedada a investi-
gaçã:o além da superfície, visando atingir o âmago da questão. Ele esquece
mesmo a reflexão simples: se y jardas de linho = x libras-peso de palha,
essa igualdade entre as duas coisas desiguais, linho e palha, as torna rnagni·
tudes iguais. Essa existência delas como coisas iguais tem de diferir por
certo de sua existência como palha e como linho. Não se igualam urna a
outra como palha e linho, mas como equivalentes. Um lado da equação
tem portanto de exprimir o mesmo valor do outro. O valor da palha e do
linho não pode ser palha nem linho, e sim algo comum a ambo~ e·diferentes
de ambos como palha e linho. Que é? Ê·o que ele não respo.nde. Ao contrá-
rio, percorre todas as categorias da economia para repetir sempre a mesma
monótona ladainha, isto é, que o valor é a relação de troca entre.as merca-
dorias e por isso em nada se distíngue dessa relação. · _,.

"Se o valor de um objeto é seu poder de com.pra, ·é mister haver algo a


comprar. Valor portanto nada designa de positivo ou intrínseco, mas a
mera re/JJçlfo em que dois objetos estão entre si como mercadorias inter·
cambiáveis" (Bailey, A Crítica! Dissertation on the Nature, Measures and
Caurernf Value, Londres, 1825, pp. 4, 5).

Toda a sua sabedoría de fato se contêm nesta frase: "Se valor nada
mais é que poder de compra" (deliciosa definiçã'o, uma vez que "compra"
pressupõe, além do valor, a representação do valor em dinheiro), "designa"
etc. Mas, primeiro, depuremos a frase de Bailey do absurdo nela infiltrado
por contrabando ...Purchasing" significa "compra", significa transformaçã'o
de dinheiro em mercadoria, Dinheiro já supõe o valor e o desenvolvimento
d9 valor. De início, p,ortanto, fora com a expressão "compra" (purchasing).
Do contrário explicaremos o valor pelo valor. Em lugar de compra temos
de dizer "troca por outros objetos", Dizer que "é mister haver algo a com-
prar" é wna observaçlfo de tod_o supérflua. Se o "objeto" fosse consumido

1194
como valor de uso por seus produtores, não seria meio de apropriar-se de
outros objetos, nã'o seria ''mercadoria", e assim nlío haveria razio de se
falar em valor.
Primeiro fala-se de objetos. Mas entfo a relação "em que dois objetos
estão entre si" converte-se na "relação ... em que estão entre sL. como
mercadorias intercambiáveis". Os objetos figuram tãO-só na relação de troca
ou como objetos intercambiáveis entre si. Por isso são "mercadorias'', o
que é algo mais que "objetos". Mas a "relaç!o entre mercadorias inter-
cambiáveis" ou é um disparate, uma vez que ªobjetos mto trocáveis" não
sã'o mercadorias, ou entã'o Bailey contesta a si mesmo. Os objetos nâ'o se
trocarão numa ·proporção qualquer, mas se trocarifo como mercadorias,
isto é, estarão um para o outro como mercadorias intercambiáveis, quer
·dizer como objetos dos quais cada um tem um valor e que se trocaril'o
um pelo outro na razl!o da equivalência. Assim teria Bailey admitido que
a taxa a que se trocam as mercadorias, o. poder portanto de cada urna de
comprar a outra é determinado por seu valor, mas esse valor não é deter-
minado por esse poder, que é mera conseqüência.
Por conseguinte, se tirannos da frase tudo que é falso, contrabandeado
ou sem sentido, assumiria ela a forma a seguir.
Um momento. Temos ainda de remover outra esparrela, outro erro.
Temos duas expressões de natureza diferente. "Poder" de troca de um
objeto etc. (uma vez que «compra" sem a idéia de dinheiro é injustificada
e sem sentido) e, "relaç6a em que" um objeto se troca por outros. Se
"poder" for coisa diferente de "relação,., nã:o se deverá dízer que "poder
de troca" é "a mera relação etc.". Se for a mesma coisa, acarreta confusão
designar a mesma coisa com duas expressões diferentes que nada têm de
comum entre si. Relação de uma coisa com outra é uma relaçã'o entre as
duas coisas, e nã'o se pode dizer que pertença a uma delas. Poder de uma
coisa, ao contrário, é algo intrínseco a uma coíSa, embora essa sua qualidade
intrínseca só se possa manifestar em sua relação com outras coisas. Por
e-xemplo, poder de atraçfo é um poder da prôpria coisa, embora esse poder
seja "latente", enquanto nã'o haja outras coisas para atrair. Procura-se aí
apresentar o valor do "objeto" como algo que lhe pertence e apesar disso
existente apenas como "relação". Por isso, Bàiley usa primeiro a palavra
poder e.em seguida a palavra relação.
Na forma exata a frase seria portanto esta:

II95
"Se o valor de um objeto é a relação em que ele se troca por outros ·
objetos, valor designa portanto" (isto é, em oonseqü.éncía do_ "se"}
"nada mrus que a.-relaçfo em que dois objetos estão um para o outro
como objetos intcrcanibiáveis".

Ninguém contestará essa tautologia. Aliás segue-se daí que "valor"


de um objeto "nada designa". Por exemplo: 1 libra-peso de café = 4 libras-
peso de algodão. Qual é enuo o valor de 1 libra-peso de café'! 4 libras-peso
de algodão. _E .o valor de 4 libras-peso de algodã'o? 1 libra-peso de café.
Uma vez que o valor de l libra-peso de café é 4 libras-pesei de algodão, e
o
reciprocamente valor de 4 líbras-peso de algodão = l libra-peso~ ca(é,
é claro que o valor de ·1 libra-peso de café = l libra-peso de café (pois
4 libras-peso de algoda:o = 1 libra-peso de café); a :;; b, b = a; daí
a =.a. Dessa explicação resulta portanto que o valor de um valor de uso
ígl.lala-se na quantidade do mesmo valor de uso. Assim, o valor de libra-
peso de café é nada mais que 1 libra-peso de café. Se 1 libra-peso de
café = 4 libras-peso de algodão, é claro que 1 libra-peso de café > 3
libras-peso de algod[o, e 1 libra-peso de café· < 5 libras-peso de algodlro.
Exprime-se uma relação entre café e algodão tanto ao se dizer que 1 libra-
peso de café > 3 libras-peso de algodão e < 5 libras-peso .de algodâ'o,
quanto ao se dizer que 1 libm-peso de café = 4 libras· peso de algodão. O
sinal "" não expressa mais relação que o sínal > ou <, rrÍas apenas outra
relação. Por que entll'o a relaçã'o de igualdade, com o sinal =, e~pressa o
valor do café em a)god!io e o do algodão em café? Ou e~e sinái de igual-
dade se gera por se trocarem essas quantidades entre si? O s.inal =: expressa
apenas o fato da troca? Não se pode negar que, se café sé'troca numa razão
qualquer por algodã"o, tendo um se trocado pelo outro, e se o mero fato
da troca estabelece a relação entre as duas mercadorias, configura-se o valor
do café no algodã'o, e tanto faz que se troque por 2, 3, 4, 5 libras-peso de
algodlfo. Mas que significa a palavra relaçãb? O café não tem em si quali-
dade "intrínseca, positiva" que determine a relação em que se trocará por
algodã"o. Não é relação ocasionada por qualquer elemento determinante
íntrínse<X> ao café e distinto da troca real. Para que ent.ro a.palavra relação?
Qual é a relação? A quantidade de algodão por que é trocada uma quanti-
dade de café. Nã'o se poderia falar de uma relaçã'o em que esta quantidade
efefua a troca, mas apenas de uma relação em que é ou foi trocada. É que,
·se a detenninação da relação precedesse a troca, esta estaria detenninada
pela relaçílo e na-o a relaçllo por ela. Temos portanto de pôr também de
lado a relação, que é algo que ultrapassa o café e algodão e deles se dis-
tingue.

1196
Assim a frase citada de Bailey assume a seguinte forma:

"Se o valor de um objeto é a quantidade de outro objeto por que é tro-


cado, valor designa, em conseqüência, nada maís que a quantidade do
outro objeto trocada por ele."

Uma mercadoria como mercadoria só pode expressar seu valor noutra


meccadoria, pois para ela o tempo de trabalho geral n!'o existe como merca-
doria. Quando o valor de uma mercadoria se expressa noutra mercadoria,
o valor de uma mercadoria nada mais é que essa sua equaçã'o com outra
mercadoria . .Bailey cavalga essa sapiência {como a concebe, é tautologia,
pois diz: o valor de uma mercadoria, se nada mais é que sua relaçâ'o de
· troca com outra mercadoria, nada mais é que essa relação) de maneira tã'o
incansável que se torna entediante. Sua profundidade filosófica se revela
na seguinte passagem:

"D<> mesmo modo que não podemos falar da distância de um objeto,


sem ter em Vista outro objeto com que o primeiro está em.relaçio de
distância, só podemos falar do valor de uma mercadoria com referência
a ou trtJ mercadt>ria com ela comptlr'1da Uma coisa em si mesma nã'o
pode ter valor sem referência a outni" (não é outra coisa o trabalho
social a que se refere o valor ele uma mercadoria?), "como uma coisa
nio pode afas1;01-.se em si mesma sem referência a outra coisa" (l.c..,
p. S).

Quando uma coisa está distante de outra, a distância é de fato uma


relação entre uma coisa e a outra; mas ao mesmo tempo a distância é algo
diferente dessa relaça-o entre as duas coisas. É uma dimensão do espaço,
um comprúnento detenninado, que tanto pode designar a distância entre
as duas coisas consideradas como entre outras duas. Mas isso não é tudo.
Se falamos da distância como de uma relação entre duas coisas, supomos
algo ..intrínseco", uma "propriedade" das próprias coisas, a qual às capacita
a estarem distantes uma da outra. Qual é a distância entre a letra A e uma
mesa? A pergunta nâ"o faz sentido. Ao falar da distância entre duas coisas,
falamos de sua diferença no espaço. Assim supomos ambas contidas no
espaço, .serem pontos do espaço. Desse modo igualamos ambas como exis-
. tências do espaço, e · só após tê-las igualado sob o aspecto do espaço

1197
distinguimo-las como pontos diferentes do espaço. A unidade delas é perten-
cer ao espaço.*
Mas que é essa unidade dos objetos trocados entre si? Essa troca não
é relação que tenham entre si como coisas naturaís. Nem é relação que
tenham como coisas naturais com necessidades humanas, pois não é o grau
de sua utilidade o que determina as quantidades em que se trocam. Por
conseguinte, que é sua identidade, que os capacita serem trocados um
pelo outro em certas quantidades? A que título se tornam trocáveis? Na
realidade, Bailey em tudo isso apenas repete o autor das .'.'Observações
verbais".
"Não pode" (o valor) "alterar-se para um dos objetos comparados,
sem alterar-se para o outro" {Lc., p. 5).

De novo isso quer dizer apenas que a expressâ'o do valor de uma


mercadoria. noutra mercadoria só como tal expressão pode alterar-se. E a
expressão em si pressupõe n«o uma, mas duas mercadorias.
Bailey acha que, se considerarmos apenas duas mercadorias - em
troca uma pela outra -, acharemos de imediato a mera relatividade do
valor no sentido que lhe confere. Que asno. Como se, para mercadorias
que se 1ro~ entre si - dois produtos que se comportam um cÓm o outro
como mercadorias - não fosse necessário, como o seria no: caso_ de 1000,

* (No tocante ao disparate de Bailey observar ainda: /


Quando ele diz que A está distante de B, não os comp!lfa, mas os distingue no
espaço. Eles n!!C ocupam o mesmo espaço. Não obstante afuma de ambos que estão
no eS'ptiço e se distinguem como perteneentes ao espaço. Equipara-os portanto de
antemfo, dâ·lhes a mesma unidade. Mas aqui trata-se de uma equação.
Se digo que a área do triângulo A é igual à do paralelogramo B, isso não significa
. apenas que a área do triângulo A está expn~ssa na _do paralelogramo B e a deste na
daquele, mas também que, se a altura do triângulo =a e a base "' b, A "' a x b/2,
uma pr2/'.1iedade dele mesmo, como pertence ao paralelogramo a de ser também igual
a a x b /2. Corno áreas, o triângulo e o paralelogramo sã'o aqui considerado& a mesma
coisa, equivalentes, embora dífiram como triângulo e paralelogramo. Para equiparar
uma com a outra e~s coisas diferentes, cada uma tem de expressar independente
da outta a mesma unidade. A geometria fitllia marcando passo se, no estilo da econo-
mia de Bailey, se contentasse em dizer que a igualdade do triângulo e do paralelogramo
significa que o triângulo está expresso no paralelogramo e o paralelogramo no triân·
gulo.) (Nota de Marx.)

60. Ai b deve ser igual ao dobro da base do paralelogramo ou à soma dos dois
lados mais longos, para a fórmula ser correta.

1198
dizer, em que são idênticas. Aliás, onde s6 existissem dois produtos, o
produto não evoluiria para mercadoria e por isso nunca se desenvolveria
o valor de troca. Nã'o haveria necessidade de o trabalho apresentar-se no
produto 1 como trabalho SÓcial. Por ser o produto gerado mro como objeto
imedíato do consumo dos produtores, mas como veículo do valor, como
direíto, por assim dizer, a determinada quantidade d~ todas as materializa-
ções do trabalho social, todos os produtos são forçados a assumir como
valores uma forma de existência distinta de sua existência· como valores
de uso. E este desenvolvimento do trabalho neles contido como trabalho
social, o desenvolvimento de seu valor, determina a formação do dinheiro,
a necessidade de as mercadorias se apresentarem como dinheiro umas
às outras - o que significa apenas: como formas de existência autônomas
do valor de troca -, o que só conseguem excluindo wna mercadoria do
conjunto das mercadorias, medindo todos os seus valores no valor de uso
da mercadoria excluída e por isso transformando de imediato o trabalho
contido nessa mercadoria exclusiva em trabalho geral, soda/.
Bailey éom sua maneira curiosa de pensar, que só se apega ã superfí-
cie dos fenômenos, conclui ao contrário: só se forma a idéia de valor - por
isso o valor, de mera relaça-o quantitativa em que mercadorias se trocam
umas pelas outras, se transforma em algo independente dessa relaçã'o (o
que, segundo ele, converte o valor das mercadorias em a1go absoluto, numa
entidade escolástica existente separada das mercadorias) - porque além
das mercadorias existe dinheiro, e assim estamos acostumados a considerar
os valores das mercadorias não em sua rel.açlío umas com as outras, mas
como relação para ,com uma terceira, como uma terceira relação diferente
da relação imediata. Segundo Bailey, o que leva à formação do dinheiro
e se expressa no dinheiro não é a determinação do produto como valor~
ao revés, é a existência do dinheiro que leva à ficção da idéia do valor.
Sob o aspecto histórico é certo que a ínvestigaçâo do valor se apoia antes
de tudo na expressa:o aparente das mercadorias como valor, no dinheiro,
e por ísso a pesquisa da determinação do valor se apresenta ·(erradamente)
na busca de uma mercadoria de "valor invariável" ou de uma mercadoria
que seja "medida invaríável dos valores". Uma vez que Bailey entâ"o demons-
tra que o dinheiro como medida externa dos valores - e configuraçâ"o do
valor - preenche seu objetivo, embora tenha valor variável, acredita ter
eliminado a questão do conceito do valor ···- que nEo é influenciado pela
variabilidade da magnitude do valor das mercadorias - e não mais se-r
necessano na realidade preocupar-se com uma conceituaçto de valor.
Uma vez que a conriguraç!o do valor de uma mercadoria em dinheiro,
nwna terceira mercadoría exclusiva, ntro exclui a variação do valor dessa
terceira mercadoria, e se suprime o problema da "medida invariável dos
valores", desaparece o próprio problema da detenninação do valor. Com
muíta presunção Baíley estende-se nesse palavrório superficial ao longo
de centenas de páginas.
As passagens seguintes em que sempre repete a mesma coísa sã'o
em parte literalmente copiadas do sabichão "verbal".

Admitam.os "exístam apenas duas mercadorias, ambas trocáveis na


proporçã'o da quantidade de trabalho. Se ..• exigir A em período posterior
o dobro da quantidade de trabalho para ser produzido, enquanto B
continua a exigir apenas a mesma, o valor de A se tomará o dobro do de
B... Mas, embora B fosse produzido pela mesma quantidade de trabalho
anterior, seu valor nfq continuaria .a ser o mesmo, pois se trocaria pela
metade apenas da qu11Rtidade de A, a única mercadoria com que, de
acordo com a suposição, se poderia comprar" (1.c., p. 6).
"Em virtude de termos sempre em vista outras mercadorias"' (em vez de
observar o valai apenu como relaçtfo entre dua$ mercadoriaf) "ou o
dinheiro, quando falamo~ da relação entre duas mercadorias quaisquer,
surge a idéia do valor como algo imanente e absoluto" (Lc., p. 8).
"O que assevero é que, se todas as mercadorias fossem produzidas exata-
mente nas mesmas condições, por exemplo, apenas por trabalho, qual-
quer mercadoria que requeresre sempre a mesma quantidaçle de trabalho
não poderia ser de valor invariável" (isto é, invariável ·na expressã'o de
seu wlor em outras mercadorias. Tautologia.) "se todas.as outras merca-
dorias variasielll" (l .c., pp. 20, 21). ·
"O valor nada tem de imanente e absoluto" {1.c., p. 23). . .·
''E ímpossívei detennínar ou e:rpreuar o valor de uma mercadoria, a ~
ser por uma quantidade de Outra mercadoria qualquer" (l.c., p. 26).

(Tão impossível quanto é "frxar" ou "expreS!JOT" um pensamento,


a não ser por uma quantidade de silabas. Daí conclui Bailey que um pensa-
mento é sílabas:)

"Em vez de ver no valor uma relaçS:o entre dois objetos," (Ricardo e
seus discípulos) "consideram-no um resultado· positivo produzido. por
determinada quantidade de trabalho" {l.c., p. 30).
"Uma vez que 9s valores de A e B, segundo a doutrina deles, estão um
pam o outro como as qualidades de trabalho que os produziram, ou...
do determinados por essas quantidades de trabalho, parece terem eles
concluído que o valor de A sozinho, sem referência a mais nada, se iguala
à quantidade de trabalho que o produziu. Esta última proposiçlo por
certo nío contém sentido" (l.c., pp. 31, 32).
Falllm de ''valor como uma espécie de prc.>ptiedade geral e independente"
(p. 35).
"O valor de uma ffiC[Cadoría tem de ser seu valor em alguma coisa"
(1. e., p. 35).

1200
Estamos vendo porque para Bailey é tão importante lhnitar o valor
a duas mercadorias, concebê-lo como a relação entre duas mercadorias.
Mas surge então uma dificuldade:

"Uma vez que o valor de uma mercadoria indica sua rel11Çtfo na troca
oom outra mercadoria qualquer"

(que significa aí "relaçtfo na troca"? Por que n!ío sua "troca"? Mas ao
mesmo tempo o propósito ê expressar na troca uma relação determinada e
na'o o meto fato da troca. Daí valor =
relação na troca),

"podemos qualificá-lo de va1or em dinheiro, valor em trigo, valor em


tecido, de aoosdo com a mercadoria com que ela é compara.d.a; e assim
há mil efif)écies diferentes de valor, tantas esp1kies de 11alor quantas as
mercadorias que existam, e todos os vaJores d.'o por igual reais e por
igual nominais" (l.c., p. 39).

Chegamos ao ponto. Valor = preço. Não há diferença entre eles. E


não há diferença "intrínseca." entre preço em dinheil'O e qualquer outra
expressão de preço, embora o preço em dinheiro, e não o preço em tecido
etc., seja o que expressa o valor nominal, o valor geral da mercadoria.
Mas, ainda que a mercadoria tenha mil espécies diferentes de valor
ou mil preços diferentes, tantas espécies de valor quantas forem as merca-
dorias existentes - todas essas mil expressões exteriorizam sempre o mesmo
JJalor. A melhor prov·a é o fato de todas essas expressões serem equivalentes
que se podem substituir nessa exteriorização e ainda na própria troca. A
mesma relação da mercadoria, de cujo preço se trata, expressa-se em t 000
diferentes "relações na troca" com as diferentes mercadorias e contudo
exprime sempre a mesma relação. Por conseguinte, a relação que nlfo se
altera distingue-se de suas 1000 diferentes expressões, ou valor difere de
preço, e os preços sã"o apenas expressões do valor: o preço em dinheiro,
sua expreSS!o geral, os outros preços, uma expressã'o particular. Bailey
nem sequer chega a essa conclus[o simples. Aí Ricardo não é ficdonista,
mas Bailey é fetichista, uma vez que, embora não considere o valor proprie·
dade da coisa individual (observada isoladamente), concebe-o como relaçilo
das coisas entre si, quando o valor é apenas configuração nas coisas, expres-
são coisificada de uma relação entre seres humanos, de uma relação social,
o relacionamento dos homens em sua recíproca atividade produtiva.

1201
M Bailey confunde-se ao definir o "valor do trabalho"
e o lucro. Confunde a medida imanente do valor com a
expressão valor-mercadoria ou valor-dinheiro

Sobre o valor do trabalho diz Bailey:

-"Rica.rtlo possui engenho bastante para evitar uma dificuldade que à


primeira vista ameaça opor-se a ~a doutrina, a de que o valor depende
dn quantidade de trabalho empregada na produção. Se nos atemos a
esse princípio com rigidez, segue-se daí que o valor do trabalho depende
da quantidade ·de trabalho empregada para produzi-lo, o que é evidente
absurdo. Por ísso, Ricardo, com um hábil desvio, faz o valor do trabalho
dependec da quantidade de trabalho necessária para produzir o s.alári.o,
ou, para dizer com suas próprias palavras, afirma que o valor do tnbalho
tem de ser calcu/"'10 pela quantidade de trabalho exigida para produzir
o salário e com isso refere-se à quantídade de trabalho .-equerida para
produzir o dinheiro ou as mercador!as dados ao trabalhador. Isso equivale
a dizer que o valor do tecido tem de ser calculado n!"o pela quantidade
de trabalho empregada para produzHo, mas pela quantidade de trabalho
empregada para produzir a;· prata por que se troca o tecido" (1.c.,
pp. 50, 51).

Isso está certo no tocante ao erro de Rícardo, çle fazer o capital


trocar-se diretamente por trabalho e nã'o pela força de trabalho. b a mesma
objeção que já vimos antes noutra forma. 61 Nada mais. A_ comparação de
Bailey não se ajusta à força de traba1ho. Ele tem de comparar a força de
trabalho viva nffo com tecido, mas com um produto orgânico, por exemplo,
carne de carneiro. Além do trabalho que custa o tratamento do gado, e
do trabalho que custa produzir seus alimentos. o trabalho necessário para
produzi-lo nã'o inclui o trabalho que a ele mesmo custa o ato de consumir,
comer, de beber, em suma, absorver aqueles produtos ou alimentos. O
mesmo se dá com a força de trabalho. Em que consiste o trabalho que
custa produzi-la? Fora o trabalho que custa a formação da força de traba-
lho, a educação, a aprendizagem ---- aspecto que quase nã'o se considera
para o trabalhador desqualificado -. sua reproduçã'o não custa outro traba-
lho além do que custa a reproduç!o dos meios de subsistência que o traba-
lhador consome. Não é "trabalho" absorver esses meios de subsistência.
Tampouco o trabalho contido no tecido de lã, excetuado o trabalho do

61. Ver pp.1164-1166 neste volumé.

1202
tecel~o e o trabalho que se insere na lã', nas tintas etc., consiste na açlio
química ou física da própria l!i', pela qual absorve a tinta etc., como o
trabalhador ou o gado, os meios de subsistência.
Bailey procura então derrubar a lei de Ricardo, a de que o valor do
trabalho está na raziro inversa do lucro. E procura derrubá-la no que tem
de verdadeiro. Como Ricardo, identifica mais-valia a lucro. Não menciona
a única exceçã"o possível dessa lei, a saber, quando se prolonga a jornada
de trabalho, e trabaUtador e capitalista continuam com as respectivas cotas
nesse prolongamento, mas mesmo enuro, uma vez que o valor da força de
trabalho se consumirá com mais rapidez - em menos anos -, a mais-valia
sobe às custas da vida do trabalhador, e sua força de trabalho se deprecia
em relação à maiS:.valia que fornece ao capita1ista.
A argumentação de Bailey é da maior superficialidade. Ele parte
de sua idéia de valor. O valor da mercadoria é a expressão do valor dela
em certa quantidade de outro~ valores de uso (no valor de uso de outras
mercadorias). Por conseguinte, o valor do trabalho é igual à quantidade
de outras mercadorias (valores de uso) pelas quais o trabalho se troca.
(Não lhe vem à mente o problema real - como é possível expressar o
valor de troca de A no valor de uso de B). Assim, enquanto o trabalha·
dor receber a mesma quantidade de mercadorias, o valor do trabalho fica
inalterado, pois, como dantes, se expressa na mesma quantidade de outras
coisas úteis. O lucro, porém, expressa uma relação com o capital ou ainda
uma relação com o produto global. A porçiifJ do trabalhador, contudo,
pode permanecer a mesma, embora suba aquela proporção dos capítalistas,
se aumenta a produtividade do trabalho. Não se concebe como, no caso
do capital, podemos chegar de imediato à proporção e qual o proveito
que tal proporçtlo deve ter para o capitalista, uma vez que o valor do que
obtém não é determinado por proporção, mas por sua "expressão em
outras mercadorias".
Na realidade Malthus já se referira a essa idéia lumi.oosa. 62 Salário
= uma quantidade de valores de uso. Ao revés, lucro (o que Bailey na-o
pode dizer) é uma relação de valor.. Se meço o salário pelo valor de uso e o
lucro pelo valor de troca, está bem claro que entre ambos não existe uma
razão inversa nem qualquer razão, porque então compraria grandezas
incomensuráveis, coisas que não têm unidade comum.

62. Ver pp. 1088 e 1089 neste volume.

1203
O que Bailey diz aí do valor do trabalho estende porém, de acordo
com seu princípio, ao valor de qualquer outra mercadoria. Nada mais é
que certa quantidalie de outras coisas pelas quais se troca. Se recebo 1 libra
esterlina por 20 libras-peso de fio . o valor de l libra esterlina pennanece
sempre o mesmo, é sempre pago portanto, ainda que o trabalho para pro-
duzir 1 libra-peso de fio seja numa ocasi:ro o dobro do de outra. O comer-
ciante mais vulgar não acredita que receba o mesmo valor por sua libra
esterlina, quando obtém com ·ela l quai:ter de trigo no tempo de carestia
e a mesma quantidade no tempo de superabundância. Mas aí acaba a idéia
de valor. E permanece apenas o fato inexplicado e inexplicável de se trocar
quantidade de A por quantidade de B numa proporção qualquer. E qualquer
que seja a proporção, expressa sempre um equi.valente. Mesmo a fórmula
de Bailey, o valor de A expresso em B, perde assim todo o sentido. Se o
valor de A se expressa em B, supõe-se que o mesmo valor se expressa ora em
A ora em B, de modo que o valor de A, se expresso em B pennanece o mes-
mo precedente. Mas para Balley n:ro há valor de A a ser expresso em B,
porque nem A nem B têm valor fora dessa expressão. O valor de A em B
tem de ser algo por completo difen~nte do valor de A em C, ta:o diferente
quanto.o são B e C.
E ná'o se trata do mesmo valor, idêntico nas duas expresSl'les, e· sim
de duas relações de A que nada têm de comum entre si e das quais sería
absurdo dizer que são expreSSl'les equivalentes.

"Alta ou baixa do valor óo trabalho ·implica acréscimo ou dectéseimo da


quantídadc de mucadoria que ·$e dá em troca do trabaUto" (1.c., p. 62).

Disparate. Segundo o prisma de Bailey não pode haver alta ou baixa no


valor do trabalho, nem de qualquer outra coisa. Obtenho hoje 3 B por 1 A •
. amanha: 6 B e depois de amanhã' 2 B. Mas em todos esses casos o valor de A
nada mais é que a quantidade de B pela qual se trocou. Era 3 B, agora é 6 B.
Como se pode dizer que seu valor subiu ou caiu? O A expresso em 3 B
tinha valor diferente do expresso em 6 ou 2 B. Mas então nico é o mesmo A
que no mesmo momento se trocou por 3 ou 2 ou 6 B. O mesmo A no mes-
mo momento sempre se expressou na mesma quantidade de B. Só com
relação a momentos diferentes pode-se dízer que o valor de A variou .. Mas
A só se pode trocar por mercadorias "contemporâneas",' e só o fato (nem
mesmo a mera possibilidade de troca) da troca por outras mercadorias é
que torna A um valor. Só a "relaçíío de troca" real é que constitui seu
valor; e a "relação de troca" real só pode sem dúvida ocorrer para o mesmo

1204
A no mesmo momento em que se verifica. Bailey por isso considera dispa-
rate a comparaçâ'o do valor das mercadorias em períodos diferentes. 63
Mas, por ísso, teria também de tachar de disparate a alta ou baixa do valor
- o que é impossível, se não há comparaçã'o entre o valor delas num mo-
mento e esse valor noutro momento - e em conseqüência ainda a "alta ou
'baixa no valor do trabalho•:

"O uabalho é uma coisa trocável, ou que em troca comanda outras coisas;
mas o termo lucro designa apenas uma cota ou propo1ç!I'o de me1cadorlag,
e nd"o um a1tígo que se pode trocar po1 outros a1tigo~ Quando pergunta-
mos se o salái:io subiu, perguntamos se uma porção detenni.nada de traba-
lho se troca por uma quantidade de outras coisas maior que a anterior.

(Assim, se trigo fica maís caro, o valor do trabalho cai, por se trocar
este por menos trigo; em contrapartida, se ao mesmo tempo tecido fica
mais barato, sobe ao mesmo tempo o valor do trabalho, poís por este se
troca mais tecido. O valor do trabalho assim está alto e baixo ao mesmo
tempo, e ambas as expressões de seu valor - em trigo e em tecido - nâ'o Sá'.o
idênticas, nem equivalentes, pois seu valor aumentado nâ'o pode ser igual a
seu valordiminu.ído .)

"Mas, quando perguntamos se· o lucro subiu, queremos saber ... se o


ganho do capitalista está em proporção mais alta com o capital aplicado"
(pp. 62, 63).
"O valo1 do trabalho não depende apenas da proporção do produto
global a qual se dá ao trabalhador em troca do trabalho, mas também da
produtividade do trabalho" (pp. 63, 64).
"A proposição de que o lucro tem de cair quando o salário sobe só é
verdadeira.quando essa elevação nã'o decorre de um ac:réscimo das forças
produtivas" (p. 64).
"Quando essa força produtiva c:resce, isto é, quando o mesmo trabalho
produz mais mercadorias no mesmo tempo, o valor do trabalho pode
subir sem que decresça, ou melhor, mesmo elevando-se o lucro" (p. 66).

(De acordo com esse prisma, também se poderá dizer de qualquer


outra mercadoria que uma alta em seu valor nâ'o acarreta queda no valor
das demais pela qual se troca, ou melhor, poderá até redundar em alta do
valor delas. Por exemplo, imaginemos que o mesmo trabalho que produzia
l quarter de trigo passe a produzir 3 quarters. Os 3 quarters custam 1 libra

63, Bat1ey, A criticai di"ssettation on the ruztu1e, measu1e:r; and cauaesofvalue,


Londres, 1825, pp. 71-93. Ver vol. 2, p. 931, e neste volume, pp. 1208, 1215 e 1216.

1205
esterlina, que era o custo anterior de 1 quarter. Se 2 quarters se trocassem
agora por l libra esterlina, o valor do dinheiro subiria, pois se exprime em
2 quarters, em vez de em um. Assím, o comprador de trigo obtém valor
maior por seu dinheiro. Mas o vendedor que vende por uma libra esterlina
o que custou apenas 2/3, ganha 1/3. E o valor de seu trigo subiu ao mesmo
tempo que caiu o preço em dinheiro do trigo.)

"Seja qual for o produto do traballio de 6 homens, 100 quarters de


trigo, 200 ou 300, enquanto a proporçio do capitalista for um quarto.
essa quarta parte medida em trabalho sem sempre a mesma."
(E isso vale para os 3/4 do produto destinados ao trabalhador, sé
medidos em trabalho.)

"Para o produto de 100 quarteu, dando-se 75 quarters a 6 homens, os


25 quarters destinados aos capitalistas comandariam o trabalho de
2 homens."

(E o que se deu aos trabalhadores comandaria o trabalho de 6


homens.)

"Para o produto de 300 quarte:rs, os 6 homens receberiam 225 quarters,


e os 75 quarters destinados aos capitalistas continuariam a comandar
2 homens e não mais." · ·

(Assim, os 225 quarters destinados a 6 homens continuariam coman-


dando 6 homens apenas.) (Por que então o onipotente Bailey proíbe
Ricardo de calcular em trabalho a porção dos trabalhadores e a do capita-
lista, e de comparar o valor de uma com o da outra, expressos em trabalho?)

"'Dessa maneira, uma alta na proporção que cabe ao capitalista c.on:es-


pondeiia a um acréscimo do valor dos lucros, medido em trabalho",

(Como pode falar do valor do lucro e de um acrés.ci.Íno desse valor,


se "lucro designa ... não um artigo que se pode trocar por outros artigos"
(ver acima) e, em conseqüência, não índica "valor"? E, ademais, é possível
uma alta na proporção destinada ao capitalista, sem queda na proporção
que vai para o trabalhador?)

"ou, noutras palavras, a um acréscúfio do poder de comandar trabalho" (p. 69).

1206
(E esse acréscimo do poder do capítaUsta de apropriar-se de traballio
alheio não tem correspondência exata com o decréscimo do poder do
trabalhador de apropriar-se de seu próprio trabalho?)

"Contra a doutrina do acréscimo simultâneo do lucro e do valor do


trabalho talvez !it! argua que a mercadoria prqduzida é a única fonte
donde capitalista e trabalhador obtêm sua remrmeração, e que por isso
um tem de perder o que o outro gánha. A réplica é óbyia. Enquanto o
produto permanecer o mesmo, a objeção é incontestável; mas é também
incontestável que, se o produto duplicar, a porção destinada a cada um
pode aumentar, embora diminua a proporçtfo de um e aumente a do
outro" (l.c., p. 70).

(Isso é o que diz Rícardo. A proporção de ambos nfo pode aumentar,


e se a porção de cada um aumentar, nã"o pode aumentar na mesma propor·
çii:o, pois do contrário porção e proporção seriam idênticas. A proporção
de um só pode acrescer por decrescer a do outro. Bailey chama a porçíio
do trabalho de valor do "salário" e a proporçlfo, de valor do lucro, e para
ele a mesma mercadoria tem 2 valores, um nas mã'os do trabalhador e outro
nas mãos do capitalista: aí está seu próprio disparate.)

"Enquanto o produto petmanecer o mesmo, a objeção é incontestável;


mas é também incontestável que, se o produto duplicar, a porção desti-
nada a cada um pode aumentar, embora diminua a proporção de um e
.aumente a do outro. Então um acréscimo na p<>rção do p1oduto destina·
da ao trabalhador é um acréseimo no valor de .seu trabalho"

(porque se entende·aí por valor certa quantidade de artigos);

"mas o que constitui uma alta no lucro é um acrésci.mo na proporção


destinada ao capitalísta"

(porque aí se entende por valor os mesm~s artigos mensurados ntro por sua
quantidade, e sim pelo traba1ho neles armazenados);

"por isro"

(isto é, em virtude da absurda mensuraçlío dupla, uma vez pelos artígos,


outra vez pelo valor dos mesmos artigos)

"é clai-o que nada há de inconsistente na $11posiçf'o de um acréscimo


simultâneo de ambos"' (p. 70).

1207
De nada serve essa argumentação absurda contra Ricardo, uma vez
que este afirma apenas que o valor das duas porções tem de aumentar ou
diminuir na razão inversa uma da outra. Tudo nela se reduz a repetir Bailey:
valor é a quantidade de artigos trocados por um artigo. Ao tratar do lucro
teria ele necessariamente de enfrentar dificuldades. Pois aí o valor do
capital se compara com o valor do produto. Usa então o recurso de entender
por valor o valor de uma coisa mensurado em trabalho (à moda malthusiana).

"O valor é uma relação entre mercàdor.ias contempomneai, uma vu que


só estas se podem trocar uma pela outra; e se comparamos o valor de
uma merradoriá num tempo com seu valor noutro tempo, haverá apenas
uma comparação da relaçã'o em que esteve, nesses diferentes tempos,
com outra mercadoiia" (l.c., p. 72}.

Daí, como se dísse, nâ'o haver alta nem baixa de valor, pois isso
supõe sempre comparar o valor de uma mercadoria num tempo por seu
valor noutro. Nem pode uma mercadoria ser vendida abaixo ou acima
de seu valor, pois seu valor é aquilo p'or que é vendida. Vàlor e preço corren-
te sa:o idênticos. Na realidade, também nâ'o se pode falar de .mercadorias
"contemporâneas", nem de valores presentes, mas apenas de: valores passa·
dos. Qual é o valor de 1 quarter de trigo? A libra esterlina por que foi
vendido ontem. Pois seu valor é apenas o que se obteve. em tro·ca dele,
e enquanto não for trocado, sua "relaçã'o com o dinheiro" é apenas ima-
ginária. Mas, logo que a troca se conclui, temos 1 libra ·esterlina em vez
de 1 quarter de trigo, e nâ'o se pode mais falar de valor do quarter de trigo.
Ao comparar os valores de diferentes períodos, Bailey pensa apenas nas
disquísições sobre a variação do valor das mercadorias. por exemplo nos
·séculos XVIll e XVI. A dificuldade aí decorre de a mesma expres.são mone-
tária, em virtude das vicissitudes do valor do próprio dinheiro, designar
em tempos diferentes: valores diferentes. A dificuldade consiste em se
reduzir preços monetários a valor. Mas que asno! No processo de circula·
çã'o ou no processo de reprodução do capital não é constante a comparação
do valor de um período com o de outro, operação em que se baseia a
própria produção'?
Bailey em absoluto não entende o que significa determinar o valor
das mercadorias pelo tempo de trabalho ou pelo valor do trabalho. Não
percebe em absoluto a diferença.

1208
"Desejo que nío pensem conteste eu que os valores das mercadorias estão
cnt.ce si como as quantidade$ de trabalho necess.írias para produzHas,
ou que os valores das mercadorias estã'o entre si como os valores do
truba1ho: ínsisto apenas em que, se a primeira afirmação é verdadeira,
a segunda não pode ~r falsa" (l.c., p. 92).

Para Baíley é a mesma coisa determinar o valor das mercadorias


pelo valor de uma mercadoria (e no caso de ser determinado pelo "valor
do trabalho", é determinado por outra mercadoria; valor do trabalho supõe
·trabalho como mercadoria) ou determiná-lo por um terceiro elemento que
não tem valor nem é mercadoria, mas é a substãncia do va1or e de início
faz dos produtos mercadorias. Na primeira determinação trata-se de uma
medida dos valores das mercadorias; isto é, de dinheiro realmente, de uma
mercadoria em que as ou-tras expressam seu valor. Para isso ocorrer é mister
que já se admitam os valores das mercadorias. A mercadoria mensuradora e
a mensurada já têm de ser idênticas a um terceiro elemento. Na outra
determinação, ao contrário, estabelece·se antes essa própria identidade,
que se exprime no preço, preço em dinheiro ou outro preço.
Bailey identifica a "medida invariável dos valores" à busca de uma
medida imanente dos valores, isto é, à idéia do próprio valor. Enquanto
as duas coisas se confundem, é mesmo instinto racional procurar uma
"medida invariável dos valores". Variabilidade é justamente a característica
do valor. O "invariável" expressa que a medida imanente dos valores não
deve· ser ela mesmo mercadoria, valor, mas antes algo que estabelece o
valor e por isso é também a medido imanente do valor. Bailey demonstra
que os valores das mercadorias podem achar uma expressão monetária .
a
e que, se for dada. telaçd'o de valor das mercadorio.s, todas as mercadorias
podem exprimir seu valor em uma mercadoria, embora o valor desta varie.
Entretanto, o valor no mesmo tempo permanece sempre o mesmo para as
outras mercadorias, pois varia simultaneamente na relação com todas.
Daí conclui Baíley nJro ~r necessária relaçlfo alguma de valor, nem ser
mister procurá-la. Por achá-la exteriorizada na expressão monetária, não
precisa entender como se torna possível essa expressão, como é determi·
nada, e o que na realidade exprime.
Isso se aplica tanto a ele quanto a Malthus, visto que acredita mover-
mo-nos dentro da mesma quesuro, no mesmo domínio, se fazemos da
quantidade de trabalho ou do valor do traba1ho medida dos valores. No
segundo caso supomos os valores cuja medida se prÓcura, a medida externa,
a configuração deles corno valor. No primeiro caso investiga-se a gênese
e natureza imanente do próprio valor. No segundo, a transformação da

1209
mercadoria em dinheiro ou a forma que o valor de troca obtém no processo
de troca das mercadorias. No primeiro, estuda-se o valor independente
daquela configuração, ou antes o pressuPosto dela. :e comum a Bailey e aos
outros asnos: detenninar o valor da mercadoria significa achar sua expressilo
em dinheiro, uma medida externa de seus valores. Só que (seus colegas)64
dizem, levados por um faro racional, que essa medida tem de ter valor inva-
riável, e portanto de estar ela mesma fora da categoria do valor. Bailey,
contudo, diz que nada maís é mister explicar, uma vez que encontramos
na prática a expressão do valor e que essa própria expressão é e pode ser de
valor variável, sem prejuízo de sua função. ·
Particularizando, diz-nos ele mesmo que 100 ou 2GO ou 300 quarters
podem ser o produto do trabalho de 6 homens, isto é, da mesma quantidade
de trabalho; enquanto para ele mesmo "valor do trabalho" s,ignífíca apenas
a parte alíquota que os 6 homens obtêm dos 100, 200 ou 300 quarters.
Essa parte pode ser 50 ou 60 ou 70 quarters por homem. ~s A quantidade
de trabalho e o valor dessa mesma quantidade de trabalho são portanto,
segundo ele mesmo, expressões muito diferentes. E como pode haver aí
.igualdade, se o valor ora se expressa numa coisa ora noutra substancialmente
diversa'! Se 1 quarter de trigo é obtido com o mesmo trabalho que antes
proporcionava 3 quarters, enquanto o mesmo trabalho que-·ántes dava
20 jardas de tecido (ou 3 quarters de trigo) continua ª·dar 20 jardas de
tecido, 1 quarter de trigo calculado pelo tempo de trabalho.. Séria ~gora
igual a 20 jardas de tecido, ou 20 jardas de tecido ·= l quarter· de trigo,
e a 3 quarters de trigo corresponderiam 60 jardas de tecido e nli'o 20. Os
valores do quarter de trigo e da jarda de tecido teriam portanto variado
relativamente. Mas de modo nenhum teriam variado de acordo com o
"valor do trabalho", pois 1 quarter de trigo e 20 jardas de tecido continuam
a ser, como dantes, os mesmos valores de uso. E é possível que l quarter
de trigo nli'o comande mais trabalho que antes.
Se tomarmos uma mercadoría isolada, a afirmaçl'ío de Bailey nlfo
tem sentido nenhum. Se o tempo de trabalho necessário para produzir
uma bota reduzir-se a um décimo, reduzir-se-á a um décímo o valor da bota,

64. Palavras entre par~nteses. coloca.das pelo tradutor.


65. Se, em lfe:r. dos números arbitrários "50 ou 60 ou 70 quarters por homem",
tomarmos os números correspondentes ao exemplo de Bailey, apresentado acima
(p. 830 do manuscrito ou p. 1206 deste volume), obteremos "12 1 /2 ou 25 ou 37 1/2
quarters por homem". ·

1210
o que se vê quando é comparada com todas as outras mercadorias, se
expressa nelas, desde que o trabalho requerido para produzi-las tenha
permanecido o mesmo ou nã"o tenha decrescido na mesma proporçrro.
Entretanto, o valor do trabalho - por exemplo, o salário na fabricação
de botas como em todas as outras indústrias - pode ter pennanecido o
mesmo; pode mesmo ter subido. Na bota isolada se contém menos trabalho,
por conseguinte menos trabalho pago. Mas quando se fala do valor do
trabalho, não se quer dizer que por uma hora de trabalho, por quantidade
menor de trabalho, se pague menos que por uma quantidade maior. A
proposiçã"o de Bailey só poderia ter sentido se referida ao produto total
do capital. Sejam as 200 botas produto do mesmo capital (e do mesmo
trabalho), como a'ntes o eram 100 botas. Nesse caso o valor das 200 botas
será o mesmo do das 100. E poder.se-ia dizer que as 200 botas estão para
as 1 000 jardas de tecido (digamos o produto de 200 libras esterlinas de
capital) como o valor do trabalho posto em movimento pelos dois capitak
Em que sentido? Num sentido que se poderia estender à relaçã'o da bota
isolada com a jarda de tecido?
o valor do trabalho é a parte do tempo de trabalho contido numa
mercadoria, da qual o trabalhador mesmo se apropria; é a parte do produto
na qual está corpor;Jicado o tempo de trabalho pertencente a ele mesmo.
' Se o valor inteiro de uma mercadoria se reduz portanto a tempo de trabalho
pago e tempo de trabalho não pago - e se a proporção do trabalho nã'o
pago com o pago é a mesma, isto é, se @m todas as mercadorias a mais-valia
constitui a mesma proporção do valor global -, é claro que as mercadorias,
se estão umas para as outras como as quantidades globais de trabalho nelas
contidas, terão de estar umas para as outras como partfü alíquotas iguais
dessas quantidades globais de trabalho, isto é, na mesma razão em que o
tempo de trabalho pago numa mercadoría está para o tempo de trabalho
pago noutra.
M : M' = Tt (tempo de trabalho total corporificado em M) : T't'

(tempo de trabalho total corporificado em M').


Tt/x = tempo de trabalho pagO em M, e T't'/x "'tempo de trabalho
pago em M', uma vez que se supõe que em ambas as mercadori.as o
tempo de trabalho pago é a mesma alíquota do tempo de trabalho total.
M ; M' "' Tt : T't'
Tt : T't' = Tt/x : T't '/x
e M : :M' =Ttfx : T't'jx,

ou a razão entre as mercadorias é a mesma que existe entre os tempos de

1211
trabalho pagos que encerram, isto é, entre os valores de trabalho nelas
contúios.
Mas então o valor do trabalha não é determinado como qu~r Bailey.
e sim pelo tempo de trabalho.
Além disso, omitida a conversão dos valores em preços de produç~o
- considerados apenas os valores - os capitais consistem em proporções
diferentes de capitais Yariáveis e constantes. Por isso, desde que se conside-
rem valores, as mais-valias nã'o são iguais, ou o trabalho pago não constitui
a me~a alíquota do trabalho total adiantado. ·
De modo geral, os salários - ou os valores do trabalho - seriam
aí índices dos valores das mercadorias, nã'o corno valores, não por subirem
ou descerem os salários, mas porque a quantidade de trabalho pago que
se configura em salário seria um índice da quantidade global do trabalho
contido nas mercadorias correspondentes. Numa palavra, a idéia se reduz
ao seguinte: se os valores das mercadorias estlio entre si corno T: T' (as
quantidades de tempo de trabalho nelas contídas), a razão entre esses
valores será igual a T/x : T' /x (as quantidades de tempo de trabalho pago
nelas contidas), se a proporç!o do tempo· de trabalho pago com o tempo
de trabalho não pago for a mesma em todas as mercadorias, ou seja, se
o tempo de trabalho pago for sempre lgual ao tempo total d.é trabalho,
qualquer que seja, dividido por x. Mas o "se" ntro corresponde às condições
reais. Admitamos que os trabalhadores trabalhem tempo de trabalho exce-
dente igual nas diferentes indiístrias, ainda assim a relação ·do .téínpo de
trabalho pago com o aplicado varia nas diversas indústrias; porque diverge
a proporç~o. do trabalha imediato empregado com o trabizlha acumulado
aplicado. Por exemplo, 50y + 50c e lOv + 90c. Assim, a primeira mercado-
ria valeria 105; a segunda, 101. Na primeira, o trabalho pago = l/2 do
trabalho adiantado, e na segunda, 1/10 apenas.
Diz Bailey:

"As mercadorias, se estâ'o entre &i como as quantidades, tenro de eitar


entrQ si como os valore~ do trabalho que as produz; pois o contrário
significaria necessariamente que as duas mercadorias A e B poderiam
ter valor igual, embora o valor do trabalho empregado numa fosse maior
ou menor que o valor do trabalho empregado na outra; ou que A e B
poderia ter \"alor desigual, embora o trabalho empregado em cada wna
tivesse valor igual. Mas essa difeJ'ellfa no valor .de duas mercadorÍIIB que
foram pioduzidas por trabalho de igual valor seria inconsistente oom a
reconhecida igualdade dos lucros, a qual Ricardo s:u.stenta em comum
com outrouutores" {l. e., pp. 79, 80).

1212
Na última frase desemboca, sem o saber, numa objeçã'o acertada contra
Ricardo, que de imediato ídentifica o lucro ã mais-valia, e valores a preços
de custo. Corretamente fomiulada, a objeção é esta: as mercadorias, se
vend.idas por seus valores, darão lucros desiguais, pois então lucro = mais-
valia que nelas se insere. E isso é correto. Nã'o contesta a teoria do valor,
mas um erro de Ricardo na apJicaçlío dessa teoria. O asno disse antes que
o resultado do mesmo trabalho pode ser 100, 200, :foo quarters de trigo.
Esse trabalho determina a relação do quarter de trigo com outras mercado-
rias, não importa como varie o valor do trabalho, isto é, quanto dos 100,
200 ou 300 quarters caberá ao próprio trabalhador. O asno teria revelado
alguma coerência se tivesse dito: subam ou desçam os valores do trabalho,
a razã'o entre os -valores das mercadorias é a mesma que existe entre os
valores do trabalho, dado que - segundo suposição falsa - a alta ou baixa
de salário é geral, e o valor do salário é sempre a mesma parte proporcional
da quantidade total do trabalho empregado.

'Y) Bailey confunde valor e preço

"O poder de expresf!Or os valores das mercadorias nada tem que ver

com a constância des!MH valoreiJ"

{é verdade; mas tem muito que ver de início com a descoberta do valor
antes de expressá-lo; com a descoberta da maneira como os valores de
uso, t!Io diferentes· uns dos outros, se enquadram na categoria comum e
na denominação de valores, de modo que o valor de um pode exprimir-se
no outro),
"seja na comparação de: uns com os outros ou no tocante ao meio da
troca empregado. Também nada tem que ver com isso o poder de com·
parar essas expresS(Jes de valor entre si."

(Se os valores das diferentes mercadorias sã'o expressos na mesma


terceira mercadoría, por ma.is variável que seja o valor desta, é sem dúvida
fácil comparar essas expressões já dotadas de denominação comum.)

"Se A vale 4 B ou 6 B"

(a dificuldade consiste em igualar A a uma quantídade qualquer de B; e isso

1213
só é possível se existe para A e B unidade comum, ou se A e B são repre-
sentações diferentes da mesma unidade. Se todas as mercadorias têm de
ser representadas em ouro, ·dinheiro, a dificuldade continuará a mesma.
Tem de haver uma unidade comu:m entre o ouro e cada uma das demais
mercadorias),

"e se C vale 8 B ou 12 B são eircunstâncias que não alteram o poder


de expresiar o valor de A e C em B, nem por certo o poder de comparar
o valor de A e C quando expressos" (pp. 104, 105).

Mas como pode A expressar-se em B ou C '! Temos de considerar


todos, A, B e C, algo diferente do que são na qualidade de coisas, produtos,
valores de uso, para exprimi-los um no outro ou, o que dá no mesmo,
tratá-los como expressões equivalentes da mesma unidade. A = 4 B. Então
o valor de A se exprime em 4 B, e o valor de 4 B em A, de modo que ambos
os lados expressam a mesma coisa. São equivalentes. Ambos são expressões
de igual valor. A coisa seria a mesma se fossem desiguais, ou seja, A > 4 B,
A < 4 B. Em todos esses casos, desqe que são valores, são apenas diferentes
ou iguais em quantidade, mas sempre quantidades da mesma qualidade. A
dificuldade é descobrir essa qualidade.

"A condição necessária no processo é a redução das mercadorias a medir


a uma denominação comum" ·

(por exemplo, para comparar triângulo com todos os demais polígonos


basta reduzir estes a triângulos, expressá-los em triângulos. Mas, para se
fazer isso, consideram-se o triângulo e o polígono 'idênticos, figuras dife-
rentes da mesma coisa - o espaço),

"o que se pode fazer a qualquer tempo com igual facilidade; ou melhor'
está pronto e acabado, uma vez que o que está indicado são os preços das
mercadorias, ou as relações de valor delas com o dinheiro" (l.c., p. 112).
"Medir o valor é o mesmo que expressá-lo" (l.c., p. 152).

Aí agarramos o gajo. Encontramos os valores medidos, expressos nos


preços. Por conseguinte podemos contentar-nos, afirma Bailey, em não
saber o que é o valor. Confunde o desenvolvimento da medida dos valores
para chegar ao dinheiro e ainda o desenvolvimento do dinheiro como
medida padrão dos preços, com o achado da própria idéia do valor em seu

1214
desenvolvimento como medida imanente das mercadorias na troca. Tem
razão em dizer que esse dinheiro não precisa ser mercadoria de valor invarià-
vel; daí conclui não ser necessária para o valor uma determinação indepen-
dente, diferente da própria mercadoria.
Uma vez dado o valor das mercadorias como sua unidade comum, a
medida de seu valor relativo coincide com a expressão deste. Mas não
chegamos à expressão, enquanto não chegarmos a uma unidade que difere
da existência imediata das mercadorias.
É o que se percebe mesmo em seu exemplo referente à distância entre
A e B. 66 Para falar dessa distância já se supõe serem pontos (ou iinhas) do
espaço. Transmutados em pontos e pontos da mesma linha, sua distância
pode ser expressa ém polegadas ou pés etc·. A unidade das duas mercadorias
A e B é à primeira vista sua permutabilidade. São coisas "trocáveis". Como
coisas "trocáveis" são magnitudes da mesma espécie. Mas esta "sua" exis-
tência· como coisa "trocável" tem de ser diferente de sua existência como
valores de uso. Que é isso?
O próprio dinheiro já é representação do valor, e o pressupõe. Dinhei-
ro como medida dos preços já pressupõe por seu lado a conversã'o (teórica)
da mercadoria em valor. Se os valores de todas as mercadorias estão repre-
sentados em preços em dinheiro, posso compará-los; de fato já estão compa-
rados. Mas, para expressar os valores como preços, é mister que antes o
valor das mercadorias se tenha expressado em dinheiro. Dinheiro é apenas
a forma em que o valor das mercadorias aparece no processo de circulação.
Mas como posso representar x de algodão com y de dinheiro? A pergunta
se reduz a isto: como posso em suma expressar uma mercadoria em outra
ou representá-las como. equivalentes? Só o desenvolvimento do valor,
sem dependência da representação de uma mercadoria na outra, é que dá
a resposta.

"Equívoco ... supor que a relação de valor pode existir entrn mercadorias
de períodos diferentes, o que é impossível conforme a natureza da coisa;
e a relação, se não existe, não pode ser medida" (p. 113).

Já vimos antes o mesmo disparate. 67 No dinheiro como meio de


pagamento já existe "a relação de valor entre mercadorias em diferentes

66. Ver pp. 11 97 e 1198 deste volume.


67. Ver pp. 1204, 1205 e 1208 deste volume.

1215
períodos". O processo de circulação completo é comparação constante dos.
valores entre mercadorias em diferentes períodos,

"Se" (o dinheiro) "não é bom meio de comparação entre mercadorias


em diferentes períodos... , é que é incapaz de desempenhar uma função
num caso onde não há para ele função a desempenhar" (p. 118).

O dinheiro tem de desempenhar essa função na qualidade de meio de


pagamento e na de tesouro.
Pura cópia do "observador verbal". E na realidade o segredo de
todo o disparate transparece na passagem seguinte, que me convence ainda
ter Baíley se servido como plagiário das "observações verbais" 66 por ele
cuidadosamente dissimuladas:

"Riqueza é auibuto do homem, valor é atríbuto das mercadorias. Um


homem ou comunidade sã.o ricos, uma pérola ou um diamente são
valiosos" {p. 165).

Uma pérola ou um diamente sã'o valiosos como pérola ou· diamante,


isto ê, por suas qualidades como v~lores de uso dos seres humani;>s, ou seja,
como riqueza. Mas numa pérola ou diamante mro existe algo que estabeleça
entre eles uma relaçlo de troca etc. :
· Bailey torna-se entlo filósofo profundo:

"Diferença do trabalho como causa e como medida, e em geral entre


cousa e medida do valor" (pp. 70 e segs.). ,.

É na realidade importante a diferença (omitida por Bailey) entre


"medida" (no sentido de dinheiro) e "causa do valor". A "causa" do valor
converte valores de uso em valor. A medida externa do valor já pressupõe
a exístêncía do valor. O ouro, por exemplo, só pode medir o valor do algo·
dão se ouro e algodão possuirern corno valor uma unidade distinta de
ambos. A "causa" do valor é a substância do valor e por isso é deste a
medida imanente.

"Todu as circunstâncias ... que na troca das mercadorias exerça.m sobre a


consciência influência manifesta, mediata ou imediata, podem stir consi·
deradas causas do valor" (pp. l.S2, 183).

68. Ver nota ~5 à p. 1142.

1216
Isso significa apenas que a causa do valor de uma mercadoria ou da
equivalência entre duas mercadorias são as circunstâncias que determinam
o vendedor ou ainda comprador e vendedor a considerarem seja o que for
como valor ou equivalente de uma mercadoria. As "círcunstãncías'' que
determinam o valor de uma mercadoria nâ"o se tornam mais conhecidas
por serem qualificadas de circunstâncias que influem ftA "consciência"
dos participantes da troca e que como tais figuram também na consciência
desses protagonistas (talvez não, talvez figuradas ao reverso).
As mesmas circunstâncias (independentes da consciência, embora
nela influam) que obrigam os produtores a vender produtos como merca-
dorias - circunstâncias que distínguem uma forma de produção social
da outra -, dão a seus produtos um valor de troca- que (também nas suas
consciências) é independente do valor de uso. Sua "consciência", sua
mente, pode nã'.o saber absolutamente - para ela pode nA'o existir - o que
de fato determína o valor de suas mercadorias ou seus produtos como
valores. Esta:o engrenados em relações que determinam sua mente sem
precisarem eles saber disso. Cada um pode usar o dinheiro como dinheiro
sem sabe-r o que é dinheiro. As categorias econômicas se refletem na cons·
ciência de maneira bastante invertída. Bailey embute essa q_uestão no domí·
nío do foro íntimo, uma vez que não pode ir mais adiante com a teoria.
Em vez de apresentar a idéia q_ue ele mesmo faz do ''valor" (ou
"causa do valor") diz-nos Bailey: é aquilo que se afigura ao comprador
e vendedor no ato da troca.
Na realidade está subjacente a essa frase pseudofilosófica o seguinte:
( 1) O preço corrente é detenninado por diferentes circunstâncias
que se expressam ria -reJação entre procura e oferta, e influenciam como
tais a "consciência" dos que operam no mercado. Esta é uma descoberta
de considerável importância!
(2) Ao se converterem os vai.ores das mercadorias em preços de
custo entram em conta "cirC':'nstâncias diversas" que influem na consciên·
eia como "razões de compensação" ou assim se llie afiguram. Todavia,
todas essas razões de compensaçio só influem no espírito do capitalista
como capitalista e provêm da natureza da própria produçao capitalista e
não da concepçã'o subjetiva do comprador e vendedor. Ou melhor, existem
na mente deles como "verdades eternas", evidentes por si mesmas.
Bailey, como seus antecessores, agarra-se à confusa-o que faz Ricardo
entre valores e preços de custo, a fim de provar q_ue valor n:ro é determinado
por trabalho, porque preços de custo se desviam de valores. Isso está inteira-
mente certo no tocante à identificação feita por Ricardo, mas não quanto
à própria questão.

1217
Sobre o assunto Bailey cita primeiro o referido pelo próprio Ricardo
sobre a mudança nos valores relativos das mercadorias em conseqüência
de um aumento no valor do trabalho. Em seguida cita o "efeito do tempo"
(diferença no tempo de produção sem haver prolongamento do tempo de
trabalho), o mesmo caso que suscitara escrúpulos em Mill. Não descobre a
contradição geral verdadeira - justamente a existência de urna taxa média
de lucro, apesar da composição díferente do capital, dos tempos diferentes
da circulação etc. Apenas repete ·as formas isoladas onde aparece a contra-
dição, e para a qual o próprio Ricardo e seus sucessores já estavam atentos.
Aí portanto é mero repetidor: nada acrescenta à crítíca.
Ademais, ressalta que os custos de produçfo são a causa principal
do "valor", portanto o elemento principal do valor. Todavia, acentua com
acerto - como o fizeram outro!i autores depois de Ricardo - que há diver·
gências no próprio conceito dos custos de produçifo. Por fun concorda ele
mesmo com Torrens em que os valores sfo detem1inados pelo capital
adiantado, o que está certo para os preços de custo, mas deixa de ter sentido
se não deriva do próprio valor, isto é, se se estabelece que o valor da merca-
doria provém de uma relaç:ro mais desenvolvida, o valor do capital, e n::ío o
contrário.
Sua última objeção: os valores das mercadorias n::ío podem ser medi-
dos pelo tempo de trabalho se o tempo de trabalho num ramo não é do
mesmo nível do tempo de trabalho nos outros, de modo que a mercadoria
em que se corporificam por exemplo 12 horas de um técnico tem' o dobro
do valor da mercadoria em que se materializam 12 horas de um trabalhador
rural. Isso redunda nisto: uma jornada de trabalho simples por exemplo
não é medida do valor se há outras jornadas de trabalho que estão para
as. jornadas simples como jornadas complexas. Ricardo mostrou que esse
fato não impede medir as mercadorias pelo tempo de trabalho se é dada
a relação entre trabalho simples e trabalho complexo. 69 ~ verdade que
deixou de expor como essa relaçlfo se desenvolve e se det~nnina. O assunto
se enquadra na conceítuaç«o do salário e em última análise reduz-se aos
diferentes valores da própria força de trabalho, isto é. aos diferentes custos
de produção dela (determinados pelo tempo de trabalho).
Bailey exprime o que se resumiu acima nas passagens seguintes:

Lond
!'
69. i cardo, on the principles of political economy, and trcxutfon. 3!1 ed.,
1 21 13 15
~
res, o , pp. - .

1218
"De fato nío se contesta que o custo de produção é a circunstância
piincipal que determina as quantidades em que se trocam artigos desse
gênero" (onde não existe monopólio e é possível acreseer a produção
expandindo a indltstria); "mas nossos melhores economistas não concol-
dam no sentidtJ a ser dado ao termo custo de produçã"o; uns acham que
a quantidade de trabalho despendida para produziJ um artigo constitui
seu custo; outros, que o capital nele empregado é que pode ter essa
deslgnaç!o" (l.c., p. 200).
''O que o trabalhador produz sem capital custa-lhe trabalho; o que o
capitalista produz custa-lhe capital" (p. 201).

(Esta a razio que determina o modo de ver de Torrens. O trabalho


que o capitalista emprega só lhe custa ó capital que despende em salário.)

"O que determina o valor da massa das mercadorias é o capital nelas


despendido" (p. 206).

Objeção de Bailey â determinação do valor da mercadoria apenas pela


quantidade de trabalho nelas contida:

''Ora, isso nlo pode ser ve1dadeiro se encontramos exemplos da seguinte


natureza: 1) casos em que duas me1cadorias foram produzidas por igual
quantidade de trabalho, porém vendidas por diferentes quantidades de
dinheiro; 2) casos em que duas mercadorias, antes iguais em valor, se
tornam desiguais em valor, sem alteração alguma na quantidade de
trabalho empregada em cada uma delas" (p. 209).
(Quanto ao primeiro grupo de casos) "nEo basta ceplicar, e-0m Ricaido,
que 'a avaliação em que se apresentam qualidades diferentes de trabalho
logo se ajustam no mercado com suficiente precisão para todos os fins
práticos'; ou, rom Mill, que 'ao se avaliarem quantidades iguais de
trabalho, serio levados em conta, por ce1to, graus difernntes de dificul·
dade e de habilidade'. Exemplos dessa natureza destróem por completo
a ln tegridade d~ regra" (p. 210). .
"Só há do.is métodos possíveis de comparar uma quantidade de trabalho
com outla; um consiste em e-0mpa1á-las pelo tempo deiipendido, e o
outro pelo resultado produrido" (este no sistema de trabalho por peça).
"O pr.imeiro é apliCável a todas as espécies de trabalho; o segundo só
pode sei usado para comparar trabalho empregado em artigos igua,ís.
Por isso, na avaliação de duas espécies de trabalho, se o tempo nio
determina a relação entre as duas quantidades de tiabalho, tem essa
relaçlro de ficar indeterminada e indeterminável" (p. 215).
No tocante aos casos do grupo 2): "Tomemos duas mercadorias qufil&.
quer de igual valor, A e B, uma produzida por capital fixo, e a outra por
tlabalho sem a interferência de máquinas; admitamos que, sem mudança
alguma no capital f'ixo ou na quantidade de trabalho, ocorra elevação
do valor do trabalho. De aco1do com a próp1ia explicação de Ricardo,
altera.c«;;i de imediato a relação entre A e B; ambos tonm-se-io desi-
guais em valor" (pp. 215, 216).
"A esses casos poderemos acrescentar o efeito do tempo oobre o valor.

1219
Se uma mercadoria requer mais tempo que outra para ser produzida, .
embora não exija mais capital nem mais trabalho, seu valor será maior.
Ricardo admite essa causa, mas Mill a contesta etc." (1. c., p. 21 7).

E por fim observa Bailey, e esta é a única inovaça:o que aduz nesse
domínio:

"As 3 espécies 'de mercadorias" (transparece aí de novo o autor das


"observações verbais"; refiro-me às 3 espécies) (isto é, de monopólio
absoluto, de monopólio limitado como no caso do trigo ou de concorrên-
cia perfeita) "de modo nenhum se podem separar. Além de se trocarem
indistintamente entre si, misturam-se umas com as outras na produção.
Por isso, uma· mercadoria pode dever parte de seu valor ao monopólio,
e parte àquelas causas que determinam o valor de produtos não mono-
polizados. Um artigo, por exemplo, pode ser fabricado nas condições da
concorrência mais livre, com o emprego de inatéria-prima sob completo
monopólio que possibilita seu produtor vendê-la pelo sêxtuplo do custo
real" (p. 223).
"Nesse caso, é claro que, embora se possa determinar corretamente o
valor do artigo pela quantidade de capital que o fabricante nele despen-
deu, nenhuma análise poderia converter o valor do capital a quantidade
de trabalho" (pp. 223, 224 ),

Essa observação é correta. Mas aqui n:io se trata de mÓnopóiío, e


só nos ocupamos de duas coisas: valor ou preço de cusm. É claro que
a conversão dos valores em preços de custo tem duplo efeito. Primeiro:
o lucro que se adiciona ao capital adiantado pode estar acima ou ábaixo da
mais-valia encerrada na própria mercadoria, isto é, pode configurar trabalho
não pago em quantidade maior ou menor que o nela contido. Isso ·se aplica
à parte variável do capital e à sua reprodução na mercadoria. Mas, se abstraí-
mos disso, o preço de custo do capital constante - ou das mercadorias
que como matérias-primas,. matérias auxiliares e instrumentos de trabalho,
condições de trabalho, entram no valor da nova mercadoria produzida
- pode estar acima ou abaixo do respectivo valor. Assim nela entra uma
parte do preço a qual diverge do valor, na:o depende da quantidade do novo
tr~balho adicionado ou do trabalho que transforma essas condições de
produção com preços de custo dados em novo produto. Está bem claro
que o que vige para a diferença entre preço de custo e valor da mercadoria
como tal, como resultado do processo de produção, também é válido
para a mercadoria na funç:io de ingrediente que, na forma de capital cons-
tante, entra no processo de produção como condição prévia. O capital
variável, qualquer que seja a diferença que apresente entre valor e preço
de custo, é reposto por determinada quantidade de trabalho que constitui

1220
uma parte componente do valor da nova mercadoria, exprima-se esse valor
no preço de maneira exata, a mais ou a menos. Em sentido oposto, a dife-
rença entre o preço de custo e o valor transfere-se como dado já pressuposto
para o valor da nova mercadoria, desde que, sem depender da própria
produção dessa mercadoria, entre no seu preço.
A diferença entre preço de custo e valor da m.ercadoria se gera assim
de duas maneiras: pela diferença entre preço de custo e valor das merca-
dorias que constituem precondições do processo de produção das novas
mercadorias; pela diferença entre a mais-valia que é de fato adicionada
às condições de produção e o lucro, que se calcula sobre o capital adiantado.
Contudo, toda mercadoria que entra como capital constante noutra. merca-
doria provém ela mesma como resultado, produto, de outro processo de
produção. E assim a mercadoria aparece alternativamente como precondição
para produção de outra mercadoria e como resultado de wn processo onde
outras mercadorias constituem precondição de sua própria produção. Na
agricultura (pecuária) a mesma mercadoria aparece ora como produto ora
como condição de produção. .
Éssa importante variação dos preços de custo em relação aos valores
- gerada pela produção capitalista - em nada altera a circunstância de os
preços de custo continuarem a ser determinados pelos valores.

4. McCulloch

a) Versão vulgar e dissolução do sistema ricardiano sob a


aparência de aperfeiçoamento lógico. Apologia cínica
da produção capitalista. Ecletismo sem escrúpulos

McCulloch é o vulgarizador da economia ricardiana e ao mesmo tempo


ofereceu a imagem mais deplorável de sua dissolução.
Além de Ricardo vulgariza James Mill.
Aliás, economista vulgar em tudo; apologista do consagrado. Seu
úniéo medo, que atinge as raias do cômico, é a tendência a cair do lucro.
Apraz-lhe plenamente a situação dos trabalhadores e sobretudo todas as
contradições da economia burguesa que pesam sobre a classe trabalhadora.
Tudo aí é róseo. Nesse contexto até nota que:

1221
"a i.nt.roduçã'o de máquinas num ramo qualquer ocasiona uma procura
igual ou maior noutro ramo, dot trabalhadores dispenrados. " 7 º
Desvia-se aí de Ricardo; e em seus trabalhos posteriores conserva a
mesma doçura ao tratar dos proprietários das terras. Mas toda a sua ternura
ansiosa devota-a aos pobres capitalistas, ao considerar a tendência a cair
da taxa de lucro.

"McCulloch n!o parece procurar, como outros exposítore:; de uma


ciência,_ diferenças caracterliticas, mas apenas timilitudes; e proce-
dendo de acordo com esse pdncípío é levado a confundir coisas mate.-
II.ais e imateriais, trabalho produtivo· e improdutiva, capital e renda
(1evenue), aliinentos dos trabalhadores e os próprios trabalhadores,
produção e consumo, trabalho e lucro" {Maltbus, Defln. in Pol. Ec.- etc,
Londres, 1827, pp. 69,:70).
"McCulloch em sua obra Princ. of Pol. Econ., Edimbú.rgo, 1825. divide
o valor em real e relativo ou valOT de troco; o primeU:o, diz ele à p. 211,
'depende da quantidade de trabalho despendido na sua apropiiaçio ou
para produ:rJ.lo, e o segundo, da quantidade de trabalho ou de qualquer
outm mei:cado1UI por que se troca'; e esses dois valmes são, diz, ele
(p. 215), idê11tico1 no estado ordinário das coisas, isto é, quando a
oferta de mercadorias no mei:cado é a rigor correspondente à procura
efetiva delas. Ora, se forem idênticos, as duas quantidades ~e trabalho
à que se refere terão de ser também idênticas. Mas à p. 221 diz-nos que
não s:Ko, pois uma inclui Juc;ro, enquanto a outra o ~foi" (Cazenove,
Outlines of Pofü. Econ_ ele.• Londres, 1832, p. 25). ·

E McCulloch diz na obra citada (Principies of Political Economy),


à p. 221:

"Na realidade" (urna mercadoria) "trocar-se-á sempre por mais" (trabalho


que aquele por que foi produzida); "e é efGíl sob1'11 que constitui o
lucro."

Temos aí um exemplo do fulgurante método desse escocês com sua


refinada mistificação.
As divergêncías de Malthus, Bailey etc. levam.no a distinguir entre
valor real e valor de troca ou relativo. Mas ele o faz - em princípio - tal
como encontra a diferença em Ricardo. Valor real, a mercadoria considerada

70. McCulloch, The principles of political economy, Edimburgo. 1825, pp.


181 e 182. Marx cita aí segundo a obra anônima de Cazenove, Outlines of política!
economy, Londre•, 1832, pp. 119e120'(vertambémpp.1122e1123 ~este volume).

1222
em relação ao trabalho necessário para produzi-la~ valor relativo considera·
se a proporção entre mercadorias diferentes que podem ser produzidas
no mesmo espaço de tempo e por isso são equívalentes; dai poder o valor
de.uma expressar-se em quantidade do valor de uso da outra que custa o
mesmo tempo. de trabalho. O valor relativo da mercadoria nesse sentido
ricardiano é tão-só outra expressão de seu valor ~eal e significa apenas
que as mercadorias se trocam na r.izão do tempo de trabalho nelas contido,
ou seja, o tempo de trabalho contido em ambas é igual. Portanto, se o preço
de mercado de uma mercadoria é igual a seu valor de troca (como ocorre,
quando procura e oferta coincidem), a mercadoria comprada encerra tanto
trabalho quanto a vendida. Realiza apenas seu valor de troca, ou é vendida
tão-só por seu valor de troca, quando se recupera·na troca a mesma quanti-
dade de trabalho que nela se cede. -
Tudo isso registra McCulloch, repetindo com acerto a lição. Só que
aí vai longe demais, pois já se empanz.inara com a definição malthusíana de
valor de troca - a quantidade de trabalho assalariado que uma mercadoria
comanda, Assim considera o valor relatívo como a "quantidade de trabalho
ou de - qualquer outra mercadoria pela qual se troca uma mercadoria".
Ricardo, com referência ao valor relativo, sempre fala apenas de mercadorias
e exéluí trabalho, visto que na troca de mercadorias só se realiza lucro por
não se trocarem, na troca de mercadoria por trabalho, quantidades iguais
de trabalho. Ao acentuar, logo no início de sua obra 71 , que a determinação
do valor da mercadoria pelo tempo de trabalho nela contido diverge sobre-
modo da determinação desse valor pela quantidade de trabalho que ela
pode comprar, Ricardo estabelece a diferença entre a quantidade de traba-
lho que uma mercadoria contém e a quantidade de trabalho que comanda.
Ademais, exclui a troca entre mercadoria e trabalho do valor relativo de
uma mercadoria. Porque, se uma mercadoria se troca por uma mercadoria,
trocam-se quantidades iguais de trabalho. Se se troca pelo próprio trabalho,
trocam-se quantidades desiguais de trabalho, e a produyão capitalista se
apóia na desigualdade dessa troca. Ricardo nã"o esclarece como essa exceção
se ajusta ao conceito de valor. Daí as divergências entre seus sucessores.
Mas com instinto certo faz a exceção. (Na realidade nã'o é exceção, embora
o seja em sua concepção.) McCulloch vai portanto mais longe que Ricardo,
parece ser mais coerente.

71. Ricardo, On the pTinciples of political economy, ar1d taxatíon, 311 ed.,
Londres, 1821, pp. 1-12.

1223
No seu sistema não há rupturas. Tanto faz que uma mercadoria se .
troque por outra ou por traba1ho, essa relação de troca é o valor relativo
de wna mercadoria. E se as mercadorias trocadas se vendem por seu valor
(isto é, procura e oferta coincidem), esse valor relativo é sempre a expressão
do valor real. Isto é, há quantidades iguais de trabalho nos dois pólos da
troca. Assim, "no estado nonnal das coisas", uma mercadoria só se troca
por uma quantidade de salár_io igual à 9uantidade de trabalho que nele se
contém. No salário, o trabalhador recebe tanto trabalho materializado
quanto o que na troca restitui em trabalho imediato ao capital. Com isso
desaparece a fonte da m_ais-valia e se lança por terra toda a teoria ricardiana.
Desse modo McCulloch primeiro deita-a abaixo, embora pareça aprimorar-
lhe a consistência.
E depois? Sem maiores escrúpulos deixa Ricardo para refugiar-se
em Malthus, para quem o valor da mercadoria é detenninado pela quanti-
dade de traba1ho que ela compra e que tem sempre de ser maior que a nela
contida. Só que em Malthus isso se exprime como o que é, em oposição
a Ricardo, e McCulloch adota esfa antinomia depois de ter acolhido a
expressão ricardiana com uma coerência aparente (isto é, conLa-coerência
da leviandade) que dissolve o sentido da teoria ricardiart:a. Por isso Mc-
Culloch não entende e deixa escapar o âmago da doutrina ricardiana: o
lucro se realiza porque as mercadorias se trocam por seu valo~. -Uma vez
que o valor de troca ~ que, segundo McCulloc_h, "na situação normal do
mercado" é igual ao valor real, mas "na realidade" é sempre maior, pois
o lucro se fundamenta nessa sobra (bela antinomia e maravilhosa idéia que
se baseiam numa expressão, "na realidade") - é "a quantidade de trabalho
ou de qualquer .outra mercadoria" por que a mercadoria se troca, estende-se
a "qualquer outra mercadoria" o que vale para "trabalho". Isso significa
que a mercadoria se troca por mais trabalho imediato que o que nela se
contém e ainda por mais trabalho materializado nas outras mercadorias
que o nela mesmo contido; isso é o "lucro de expropriação" (profit upon
expropriation), e assim retrocedemos aos mercantilistas. Malthus tira essa
conclusão. Ela está evidente em McCulloch, só que aliada à pretensão de
desenvolvimento do sistema ricardiano.
E essa dissolução completa do sistema ricardiano em parlapatices
- dissolução que se pavoneia de ser o acabamento coerente - adotou-a
a camada vulgar, sobretudo o rebotalho continental (sem faltar Roscher

1224
. naturalmente), como a conseqüência do _sistema ricardiano levado ao extre-
mo, ao nível culminante; a súcia acredita tanto em McCulloch que o "pigar-
rear e cuspir" 72 ricardianos com que ele oculta seu ecletismo frágil, leviano
e sem escrúpulos, passam a ser uma tentativa científica real de dar um
arremate coerente ao sistema.
McCulloch é pura é simplesmente um homem. que queria tirar vanta-
gem da 'economia ricardiana, o que conseguiu de maneira admirável. Lembra
Say aproveitando-se de Smith, só que Say teve pelo menos o mérito de pôr
o sistema smithiano em certa ordem formal e às vezes, fora seus equívocos,
admite escrúpulos teóricos. Uma vez que McCulloch primeiro obteve por
meio da economia de Ricardo uma cátedra em Londres, era seu negócio
aparecer de inído como ricardiano e sobretudo -participar na luta contra
os donos das terras. Logo que tomou pé e obteve uma posição apoiando-se
nas costas de Ricardo, seu esforço principal concentrou-se em lecionar
economia política, em especial a ricardiana, enquadrando-a na política
dos whigs, e em invalidar as conclusões que a estes eram incômodas. Suas
última~ obras sobre moeda, impostos etc. são meros arrazoados em defesa
do gabinete whig da ocasião. Com isso, o homem obteve cargos rendosos.
Seus trabalhos estatísticos são meios de extrair dinheiro. A dissolução
leviana e a visão vulgar da teoria revelam-se aí também no próprio gajo
como figura vulgar sobre o que direi ainda algo mais tarde, antes de nos
despedirmos desse escocês espertalhão.
Em 1828 McCulloch editou Wealth of Nations de Smith, e o quarto
volume dessa edição contém suas próprias notas e dissertações onde repro-
duz em parte, Pª!ª encher o volume, trabalhos ruins que antes publicara
e que nada têm que.ver com a matéria, como o relativo a "morgadio"
("entail") etc.; ora repete quase literalmente suas preleções sobre a história
da economia política e, como ele mesmo diz, "muito haure delas"; ora
procura assimilar a seu jeito o que, entrementes, apareceu de novo como
contribuição de Mille dos adversários de Ricardo.
Em sua obra Principies of Pol. Econ. McCulloch nada mais faz que
reproduzir suas "notas" e "dissertações", que ele mesmo já extraíra de

72. Alusão às palavras de um soldado no diama de Schiller, Wallenstei'n (Pri-


meira parte, cena. VI): "Como ele pigarreia e cospe, /Você reproduziu com perfeição!/
Mas o talento dele, diiei, o espírito /Não se revela no desfile da guarda." No original:
Wie er rã"uspert und wie er spuckt,/ Das habt ihr ihrn glücklich abgeguckt! /Aber sein
Genie, ich rneinc, sein Geist/ Sich nicht auf der Wachtparadc weist."

1225
suas "obras dispersas" anteriores. Só que a matéria ainda piora nos Princi-.
pies, porque cometer incoerências em notas é menos significativo que numa
exposição que se pretende metódica. Assim as passagens citadas acima, em
parte cópia literal das notas etc.; parecem um pouco menos inconsistentes
nas ''notas" do que nos .Principies (além disso, os.Principies contêm plágios
de Mill, ampliados com as exemplificações mais absurdas e com reimpressões
de artigos sobre comércio de cereais etc., que já publicara e republicara
talvez literalmente e sob 20 títulos diferentes em diversas revistas, várias
vezes ainda na mesma revista em diferentes períodos).
, No mencionado vol. IV de sua edição de Smith (Londres, 1828) diz
Mac (repete a mesma coisa literalmente em seus Principies of Pol. Eccm ..
mas sem as distinções que nas "notas" ainda considerava necessárias):

"~ mister distinguir entre o valor de 110ca e o real ou 11alor de custo


das mercadorias ou produtos. Pelo primeiTo, ou por valor de troca de
wna me.rcadoria ou produto, entendemos o poder ou capacidade de se
trocar por outras meICadorias ou por trabalho; pelo &egundo ou por
valor real ou de custo, a quantidade de trabalho requerida para p1oduzí-
las ou nos ap1opriarmos deJas, ou antes a quantidade que seriá necessária
para a produção ou apropiiação de uma mercadoria similar. no tempo
em que se faz a investigação" (l.c., pp. 85, 86). .
"Uma mercadoria produzida por certa quantidade de t,rabalho" (quando
a oferta de mercadorias é igual à procura efetiva) "troca-se regularmente
por qualquer outra mercadoria produzida pela mesma quantidade de
trabalho ou a compra. Todavia, nunca se t,ocará a rigor pela mesma
quantidade de trabalho que a produziu ou a comprará; mas, embon
não o faça, trocar-se-é sempre pela mesma quantidade de trabalho, ou
comprará a mesma quantidade, em cotejo com qualquer outra mercado·
ria produzida como ela própria nas mesmas circunstâncias ou por meio
da mesma quantidade de trabalho" (1.c., pp. %, 97).
"Na realidade" (repete essa expressã'o literalmente nos Principies, pois na
realidade sua dedução toda se reduz a "na realidade") ••trocu-se-á" (a
mercadoria} "sempre por mais" (isto é, mais traballio que aquele que a
produziu); "e é essa :Dbra que constitui o lucro. Nenhum capital teria
motivo algum" (como se na troca de mercadorias e na pesquisa de seu
Valor os motivos do comprador constituíssem a questão em foco) "de
trocar o produto de dada quantidade de trabalho já .realizado pelo produ·
to da mesma quantidade de trabalho a realizar. Isso seria emprestar"
("trocar" passaria a ser "emprestar") "sem recebe1 juzo algum pelo
empréstimo" (1.c., p. %).

Comecemos pelo fim.


O capitalista, se não recuperar mais trabalho que o que adiantou no
salãrio, "emprestará" sem "lucro". O que importa explicar é como é possí·
vel o lucro, se as mercadorias (trabalho ou outras mercadorias) se trocam

1226
por seu valor. E a explicação é que nenhum lucro seria possível se se trocas-
sem equivalentes. Primeiro supõe-se que capitalista e trabalhador "efetuam
trocas". Então, para explicar o lucro supõe-se que "não" efetuam trocas,
mas que um empresta (dá portanto mercadoria) e o outro toma emprestado,
isto é, só paga depois de ter recebido a mercadoria. Ou, para explicar o
lucro, diz-se que o capitalista ..nenhum juro" obteve se nlro conseguiu lucro.
Desse modo deturpa-se a questão. A mercadoria com que o capitalista paga
o salário e a mercadoria· que recebe de volta como resultado do trabalho
sã"o valores de uso diferentes. Assim, não recebe de volta a coisa que adian-
tou, nem a recebe quando troca uma mercadoria por outra. Tanto faz que
compre outra mercadoria ou que compre a mercadoria específica trabalho
que lhe gera a outra mercadoria. Para répor o valor de uso que cede recebe
outro valor de uso, como em toda troca de mercadoria. Entretanto, se
consideramos apenas o valor da mercadoria, jã não é uma contradição
trocar "dada quantidade de trabalho já realizado" pela "mesma quantidade
a realizar" (embora o capitalista só pague de fato, depois de o trabalho
estar realizado), nem trocar wna quantidade de trabalho realizado pela
mesma quantidade de trabalho realizado. A última proposição é uma tauto-
logia insulsa. A primeira pressupõe que "o trabalho a realizar" se materialize
noutro valor de uso como o fez o trabalho realizado. Neste há portanto
uma diferença,· daí um motivo de troca oriundo da própria relação~ naquele
nlfo, uma vez que a só se troca por a enquanto na troca se trate da quanti·
dade de trabalho. McCulloch refugia-se por isso no motivo. É o motivo do
capitalista, de recuperar "quantidade de trabalho" maior que a que dã.
Explica~se o lucro pela circunstância de o capitalista ter o motivo de obter
"lucro". Mas o meSm.o se poderia dizer da venda de rpercadorias pelo
comercíante, de toda venda de mercadorias com o objetivo não de consumo
e sim de ganho: falta-lhe motivo para trocar a mesma quantidade de traba-
lho realizado pela mesma quantidade de trabalho realizado. Seu motivo é
obter mais trabalho realizado em troca do que cede. Por conseguinte tem de
obter, na forma de dinheiro ou mercadorias, mais trabalho realizado que o
que cede na forma de mercadoria ou de dinheiro. Por isso tem de comprar
mais barato do que vende, e vender mais caro do que comprou. Assim, o
lucro de alienação (upon alienation) não se explica por se adequar o vende·
dor à lei do valor, mas por comprador e vendedor não terem "motivo" de
comprar ou vender de acordo com a lei do valor. Esta a primeira descoberta
..sublime'' de McCulloch, maravilhosa no sistema ricard.iano, e que procura
demonstrar como se impõe a lei do valor apesar dos "motivos'' do vendedor
e comprador.

1227
De resto, a exposíçã'o de McCulloch nas "notasº distingue-se de.
sua exposição nos Principies apenas pelo seguinte:
Nos Principies discrimina '\talor real" de ''valor relativo" e diz que
ambos "em circunstâncias nonnais" são iguais, mas "na realidade", para
haver um lucro, não podem ser iguais. Por conseguinte diz apenas que a
"realidade" contradiz o ..princípio".
Nas "notas" distingue três espécie de valores: ''valor real", "valor
relativo" de uma mercadoria na troca por outras mercadorias, e valor
relativo de uma me:rcadoria trocada por trabalho. O "valor relativo" de
uma mercadoria na troca por outra mercadoria é seu valor real e expresso
em outra mercadoria. Ou num "equivalente". Mas seu valor relativo na
troca por trabalho é seu valor real expresso em outro valor real, que é
maior que ele mesmo. Isto é, seu valor é a troca por um yalor maior, um
não equivalente. Se for trocado por um equivalente em trabalho, não
haverá lucro. O valor de uma mercadoria na troca por trabalho é um valor
maior.
Problema: A definição ricardiana de valor contradiz-se com a troca
de uma mercadoria por trabalho. ,
Solução de Mac: Na troca de uma mercadoria por trabalho não
existe a lei do valor, mas seu oposto. Do contrário seria impossível explicar
o lucro. O lucro, para ele que é ricardiâ.no, deve explicar~se pela lei do valor.
Solução: A lei do valor (nesse caso) é o lucro. "Na realidade", Mac
expressa apenas o que dizem os advet'lários da teoria ricardiana, isto é, que,
se vigorasse a lei do valor na troca entre capital e trabalho, não existiria
lucro. Dizem que por isso é falsa a lei ricardiana do valor:Mac diz que para
esse caso, que deve explicar por meio dessa lei, ela não existe, e que nele
''valor" signífica outra coisa. Daí ressalta que está longe de entender a lei .
ricardiana. Teria de dizer ao contrário: o lucro no intercâmbio de merca·
darias que se trocam na razão do tempo de trabalho explica-se pela circuns-
tância de encex:rar-se nas merêadorias trabalho "não pago". Assim a troca
desigual entre capital e trabalho explica a troca das mercadorias por seu
valor e o lucro que se realiza nesta troca. Ao .invés disso diz: mercadorias
que encerram quantidade igual de trabalho comandam quantidade igual de
excedente de trabalho, a qual nelas não está contida. Dessa maneira pre-
tende conciliar as proposições ricardianas com a de Malthus, uma vez que
se introduziu uma identidade entre determinação do valor das mercadorias
pelo tempo de trabalho e a determinação do valor das mercadorias pelo
comando de trabalho. Mas que quer dizer ao afirmar que mercadorias que
encerram a mesma quantidade de tempo de trabalho comandam o mesmo

1228
excedente de trabalho que ultrapassa o trabalho nelas contído? Quer dizer
apenas que mercadoria onde se encerra determinado tempo de trabalho
comanda detenninada quantidade de trabalho que excede o que nela se
materializa. Na expressão da fônnula malthusiana já se insere a validade
disso tanto para a mercadoria A, que contém o tempo x de trabalho, quanto
para a mercadoria B, que contém o mesmo tempo x.,
Para Mac, a solução da contradição é portanto esta: se vigorasse a
lei ricardiana dos valores, seria impossível o lucro e, em conseqüência, o
capital e a produção capitalista. Ê justamente o que afü:mavam os adversá-
rios de Rícardo. E é o que Mac lhes responde para os contestar. E então
deixa de perceber como é prodigiosa esta explicação do valor de troca na
troca por trabalho: valor e a troca por üm não-valor.

b) M.cCulloch deturpa o conceito de trabalho ao estendê-lo a


processos naturais. Identifica valor de troca com valor de uso

Depois de abandonar assim a base da economia ricardíana, McCulloch


ainda vai mais longe e dissolve o fundamento dessa base.
A primeira dificuldade no sistema ricardiano era explicar a troca entre
capital e trabalho de modo a corresponder à '"lei do valor".
A segunda, a circunstância de capitais de igual magnitude, seja qual
for sua composiç~ orgânica, proporcionarem htcros iguais ou a taxa geral
de lucro. Na realidade ignora-se o problema de detennínar como os valores
se convertem em preços de custo.
A dificuldade vem de que capitais de magnitude igual mas de composi-
ção desigual - decorra esta de proporções desiguais de capital constante e
variável ou de fixo e circulante, ou de tempos desiguais de circulação -
põem em movimento quantidades desiguais de trabalho imediato, e em
conseqüência não podem se apropriar, no processo de produção, de quanti·
dades iguais de trabalho não pago, nem de mais-valia ou produto excedente
iguais. Nem de lucros iguais portanto, se o lucro é apenas a mais-valia
calculada em relação ao valor de todo o capital adiantado. Mas, se a mais-
valia fosse algo diferente de trabalho ( niib pago), o trabalho não seria
absolutamente o "fundamento e medida" do valor das mercadorias.
As dificuldades que aí se patenteiam descobrira o próprio Rícardo
(embora nã'.o em sua forma geral) e as registrara como exceções à regra do

1229
valor. Armado com essas exceções Malthus jogou abaixo a regra, conside-
rando que as exceções constituíam a regra. Torrens, também criticando
Ricardo, expressou pelo menos o problema ao dizer que capitais de igual
11t4grtitude põem em movimento quantidades desiguais de trabalho e não
obstante produzem mercadorias com valores iguai.s, e par isso o valor não
é determinado pelo trabalho. Bailey idem etc. Mill por seu lado aceitou as
exceções registradas por Ricardo como exceções. sem lhe causarem escrú-
pulos, exceto numa única forma. Uma razão especial de nivelamento dos
lucros do capitalista é o que achava em contradição com a regra. E a razã:o
era esta: certas mercadorias permanecem no processo de produção (vinho
na adega, por exemplo) sem nelas se aplicar trabalho, período em que se
expõem à ação de certos processos naturais. (Assim, por exemplo, longa
interrupção do trabalho, não registrada por Mill, na agricultura, nos curtu-
mes, antes de se empregarem certos agentes químicos.) Contudo, esse tempo
é computado como gerador de lucro. Considera-se tempo de trabalho o
tempo em que não se aplica trabalho à mercadoria. (De modo geral ocorre
o mesmo quando se considera o tempo mais prolongado da circulação.)
Mill escamoteou, por assim dizer, ,o embaraço, ofinnando que se podia
considerar o tempo em que o vinho pennanecia, por exemplo, ,µa adega,
como tempo em que absorvia trabalho, embora, segun40 ,pressuposto,
isso nã'o fosse de fato o caso. De outro modo seria mister dizer que o tempo
gera lucro, e o tempo em si é "som e fumo". McCulloch apóia-se naquela
parlapatíce de Mill, ou melhor, a reproduz em seu costumeii:;o estilo afetado
de plagiário, numa fonna geral em que o disparate latente se patenteia
e se realiza a ventura da destruição do resíduo final do sistema ricardiaim
e de todo o pensamento econômico em geral.
Em análise mais detida as dificuldades mencionadas acima se reduzem
todas à seguinte:
Do capital, a parte que entra no processo de produção na forma de
mercadoria, como material ou instrumento, não acrescenta ao produto mais
valor que o que possuía antes da produção. Por ter valor somente na condi-
ção de trabalho cozporificado, e de maneira nenhuma se álterai o trabalho
nela contido com sua entrada no processo de produç!o. g tão· útdependente
do processo de produçã"o em que entra e tão dependente do trabalho social-
mente detenninado e exigido para produzi-la, que seu próprio valor muda
quando, para reproduzi-la, é mister menos ou mais tempo de trabalho que
o nela contido. Por isso, essa parte do capital, como valor. entra inalterada
no processo de produçã'o e dele sai inalterada. Desde que materialmente
nele entre e se modifique, esta é uma modificação que atinge seu val.or de

1230
uso, em que desaparece como valor de uso. E todas as operações por que
as matérias-primas passam ou que o instrumental de trabalho executa são
meros processos em que se consomem por serem matéria-prima etc. e
instrumental (fusos etc.) determinados, processos que dizem respeito a
seu valor de uso e que, como tais, nada têm que ver com o valor de troca.
Nessa transformação mantém-se o valor de troca. Eís tudo.
A coisa difere com a parte do capital a qual se troca por força de
trabalho. O valor de uso da força de trabalho é trabalho, o elemento que
gera o valor de troca. Dado que o trabalho que a força de trabalho fornece
durante o consumo industrial é maior que o trabalho que se requer para
reprodu7i-la e que proporciona um equivalente para o salãrio, o valor que
o capitalista recebe na troca com o trabalhador _é maior que o preço que
pagou por esse trabalho. Admitidas taxas iguais de exploração do trabalho,
segue-se que, de dois capitais de igual magnitude, o que puser em movi-
mento menos trabalho vivo - seja porque de início a parte variável em
relação à constante é menor, seja porque é maior o tempo de circulação
ou o tempo de produção em que não se troca pot trabalho, com este não
tem contacto nem o absorve - criará menos mais-valia e em geral merca~
doria de menor valor. Como podem então os valores criados por ser iguais
e as mais-valias guardar proporção com o capital adiantado? Ricardo nãü
poderia responder à questão, pois a pergunta assim formulada é absurda,
dado que na realidade os valores e as mais-valias produzidos não sã'.o iguais.
Mas Ricardo não percebera a gênese da taxa geral de lucro nem, portanto,
a conversão dos valores em preços de custo deles diferentes de maneira
específica.
McCulloch, porém, afasta a dificuldade, apoiado na pobre ..escapa·
tória" de Mill. Remedeia-se o inconveniente escamoteando-se com uma frase
'a diferença característica donde deriva o inconveniente. A diferença caracte·
rística é a seguinte: o valor de uso da força de trabalho é trabalho; por
isso, cria valor de troca. O valor de uso das outras mercadorias é valor de
uso em contraposição a valor de troca, motivo por que nenhuma alteração
que se faz nesse valor de uso modifica seu valor de troca predeterminado.
Remedeia-se o inconveniente, chamando-se de valor de troca os valores de
uso das mercadorias, e de trabalho as operações por que passam como
valores de uso, os serviços que prestam à produção como valores de uso.
Mesmo na vida cotidiana fala-se de anima.is de trabalho, máquinas de traba-
lho e, no domínio da poesia, diz-se muito bem que o ferro uabalha na
incandescência, ou trabalha quandó geme sob os golpes do martelo. Até
grita. E nada mais fácil de provar que a afirmação de que toda "operação"

1231
ê trabalho, pois o trabalho é uma operação, Do mesmo modo pode-se
provar que tudo o que é orgânico é se.nsivel, pois tudo o que é sensível é
orgânico.

"Com aceno pode-se definir como trabalho qualquer espécie de ação ou


operação - seja realizada pelo ser humano, pelos animais inferiores, por
máquinas ou agentes naturais - que se destine a obter um resultado
desejável" (1.c., p. 75).

E isso não se refere apenas a instrumentos de trabalho. No caso


aplica-se também à matéria-prima. A lã experimenta uma ação füíca ou
operação quando absorve cor. Em geral não se pode agir sobre uma coisa
no domínio físico, mecânico, químico etc., "para se obter um resultado
desejável", sem que a própria coisa reaja. Não se pode portanto trabalhar
sobre uma coisa sem ela mesma trabalhar. E assim todas as mercadorias
que entram no processo de produç:fo aumentam o valor ao manterem o
próprio valor e, ainda, ao gerarem novo valor, "trabalhando", não sendo
mero trabalho materializado. Com isso elimina·se naturalmente todo tra-
balho materializado. Na realidade, ,isso não passa de uma perífrase, de
um novo batismo para os "serviços produtivos do capital", "serviços. produ-
tivos da terra" etc. de Say, os quais Ricardo sempre contestou, e·:McCulioch
- enche-nos de espanto - combate na mesma "dissertação" bu "nota" em
que alardeia sua invençã"o que extrai de Mill e enfeita. Em face de Say pavo·
neía-se com suas reminiscências ricardiaoas e lembni-se çle que, aqueles
"serviços produtivos" são de fato apenas as propriedades que as coisas
como valores de uso manífestam no processo de produçio. Mas natural·
mente, ao dar a esses "serviços produtivos" o nome sacramental de "traba·
lho': tudo se transmuta.
Depois de McCuOoch ter convertido mercadorias em trabalhadores
com tanto sucesso, fica evidente que esses trabalhadores também recebem
salários e que lhes tem de ser pago. além do valor que possuem como "tra·
balho acumulado", salário por sua "operação" ou "açã'o". Esses salários
das mercadorias embolsam-nos os capitalistas como seus procuradores,
são "salários de trabalho acumulado", aliás lucro. E assim, na opinião
de McCulloch, fica demonstrado que o lucro igual de capitais iguais, empre-
guem estes muito ou pouco trabalho, de imediato decorre da detenninaçãO
do valor pelo tempo de trabalho.
O mais singular é que McCulloch, como já vimos, no mesmo momento
em que, partindo de Mill, se apropria de Say, lança contra este as frases
ricardianas. A maneira literal como reproduz Say, mudando apenas para

1232
trabalho Q que Say chama de ação, pode-se ver&melhor nas passagens seguin-
tes de Ricardo, onde este combate Say:

"Say ... acusa-o" (a A. Smith) "de erro 'por atribuir apenas ao trabalho
humano o poder de produzir valor. Uma análise mais precísa mostra-nos
que valor provém da ação do trabalho, ou melhor, da atividade do !ler
humano, combinada com a açãb daqueles fatores que a natureza supre e
com a do capital. Sua ignorância desse princípió impediu-lhe de formular
a verdadeira teoria da influência da maquinaria na produção da rique-
za'. 73 Contestando a opinião de Adam Smith, Say falá do valor que os
fatores naturais dão às mercadorias etc. ·Mas esses fatores naturais, em-
bora acresçam de muito o valor de uso, nunca aumentam o valor de troca,
a matéria de que fala Say" (Principie:;, 3~ ed., pp. 334 a 336).
"Máquinas e fatores naturais podem dar urna contribuição imensa à
riqueia de um país ... ma.~ nada acrescentâm ao valor dessa riqueza"
(p. 33 S, nota).

Ricardo, como todos os economistas dignos de menção, inclusive


portanto A. Smith (embora este, num lance de humor, tenha chamado o
boi de trabalhador produtivo), ressalta que o trabalho corno atividade
humana· e ainda mais como atividade humana socialmente determinada é a
única fonte do valor. Ricardo distingue-se dos demais e.conomistas justa-
mente pela coerência com que concebe o valor das mercadorias no sentido
de serem meras "representações" do trabalho socialmente determinado.
Todos esses economistas, com maior ou menor clareza, e Ricardo com
maior clareza que os demais, entendem que o valor de troca das coisas
é simples expressão, fonna social específica da atividade produtiva dos
seres humanos, algo por completo diferente das coisas e de sua utilização
como coisas, seja no co~mo industrial ou no consumo não industrial.
Para eles valor é na realidade relação, apenas expressa nas coisas, entre as
atividades produtivas dos seres humanos, dos trabalhadores. Contestando
Say, Ricardo cita de maneira explícita as palavras de Destutt de Tracy como
a expressão de seu próprio ponto de vista:

"Sendo certo que só .nossas faculdades físicas e mentais são n.ossa riqueza
original, o emprego dessas faculdades" (das faculdades humanas) "é certa
espécie de trabalho" (trabalho portanto como realização das faculdades
humanas), "nosso único tesouro original. I! sempre esse empiego que cria
todas as coisas que chamamos riqueza ... Tambêrn é certo que todas essas
cofias representam apenas o trabalho que as criou, e se têm valor ou
mesmo dois valores distintos, só podem derivá-los do valor do trabalho
donde provêm" (Rícardo, l.c., p. 334).

73; Rieacdo cita aí Say, Traité d'économie polifÚ/lle, 2~ ed., vol. 1, Paris, 1814,
pp.U,Ul.

1233
As mercadorias, as coisas em geral, só têm portanto valor por repre~
· sentarem trabalho humano; nifo por serem algo de per si como coisas, mas
por encamarem trabalho social.
E ousou-se dizer que o medíocre Mac levou Ricardo ao desenvolvi-
mento máximo, ele que, em seu atordoado esforço de se aproveitar da teoria
ricardiana ecleticamente, misturando-a com as teorias opostas, identifica o
principio dela e o de toda a economia - o própn'o trabalho na qualidade
de atívidade humana e de atividade humana socialmente determinada - com
a ação física etc. que as mercadorias exercem como valores de uso, como
coisas. Ele que perde o próprio conceito do trabalho !
Tomando-se audacioso com o "refúgio" em Mill, plagia Say, enquanto
o critica com frases ricardianas, e copia exatamente as frases de Say que
Ricardo combate no capítulo XX "Value and Riches" como fundamental·
mente opostas a suas diretrizes e às de Smith. (Roscher naturalmente
repete que Mac leva Ricardo ao desenvolvimento máximo. 74 ) Só que ele
é mais parvo que Say, que não chama de trabalho a ..açâ'o" do fogo, da
maquinaria etc. E mais incoerente. Enquanto para Say vento, fogo etc.
criam "valor", para Mac só o fazem .os valores de uso, as coisas que podem
ser monopolizadas, como se o vento ou o vapor ou a água pude.ssem ser
empregados como forças motrizes sem haver a propriedade .do moinho,
da máquina a vapor e da roda hidráulica. Como se os que póSSuem, mono-
polizam as coisas sem cuja posse não poderiam empregar os fatores naturais,
não monopolizassem também esses fatores naturais. Posso tyr ar,-água etc.
na quantidade que quiser. Mas só os tenho como fatores produtivos se tenho
as mercadorias, as coisas com cujo emprego esses fatores operam como tais.
Assim Mac ainda fica abaixo de Say.
Nessa vulgarizaçã'o de Ricardo vemos a mais completa e a mais leviana
dissolução de sua teoria.

"Esse resultado" (o resultado produzido por ação ou opexação de uma


coisa), "todavia, não tem llalor enquanto se efutua pelo trabalho ou
operação de fatores naturais que não pode monopoli:.i;ar e de que não
se pode ap1opriar número maior ou menoI de pessoas C-Om exclusão
das demais. O que fazem esses fatores é feito de graça" {McCulloch,
I.c., p. 75).

74. Roscher, Die Gru.ndlogen der Nationalo/lonomie, 3~ ed., Stutt,gart e Augs-


burgo, 1858, pp. 82e191. ·

1234
Como se o que faz o algodã"o, a lã, o ferro ou a maquinaria não fosse
feito "de graça". A máquina custa dinheiro; a operação da máquina não
se paga. Nada custa o valor de uso de uma mercadoria qualquer depois de
pago seu valor de troca.

"Quem vende petróleo nada cobra pelas qualidades naturais da merca·


daria. Para calcular seu cudo contabiliza o valor do txabalho empregado
para obti-lo, e esse é seu vald1" (Ca:rey, P. ofPol. Ec., Parte 1, Filadélfia,
1837' p. 47).

Contra Say ressaltara Ricardo justamente que a ação da máquina, por


exemplo, não tem custo como a do vento e da água.

"Os ser\liços .•• , que as fOiças naturais e as mdquina$ nos prestam ... nos
são úteis ... por acxescerem o valor de uso; mas, uma ver. que elas reali-
zam seu trabalho de graça... a ajupa que nos dão em nada aumenta o
l'lllorde troca" (Ricardo, pp. 336, 337).

Mac portanto não entendeu as proposições mais simples de Ricardo.


Mas o espertalhão reflete: se o valor de uso do algodão, da máquina etc.
rwda custa e nada por ele se paga exceto o valor de troca. em contraposiçifo
os que empregam o algodão, a máquina etc. vendem esse valor de uso.
Vendem o que nadá lhes custa.
Podemos ver a grosseira leviandade de~ gajo no seguinte: depois
de aceitar o ''princípío" de Say passa a desenvolver com muita. ênfase a
renda fundiária, plagiando amplamente Ricardo.
A terra é um ,

"fator natural... que um grupO' maior ou menor de indivíduos com


exclusão dos demais monopoliza ou de que se apropria" (McCulloch,
p. 75,nota l);

assim, sua ação vegetativa natural ou "trabalho", sua força produtiva tem
valor, e a renda fundiári:a se explica pela força produtiva da terra como
sustentavam os fisiocratas. Esse exemplo é bem frisante do estilo de Mac,
de \'Ulgarizar Ricardo. De um lado, copia o que expõe Ricardo, o que só
tem sentido na base dos pressupostos ricardianos e. do outro, aceita de
outros (com exceção apenas da "nomenclatura" ou de ligeiras modificações)
a negação direta desses pressupostos. Caber-lhe-ia ter dito: "renda é o
salário da terra" embolsado pelo dono da terra.

1235
"Se um capitalista. despende a mesma soma para pagar o salmo dos
trabalhadoxes ou paxa manter eavalos ou paxa alugai uma máquina,
e se os homens, os cavalos e as máquínas podem todas efetuas o me!Imo
trabalho, é clãra que o V'alor dele será o mesmo, n!io importa quais desses
fatores o tenham executado" (1.c., p. 77).

Noutras palavras: o valor do produto governa-se pelo valor do capital


despendído. Este o problema a resolver. Enunciar o problema, segundo Mac,
é ••obviamente" resolvê-lo. Mas, uma vez que a máquina, por exemplo,
executa uma porção .maior de trabalho que os homens que substitui, ainda
é mais "óbvio" que o produto da máquina, em vez de decrescer, tem de
aumentar de valor, comparado com o valor do produto dos homens que
"executam o mesmo trabalho". Dado que a máquina produz, admitamos,
10000 peças de trabalho, enquanto o trabalhador produz uma, e que cada
peça tem o mesmo valor, o produto da máquína valeria 10000 vezes mais
que o "de um homem".
Aliás, em seu afã de distinguir~se de Say com a idéia de não ser a ação
dos fatores naturais e sim a dos fatores monopolizados ou produzidos por
trabalho a qtie produz valor, Mac nã:o consegue superar suas dificuldades,
reincide no emprego da fraseologia ricacdiana. Por exemplo, o trabalho do
vento produz o efeito desejado no navio (produz deslocamento dele).

"Mas o valor desse deslocamento não é acrescido pela 'opei;açãÓ ou


trabalho dos fatores naturais envolvidos e de modo algum delâ depende,
mas do montante de capital ou do produto. de trabalho préirio que can·
corre para produzir o efeito; do mesmo modo que q_.cu11to da moagem
de trigo não depende da ação do venta ou da água que movem o moinho
e sim da massa de capital despendida na operação'' {p. 79).

Com essa irrupção surpreendente, a moagem só adicíona valor ao


trigo enquanto se "consome" capítal, "o produto de trabalho anterior"
na operaçã:o de moagem. Por conseguinte, não por trabalhar a mó, mas
porque, ao desgastar-se a mó, consome-se o valor nela contido, o trabalho
nela corporificado.
Depois dessas belas explicações, Mac sintetiza a sabedoria, extraída
de Mille Say, com que harmoniza o conceito de valor com todos os fenô·
menos que lhe são opostos:

"A palavra trabalho significa... em todas as discussões referentes ao


valar... o trabalho imediato do ser humana, 011 o trabalho do capital
produzido pelo sex hnmano, ouambas as coisas" (1.c., p. 84).

1236
Assim, cabe entender por trabalho o trabalho do ser humano, depois
seu trabalho acumulado e por fim os empregos úteis, isto é, as propriedades
físicas etc. dos valores de uso, reveladas no consumo (industrial). O valor
de uso nada significa se abstraímos dessas propriedades. O valor de uso só
atua no conswno. Por valor de troca dos produtos do trabalho entende-se,
portanto, o valor de uso desses produtos, pois esse valor de uso consiste
em sua atuaçtio ou, na terminologia de Mac, seu "trabalho" no consumo,
seja esse consumo industrial ou não. As espécies de "operações'', "ações"
ou "trabalhos" dos valores de uso, como as medidas naturais deles diferem
tanto entre si quanto esses próprios valores de uso. Qual é entfo a unidade,
.e
a medida pela qual os comparamos? a que se estabelece por meio da
palavra comum ••trabalho", que substitui todas essas atuações tã'o díspares
dos valores de uso, depois de se ter reduzido o próprio trabalho à palavra
·"operações" ou "ação". Com a identificação do valor de uso ao valor de
troca finda assim essa vulgarização de Ricardo, que temos por isso de
considerar a última e mais sórdida expressão da dissolução da escola como
escola.

"O lucro do capital é apenas outro nome para o salário do trabalho


acumulado" (McCulloch, Principles etc., 1825, p. 291).

isto é, para o salário que se paga às mercadorias pelos serviços que elas
realizam na produção como JJalores de uso.
Aliás, nesse salário de trabalho acumulado inclui Mac algo próprio
e misterioso. Já mencionamos que - fora seus plágios de Ricardo, Mm..
Malthus e Say, que formam o verdadeiro fundo de suas obras - ele mesmo
sempre reimprime e vende de novo seu "trabalho acumulado" sob diferentes
títulos, sempre "tirando grande proveito" de trabalhos pelos quais. fora
antes remunerado. Esse estilo de retirar ..salário de trabalho acumulado"
já fora analisado amplamente num livro pertinente em 1826. e o que não
terá feito McCulloch de 1826 a 1862 nessa retirada de salário por trabalho
acumulado! (Roscher, o Tucídides, 75 também se apropria dessa frase
infeliz.)
Titulo do livro: Some Illustrations of Mr. McCulloch's Principies of
Politics Eronomy, Edimburgo, 1826, por Mordecai Mullion 76 • Nele se

75. Ver p. 1540 deste volume.


76. Motdecai Mullion - um dos pseudônimos do jornalista ingles John Wilion.

1237
aponta como nosso cavalefro de indústria granjeia fama, copiando 9/10 de
A. Smith e Ricardo etc., e o restante 1/10 de seu próprio trabalho acumu-
lado, "repetido da maneira mais impudente e mais condenável". Mullion
mostra, por exemplo, como McCulloch vende os mesmos artigos, alternativa·
mente, aos periódicos Edinburgh Review 11· e Scotsman 18 ou à Encyclopae-
dia Britannica, como "dissertações" independentes, como novos trabalhos,
e ainda como ele, por exemplo, em diferentes anos republica na Edinbutg
Review os mesmos artigos palavra por palavra, apenas com algumas transpo-
sições e mudança de título. A esse respeito diz Mullion ••desse mais incrível
remendâ'o", "desse mais econômico de todos os economistas"; ·

"Os artigos de McCulloch diferem o mais possível dos corpos celestes,


mas sob um aspecto se assemelham a essas luminárias - . sempn< reapaie>-
cem em períodos detemúnados" (p. 21). ·

Não admira que ele acredite no "salário do trªbalho acumulado".


A fama de Mac mostra o poder do cinismo dos cavaleiros. de indústria.
A maneira como McCulloch explora algumas frases de Ricardo para se
tomar importante vê-se, entre outros periódicos, na Edinburgh Review. de
março de 1824, onde esse amigo do salário do trabalho acumulado (título
da verborréia - Q:msiderations on the àccumulation of Capítàl) se derrama
numa verdadeira jeremíada sobre a queda da taxa de lucro.

"O autor... as.~irn expressa os temores que lhe infunde,.a queda do lucco:
•t ilusória a apa.cência de prosperidade que a lnglatiura oferece; a epide-
mia de pobreza se infiltra furtivamente na massa dos cidadãos, e os
fundamentos do poder e da grandeza nacional estão abalados ... Onde a
taxa de juro é baixa como na Inglatemi, é baixa também a taxa de lucro,
e a prosperidade da nação entra em declínio.' Essas afllll'lações não
podem deixar de surpreender todos aqueles que conhecem a situação
brilhante da Inglaterra" (McCulloch, Disccun wr l'économie, tradução
de Pxévost, 1.c., p. 197).

77, The Edmburgh Rei•iew, or Criticai Jorm1al - periódico literário e político,


que circulou de 1802 a 1929. Nas décadas de 20 e 30 do século XIX era Órgão dos
conservadores (whíg;), e saía três vezes por m6s. Nesse período, McCulloch escreveu
a maioria dos artigos saídos sobre problemas eeonômicos.
7 8. The Scotsman; or Edinburgh PoJitical and Literary Joumal - jornal liberal
cuja circulaçã:o começa em 1817. Na primeira metade do século XIX eta órgão dos
eonsetvadores. Desde a fundação até 1827 publicou artigos de McCulloeh sobre pro-
blemas eeonõmicos. McCulloch foi. seu redator;::hefe de 1818 a 1820.

1238
Mac não tinha de se afligir pela circunstância de a "terra" obter
melhor "salário" que o "ferro, tijolos, etc." O "trabalho" dela é mais árduo,
e aí tem de estar a causa.
(Até uma porca cega acha às vezes uma bolota, e McCulloch o con·
segue no achado a seguir; mas a maneira como entende seu achado nada tem
de coerente, uma vez que não distingue mais.valia de lucro. Ademais, repete
um dos seus levianos plágios ecléticos. Para Torrens e quejandos, que deter-
minam o valor pelo capital, assim como para Bailey, o lucro guarda relação
com o capital (adiantado). Divergindo de Ricardo, nã'o identificam lucro
a mais-valia, mas só porque não têm absolutamente necessidade de explicar
o lucro na base do valor, por considerarem a fonna em que a mais-valia
aparece - o lucro, a relação da mais-valia com o capital adiantado ····corno
a foIUla original, quando na realidade estão apenas traduz.indo em palavras
a fonna aparente.
· Mac (l) é ricardiano (2) plagia sem mediações os adversários de Ricar-
do nas passagens seguintes:

A regra de Ricardo ("nunca pode ocorrer alta de lucro a não ser em


virtude de queda de salário, nem queda de lucro a não ser em virtude
de alta do salário") só é verdadeira "naqueles casos em que a produti-
vidade da indúrtria permanece constante" (McCulloch, Princ. of P. E.,
Edimburgo, 1825, p. 373). Trata-se ai da indústria que fornece o capital
constante. "Os lucros dependem da relação que têm com o capital por
que são produzidos e não da proporção com os salários. Se a produtivi-
dade da indústria em geral duplica, e se se tcparte a sobra assim obtida,
entJe capitalista e trabalhadores, permanece a mesma proporção entre
capitalista e trabalhador, embora a taxa de lucra tenha subido em relação
ao capital despendido"(l.c.,p. 373,374).

Mesmo ne~ caso, segundo Mac também observa, poder-se-ia dizer


que os salários caíram relativamente em face do produto, por terem subido
os lucros. (Mas, nesse caso, a alta do lucro é a causa da queda do salário.)
Contudo, esse cálculo se apóia na maneira errônea de estimar o salário
como cota do produto, e J. Si. Mill, confonne vimos 79 , procura por esse
meio sofístico generalizar a lei ricardiana do valor.)

79.- Confonne as indicações de Marx no manuscrito, essa matéria foi deslocada


para as pp. 1243·1285 deste volume.

1239
5. WakefieJd. Objeções à teoria ricardiana do valor do trabalho
e da renda fundiária

Os verdadeiros méritos de Wakefield na concepçlío do capital foram


examinados em capítulo anterior referente à Transformação da mais-valia
em captta/8". Aqui apenas o que tem relação direta com o tema em exame,

"Se tratamos trabalho como mercadoria, e capital, produto do. trabalho,


corno outra, e se os valores des5l!S duas mercadorias fossem regulados por
quantidades iguais de trabalho, dada quantidade de trabalho ttocar~se-ia
de qualquer modo pela quantidade de capital que fosse produzida pela
mesma quantidade de trabalho; trabalho pretérito trocaJ:-&e-ia ~mpre
pela mesma quantidade de trabalho presente. Mas o valor do trabalho
em relação a outras mercadorias nã'o é detenninado, pelo menos no que
o salário depende de co-particípação, por quantidades iguais de trabalho
e sim pela rela~o entre oferta e procura" (Wakefield, ed. de Weaith of
.Nations, de Smíth, Londres, 183S, vol. l, pp. 230, 231, nota).

'
Segundo Wakefield portanto, o lucro sería inexplicável, se se.. pagasse
o valor do trabalho.
No vol. II de sua já citada edição de A. Smith observa:

"Produto excedente 81 constitui i;empre renda (nmt): todovki, pode-se


pagar renda (rent} que fllfo cÓll!Jiste em produto exceden.te" (1. c., p.216).

80. Em seu esquema da Crítl'ca da economf(J politica, de 1858-1862, Marx


tencionava escrever Teorias da ma1i-lllllfa como a seção s? e final da parte "O processo
de produção do capital", e que deveria vir depois das seções "A mais-valia absoluta",
"A maís-valia relativa" e "A combinação de ambas". No deeurso do trabalho, conside-
rou todavia necessário iruerir entre essas seçõ'es e Teorias da mais-.,alía, as ooções
"Reconversã"o da mais-valia em capital" e "Resultado do processo de produção" (ver
vol. 1, pp. 407 e 408). Daí aludir Marx à seção "Transformação da mais-valia em
capital", que ainda nlro estava escrita. Marx também cita Wakefield em O Capital (ver
O Capital, ed. DIFEL, vol. 2, p. 678, nota 22).
81. Por produto excedente entende Wakefield a parte do produto a qual ultra-
passa o que repõe o capital com o lucro normal (ver seus éomentários no vol. 2 da
obra de Smith por ek publicada em 1835, An inquí.ry imo the nature and causes of
the we.alth of 1111tíon1, pp. 215 e 217).

1240
"Se, como na Irlanda, se consegue que o grosso da população viva de
bata.tas, em caseb1es e vestido de andrajos, e pague pela permissão de
assim viver tUdo o que podem produzír além dos casebres, andrajos e
batatas, então, na proporç!o em que sUportam viver com menos, maís
obtém o dono da terra onde vivem, mesmo quando não se altere o
rendimento do capítal e do trabalho. O dono di1 terra colhe aquilo a
que renunciam or miseráveis arrendatários. As1im, uma queda no nível
de vida dos lavradores da tel'Ta é outra causa-- do produto excedente
... Quando o salário cai, o efeito sobre o produto excedente é o mesmo
que decorre de uma queda no nível de vida; o produto global nâ'.o se
altera, e a parte excedente aumenta; os produtores obtêm menos, e o
dono da terra, mais" (pp. 220, 221).

Nesse caso chama-se o lucro de renda (rent), tal como s.e designa por
íuro quando o trabalhador, o que se dá na lndia po~-exemplo, trabalha com
os adiantamentos do capitalista (embora em nome até independente) e
tem de fornecer-lhe o produto excedente todo.

6. StirUng
Explicação do lucro pela oferta e procura

Stirling (Patrick James), The Philnsophy of Trade etc., Edimburgo,


1846.

"A quantidade de cada mercadoria tem de ser regulada de modo que a


oferta dela erteja para a procura numa proporçã'o menor que a oferta
de trabalho pata a procura de trabalho. A diferença entre o preço ou o
valor da mercadoria e o preço ou o valor do trabalho nela insezído cons-
titui o lucro ou excedente, que Ricardo não pode explicar por sua teoria"
(1.c., pp. 72, 73).

O mesmo homem nos diz:

"Se os valores das mercadorias se- comportam de acordo com seus custos
de produç.fo, podemos dizer que o valor dessas mercadorias está ao par"
(p. 18).

Se -coincidem portanto a procura e oferta de trabalho, o trabalho


vender-se-á por seu valnr (não importa como Stirling conceitue esse valor).

1241
Se coincidem procura e ofe1ta da mercadoria onde o trabalho se inseriu,
a mercadoria será vendida por seu custo de produção, e por tal Stirlíng
entende o valor do trabalho. Entlfo, o preço da mercadoria é igual ao preço
do trabalho nela inserido. E o preço do trabalho se iguala a seu próprio
valor. Por conseguinte, o preço da mercadoria = preço do trabalho nela
inserido. E em consequência nâ'o haveria lucro ou excedente.
Por isso, Stirling explica o lucro ou o excedente assim:
A oferta de trabalho em relação à procura de trabalho tem de ser
major que a oferta de mercadoria onde se insere o trabalho em relaçâ'o à
procura da mercadoria. A coisa tem de ficar arranjada de 'modo que a
mercadoría se vénda mais caro do que se paga pelo trabalho nela embutido.
Stirling chama a isso explicai o fenômeno do excedente, quando
apenas contorna o que é mister explicar. Prosseguindo na análise, só vemos
três casos possíveis: (l) o preço do trabalho "iguala-se ao valor'', isto é,
a procura e a oferta de trabalho correspondem ao preço do trabalho, é
igual a seu valor. Então a mercadoria te-m de ser vendida acima de seu
valor, ou a situaÇão tem de ser arranjada de maneira que sua oferta esteja
abaixo de sua procura. Pura e simpl'esmente "lucro de alienação" ("profit
upon alienation"), e só se acrescenta a condiçfo em que é poss~veC (2) Ou
a procura de trabalho acima de sua oferta e o preço aciina de seu valor. O
capitalista entlro paga ao trabalhador mais do que vale à mercadoria,. e o
comprador terá de pagar um excedente duplo ao capitalis~a, primeiro o
pago por este, no início, ao trabalhador e, segundo, seu lucro. (3) Ou o
preço do trabalho está abaixo de seu valor, a oferta de trabalho acima da
procura de trabalho. Entã"o o excedente provém da circunstância de o
trabalho ser pago abaixo de seu valor e ser vendido na mercadoria por seu
valor ou pelo menos acima de seu preço.
Despido de todos os disparates, o excedente em Stirling deriva de o
capitalista comprar o trabalho abaixo de seu valor e revendê-lo na forma
de mercadoría acima de seu preço.
Os outros casos, despojados da forma ridícula segundo a qual o
produtor deveria "auanjar" as coisas de modo que vendesse sua mercadoria
acima do v;tlor ou do "valor ao par", significam apenas ·que, se a procura
de uma mercadoria é maior que sua oferta, o preço de mercado ultrapassa
o valor. O que por .certo ruro é descoberta nova e explica uma espécie de
"excedente" que jamais criou a menor dificuldade seja para Ricardo seja
para quem quer .que seja.

1242
7. John Stuart Mill

a) Confusão entre taxa de mais-valia e taxa de lucro.


Elementos da concepção do "lucro de alienação".
Conceituação confusa de "lucros antecipados"

Na pequena obra82 citada acima 83 , que na realidade contém todas as


idéias originais de John Stuart Mill sobre economia política (e faz contraste
com seu volumoso compêndio84 ) lê-se no Enay IV On Profits and Interests:

"Instrumento& e matérias-primas na origem, como as outras coisas,


custatam apenas trabalho.. . O Ímbalho empregado para produzir os
instrumentos' e matérias-primas, acrescido ao vabalho que depois se
emprega com as máquinas para tr:ansformar as matérias-primas, dá a
soma. total do trabalho empregado para fabricar a mercadoria pronta
e acabada ... Repor capital significa, por isso, apenas repor os: litllárfus
do trabalho empregado" ( l. e., p. 94).

Isso é em si mesmo errado, porque o trabalho empregado e o salário


de maneira nenhuma sã'o idênticos. Ao contrário, o trabalho empregado é
igual à soma de salário e lucro. Repor o capital significa repor o trabalho
pago (salários) e o trabalho que o capitalista não paga mas vende (o lucro).
Mill confunde aí "trabalho empregado" e aquela porçã'o do trabalho empre-
gado paga pelo cap~talísta que o emprega. Essa confusa-o é de per si indício
pouco favorável de sua compreensão da teoria ricardiana, que pretende
ensinar.
De passagem cabe ainda observar no tocante ao capital constante
que - se cada parte dele se reduz a trabalho prévio, sendo possível imaginar
portanto que representou em algum tempo lucro ou salário ou ambos -
logo que se tenha fonnado, nenhum elemento dele, por exemplo sementes
etc., pode mais converter-se em lucro nem salárío.

82. John Stuart Mill, Es114Ys on .rome unrettled que:tfons ofpolitical ec:otwmy,
Londres, 1844. ,
83. Ver pp. 1207 e 1208 deste volume.
84. · John Stuart Mill, Principle11 of political economy with some of their appli-
mtíons to social philorophy, 2 vols. Londres, 1848.

1243
Mm n[o distingue mais-valia de lucro. Assim declara a taxa de lucro
(o que é correto para a mais-valia já convertida em lucro) igual à proporç!ro
do preço do produto com o preço de seus meios de produç!ro (trabalho
inclusive). (Ver pp. 92, 93). E ao mesmo tempo quer derivar de imediato
as leis da taxa de lucro da lei ricardiana em que Ricardo confunde mais-
valia e lucro, e diz que "lucro depende do salário, subindo quando o salário
cai, e caindo quando o salário sobe".
Mill mesmo não vê com· bastante clareza a própria questt'lo que pro-
cura resolver. Por isso vamos formulá-la concisamente antes de ouvir sua
respoi.ia, A taxa de lucro é a relação da mais-valia com a totalidade do
capital adiantado (capital constante e capital variável somados), enquanto
a própria mais-valia é o excesso da quantidade de trabalho executada pelo
trabalhador acima da quantidade de trabalho que lhe é adiantada em salário;
assim, observa-se mais-valia apenas com respeito ao capital variável ou
despendido em salário e não com respeito ao capital todo. A taxa de mais-
valia e a taxa de lucro Sâ"o portanto duas taxas dífe1entes, embora o próprio
lucro seja apenas mais-valia observada sob certo aspecto. Da taxa de mais-
valía é correto dizer que "depende';· exclusivamente .. do salário, Subindo
quando o salário cai, e caindo quando o saládo sobe". (Isso ê .errado para
o mo.ntante de mais-valia, uma vez que depende tanto da taxà'em que o
capitalísta se apropria do trabalho excedente do trabalhadbr individual,
quanto da quantidade (número) dos trabalhadores simultaneamente explo-
rados.) A taxa de lucro - uma vez que é a proporçio da m_ais-valíâ com o
valor global do capital adiantado - é sem dúvida influenciada e determinada
pela queda ou alta da mais-valia, portanto pela alta ou baÍXa do salário;
mas além dessa determinação é mister considerar a exerci.da por outros
fatores dela independentes e a ela irredutíveis.
J. St. Mill que, de um lado, identifica de imediato lucro a mais-valia
com Ricardo e, do outro, não concebe a taxa de lucro (determinada em
atençâ'.o aos polemistas anti-rícardianos) em sentido ricardiano, mas em
seu verdadeiro sentido, como a proporção da mais-valia com o valor global
do capital adiantado (capital variável + capital constante) esfalfa-se por
provar que a taxa de lucro ·é detenninada diretamente pela lei que determina
a mais-valia e que se reduz simplesmente a que quanto menor, da jornada,
o segmento de que o trabalhador se apropria, tanto maior o segmento que
cabe ao capitalista e vice-versa. Vejamos agora como se atormenta, sendo
o pior não ver com clareza qual o problema que propriamente quer resolver.
Se tivesse formulado com acerto o próprio problema, não poderia tê-lo
resolvido daquela maneira errada.

1244
Diz então:
"Embora os instrumentos, matérias·primas,e edifícios sejam e!~.s mesmos
produto do trabalho, a totalidade de seu valor, contudo, nã:o é redutível
aos salários dos trabalhadores que os produziram."

(Acima dizia ele: repor capital é repor salário.)


"Os lucros que os capitalistas fizeram sob1e esses salários têm de Sllf
incluídos. O último capitalista p1oduto1 tem de repor do p1oduto, além
dos salários que ele e o construtor do instrumental pagaram, o lucro desse
construtor, lucro que adiantou ele mesmo de seu próprio capital" (1.c.,
p. 98).
"Lucrof" portanto "nã:o formam apenas o excedente após reposição
da despesa; entram na própria despesa. O capital se despende em parte
para pagar ou reembolsar saJário e em parte para pagar o lucro de outros
capitalistas cuja cooperação era necessária para juntar os meios de produ-
çã'o" {1.c., pp. 98, 99).
"Por isso, um artigo pode ser o produto da memia quantidade anterior de
trabalho, e não obstante, se do lucro uma porção que o último produtor
tem de indenizar ao produto1 precedente pode sei: poupada" (economi-
zada), "reduz-se o cu~o de produção do artigo•.. Entretanto, é verdade
que a taxa de lucro \'aria na razão inve1sa do custo de produção do salá·
Iio" (pp. 102, 103).

Aquí é claro que partimos sempre do pressuposto de o preço de uma


mercadoria ser igual a seu valor. É nessa base que o próprio Míll conduz a
pesquisa.
Nas passagens citadas, antes de mais nada, os lucr.os têm o aspecto
bem acentuado de lucros de alienação (profits upon alíenation); mas passe·
mos adiante. Nada mais errado que dizer que um artigo (se se vende por seu
valor) "é o produto da mesma quantidade anterior de trabalho" e que ao
mesmo tempo, por uma circunstância qualquer, pode ser "reduzido o custo
de produção do artigo". (A nã'o ser no sentido por mim primeiro estabele-
cido em que distingo o custo de produção do artigo, do custo de produção
do capitalista, uma vez que este nâ'o paga parte desse custo de produçtro. 65

85. Marx formulou essa diferença no manuscrito de 1861-1863, seção "A trans·
fonnaçã'o do dinheiro em capital" (caderno II, p. 88): "Ela consiste em que o custo de
p1oduçã'o para o capitalista é apenas a soma dos valores por ele adiantados; portanto,
o valor do produto é igual an valor do capital adiantado. Mas, o verdadeiro custo de
e
produçfo do produto igual à totalidade do tempo de trabalho nele contido, e é maior
que a totalidade do tempo de trabalho adiantado ou pago pelo capitalista; esse
excedente do valor do produto sobre o valor pago ou adiantado pelo capitalista
constitui justamente a mais-:valia ..."
Marx volta a essa questão no caderno XIV, pp. 787-790 (ver pp. 1133-Il38e
154 9. de~te volume).

1245
Nesse caso também é de fato correto dizer que obtém seu lucro tanto do
traballto excedente nãO pago de seus próprios trabalhadores, quanto pode
obtê-lo pagando a menos ao capitalista que Ute fornece o capita) constante,
isto é, nfo pagando a esse capitalista parte do trabalho excedente contido
na mercadoria e nã'o pago por tal capitalista (que justamente dessa maneira
forma seu lucro). Isso sempre se reduz a que paga a mercadoria abaixo de
seu valor. A taxa de lucro (isto é, a proporção da mais-vaJia com o valor
global do capítal adiantado) pode subir seja porque a mesma quantidade
do capital adiantado se torna objetivamente mais barata (em virtude da
produtividade acrescida do traballto nos ramos de produÇKo que geram
o capital constante), seja .porque se torna mais barata subjetivamente para o
comprador, ao pagá·la abaixo de seu valor. Para ele ent;!o ·é sempre o resul·
tado de menor quantidade de trabalho.)
O que MíU diz antes de mais nada é que o capital constante do capita-
lista que faz a últíma mercadoria reduz-se tanto a salário quanto a lucro.
O raciocínio aí é este:
Se se reduzisse apenas a salário, o lucro seria portanto o excedente
do llltímo capitalista após repor t<?dos os salários (e o dispêndio todo
(pago) do produto reduzir-se-ia a salário), que constituiriam a totalidade
do capital adiantado. O valor total do capital adiantado ,seriá igual ao
valor total dos salários contidos no produto. O lucro seria o excedente
disso. E uma vez que a taxa de lucro seria igual à proporção desse exce·
dente e com o valor global do capital adiantado, essa taxa ~ubiria,.ôu cairia
sem dúvida na razão do valor global do capital adiantado, isto é, do valor
dos salário.~. cuja totalidade forma o capital adiantado;· (Na realidade
mesmo essa objeção é tola, se se considera a proporção geral de lucro com
salário. Do produto todo, MUI teria de pôr, de um lado, tfo·só a parte
que se reduz a lucro (e tanto faz que seja paga fltJ último capitalista ou ao
anterior, os co-produtores da mercadoria) e, do outro, a· parte que se reduz
a salário, e assim o montante de lucro continuada, como dantes, igual ao
excedente da soma dos salários e poder-se-ia afirmar que a "relação inversa"
ricardiana determína diretamente a taxa de lucro, Só que niro é verdade que
a totalidade do capital adiantado se reduza a lucro e salário.) M.as o capital
adiantado nã'o se reduz apenas a salário, mas t3mbém a lucros adiantados.
O lucro portanto é nâ'o só um excedente sobre salário adiantado, mas
também sobre lucros adiantados. Assim, a taxa de lucro é determinada
pelo excedente sobre o salário e ainda pelo excedente do últímo capitalista
sobre a soma de salários e lucros, e essa soma, de acordo com o pressuposto.
constitui o total do capital adiantado. Por isso, é claro que essa taxa eode

1246.
alterar-se tanto por alta ou queda de saJário, quanto por alta ou queda de
lucro. E se omitirmos as variações da taxa, oriundas de alta ou baixa de
salário, e admitirmos, como se faz com freqüência na prática, que não se
altera, que permanece constante o valor dos salários, isto é, seus custos de
produçlío, o tempo de trabalho neles contido, chegaremos pelo caminho
preparado por Mill à primorosa lei: a alta e queda da taxa de lucro depende
da alta e queda do lucro.

"Se do lucro uma porção que ·o último produtor tem de indenizar ao


antecedente pode ser economizada, redut.-$1l o custo de produção do
artigo,"

Isso está na realidade correto. Admitamos que nenhuma porçlTO do


lucro do produtor antecedente seja mera sobrecarga - lucro de alienaç!o
(profít upon alienation), como diz James Steuart -, toda economia de uma
"porção do lucro" (desde que o empresário posterior não a consiga do
antecedente mediante burla, não lhe pagando o valor todo contido em sua
mercadoria) é uma economia na quantidade de trabalho requerida para
produzir a mercadoria (Abstraímos aqui do lucro que é pago, por exemplo,
pelo tempo em que o capital fica ocioso durante o tempo de produça:o etc.).
Se 2 dias, digamos, eram necessários para levar a matéria·prima, o carvã"o,
por exemplo, da mina para a fábrica, e agora basta um dia, "economiza-se"
uma jornada de trabalho; mas isso vale tanto para a parte dela que se reduz
a salário, quanto para a que se reduz a lucro.
Depois de verificar que a taxa do excedente do último capitalista ou
a taxa de lucro em' geral depende não só da relaça:o direta entre salários e
lucros, mas da relaça:o do último lucro ou do lucro de cada capital deter-
minado com o valor global do capital adiantado = soma do capital variável
(despendído em salários) +capital constante; noutras palavras, que a taxa
de lucro não é s6 determinada pela proporção do lucro com a parte do
capital despendida em salário, isto é, apenas pelo custo de produçã'o ou
valor do salário, prossegue Mill:

"Ainda assim continua verdadeiro que a taxa de lucro varia na razão


inversa do ÇUstO de produção do &alárío." ·

Isso, embora errado, encerra contudo uma verdade.


A explicação que dá pode servir de exemplo clássico do estilo como
os economistas elucidam seus pontos de vista, e é tanto mais surpreendente

1247
se considerarmos que o autor escreveu ao mesmo tempo uma ciência da.
lógicaª6 .

"Admitamos, por exemplo, que 60 trabalhadores agrícolas recebem 60


quarters de trigo como salário e além dmso consomem capital ftxo e
sementes no valor de 60 quarters adicionais, e que o produto de suas
operações é igulll a 180 quarters. Supondo·se o luao de 50%, as sementes
e mstrumental têm de reduzir-se ao produto do trabalho de 40 homens,
pois os salários desses 40 e mais o lucro fonnarn 60 quarters. Por isso, o
produto, se consirte em 180 quorters, é o resultado de 100 homens.
Vamos supor agora que a quantidade de trabalho não varíe, mas por meio
de uma invenção qualquer se tenha suprimido o emprego de capital fvco.
e semente1:. Antes não se podia obter um resultado de 180 quarters sem
despender 120, e agora basta um dispêndio de 100.
"Os 180 qllll!ters continuam a ser o resultado da mesma quantidade
anterior de trabalho, o trabalho de 100 homens, Por ísso, um qUll!ter
de trigo ainda é o produto de 10/18 do trabalho de·um homem. t que
um quarter de trigo, que é a remuneraçKo de cada trabalhador, é na reali·
dade o produto do mesmo trabalho anterior; mas, apC$a! disso, seu
custo de produção diminuiu; é agora o pwduto de 10/18 do trab:dho de
um homem e nada mais, enquanto ante$ era requerida para produzi-lo
a eonjunçã'o dessa quantwade de trabalho com dispêndio que, na forma
de reembolso de lucro, monp.va a 1/5. Se o custo de produção do salário
tivesse permanecído o mesmo de antes, os lucros n[o teriam podido subir.
Cada trabalhador teria recebido 1 quarter de trigo; mas l .qu:u:ter naquela
ocasião era o resultado do mesmo eusto de produção qomo 1 1/5 quarter
agora. Por isso, para que e.ada trabalhador possa receber o mesmo custo
de produção; cada um tem de receber 1 quarter de trjgó + 1/5" (pp.
99·1-03).
"Aceitando-se que o trabalhador seja pago no mesmo artigo que produz,
é evídente que, se houver uma econom1a qualquer na produção desse
artigo, se o uabalhador, além disso, recebe o mesmo custo de produção
anterior, terá de receber uma quantidade aerescida, na mesma proporção
em que tiver aumentado a força produtiva. do capital, Mas, se assim
ocorre, o dispêndio do capitalista terá exatamente a mesma proporção
anterior com seu rendimento, e os lucro não subirão. Por isso, as varia-
ções na taxa de lucro e uo custo de produção dos salários marcham
juntas e são inseparáveis. A tese de Ricardo está a rigor certa, desde que
entendamo1: por salários baixos não .\\'.S salári01, que :ião produto de menor
quantidade de trabalho, mas também solários que sll'o produzidos o menor
custo, computando-se juntos trabalho e lucros ante.dores" (I.c., p. 104}.

Observemos de início que nessa maravilhosa explicaçfo se supõe uma


invenção que possibilita produzir trigo sem sementes (matéria-prima) e sem

86. John Stuart Mill, A zystem of Jogic, ratiocinative 1JY1d inductive, being a
connected view of the prínciples of evídence, and the methods of scientific investigo·
tfon, 2 vols., Londres, 1843. ·

1248
capital fixo; sem matérias-primas e sem instrumental de trabalho, isto é,
obtém-se trigo apenas com trabalho manual, utilizando-se ar, água e terra.
Essa hipótese absurda apenas dissimula a hipótese de se gerar um produto
sem capital constante, apenas por meio de novo trabalho adicionado. Nesse
caso fica naturalmente provado o que se pretendia provar, isto é, que lucro
e mais-valia são idênticos, e portanto a taxa de lucro sô depende da propor-
ção do trabalho excedente com o trabalho necessário. A dificuldade derivava
justamente da circunstância de a taxa de mais-valia distinguir-se da taxa de
lucro em virtude da relaçiio da mais-valia com a parte constante do capital
- e essa relação é específica da taxa de lucro. Se fizermos o capital cons-
tante -= O, teremos resolvido a dificuldade oriunda da exístência do
capital constante, abstraindo da existência desse· capítaL Ou resolvemos
a dificuldade supondo que ela nâ'o existe. É o que fica demonstrado 87 .
Ordenemos corretamente o problema ou a explicação que lhe deu
Mill.
Na primeira hipótese temos:

Capital constante Capital variável


Produto total Lucro
(capitalfixo e sementes) (capital dispendido em salário)

60 quru:ters 60 qnarters (60 trabalhadores) 180 quartars 60 quarters

Nesse exemplo supamos que o trabalho ~dicionado ao capital constante


é igua1 a 120 quarters, ..e uma vez que cada quarter é o salário de uma jor-
nada de trabalho ('ou do trabalho anual, que é simplesmente uma jornada de
365 dias de trabalho), os 180 quarters contêm apenas 60 jornadas de traba-
lho, das quais 30 repõem o salário dos trabalhadores e 30 constituem o
lucro. Na realidade aceitamos portanto que 1 jornada de trabalho se corpo-
rifica em 2 quarters, razão por que os 60 trabalhadores materializam suas
60 jornadas em l 20 quarters, das quais 60 constituem seu salário, e 60 o
lucro. Noutras palavras, o trabalhador trabalha para si 1/2 jornada para
repor o salário, e 1i2 para o capitalista, gerando por esse meio a mais- valia
do capítalísta. A taxa de mais-valía portanto é 100% e na:o 50%. Em
contraposição, a taxa de lucro, uma vez que o capital variável só representa

87. No original em latim: Probatum esL

1249
a metade de todo o capital adiantado, não monta a 60 quarters por 60,,
a 100% portanto, e sim a 60 quarters por 120, isto é, a 50% apenas. Se o
capital constante fosse igual a O, o capital adiantado todo consistiria apenas
em 60 quarters, tão-só no capital adiantado em salário, igual a 30 jornadas;
lucro e mais-valia, em conseqüência também suas taxas, seriam idênticos.
O lucro montaria entã"o a 100% e não a 50%; 2 quarters de trigo seriam
o produto de urna jornada, 120 quarters, o de 60 jornadas, embora 1 quarter
de trigo apenas fosse o salário de uma jornàda, e 60 quarters, o salário de
60 jornadas. Noutras palavras, o trabalhador só receberia a metade, 50%
de seu produto, enquanto o capitalista receberia o dobro, 100% de seu
dispêndío.
Que se passaria ent:ro com o capital constante de 60 quarters? Do
mesmo modo seriam o produto de 30 jornadas., e supondo-se que nesse
capital constante os elementos de produç:ro se comportassem da maneira
anterior, consistindo l /3 em capital constante e 2/3 em trabalho novo
adicionado, sendo as mesmas a taxa de mais-valia e a taxa de lucro, teríamos
a seguinte conta:

Capital oonssante Capital variável Produto total , 'Lucro

20 quarten 20 quarteis (salário 60 quartets 20 quarteis


de 20 trabalhadores)

De novo a taxa de lucro importaria em 50%, a taxa de mais·valia, em


100%. O produto total seria o resultado de 30 jornadas, das quais 10 jorna-
das (= 20 quarters) o trabalho preexistente, e 20 jornadas o novo trabalho
adicionado por 20 trabalhadores, cada um dos quais só teria recebido de
salário a metade de seu produto. Dois quarters continuariam a ser o produto
do trabalho 'de um homem, embora como dantes l quarter seja o salário
do trabalho de um homem e 1 quarter, o lucro do ê:apitalista, que se apro-
pria da metade do trabalho do homem.
Os 60 quarters que o último capitalista produtor obtém de mais-valia
constituiriam uma taxa de lucro de 50%, porque esses 60 quarters de mais.
valia são calculados não sobre os 60 quarters em salário, mas também sobre
os 60 quarters adiantados em sementes e capital fixo, isto é, 120 quarters
ao todo.
Assim, se Mill também calcula 50% de lucro para o capitalista que
produziu as sementes e capital -fixo, 60 quarters ao todo, se além disso

1250
admite que o capital constante e o capital variável entram aí na mesma
proporção, como se dá com o produtor dos 180 quarters, com acerto
poderá dizer que o lucro = 20 quarters, o salário = 20 quarters e o
capital constante = 20 quarters.
Mas que diz Mill?

"Supondo-se o lucro de 50%, as sementes e o instrumental têm de redu-


zir-se ao produto do trabalho de 40 homens, pois os salários desses 40 e
mais o lucro formam 60 quarters" {p. 99).

Para o primeiro capitalista que empregava 60 trabalhadores, a cada


um dos quais pagava l quarter de salário por jornada (gastava portanto
60 quarters em salário), e que despendia mais 60 quarters em capítàl cons-
tante, as 60 jornadas se materializaram em 120 quarters, das quais os traba-
lhadores apenas receberam 60 como salário, ou seja, o salário é igual apenas
ã metade do produto do trabalho de 60 homens. Os 60 quarters de cap~tal
constante portanto constituem tão-só o produto do trabalho de 30 homens;
se se reduzirem totalmente a lucro e salário, o salário montará a 30 quarters,
e o lucro a 30 quarters, isto é, o salário = trabalho de 15 homens e o
lucro idem. Mas o lucro importa apenas em 50%, uma vez que se aceitou
que das 30 jornadas contidas nos 60 quarters, lO = capital preexistente
(capital constante) e só 10 se convertem em salário. Por conseguinte, l O
jornadas se contêm em capital constante, e 20 são novas jornadas adiciona·
das, e nestas os trabalhadores trabalham 10 para si e lO para o capitalista.
Mas Mill afirma que esses 60 quarters são produto de 40 homens, quando
antes 120 eram o produto de 60. No último caso, 1 quarter contém 1/2
jornada de trabalho (embora seja o salário de uma jornada inteira); no
primeiro, 3/4 de quarter seria 1/2 jornada; enquanto a terça parte do
produto (os 60 quarters) despendida em capital constante tem tanto valor,
isto é, tanto tempo de trabalho quanto qualquer outra terça parte do
produto. Se Mill queria reduzir o capital constante de 60 quarters total-
mente a salário e lucro, isso em nada teria mudado a quantidade do tempo
de trabalho nele contida. Continuaria a haver 30 jornadas; mas, uma ve:z
que aí nlío haveria capital constante algum a repor, lucro e mais·valia coinci-
diriam. O lucro teria importado em 100%, e na:o em 50% como dantes.
Antes a mais-valia também importava em 100%, mas o lucro em 50%
apenas; justamente por ter o capital constante entrado no cálculo.
Há aí portanto dupla manobra errada de Mill.
Nos primeiros 180 quarters a dificuldade consistia em que mais-valia

1251
e lucro nâ'o coincidiam, porque os 60 quarters nâ'o só tinham de ~r.
calculados sobre 60 quarters (do produto total a parte que é igual ao
salário). mas também sobre 1-20 quarters, isto é, o capital constante de
60 quarters +salário de 60 qua~ters. Por isso, a mais-valia importava em
100%, e o lucro em 50% apenas. Mill elimina essa dificuldade para os 60
quarters em que consiste o capital constante, admitindo que aí o produto
todo se divide entre capitalista e trabalhador, isto é, que nenhum capital
constante entra na fonnaç[o do capital constante, OS 60 quarters COUSÍS·
tentes em sementes e instrumental. A circunstância que era para ser expH·
cada no capítulo 1 supõe-se eliminada no capitulo II, e assim extingue-se
o problema. ·
Mas, em segundo lugar, depois de ter admitido que, no valor dos
60 quarters que formam o capital constante de I, entra apenas trabalho
vivo e nenhum trabalho preexistente, nenhum capital constante, que lucro
e mais-valia portanto coincidem, em conseqüência também taxa de lucro
e de mais-valia, e que não ocorre nenhuma diferença entre elas, passa a
supor ao revés que, como em 1, oco"e uma diferença entre elas, e por isso
o lucro, eomo em 1, apenas montai 50%. Se em Ia terça parte do produto
n:ro tivesse consistido em capital constante, o lucro teria sido igual à maís-
valía; o produto total teria consistido apenas em 120 quarters = 60 jor-
nadas, das quais os trabalhadores se teriam apropriado de. 30 (= 60 quarters)
e o capitalista, de 30 ( = 60 quarters). A taxa de lucro teria sido tão grande
quanto a taxa de mais-valia, igual a 100%. Era igual a 50% porque os 60
quarters de mais.valia não eram calculados sobre 60 quarters (salário), mas
sobre 120 quarters (salário, sementes e capital fixo). Em,·IJ admite ele que
não entra capital constante algum. Supõe também que o salário é O· mesmo,
l quarter. E não obstante admite que lucro e mais-valia diferem, isto é,
que o lucro monta apenas a 50%. embora a mais-valia ímporte em 100%.
Na realidade admite que os 60 quarters. l /3 do produto total, contêm mais
tempo de trabalho que outro terço do produto total; considera que esses
60 quarters do produto decorrem de 40 jornadas, e os outros 120 quarters
des:se produto, de 60 jornadas apenas.
Mas, na realidade,· transparece a velha falácia do lucro de alienação
(profit upon aJienation}, que nada tem que ver com o tempo de trabalho
contido no produto, nem com a definiçã'o ricardiana do valor. É que eJe
admite que o salário que um homem recebe por uma jornada é igual ao
produto de sua jornada ou contém tanto tempo de. trabalho quanto o que
ele trabalha. Se se pagam 40 quarters de salário e o luero é de 20 quarters,
os 40 quarters encerram 40 jornadas de trabalho. O pagamento das 40 jor-

1252
nadas = produto das 40 jornadas. Se em 60 quarters há 50% de lucro
ou 20 quarters, segue-se então que 40 quarters = produto do trabalho
de 40 homens, uma vez que, de acordo com o pressuposto, 40 qua.rters
constituem o salário e um homem recebe 1 quarter por jornada. Donde
vêm então esses outros 20 quarters? os 40 homens trabalham 40 jornadas
porque recebem 40 quarters. Por conseguinte, 1 quarJer é o produto de uma
jornada de trabalho. 40 jornadas produzem portanto 40 quarters e nada
mais. Donde se originam então os 20 quarters que formam o lucro? Em
Mill está subjacente a antiga falácia do lucro de alienação, de mera alta
nominal do preço do produto acima do valor. Mas essa falácia se revela
aí um absurdo total e uma impossibilidade, porque o valor nã'o se configura
em dinheiro e sim numa parte alíquota do própi:io produto. Nada mais
fácil de imaginar que - se 40 quarters de trigo é o produto de 40 trabalha.
dores, cada um dos quais recebe salário de 1 quater por dia ou por ano,
representando o salário o produto intei"ro deles, e se 1 quarter de trigo
expresso em dinheiro é igual a 3 libras, e 40 quarters correspondem portanto
a J 20 libras - o capitalísta vende esses 40 quarters por 180 libras e assim
faz lucro de 60 libras, de 50%, igual a 20 quarters. Mas essa idéia leva ao
absurdo: dos 40 quarters que as 40 jornadas produz1ram e pelas quais
paga 40 quarters, vende 60. Só dispõe de 40 quarters e vende 60, 20 a mais
do que tem para vender.
Assim, em primeira instância, Míll, para demonstrar a lei ricardiana,
isto é, a lei ricardiana errada que confunde mais-valia e lucro, recorre às
seguintes hipóteses desfrutáveis:
(I) O próprio capitalista que produz o capital constante, por sua
vez ni!o utiliza capital constante, e Mill assim exorciza a díficuldade toda
introduzida pelo capital constante;
(2) embora o· capitalista nã'o utilize ·capital constante, a diferença
entre mais·valia e lucro introduzida pelo capital constante continua todavia
a existir, embora não exista capital constante;
(3} quem produz 40 quarters de trigo pode vender 60, porque seu
produto global se vende como capítal constante a outro capitalista, cujo
capital constante = 60, e porque o capitalista no 11 faz sobre esses 60
quarters um lucro de 50%.
Esse disparate reduz-se à idéia do lucro de alienação, que aí só se
patenteia tão absurdo porque o que tem de constituir o lucro n:ro é o valor
nominal expresso em dinheiro e sim parte do próprio produto vendido.
Mill, portanto, para justificar Ricardo, abandonou a concepçã'o fundamen·
tal dele e retrocedeu muito em relação a Ricardo, a Smith e aos fisiocratas.

1253
Sua primeira justificação da teoria ricardíana consiste portanto em .
abandoná-la de antema'o, isto é, desistir do princípio fundamental de ser o
lucro somente parte do valor da mereadoria, portanto apenas a parte do
tempo de trabalho nela contida, a· qual o capitalista vende com seu produto,
mas sem tê-la pago ao trabalhador. Paga ao trabalhador, segundo Mill, a
jornada de trabalho na íntegra e na'o obstante consegue luero,
Vejamos como prossegue Mm.
Supõe que uma invençã'.o suprime a necessidade de empregar sementes
e instrumentral agrícola para produzir o trigo, isto é, faz desaparecer para
o últúno capitalista a necessidade de capital constante, como já o fizera
para o produtor de sementes e capital fixo correspondentes aos primeiros
60 quarters. Teria enta:o de raciocinar assim:
O capitalista l não tem agora de gastar 60 quarters em sementes e
capital fixo, uma vez que declaramos seu capital constante = O. Só tem
portanto de despender 60 quarters para o salário de 60 trabalhadores, que
trabalham 60 jornadas. O produto dessas 60 jornadas = 120 quarters.
Os trabalhadores só recebem 60 quarters. Assim, o capitalista obtém de
lucro 60 quarters, 100%. Sua taxa; de lucro é exatamente igual â taxa de
mais-valia, ou seja, é a rigor igual ao tempo de trabalho que os trabalhadores
trabalharam não para si e sún para o capitalista. Trabalharam 60 jornadas.
Produzem 120 quarters; recebem 60 quarters de salário .. Reêebem portanto
de salário o produto de 30 jornadas, embora tenham trabaJhadçi 60. A quan-
tidade de tempo de trabalho que custa 2 quarters continua. a ser· r jornada.
A jornada paga pelo capitalista continua a ser l quarter, isto é, igual à
metade da jornada de trabalho. O produto diminiu de·l/3, passando de
180 quarters para 120; e na:o obstante o lucro acresceu de 50%, isto é,
elevou-se de 50% para l 00%. E por que? Dos 180 quarters, a terça parte
repunha apenas o dispêndio do capital constante, por conseguinte nio
entrava em lucro nem em salário. Ademais, os 60 quarters ou 30 jornadas
que os trabalhadores produziam ou trabalhavam para o capitalista na-o
foram calculados. sobre 60 quarters despendi.dos em salárlo, ou sobre as
30 jornadas que trabalharam para si mesmos, mas sobre os 120 quarters
ou 60 jornadas despendidos em salário, sementes e capital fixo. Por isso,
embora trabalhem 60 jornadas, 30 para si e 30 para o capitalista, embora
um dispêndio de capital em salário de 60 quarters proporcione ao capita-
lista 120, sua taxa de lucro nao era de 100%, mas de 50o/o, por ter sido
calculada de outra maneira. num caso sobre 2 x 60 e no outro sobre 60.
A mais-valia era a mesma, mas a taxa de lucro diferia.
Mas que faz Mm?

1254
Em vez de presumír que o capitalista (que n:ro despende capital
constante graças a uma invenção) consegue 120 quarters com 60 ( 60 jorn::i-
das por 30 pagas), supõe que ele emprega 100 homens que lhe fornecem
180 quarters, com o pressuposto permanente de um salário de 1 jorna-
da = 1 quarter. O eálcu!o é portanto este:

Capital díspend ido


Produto total Lucro
(apenas variável, em çaJário)

100 qua:iters (salário de 100 jornadas) 180 quarters 80 quarters

Assim, o capitalista ganha lucro de 80%. Aí lucro é igual a mais-valia.


Por conseguinte, a taxa de mais-valia é também igual a 80%; ames, era
igual a 100%, portanto acrescida de 20%. Temos aí portanto o fenómeno
de um acréscimo de 30 na taxa de lucro e decréscimo de 20 na tax.a de
mais-valia.
Se o capitalista investísse então apenas 60 quarters em salário, como
dantes, a conta seria a seguinte:

100 quuters dilo 80 qu:uten de mais-vaUa


l O quarte1 ~ dã'o Bq u:uters de maís· valia
60 quarters dão 48 quarters de mais-valia

Mas antes 60 quarters nos davam 60 (isto é, verifica-se queda de


20%). Expressando de· outro modo, tínhamos antes:

Produto total Mais-valia

60 quarters 120 quarters 60 quarteis


10 quarters 20 quarters 10 quarteis
100 quarters 200 quarters 100 quarters

A mais-valia portanto decresceu (nos dois casos é mister calcular sobre


100 quarters) de 100 para 80, em 20%,
(60:48 = 100:80; 60:48 = 10:8; 60:48 = 5:4;4x60 = 240
e 48 X 5 = 240.)
Observemos ainda o tempo de trabalho ou o valor do quarter. Antes,
2 quarters ""' l jornada, ou 1 quarter = 1/2 jornada ou 9/18 do trabalho

1255
de um homem. Em contraposiça:o, 180 quarters são agora o produto de 100.
jornadas; isto é, 1 quarter é o produto de t00/ 180 de jornada == 10/18 de
jornada. Ou o produto ficou mais caro 1/18 de jornada, ou o trabalho ficou
menos produtivo, pois o trabalho só precisava de 9/18 de jornada para pro·
duzir 1 quarter, enquanto agora precisa de 10/ l 8. A taxa de lucro subíu,
embora a mais-valia tenha caído e em conseqüência a produtividade do
trabalho decrescido ou o valor real, o custo de produçã'o do salário se tenha
elevado de 1/18 de jornada ou de 111/9% 311 • Os 180 quarters eram antes
o produto de 90 jornadas de trabalho (l quarter, 90/l 80 = 1/2 jorna-
da = 9/18 de jornada). Agora são o produto de 100 jornadas (l quar-
ter = J00/ 180 = IO/l 8 de jornada). Admitamos seja a jornada igual a
12 horas = 60 mínu tos x 12 = 720'. A I 81l parte de uma jornada será
portanto igual a 720'/ l 8 = 40'. Desses 720 minutos, o- trabalhador no
prímeiro caso dá ao capitalista 9/18 = 1/2 de 720 = 360'. Por conse-
guinte, 60 trabalhadores lhe dão 360 x 60, Desses 720 minutos, o trabalha-
dor no segurido caso dá 8/18, portanto 320 apenas. Mas, o primeiro capita-
lista aplica 60 trabalhadores e assim ganha 360' x 60_ O segundo emprega
100, e ganha portanto 100 x 320' : : : : 32 000'. O primeiro,_ _360 x 60 =
21 600'. O segundo ganha portanto mais que o primeiro, po-rque 100 tra-
balhadores a 320 minutos por dia fazem mais que 60 a 360 .. Por conse-
guinte, só porque emprega mais trabalhadores; mas_ relatívamente-consegue
menos por trabalhador. Ganha mais, embora tenha caídô ·a taxa de mais-
valia, portanto a produtividade do trabalho, em conseqüência tenham
subido os custos de produção do salário real, isto é, a quantidade de traba·
lho neles contido. Mas Mill queria demonstrar exatamente o oposto.
Admitamos que o capitalista I que n[o fez a "invenção" de produzir
trigo sem sementes e sem capital fixo, empregue do mesmo modo 100
jornadas (como o capitalista II), enquanto no cálculo acima só emprega
90 jornadas. Teria portanto de empregar 10 jornadas a mais, das quais
3 1/3 para capital constante (sementes e capital fixo); e 3 1 /3 para salário.
O produto dessas 10 jornadas em sua antiga seqüência de produção é igual
a 20 quarters, dos quais 6 2/3 quarters para capital constante, restando
12 4/3, o produto de 6 2/3 jornadas. Daí 6 2/3 correspondentes a salário e
6 2/3 a mais-valia.

88.. No manuscrito 5 5/9%.

1256
Teríamos então a seguinte conta:

Capital Taxa de
Salário Produto total Mais-valia
constante mais-valia

66 2/3 quarters 66 2/3 quarters 200 qu:uters 66·2/3 quarters 100%


(331{3 jornadas) (Salário de (J 00 jornadas) (33 1/3 jornadas)
662/3 jornadas)

Para um produto de 100 jornadas, teria ele lucro de 33 1/3 jornadas.


Ou, para 200 quarters, 66 2/3. Ou se calculamos o -capital que despendeu em
quarters. teria sobre 133 1/3 quarters (o produto de 66 2/3 jornadas) lucro
de 66 2/3; enquanto o capitalista II sobre 100 quarters de dispêndio teria
lucro de 80. O lucro de II seria assim maior que o de l. Mas. uma vez que
1 fornece 200 quarters com o mesmo tempo de trabalho com que o outro
produz, 180 - l quarter de I = l /2 jornada, 1 quarter de II = 10/ l 8 ou
5 /9 de jornada, portanto 1 /2 nono ou 1/18 a mais de tempo de trabalho
e assim seria mais caro - J expulsaria II do mercado. Este teria de abando-
nar a invenção e conformar-se, como dantes, em empregar sementes a
capital fixo para produzir trigo.
O lucro de 1 sobre 120 quarters importaria em 60 quarters ou em
50% (o mesmo que 66 2/3 sobre 133 1/3).
O lucro de II sobre 100 quarters importaria em 80 quarters ou 80%.
O lucro de II : 1 = 80: 50 = 8: 5 = 1 : 5/8.
Em contraposíçito, mais-valia de II: 1 = 80: 100 = 8: 10 = 1: 10/8
= l : l 2/8 -= 1 : 1 l /4,
A taxa de lucro de II é em 30% maior que a de 1.
A mais-valía de Il é em 20% menor que a de 1.
II emprega 66 2/3% mais trabalhadores 89 , enquanto o outro se apro-
pria apenas de 1/8 ou 12 1/2% 90 mais de trabalho numa só jornada.
Mill demonstrou portanto que o capitalista 1 - que ao todo utiliza
90 jornadas, 1/3 delas embutido em capital constante (sementes, maqujna-
ria etc.), e emprega 60 trabalhadores, aos quais paga 30 jornadas - produz
o quarter de trigo com l/2 jornada ou 9/18, isto é, 180 quarters com as
90 jornadas, e deles 60 quarters cobrem as 30 jornadas que o capital cons.

89. No manuscrito: jornadas.


· 90. No manuscrito: 1 l /18 ou 5 5/9%.

1257
tante contém, 60 quarters, o salário de 60 jornadas ou o produto de 30
jornadas, e 60 a mais-valia (ou o produto de 30 jornadas). A maís·valia
desse capitalista l = 100%. Seu lucro = 50%, pois os 60 quarters de
mais-valia são calculados não sobre 60 quarters, sobre a parte do capital
despendido em salário e sim sobre 120 quarters, isto é, a soma de ambos os
segmentos do capital(= capital variável +constante).
Demonstrou ademais que capitalista II, que emprega J 00 jornadas
das quais despende O em capital constante (em virtude de sua invenção),
fornece um produto de 180 quarters; o quarter é igual a 10/18 dajornada
ou é 1/18 da jornada ( 40') mais caro que em I. Seu trabalho é menos produ-
tivo de 1/18. O salário que paga, uma vez que o trabalhador recebe como
dantes 1 quarter de salário por jornada, subiu 1/18 no valor real, isto é,
no tempo de trabalho necessário para produzi-lo. Embora o custo de produ-
ção do salário tenha subido de 1/18, seu produto total seja menor em
relação ao tempo de trabalho, e a mais-valia por ele produzida sõ monte
a 80%, quando a de I importava em 100%, sua taxa de lucro é de 80,
enquanto a do outro era de 50%. ;Por que? Porque, embora o custo do
salário tenha subido em 11, emprega ele mais trabalhadores, e porque em II
a taxa de mais·valia = taxa de lucro, pois ela se relacion"' apenas com o
capital despendido em salário, e o capital constante = O. Mill porém queria
demonstrar ao contrário que a alta na taxa de lucro decorreu de deçré:icimo
no cu&ro de produção do salário, de acordo com ã lei ricardiana. Vimos
que essa alta ocorreu apesar do acréscimo no cu8to de pro4uç(fo do salário;
que a lei ricardiana erra quando identifica de ime.diato t\icro a mais-valia,
e por taxa de lucro entende a proporçio da mais-valia ou do lucro bruto
(igual à mais-valia) com o valor total do capital adiantado.
Mill prossegue:

"Antes nio se podia obter um resultado de 180 quarters sem despender


120, e agora 'basta um dispêndio de 100."

Mill esquece que no primeiro caso o dispêndio de 120 quarters = dis·


pêndio de 60 jornadas. É que no segundo caso o dispêndio de 100 quarters
= dispêndio de 55 5/9 jornadas. (Por conseguinte, no primeiro caso 1 quar-
ter = 9/18 de jornada; no segundo, 10/18.)

"Os 180 quarters continuam a ser o resultado da mesma quantidade


anterior de trabalho, o trabalho de 100 homens."

1258
(Com licença. Os J 80 quarters eram antes o resultado de 90 jornadas,
e agora de 100.)

"'Por isso, um quarter de trigo ainda é o produto de 10/18 do trabalho de


um homem"

(Com licença. Era antes o produto de 9/18 do trabalho, de um homem).

"pois um quarter de trigo, que é a remuneração de cada trabalhador, é


na realidade o produto do mesmo trabalho anterior"

(Com licença. Primeiro, 1 quarter é agor~ "na realidade o produto" de


10/18 de jornada, quando antes era o produto de 9/18, custa portanto 1/18
de jornada a mais, e segundo, a remuneração de um trabalhador apenas,
custe o quarter 9/18 ou 10/18 de sua jornada, nunca pode ser confundida
com o produto de seu trabalho, mas sempre é uma parte somente desse
produto);

"é agora o produto de 10/18 do trabalho de um homem e nada mais"


(correto), "enquanto antes era requerida para produzi-lo a conjunção
dessa quantidade de trabalho com dispêndio que, na forma de reembolso
de lucro, montava a 1/5" (pp. 102, 103).

Alto lá! Primeiro, conforme reíterado, é errado que 1 quarter custasse


antes 10/18 da jornada; custava apenas 9/18. Mais errado ainda (se fosse
possível uma gradação do erro absoluto) afinnar que ainda se agregava a
esses 9/18 da jornada "reembolso de lucro que montava a 1/5 mais". Com
90 quarters (incluídos capital constante e capital variável) produzem-se
180. 180 quarters = 90 jornadas. Um quarter = 90/180 = 1/2 jornada
= 9/18. Não há portanto nenhuma "conjunção" que acresça esses 9/18
ou 1/2 de uma jornada que no caso 1 custava I quarter.
Mas aí descobrimos a verdadeira falácia em torno da qual o disparate
todo gira dissimulado. Mill primeiro se rid.icuJari.za ao supor que - se
120 quarters é o produto de 60 jornadas. produto que se repartia em dois
segmentos iguais, um dos 60 trabalhadores e o outro do capitalista - os
60 quarters que rep1esentam o capital constante poderiam ser o produto
de 40 jornadas. Só poderiam ser o produto de 30 jornadas, não importa
a proporção em que o capitalista e os trabalhadores que produzem esses
60 quarters deles participem. Mas prossigamos. Para evidenciar por completo

1259
a falácia, suporemos que o que se converte em lucro não é l /3 dos 60
quarters de capital constante ou 20 quarters, mas o total dos 60 quarters. ·
Podemos fazer essa suposição por favorecer ela o interesse de Mill ·e não
o nosso, e tanto mais que simplifica o problema. Além disso, a invenção
de fazer 30 trabalhadores trabalhar de· graça, sem pagamento de salário
(como se dá na forma de corvéia), 30 jornadas que produzem 60 quarters
ao seu valor, é mais fácil de atribuir ao capitaliua que produz capital cons-
tante de 60 quarters que atribuir ao capitalista de Mill a invenção que lhe
pennite produzir 180 quarters de trigo sem sementes e sem capital fixo.
Admitamos portanto que nos 60 quarters se contenha apenas !ucro do
capital II, do produtor do capital constante do capital I, pois o ca{lital II
terá de vender o produto de 30 jornadas sem nada ter pago aos 30 trabalha~
dores, cada um dos quais trabalhou uma jornada. Seria então certo dizer
que esses 60 quarters que se reduzem a mero lucro entram nos custos de
produçUo do salário do capitalista 1, em "conjunção" com o tempo de
trabalho despendido por aqueles trabalhadores?
Sem dúvida capitalista e trabalhadores de 1 nã'.o poderiam produzir
120 quarters, nem mesmo um qua,rter sem os 60 quarters que formam o
capital constante e se reduzem apenas a lucro. São-lhes necessárias condi-
ções de produção, e ademais condições de produçã:o que têm. de ser pagas.
Mas disponham dos 60 quarters necessários para produzir l SO. Desses 180,
60 repõem 60. Seus 120 quarters, produto de suas 60 jornadii;s, não se alte-
ram por isso. Se tivessem podido produzir os 120 sem os 60, seu'produto,
o produto das 60 jornadas, seria o mesmo; mas o_. produto total seria menor,
justamente porque os 60 quarters preexistentes não seriam reproduzidos. A
taxa de lucro do capital seria maior porque em seus custos de produção
não entraram o dispêndio, os custos das condiç<ies de produção que o
capacitam a obter mais- valia de 60 quarters. o lucro absoluto seria o mes-
mo, ígual a 60 quarters. Mas esses 60 quarters só lhe teriam custado dispên-
dio de 60 quarters. Custam-lhe agora dispêndio de 120. Esse dispêndio
para o capital constante entra portanto nos custos de produção do capita-
lista, mas não nos custos de produção do salário.
Admitamos que, em virtude de uma invença-o qualquer, o capitalista
III produza, também sem pagar os trabalhadores, 60 quarters, empregando
15 jornadas em vez de 30, em parte porque empregue melhores máquinas
etc. O capitalista III expulsaria o capitalista II do mercado e conquistaria
para si as compras do capitalista 1. Agora os dispêndios do capitalista
cairiam de 60 para 45 jornadas. Como dantes, os trabalhadores precisariam
de 60 jornadas para produzir 180 quarters com 60. E precisariam de 30

1260
jornadas para produzir seu salário. Para eles, 1 quarter = l í2 jornada. Mas
os 180 quarters custariam ao capitalista tão-só dispêndio de 45 jornadas,
em vez de 60. Todavia, como seria absurdo supor que trigo sob o nome de
sementes custe menos tempo de trabalho que sob o nome puro e simples
de trigo, teríamos de supor que, nos primeiros 60 quarters de trigo, a
semente tenha o mesmo custo anterior, mas que menos semente seja
necessária ou que tenha barateado a parte do valo'r relativa a capita] fixo
contida nos 60 quarters.
Antes de mais nada detenhamo-nos no que até agora resultou da
análise da "explicação" de Mil!.
Primeiro vimos: Admitido fossem os 120 quarters produzidos sem
capital constante algum e continuassem a ser; como dantes, produto de
60 jornadas, enquanto antes os 180 quarters - dos quais: 60 quarters, capital
·constante - eram o produto de 90 jornadas. Nesse caso, o capital de 60
quarters despendido em salário = 30 jornadas, que porém e-0mandam
60 jornadas, forneceria o mesmo produto anterior, 120 quarters. Também
o valor desse produto teria ficado invariável, isto é, 1 quarter = 1/2 jorna-
da. O produto antes era igual a 180 quarters em vez de 120 quarters como
agora, mas os 60 quarters a mais representavam apenas o tempo de trabalho
contido no capital constante. Assim, o custo de produção do salário não
variaria nem o próprío salário, tanto segundo o valor de uso quanto segundo
o valor de troca, l quarter = 1/2 jornada. Também fícaría inalterada a
mais-valia, a saber, 60 quarters sobre 60 quarters, ou 1/2 jornada sobre
l /2 jornada. Expressa pela taxa, em ambos os casos a mais-valia = 100%.
Não obstante, a taxa de lucro no prime:ro caso montava apenas a 50%,
quando agora importa .em 100%. Apenas porque 60 : 60 = 100%, e 60: 120
= 50%. Esse acréscimo na taxa de lucro decorre aí não de mudança nos
custos de produção do salário, mas somente da circunstância de se fazer
o capital constante = O; sucede situação semelhante quando o valor do
capital constante se reduz, e em conseqüência o valor correspondente do
capital adiantado; aumenta assim a proporçã'o da mais-valia com o capital,
e e~sa proporção é a taxa de lucro.
Paia se obter a taxa de lucro, calcula-se a mais-valia não só sobre
a parte do capital que na realidade acresce e gera mais-vaHa, a saber, a
parte do capital Jespendida em salário, mas também sobre o valor das
matérias-primas e da maquinaria, valor que apenas reaparece no produto.
Além disso, sobre o valor da maquinaria toda, m:ro só da parte que entra
no processo de formar valor e que portanto constitui desgaste a ser reposto,
mas também da parte que apenas entra no processo de trabalho.

1261
Segundo, no segundo exemplo admitiu·se que o capital J fornece
180 quarters = 90 jornadas, de modo que 60 quarters (30 jornadas) =
capital constante, 60 quarters (por 60 jornadas, das quais 30 são pagas
aos trabalhadores) = capital variável, salário = 60 quarters (30 jornadas),
mais-valia = 60 quarters (30 jornadas). e que em contraposição capital II
também fornece 180 quarters, a que porém correspondem 100 jornadas
e dos quais 100 quarters = salário, e 80 quarters = mais·valia. AC o
total do capital adiantado é despendido em sàlário, e o capital constante =
o~ subiu o valor real do salário, embora o valor de uso que o trabalhador
recebe tenha permanecido o mesmo, igual a 1 quarter; mas agora l quarter
= 10/18 da jornada de trabalho, quando antes era apenas 9/18. A mais·
valia caiu de 100% para 80%, portanto de l/5 = 20%. A taxa de lucro
subiu de 50% para 80%, portanto de 3/5 == 60%. Nesse caso, o custo de
produção do salário, em vez de ficar inalterado, elevou-se. O trabalho
tornou-se menos produtivo, e daí ter caído o trabalho excedente. E nSo
obstante subiu a taxa de lucro. Por que? ( l) Por não haver capital constante,
e assim a taxa de lucro = taxa de mais-valia. Em todos os casos em que o
dispêndio de capital nlio é exclusivo, em salário, e essa exclusividade é quase
impossível na produção capitalista, a taxa de lucro em geral tem de ser
menor que a taxa de mais-valia, e tem de ser menor na mesma proporção
em que o valor global do capital adiantado é maior que o: valor da parte
do capital aplicada em salário. (2) II emprega trabalhadores em proporção
muito maior que J e que supera de longe a diferença na~. produtividades
dos respectivos trabalhos aplicados.
Terceiro: num sentido, os casos apresentados nos itens primeiro e
segundo provam à exaustão que a taxa de lucro pode variar sem depender
em nada do custo de produção do salário. Pois no item primeíro mostrou-
se que a taxa de lucro pode subir, embora os custos de produção do traba-
, lho permaneçam o mesmo. No item segundo mostrou-se que a taxa de
lucro, comparada com a do ·capital 1, sobe para o II, embora decresça
a produtividade do trabalho, eleve-se portanto o custo de produção do
salário. Com o mesmo caso demonstrou-se portanto que, quando, ao contrá-
rio, comparamos o capital 1 com o II, cai a taxa de lucro; embora suba a
taxa de mais-valia, acresça a produtividade do trabalho, e em conseqüência
caia o custo de produção do salário. Este para 1 importa apenas em 9/18
da jornada, mas para II em 10/18; entretanto, a taxa de lucro de II é 60%
maior que a de -1. Em todos esses casos as variaçlJes na taxa de lucro, além
de nilo serem determilllldas pelas variaçães M custo de produção no salário,
oco""'1 nas mesmas proporç(Jes. Cabe observar que não se segue daí que

1262
um movimento seja a causa do outro (assim, por exemplo, que a taxa de
lucro cai por cair o custo de produção do salário, ou nlfo sobe por subir
o custo de produçlfo do salário), mas apenas que outras circunstâncias
inibem os efeitos opostos. Mas, em todo caso, é falsa a lei ricardíana de
que as variações na taxa de lucro ocorrem em direção oposta às variações
no salário, e de que uma sobe porque o outro caí e vice-versa. Essa lei só
é verdadeira para a taxa de mais·valia. Todavia, há mesmo esta conexâ'o
necessária (nem sempre): taxa de lucro e valor do salário sobem e descem
na mesma direção e não em direção oposta. Emprega-se mais trabalho
manual onde o trabalho é menos produtivo. Emprega-se mais capital cons-
tante onde o trabalho é mais produtivo. Aí as mesmas circunstâncias que
geram alta ou queda da taxa de mais-valia têm por isso de causar em sentido
oposto queda da taxa de lucro etc.

b) Variação aparente da taxa de lucro quando o capitalista


passa a produzir o capital constante próprio

Mas agora vamos configurar o caso, como Milt a bem dízer o imagi-
nava, embora nlio o tenha formulado de maneira oorreta. Isto ao mesmo
tempo esclarecerá o verdadeiro sentido de sua charla sobre o lucro adíantado
pelo capitalista.
O exemplo como Mill o apresentou é insustentável, não importa qual
seja a "invenção"· e· qualquer que seja a "conjunçã"o" que se faça, pois
encerra contradição e contra-senso absolutos, e seus próprios pressupostós
se excluem.
Dos 180 quarteIS, 60 quarters (as sementes e capital fixo) corres-
ponderiam a 20 quarters para lucro e a 40 quarters para 40 jornada$, de
modo que, se os 20 quarters de lucro se suprimem, pennanecem contudo
as 40 jornadas, e por isso, de acordo com essa suposição, os trabalhadores
recebem o produto inteiro de seu trabalho, e assim nfo se pode ver abso-
lutamente donde provêm os 20 quilfters de lucro e seu valor. Se forem
considerados mera sobrecarga nominal do preço, nã"o representam nenhum
tempo de trabalho de que o capitalista se aproprie; sua supressão assim
será tão lucrativa quanto a inclusão nos 60 quarters de 20 quarters de
salárío para trabalhadores que não tenham trabalhado. Ademais: 60 quarters
aí expressam apenas o valor do capital constante. Mas supõe-se que resultam

1263
de 40 jornadas. Em contraposição, o pressuposto de os restantes 120 quar- .
ters serem o produto de 60 joma.das. Mas aí entende-se por jomada trabalho
médio igual. A suposição é portanto absurda.
Por conseguinte temos de ádmitir, em primeiro lugar, que nos 180
quarters só se contêm 90 jornadas, e nos 60 quarters = valor do capital
_constante, 30 jornadas apenas. Ê por sua vez absurdo o pressuposto de
se poder suprimir o lucro igual a 20 quarters ou 1O jornadas; pois ter-se-ia
de supor que os 30 trabalhadores, utilizados para produzir o capital cons-
tante, nâ'o trabalhassem para um capitalista, e ademais fossem tão gentis a
ponto de só pagarem a si mesmos o salário, 1/2 de seu tempo de trabalho,
e de não computarem em sua mercadoria a metade restante. Em suma, que
vendessem suas .jornadas de trabalho 50% abaixo do valor. Suposição essa,
portanto, também absurda.
Mas admitamos que o capitalista I, em vez de comprar seu capital
constante do capitalista Il para o transformar em seguida, combine em
sua própria produça:o a produção do capital constante com a transformação
dele. Assim fornece a si mesmo sementes, · instmmentos agrícolas etc.
Suprimamos também a invençã:o que torna supérfluos as sementes e o
capital fixo. Em conseqüência dispenda ele 20 quarters ( = 1Ojornadas)
em capital constante (para produzír seu capital constante), · 10 quarters
(como sa1árío por 10 jornadas, das quais os trabalhadores 'executam 5 de
graça), e teremos os seguintes dados: ·

Capítal Capital varíávet para


Mm-valia Produto total
constante 80 trabalhadores

20 quarte.rs 60 + 20 = 80 quarters 60+20"' BOquarters 180 quarters


(1 O jornadas) (salário de 80 jornadas) ( ... 40 )ornadas) (= 90 jornadas)
(e 40 jornadas)

Ficou invariável o custo real de produçã'o do salário, isto é, a produ-


tividade do trabalho. O produto global pennaneceu o i:nesmo, igual a 180
quarters, e o valor continua a ser o anterior, de 180 quarters. A taxa de
mais-valia ficou a mesma, 80 quarters sobre 80 quarters. O montante abso-
luto ou a magnitude da mais-valia subiu de 60 para 80 quarters, ou seja de
20 quarters. O capital adiantado caiu de 120 para 100 quarters. Antes
tínhamos 60 quarters sobre 120 quarters ou a taxa de lucro de 50%. Agora
temos 80 quarters sobre 100 quarters ou taxa de lucro de 80%. O valor total

1264
do capital adiantado caíu de 120 para 20 quarters, e a taxa de lucro subiu
de 50% para 80%. O próprio lucro, omitida a taxa, importa agora em 80
quarters, quando antes montava a 60, tendo subido portanto de 20 quarters,
isto é, como a soma (e nã'o a taxa) da mais-valia.
Aí nã:o ocorreu mudança alguma, variação alguma no custo de produ-
ção do salárJo real. Aí a ascenção da taxa de lucr_o, primeiro, decorre de
se ter de fato elevado não a taxa de mais-valia, mas o montante absoluto da
mais-valia, de 60 para 80, isto é, de um terço; e subiu de 1/3 ou 331/3%
porque o capitalista ocupa agora díretamente 80 trabalhadores em vez dos
60 como dantes, e assim explora 1/3 ou 33 1/3% mais de trabalho vivo;
emprega agora 80 trabalhadores justamente à mesma taxa de mais-valia
por que antes empregava apenas 60.
Segundo. Enquanto a magnitude absoluta da mais.valia (e portanto
o lucro global) subiu em 33 l /3%, de 60 quarters para 80, a taxa de lucro
elevou-se de 50% para 80%, de 30, de 3/5 portanto (uma vez que 1/5 de
50 = 10 e 3/5 = 30), isto é, de 60%. Ê que o valor do capital adiantado
caíu d.e 120 para 100, embora o valor da parte do capital despendida em
salário tenha subido de 60 para 80 quarters (de 30 para 40 jornadas). Essa
parte do capital aumentou de 10 jornadas(= 20 quarters). Em contrapcr
sição, a parte constante do capital caiu de 60 quarters para 20 (de 30 jor-
nadas para l ô), de 20 jornadas. Se deduzinnos portanto as 10 jornadas
que acresceram a parte do capital despendida em salário, todo o capital
despendido caí de 10 jornadas (= 20 quarters). Importava antes em 120
quarters (= 60 jornadas). Agora importa apenas em 100 quarters (= 50
jornadas). Caiu portanto de 1/6, isto é, de 16 2/3%.
De resto, essa variação toda na taxa de lucro é apenas aparente, é
mera transferência de um lívro de contabilidade para outro. O capitalista l
tem de lucro 80 quarters em vez de 60, isto é, 20 quarters a mais; mas
estes formam o lucro exato obtido antes pelo produtor do capital constante
e por ele agora perdido porque o capitalista I produz seu capital constante
em vez de comprá-lo, e assim ele mesmo embolsa a mais-valia de 20 quarters
(10 jornadas) em vez de pagá-la àquele produto.r que a extraía dos 20
trabalhadores que empregava.
Continua a haver lucro de 80 quarters sobre I 80, só que antes o lucro
se dividía por duas pessoas. A taxa de lucro parece maior porque antes o
capitalista l considerava os 60 quarters apenas capital constante, o que eram
para ele, e em conseqüência omitia o lucro que percebia o produtor do
capital· constante. A taxa de lucro não se alterou, nem a mais-valia, nem
qualquer outra condição de produção, inclusive a produtividade do trabalho.

1265
Antes, o capital despel\dido pelo produtor do capital constante era igual
a 40 quarters (20 jornadas), o capital variável despendido pelo capitalista l
era igual a 60 quarters (30 jorn~das), ao todo 100 quarters (50 jornadas),
e o lucro 20 quarters para o primeiro e 60 para o segundo, 80 quarters
( 40 jornadas). O produto total = 90 jornadas (180 quarters), 80 quarters
de lucro para valor de 100 despendido em salário e capital constante. Para
a sociedade, no caso, não variou a renda (revenue) procedente do lucro,
nem a proporção da mais-valia com o salário.
A diferença provém de o capitalista, ao entrar no mercado como
comprador, ser mero possuidor de mercadorias; tem de pagar o valor
total da mercadoria, o tempo de trabalho inteiro nela contido, não impor-
tam quais sejam as proporções em que capitalista e trabalhador tenham
tomado ou tomem parte nos frutos desse tempo de trabalh.o. Em contra-
posição, se entra no mercado de trabalho como comprador, compra na
realidade mais traballio do que paga. Se portanto, em vez de comprar suas
matérias-primas e maquinaria, ele mesmo as produz, ele mesmo se apropria
do trabalho excedente que de outro modo teria de pagar ao vendedor
de matéria-prima e maquinaria. ;
Para o capitalista isolado - não para a taxa de lucro - são sem dúvida
coisas diferentes receber ele mesmo um lucro ou tê-lo de pagar a outrem.
(Por isso, no cálculo da redução da taxa de lucro por acréscimo do capital
constante toma-se sempre a média da sociedade; isto é, a m.assa global
que a sociedade aplica num dado momento como. capital constartte, e a
relação
. .
dessa massa com a massa do capital despendido diretamente em
salário.) Não obstante, esse aspecto raramente induz e pode induzir mesmo
o capitalista particular a entrar em combinações tais como as ocorrentes,
por exemplo, quando ele ao mesmo tempo fia e tece, faz cozinhar seus
próprios tijolos etc. O determinante aí é a poupança real nos custos de
produção com a economia de tempo em transporte, economia de constru-
çã'o, de aquecimento, de força motriz, etc., maior controle sobre a qualidade
da matéria-prima etc. Se ele mesmo quisesse construir -as máquinas que
utiliza, fabricá-las-ia em pequena escala como o pequeno produtor que
trabalha para satisfazer as próprias necessidades ou as necessidades pessoais
de alguns clientes, e a máquina llie custaria mais do que se a comprasse ao
construtor de máquinas que trabalha para o mercado. Ou se quisesse ao
mesmo tempo fiar, tecer e construir máquinas n!ío só para si, mas também
para o mercado, precisaria de capital maior que provavelmente empregaria
com mais vantagem (divisão do trabalho) em seu próprio negócio. Aquele
objetivo só pode ser válido quando o capitalista forma para si mesmo um

1266
mercado suficiente para poder produzir seu próprio capital constante em
escala mais vantajosa. É mister que sua própria procura tenha para isso
dimensão bastante. Nesse caso, mesmo quando seu trabalho é menos produ-
tivo que o do próprio produtor do capital constante, apropria-se ele de parte
do trabalho excedente que de outro modo teria de pagar a outro capitalista.
Vemos que isso nada tem que ver com a taxa. de lucro. Se portanto,
como no exemplo de Mill, foram empregadas antes 90 jornadas e 80 traba·
lhadores, nenhuma economia traz aos custos de produção' a circunstância
de o trabalho excedente de 40 jornadas ( = 80 quarters), contido no pro-
duto, ter sido antes embolsado por dois capitalistas e agora por um apenas.
Os 20 quarters de lucro (10 jornadas) apenas desaparecem de um livro de
contabilidade para reaparecer em outro ..
Essa economia de lucros pretéritos, se n!fo coincide com economia de
tempo de trabalho e em conseqüência com economia de salário, é portanto
mera falácia. 91

c) Influência da variação de valor do capital constante sobre a


mais- valia, lucro e salário

Quarto, emerge agora o caso em que decresce o valor do capital cons-


tante em virtude da produtividade acrescida do trabalho, e cabe examinar
se esse caso tem ou não relação, e até onde, com o custo real de produção
dos salários ou valor do trabalho. A questão portanto é saber até que ponto
uma variação real no valor do capital constante provoca ao mesmo tempo
variação na .relação de lucro com salário. O valor do capital constante - seus
custos de produção - pode permanecer invariável e não obstante parte
maior ou menor dele pode entrar no produto. Mesmo supondo-se invariável
seu valor, o capital constante crescerá na medida em que se desenvolva a
oportunidade do trabalho, a produção em grande escala. Variações no
volume relativo do capital constante aplicado, a custos de produção invariá-
veis ou mesmo ascendentes - variações todas que influem na taxa de lucro
- estão portanto de antemão excluídas desta pesquisa.

91. A questão da variação aparente' da taxa de lucro, ao concentrar-se a pro·


dução do capital constante e sua transformação nas mãos de um só capitalista, é objeto
do exame de Marx noutros pontos desta obra (ver vol. 1, p. 201, e vol. 2, pp. 482-
488):

1267
Ademais, estão excluídos da questão todos os ramos de produção
cujos produtos nem direta nem indiretamente entram no consumo do
trabalhador. As variações na verdadeira taxa de lucro (isto é, na proporção
da mais-valia de fato produzida ness.es ramos de produção com o capital
despendido) desses ramos de produção influem na taxa geral de lucro,
oriunda do nivelamento dos lucros, do mesmo modo que variações na taxa
de lucro dos ramos de produção cujos produtos entram direta ou indireta-
mente no consumo do trabalhador.
Além disso, o problema tem de reduzir-se a isto; como pode uma
variação no valor do capital constante ter efeito retroativo sobre a própria
mais-valia? Pois, admitín,do·se dada a mais-valia, supõe-se a proporção de
trabalho excedente com trabalho necessário, portanto o valor do saJãrio,
isto é, seus custos de produção. Ne~as circunstâncias, nenhuma mudança
no capítal constante de maneira nenhuma pode atingir o valor do salário,
nem a proporção do trabalho excedente com o necessário, embora tenha
de influir seja como for na taxa de lucro, nos custos de produçã"o da mais·
valia para o capitaIIsta, e em certas circunstâncias, ísto é, quando o produto
entra no consumo do trabalhador, a influência é sobre a quantidade dos
valores de uso a que o salário se reduz, mas n!l'o sobre o valor de troça deste.
Dado o salário, digamos por exemplo na fiaça:o de_ teeelagem de
algodão, salário :;;;; l O horas de trabalho, mais-valia = 2 horàs de trabalho.
Em virtude de uma colheita favorável cai à metade o preço do _algodão em
rama. A mesma quantidade de algodâ'o que antes custava_ 100,libras ao
fabricante, custa agora apenas 50. A mesma quanti\iade de algodão continua
a absorver a mesma quantídade de trabalho de fiação e ,tecelagem. Com
dispêndio de 50 libras em algodão pode agora o capitalista absorver a mesma
quantidade anterior de trabalho excedente obtida com dispêndio de 100
libras, ou, se continua a empregar 100 libras em algodllo, receberá pelo
mesmo preço anterior uma quantidade de algodão em que poderá absorver
o dobro do trabalho excedente. Nos doís casos, a taxa de maís-valia, isto é,
:• proporção da mais-valia com o salário, permanecerá a mesma; mas no
segundo caso subirá o montante da mais-valia, uma vez que se emprega
o dobro do trabalho com a mesma taxa de trabalho excedente. Nos dois
casos subirá a taxa de lucro, embora não tenha ocorrido variação nenhuma
nos custos de produçã'o do salário. Subirá porque se obtém a taxa de lucro
dividindo-se a mais-valia pelos custos de produção do capitalista, pelo
valor total do capital por ele desembolsado, e esses. custos caíram. Agora
custa-lhe menos dispêndio que antes produzir o mesmo valor excedente.
:So segundo caso subirá não só a taxa de lucro, mas o montante de lucro,

1268
por ter aume11tado a própria mais-valia em virtude do emprego acrescido
de trabalho, sem ter esse acréscimo gerado custo suplementar de matéría-
prima. Também nes.5e caso ocorrerá alta na taxa e no montante de lucro.
sem variação alguma no valor do trabalho.
Admitamos, ao revés, suba ao dobro o valor do algodão em virtude
de má colheita, de modo que ·a mesma quantidade _de algodão que antes
custava 100 libras custe agora 200 libras. Então, a taxa de lucro de qualquer
modo cai, mas em certas circunstâncias o montante ou a magnitude absoluta
do lucro pode cair também. Se o capitalista empregar a mesma quantidade
anterior de trabalhadores que trabalham tanto quanto antes - nas mesmas
condições anteriores, decresce sua taxa de lucro, embora a proporção de
trabalho excedente com o trabalho necessário e ·em conseqüência a taxa
e o montante da mais-valia tenham permanecido os mesmos. A taxa de
lucro caí por terem subido para o capitalista os custos de produção da
mais-valia, isto é, por ter sido necessário dispêndio suplementar de 100
libras em matérias-primas para ele se apropriar da me&ma quantidade ante·
rior de tempo de trabalho alheio. Se o capitalista é forçado a empregar
em algodão parte do dinheiro que antes desembolsava em salário, por
exemplo, comprar de algodão 150 libras, das quais 50 iam antes para salário,
cairã'o taxa e momame de lucro, este por se ter empregado menos trabalho,
embora com a mesma taxa de mais-valia. O mesmo se dará se, em virtude
de má colheita, não houver algodão bastante para absorver a mesma quanti-
dade anterior de trabalho vivo. Nos dois casos cairão montante e taxa de
lucro, embora o valor do trabalho tenha permanecido o mesmo, portanto
a taxa de mais-valia ou a quantidade de trabalho não pago, a qual o capita·
lista recebe na razão do.trabalho que paga em salário.
Inalterada a taxa de mais-valia, portanto inalterado o valor do traba-
lho, uma varíaç:lo no valor do capital constante tem po:c isso de gerar mu-
dança na taxa de lucro e pode ser acompanhada por mudança no montante
global do lucro.
Ademais, no tocante ao trabalhador:
Se decresce o valor do algodão e em conseqüência o do produto
em que entra, continua o trabalhador a receber o me!>mo salário de 1Ohoras
de trabalho. Mas recebe mais barato a parte dos artigos de algodão a qual
ele mesmo consome; então pode gastar de outro módo parte do que gastava
antes nesses artigos. Só nessa proporção cresce a quantidade dos meios de
subsistência a ele acessíveis, isto é, na proporçao em que economiza no
preço dos artigos de algodão. Pois, afinal de contas, recebe agora por uma
quantidade maior de artigos de algodão não mais do que antes por uma

1269
menor. As outras mercadorias teriro subido na mesma proporçã'o em que
tenham caído os artigos de algodão. Em suma, uma quantidade maior
desses artigos não tem agora valor maior que a anteríor menor. Nesse caso,
o valor do sal.árit> permanecerá o mesmo, mas configUrará quantidade maior
de nutras mercadorias (valores de uso). Ntlo obstante terá mbido a taxa de
lucro, embora. nas condições dadas, nllo possa subir a taxa de mais-valia.
Ao revés. no caso do encarecimento do algodão. Se o trabalhador
continuar ocupado o mesmo tempo e receber como dantes salário = 10
horas, o valor de seu trabalho será o mesmo, mas o valor de uso terá caído
na medida em que o próprio trabalhador consuma artigos de algodão. Nesse
caso. o valor de uso do salário terá caido, o valor continuará o memia,
embora a taxa de lucro tenha caído. Se portanto mais-valia e salário (real)
sobem e descem sempre e-m raz.a:o inversa (excetuada a ocorrêncía de o caso
em que o trabalhador participar no resultado do prolongamento absoluto
lie sua jornada; mas então sua força de trabalho se desgasta com tanto mais
rapidez), pode a taxa de lucro subir ou descer embora, no primeiro caso,
o valor do salário permaneça o mesmo com acréscimo de seu valor de uso,
e embora, no segundo caso, o valor, do salário permaneça o mesmo, dimi·
nuindo contudo seu valor de uso.
Ascensão da taxa de lucro, conseqüência de uma queda·rÍo valor do
capital constante, não tem nenhuma relação direta com vatiação no valor
real do salário (do tempo de trabalho nele contido).
Se portanto, como se supôs acima, o algodlio tem queda de' 50% no
valor, nada será mais falso que dizér que os custos de produção do salário
caíram, ou que, se o trabalhador pago em artigos de algodão recebe o
mesmo valor precedente, por conseguinte quantidade maior que a anterior
de artigos de algodão (porque as 10 horas de trabalho, por exemplo, conti-
nuam como dantes correspondendo a 10 xelins, mll.S com 10 xelins posso
comprar mais artigos de algodão que antes, por ter caido o valor do algodão
em rama), ficará a mesma a taxa de lucro. A taxa de mais-valia permanece
a mesma, a taxa de lucro porém sobe. Os custos de produção do produto
terã'o diminuído porque um componente do produto - sua matéria-prima -
custa menos trabalho que· antes. Os. custos de produçlío do salário permane-
cerão os mesmos anteriores, uma vez que o trabalhador contínua, como
dantes, a trabalhar para si o mesmo tempo de trabalho, e o mesmo tempo
de trabalho para o capitafüta. (Os custos de produção do salário, porém,
não dependem do tempo de trabalho que custam os meios de produç!l'o
com que o traballiador traba1ha e sim do tempo de trabalho que despende
para repor seu salário. Para Mítl, os custos de produção do salário de um

1270
trabalhador seriam mais caros em virtude de este trabalhar, por exemplo,
cobre em-vez de ferro, ou linho em vez de algodâ'o; ou seriam maís caros
se semeasse linho do que se semeasse algodão; ou se operasse uma máquina
cara do que se trabalhasse sem máquina mas com ferramentas simples.)
Os custos de produção do lucro teriam decrescido porque teria diminuído
a totalidade, a soma global do capital adiantado par~ produzir mais-valia.
Os custos da mais-valia nunca são maiores que os cuSt.os da parte do capital
que é despendida em salário. Em contraposição, os custos do lucro = custo
total do capital que foi adiantado para gerar essa mais-valia. São portanto
determinados nã'o só pelo valor da parte do capital que é despendida em
salário e gera mais-valia, mas também pelos componentes do capital necessá-
rios para se movimentar a parte do capital que- é trócada por trabalho vivo.
Mill confunde os custos de produção do lucro com os custos de produção
-da mais-valia, ou confunde lucro e mais-valia.
Do exposto infere-se a importância do encareclmento ou do baratea-
mento das matérias-primas para a indústria que as transforma (sem se falar
no barateamento relativo das máquinas*), mesmo supondo-se que o preço
de mercado é igual ao valor da mercadoria, isto é, que o preço de mercado
da mercadoria cai exatamente na proporçã'o em que o faz a matéria·prima
nela contida. ,
Torrens observa com razão no tocante- à Inglaterra~

"Pm:a um pa~ na situação da lnglaierra, a importância de um mercado


externo tem de ser medida não pela quantidade de produtos acabados
que recebe e sim pela quantidade dos elementos de rep1oduçã'o que dá
em troca" (R. Tooens, A lftter to Sv R. Peel etc. on the condition of
England etc., 2~ ed., Londres, 1843, p. 275).

(Contudo, é mal feita a dernonstraçã'o de Torrens. A costumeira


charla da oferta e da procura. A coisa para ele reduz-se a que, se o capital
ínglês que transforma o algodão cresce mais rápido que o capital que planta
algodão nos Estados Unidos, por exemplo, o preço do algodão em rama
sobe, e então diz ele:

ºo valoI dos manufaturados de algodã'o decrescerá em 1elaç§o ao custo


elementar de sua produçâ'o" (Lc., p. 240).

*Por barateamento re/ati'llO das máquinas entendo que sobe o valor absoluto do
volume da~ máquinas aplicadas, mas niio sobe na tazi!'.o do volume e da maior eficiência
delas. (Nota de Marx.)

1271
Na verdade, enquanto a matéria-prima sobe em virrude da crescente
procura inglesa, cai o preço dos manufaturados de algodão, encarecidos
pelos preços ascendentes da matéria-prima; como, por exemplo, vemos
de fato agora (primavera de 1862): o fio de algodã'o é pouco mais caro
que o algodão em rama e o tecído é pouco mais caro que o fio. Entretanto,
supõe Torrens que para o consumo industrial ínglês existe algodão suficien-
te, embora caro. O preço do algodão sobe acima de seu valor. Por conse-
guinte, se os manufaturados de algodão se vendem por seu valor, isso s6 é
possível porque o .plantador de algodão, se pereebe do produto global
mais-valia em quantidade maior que a que lhe eabe, na realidade se apropria
de parte da mais·valia que cabe ao fabricante de manufaturados de algodão.
O fabricante nã'o pode repor essa parte por meio da elevaçao do preço, uma
vez que a procura cairia com essa elevação. Ao eontrário. Em virtude da
procura decrescente, seu lucro pode diminuir ainda mais do que decresce
eom a sobrecarga dos plantadores de algodão.
A procura de matérías-primas, de algodão, por exemplo, é regulada
todo ano n1Io só pela procura efetiva em dado momento, mas pela procura
média do ano, ísto é, Mo só pela procura das fábricas que estão funcio-
nando, mas pela procura ampliada pelo número de fábricas que .. segundo
a experiêncía se abrirá no decorrer do ano que vem, isto é, >peló acréscimo
proporcional das fábricas durante o ano, ou pela procura suplementar que
corresponderá a esse crescimento proporcional. · · ,
Ao revés, se cair o preço do algodâ'o etc., por exemplo, em virtude
de uma colheita excepcionalmente abundante, esse preço na maioria dos
casos cai abaixo do valor; e ainda por causa da leí da ofefta e da procura.
Por isso, a taxa de lucro - e eventualmente, como vimos acima, o montante
global de lucro ~ cresce na-o só na proporção em que cresceria se o preço
do algodão que ficou ~ais barato fosse igual a seu valor; mas cresce porque
.o produto manufaturado não barateia na proporção toda em que o planta-
dor vende o algodão abaixo do valor, isto é, porque o fabricante embolsa
parte da mais·valía que cabe ao plantador de algodâ"o. Isso não reduz a
procura de seu produto, uma vez que mesmo assim o preço deste baixa
por ter diminuído o valór do algodão. Mas o preço não se reduz tanto
quanto o decréscimo havido no preço do algodão em rama abaixo de seu
próprio valor.
Acresce que nesses tempos a procura aumenta porque os trabalhadores
estão plenamente empregados e pagos, passam portanto a ter eles mesmos
importante papel de consumidores, de consumidores de seu próprio pro-
duto. Nesses casos em que barateia a matéria-prima, não em virtude de

] 272
baixa permanente e contínua em seus custos médios de produção e sim
em virtude de sazão muito boa ou má (condições meteorológícas), o salário
dos trabalhadores não caí; ao contrário, a procura deles sobe. O efeito
dessa procura não se manifesta apenas na proporção em que ela sobe. Ao
contrário. Ao encarecer de súbito o produto, muitos trabalhadores São
despedidos ou o fabricante tenta evitar prejuízos c,omprimindo o salário
abaixo do nível normal. A procura normal dos trabaihadores cai portanto,
e assim ainda aumenta a queda jâ generalizada da procura·· e o efeito que
essa queda provoca sobre o preço de mercado.)
A concepção ricardiana da repartiçã"o do produto entre trabalhador
e capitalista é o que partícularmente induz Mill à idéia de que, em virtude
de mudança no ·valor do capitat·constante, alterà~se o valor do trabalho
ou os custos de produção do trabalho, assim, por exemplo, urna queda
· no valor do capital constante adiantado faz cair o valor do trabalho, seus
custos de produção e em conseqüência também o salário. Por cair o valor
da matéria-prima, do algodão em rama por exemplo, cai o valor do fio.
Os custos de produça:o deste diminuem; reduziu-se a quantidade do tempo
de trabálho nele contida. Se uma libra-peso de fio, por exemplo, fosse o
produto da jornada de 12 horas de um homem e caísse o valor do algodão
contido nessa libra-peso de fio, o valor da libra-peso de fio cairia exatamente
como caiu o valor do algodão empregado na fiação. Por exemplo, 1 libra-
peso de fio n9 40 Mule de 2!l qualidade importava em 12 pence (1 xelim),
em 22 de maio de 1861. Em 22 de maio de 1858 importava em 11 pence
(na realidade 11 6/8, uma vez que seu preço nâ'o caiu tanto quanto o do
algodão em rama). Mas, no primeiro caso, o preço da libra.peso de algodão
em rama de boa qualidade montava a 8 pence (na realidade 8 1/8); no
segundo, a 7 pence (na realidade 7 3/8). Aí portanto o valor dos fios caiu
exatamente como o valor do algodão em rama, o valor da matéria-prima.
Por conseguinte, diz Mill, o trab~lho é o mesmo anterior; se era 12 horas, o
produto contínua a ser o resultado das mesmas 12 horas. No segundo caso,
porém, agrega-se trabalho preexistente com menos 1 pêni que no primeiro.
O trabalho é o mesmo, mas o custo de produção do trabalho diminuiu (a
saber, de 1 pêni). Ora, a libra-peso de fio como fio, como valor de uso,
continua a ser o produto de 12 horas de trabalho, mas o valor da libra.
peso de fio não é agora, nem era antes, o produto das 12 horas de trabalho
do fíandeíro. No primeiro caso, 2/3 de 12 pence = 8 pence, o valor do
algodão, e nlro produto do fiandeiro; no segundo caso, 7./3 de 11, isto é,
7 pence, não eram seu produto. No primeiro caso ficam por produto das
12 horas de trabalho 4 pence, e no segundo também 4 pence. Em ambos

1273
os casos, o trabalho adicionado foi 1i3 do valor do fio. Por conseguinte, no
primeiro caso, o produto do fiandeiro (abstraímos da máquina) era apenas
1/3 da libra-peso de fio, e também no segundo caso. Trabalhador e capita-
lista como dantes Só têm para· repartir 4 pence =
1/3 de libra·peso. Se o
trabalhador comprar fio com os 4 pence, receberá no segundo caso mais
fio que no primeiro, mas quantidade maior de fio vale agora tanto quanto
antes quantidade menor. Mas a repartição entre capitalista e trabalhador
permanece a mesma. Se o tempo que o trabalhador trabalha para reproduzir
ou produzir seu salário = 10 horas, seu tempo de trabalho ex.cedente ,.. 2.
Agora como dantes. Continua a receber 5/6 de 4 pence ou de 1/3 de libra-
peso de fio, e o capitalista l /6. Assim. rn!o ocorreu mudança na repartição
do produto, o fio. Não obstante elevou-se a taxa de lucro porque eaiu o
valor da matéria-prima e por isso acresceu a proporçâ'o da mais-valia com o
capital global adiantado ou com os custos de produç.ro do capitalista.
Abstraímos das máquínas etc. para simplificar o exemplo, e assim
temos os dois casos:

Preço
Dispêndio
de 1 Capital Trabalho Mais-valià Taxa de
líbia-peso Salário global do
oonstante adicionado ..- lucro
capitalista
de fio

lQcaso 12 p 8p 4p 13 1 /3f 11p4/3f 2 2/3 f _5 tS/17%


21? caso 11 p 7p 4p 13 1/3 f 10 p 4/3 f .2 2/3f' 6 14/31 %

(Abreviações feitas pelo tradutor: p = pence; f = farthing(s).)


Subiu portanto a taxa de lucro, embora o valor do trabalho tenha
permanecido o mesmo e aumentado, expresso em fio, o valor de uso do
trabalho. A taxa de lucro teve mera ascensã'o, sem variaçio alguma do
tempo de trabalho de que cÍ trabalhador se apodera, porque diminuiu o
valor do algodito e em conseqüência o valor global dos custos de produç:to
do capitalista: Sem dúvida, 2 2/3 farthings sobre dispêndio de 11 pence
4/3 fartbings representam menos que 2 2/3 farthings sobre dispêndio de
10 pence 4/3 farthings.

***
Do exposto acima infere-se a falsidade das seguintes passagens com
que Mill encena sua explicação:

1274
"Se o custo de produção do salário tivesse pennanecitlo o mesmo ante·
dor, os lucros não teríam podido cair (subif?) 92 . Cada trabalhador teria
recebido um qua.cter de trígó; mas 1 quarter de trigo na ocasiio era o
resultado do mesmo custo de produção corno 1 1/5 quarters agora. Por
isso, para que cada tràbalhador possa receber o mesmo custo de produ-
ção, cada um tem de receber 1 quarter + 1 /5" (Lc .• p. 103}.
"Ac:eitando·se, por isso, que o trabalhador seja pago no mesmo artigo
que produz, é evidente que, se houver uma economia qualquer na produ-
çfo desse adigo, se o trabalhador ainda recebe o mesmo custo de pro-
dução anterior, texá de receber uma quantidade acrescida na mesma
proporção em que tiver aumentado a força produtiva dó capítal. Mas, se
assim ocorre, o dispêndio do capitalista teni exatamente a mesma pro-
porçlfo anterior com seu rendimento, e o lucro não subiri." (Aí está o
erro.) "Por isso, as variações na taxa de lucio e no custo de produção
dos salários marcham juntas e são inseparáveis. O princípio de Ricardo
está a 'rigor certo, desde que se entenda per ·sa.Jário baixo não só salário
que é produto de menor quantidade de trabalho, mas salário produzido
a menor custo, computando-se juntos trabalho e lucros anteriores"
(1.e., p. 104).

O ponto de vista de Ricardo ---· segundo a explicação de Mil! - e.stá


rigorosamente certo se por salário baixo (ou em geral por custo de produção
de salário) se entende o oposto do que ele diz e se ainda se aceita uma
asneira absoluta, isto é, se se entende por custo de produç!íO do salário não
só o segmento da jornada com o qual o traba1hador repõe o salário, mas
também o custo de produção da matéria-prima que transformou e da
maquinaria que utilizou, portanto o tempo de trabalho que nilo trabalhou
para si nem para o capitalista.

***
Quinto : Agora, à verdadeira questão. Até onde uma mudança de
valor no capital constante pode influir na mais-valla?
Digamos que o valor do salário médio diário = 1O horas ou, o que
dá no mesmo, que, da jornada global que o trabalhador trabalha, de
12 horas, por exemplo, 1O horas são requeridas para produzir e repor seu
salário, e que só o tempo que trabalha além disso é tempo de trabalho nã"o
pago, constitui valor que o capitalista recebe sem o ter pago. Isso significa
apenas que na soma total dos meios de subsistência que o trabalhador
consome estio contidas 10 horas de tempo de trabalho. Essas 10 horas de
trabalho se expressam em certa soma de dinheiro com que compra esses
meios de subsistência.

92. Em Mill: subir.

1275
Ora, o valor das mercadorias é dete1111ínado pelo tempo de trabalho
nelas contido, e não importa que esse tempo de trabalho esteja contido
em matéria-prima, maquinarià -desgastada ou no novo trabalho que o traba-
lhador adiciona com as máquinas na matéria-prima. Se houver uma mudança
constante (não efêmera) no valor da matéria-prima ou das máquinas que
entram nessa mercadoria, mudança decorrente de alteraçs:o na produtividade
do trabalho que produz essa matéria-prima .e essas máquinas, em suma,
o capital constante contido na mercadoria, se por causa dessa alteração for
requerido mais ou menos trabalho para produzir esse componente da merca-
doria, ela mesma se tornará por isso mais cara ou mais barata (invariáveis:
a produtividade do trabalho que transfonna a matéria-prima em produto
e a magnitude da jornada). Isso faria subir ou cair os custos de produção,
isto é, o valor da força de trabalho; isto é, se antes, das 12 horas, o trabalha-
dor trabalha 10 para si mesmo, terá agora de trabalhar para si mesmo 11
ou, no caso inverso, 9 apenas. No primeiro caso, seu trabalho para o capita-
lísta, isto é, a mais-valia, terá caído à metade, de 2 horas para 1; no
segundo, terá aumentado de metade, de 2 horas para 3. Neste caso subirão
a taxa de lucro e o lucro gJobal do capitalista, a primeira porque terá caído
o valor do capital constante e ambos porque terá crescido a tax,a· de mais-
valia (e seu montante absoluto). ·
Essa é a única maneira como uma mudança no valor do capital cons-
tante pode influir no valor do trabalho, no custo de produção do salário
ou na repartição da jornada entre capitalista e trabalhador, e portanto na
mais· valia.
Entretanto, isso significa apenas que, para o cap'Üalista que, por
exemplo, fía algodão, o tempo de trabalho necessário de seus próprios
trabalhadores é determinado pela produtividade do trabalho não só na
indústria de fiação, mas também na produção de algodlío, de maquinaria
etc., como o é ainda peJa produtividade em todos os ramos industriais
cujos produtos de fato não entram em seu produto (produto que se supõe
entrar no consumo dos trabalhadores), no fio, como capital constante -
matéria-prima, máquinas etc. -, mas constituem parte do capital circulante
que se despende em salário: isto é, pela produtividade na indústria que
produz alúnentos etc. O que numa indústria aparece como produto, aparece
noutra como materiàl de traballio ou meio de trabalho; o capital constante
de uma indústria consiste no produto de outra, aparece noutro ramo indus-
trial não como capital constante, mas como o resultado da produção dentro
desse ramo industrial. Para o capitalista individual, a produtividade elevada
do trabalho (em conseqüêncía também a queda no valor da força de traba-

1276
lho) dentro de seu próprio ramo industrial tem sentído bem diverso da que
se dá nos ramos que fornecem o capital constante de sua indústria. Para a
classe capitalista, para a totalidade do capital n[o existe essa diferença.
Por conseguinte, esse caso (onde queda (ou ascensão) no valor do
capítal constante na:o decorre de se trabalhar em grande escala na indústria
que emprega esse capital constante e sim de se terem alterado os custos
de produção do próprio capital constante) enquadra-se nas leis expostas
sobre a mais-valia. ;
Quando falamos em geral de lucro e da taxa de lucro, supomos dada
a mais-valia. Atuaram portanto todas as influências que determinam a
mais -valia. Ê o que é pressuposto.

** *
Sexto : Agora poder-se-ia ainda expor como a proporça:o do capital
constante com o varíável e em conseqüência a taxa de lucro sã'o alteradas
por um~ forma especial da mais-valia. A saber, o prolongamento do tempo
de trabalho além dos limites da jornada normal. Assim reduz-se o valor
relatívo do capital constante ou a parte proporcional de valor que esse
capital constitui no valor total do produto. Mas deíxemos isso para o capí·
tulo III 93 , onde é em geral pertinente a maior parte do exposto aqui.

* * *
Mill, apoiado em sua brilhante explicação, formula a proposição
(ricardiana) geral:

"A única expressão da lei do lucro ... : o lucro depende do custo de


produção do salário" (1.c., pp. 104, 105).

Ora, o que se deve dizer é justamente o contrário: a taxa de lucro


(e é disso que fala Mill) só num único caso depende exclusivamente do
custo de produção do salârio. E isso ocorre quando a taxa de mais-valia
e a taxa de lucro s:ro idênticas, mas apenas pode ocorrer no caso quase

93. Marx entende aí por "capítulo nr' a terceira parte de sua pesquisa sobre
"O capital em geral", a qual mais tarde constituiu o livro 3 de O Capital (ver voL 1,
p. 13, nota 1).

1277
impossível na produçã"o capitalista, aquele em que o capital adiantado
todo é adiantado diretamente em salário, não entra no produto capital
constante algum, seja matéria-prima, maquinaria, construções etc., ou
se entra matéria-prima etc., não é ela mesma produto do trabalho, nada
custa. 50 nesse caso as variaçOes na taxa de lucro são idênticas às variações
na taxa de mais-valia ou, o que dá no mesmo, nos custos de produção do
salário.
Mas em geral (e isso incluí a exceção que acaba de ser apresentada)
a taxa de lucro é igual à proporçlfo da mais-valia com o valor global do
capital adiantado. .
Chamemos a mais-valia de M, o valor do capital adiantado de C, e
a taxa de lucro será igual a M: C ou M/C. Essa proporçã'o é determiflada
tanto pela magnitude de M (e na determinaç!"o de M entram todas as cir-
cunstâncias que determinam o custo de produção do salário) quanto pela
magnitude de C. C, o valor total do capital adiantado, consiste no capital
constante c e no capítal variável v (despendido em salário). Por conse-
guinte, a taxa de lucro = M: V+ c = M; e. o próprio M, a mais-valia,
é determinada n!o só por sua própri~ taxa, isto é, a proporç!ro do trabalho
excedente com o necessário ou pela repartição da jornada entre capital
e trabalho, a divisão dela em tempo de trabalho pago e mro pago. O mon-
tante da mais-valia, isto é, a magnitude absoluta da mais-valia, é também
determinado pelo número das jornadas que o capital explora ao mesmo
tempo. E o montante do tempo de trabalho, aplicado a determinada taxa
de trabalho não pago, depende, para um capítal particular, do tempo em
que o produto permanece no processo de produçffo propriamente díto,
sem exigir trabalho ou a mesma quantidade anterior de trabalho (por
exemplo vinho até amadurecer, trigo que é semeado, couros ou outras
matérias que durante certo tempo Sio expostos à ação de agentes químicos
etc.), como também da duração do tempo de cjrculaç~o da mercadoria,
da duraçlfo da metamorfose da mercadoria ou do intervalo entre seu acaba.
mento como produto e sua reprodução como mercadoria. O número de
jornadas que podem ser ao mesmo tempo empregadas (dado o valor do
salário e em conseqüência a taxa de mais-valia) depende em geral da magni-
tude do capital que se despende em salário. Mas as circunstâncias que
acabamos de mencionar modificam em geral a totalidade do tempo de
trabalho vivo que um capital de qualquer magnítude pode aplícar durante
determinado período, por exemplo durante um ano. São circunstâncias
que determinam a quantidade absoluta do tempo de trabalho aplicável
por dado capital. Mas isso em nada altera o fato de a mais-valia ser determi-

1278
nada apenas por sua taxa multiplicada pelo número das jornadas ao mesmo
tempo empregadas. São apenas circunstâncias que determinam o último
fator, a qUAntidade do tempo de trabalho empregado.
A taxa de mais-valia é igual à proporção de trabalho excedente em
uma jornada, é portanto igual à mais-valia que uma úníca jornada produz.
Por exemplo: se a jornada = 12 horas, e o trabalho excedente == 2 horas,
essas 2 horas são 1i6 de l 2 horas; todavia temos de as medir pelo trabalho
necessário (ou pelo correspondente salário pago, que é a mesma quantidade
de trabalho em forma materializada), o que dá lí5 (J/S de 10 horas = 2
horas; l/S = 20%). Aí a magnitude da mais-valia (correspondente' a uma
só jornada) é psr completo detenninada pela taxa. Se o capitalista então
emprega 100 dessas jornadas, a mais-valia (sua magnitude absoluta) = 200
horas de trabalho. A taxa petTllaneceu a mesma; 200 horas sobre l 000
horas de trabalho necessário = l/S = 20%. Dada a taxa de mais-valia, seu
montante depende por inteiro do número dos trabalhadores empregados,
isto é, da magnitude absoluta do capital despendido em salário, do capital
variável. Dado o número dos trabalhadores empiegados, isto é, a magnitude
do capital despendido em salário, do capital variável, a magnitude da mais-
valia depende por completo de sua taxa, isto é, da proporção do trabalho
excedente com o necessário. do custo de produçã'o do salário, da repartição
da jornada entre capitalista e trabalhador. Se 100 trabalhadores(que traba·
lham 12 horas) me dão grátis 200 horas de trabalho, a magnitude absoluta
da mais·valia = 200, a taxa = l/S do segmento pago de uma jornada
ou 2 horas. E a mais-valia = 2 horas x 100. Se 50 trabalhadores me dão
200 horas, a magni!ude absoluta da mais-valia = 200 horas; a taxa = 2/5
do segmento pago dé uma jornada de trabalho = 4 horas. E a mais-valia
= 4 horas x 50 = 200. Uma vez que a magnitude absoluta da mais-valia
= produto de sua taxa pelo número das jornadas, esse produto pode perma-
necer o mesmo, embora os fatores variem na razio inversa.
A taxa de mais-valía expressa-se sempre pela proporção da mais-valia
com o capital variável. !! que o capital variável é igual à magnítude absoluta
do tempo de trabalho pago; a mais-valia ê igual à magnitude absoluta do
tempo de trabalho não pago. A proporção de mais-valia com o capital
variável expressa sempre a proporçã'o da parte não paga da jornada com a
paga. Digamos que, no exemplo acima, seja o salário equivalente a 10 horas
= 1 tâler, e J táler seja uma quantidade de prata que contém 10 horas de
trabalho. Assim, 100 táleres pagam 100 jornadas de trabalho. Então, se a
mais-valia é 20 táleres, a taxa será 20/100 = 1/5 = 20%. Ou, o que dá no
mesmo, por cada l O horas de trabalho (= 1 táler) recebe o capitalista 2,

1279
mas por 100 x l O horas de trabalho ou l 000 recebe 200 horas de trabalho
= 20 táleres.
Assim, embora a taxa de mais·valia seja detenninada exclusivamente
pela proporção do tempo de trabalho excedente com o necessário, noutras
palavras, pela parte alíquota da jornada da qual o trabalhador precisa para
produzir seu salário, pelo custo de produção do salário; a magnitude da
mais-valia é determinada, além disso, pelo número das jornadas, pela quanti-
dade absoluta de tempo de trabalho empregada a essa taxa definida de rnais-
valia, isto é, pela magnitude absoluta do capital despendido em salário (se
é dada a taxa de mais-valia). Mas, uma vez que o lucro é a proporção não
da taxa e sim da magnitude absoluta da maís-valia com o valor global do
capital adiantado, é claro que sua taxa ê determinada nã"o só pela taxa e sim
também pela magnitude absoluta da mais-valia, magnítude _que depende da
razio composta da taxa e da quantidade das jornadas, da magnitude do
capital despendido em salário e do custo de produçã'o do salário.
Dada a taxa de mais-valia, sua magnitude depende exclusivamente
do montante do capital adiantado (despendido em sa1árío ). O salário médio
agora é o mesmo, isto é, supõe-se ·que em todos os ramos industriais o
trabalhador recebe um salário equivalente a 1O horas por exemplo. (Nos
ramos onde o salário é maior que o salárío médio, nada se altéra em nosso
ponto de vista e no problema, pois se supõe que o capitalista emprega mais
trabalhadores simples.) Assim, admitido que o trabalho_. excedente é
homogêneo, ou melhor, que a jornada normal inteira é homógênea (as
desigualdades se nivelam em parte com a suposição de ser 1 hora de trabalho
compJex.o por exemplo igual a 2 horas de trabalho simples), a magnitude
da mais.valia depende apenas da magnitude do capital adiantado em salário.
Desse modo pode-se dizer que os montantes de mais-valia slio proporcionais
aos dos capitais adíantados (em salário). Isso, entretanto, nã'o se aplica ao
lucro, uma vez que este é a proporção da mais-valia com o valor global do
capital adiantado, e em capitais de igual magnítude pode diferir e diverge
muito a parte que se despende em salário ou a proporç[o do capital variável
com o capital total. Aí as magnitudes do lucro dependem ao contrário
da proporção - nos diferentes capitais - da parte variável com o capital
total, isto é, de v/c + v. Assim, se é dada a taxa de mais-valia e sempre
expressa por rn/v, a proporç!o da mais-valia com o capital variâvel, a taxa
de lucro é determinada pela proporção do capital variável com o capital
total.
A taxa de lucro, portanto, é primeúo: detenninada pela taxa de mais-
valia ou pela proporça:o do trabalhô não pago com o pago, e varia, sobe ou

1280
desce (desde que esse efeito não seja paralisado pelos movimentos dos
outros fatores determinantes) com a variação da taxa de mais-valia. Mas
esta sobe ou desce na razão direta da produtividade do trabalho e na inversa
do yalor do trabalho, ou seja, do custo de produção do salário ou da quanti-
dade do trabalho necessário.
Segundo: mas a taxa de lucro é determina<!a pela proporçâ'o do
capital variável com o capital total, por v/c + v. A magnitude absoluta da
mais-valia, dada a sua taxa, depende somente da magnitude do capital
variável, a qual, de acordo com a suposição feita, é determínada, ou apenas
expressa a quantidade de jornadas ao mesmo tempo empregadas, a magni·
tude absoluta do tempo de trabalho aplicado. Mas a taxa de lucro depende
da proporção dessa magnitude absoluta da mais-valia - dada no capital
variável - com o capital total, portanto da proporçtro do capital variável
com o capital total, de v/c + v. Uma vez que a mais-valia M se supõe dada
no cálculo da taxa de lucro, e assim também se considera dado v, todas
as varíações em v/c + v só podem decorrer de variações em e, isto é, .do
capital constante. É que, se é dado v, a soma e + v = C só pode mudar
se e varia, e com a variação dessa soma muda a relaçã'o vic +V ou v/C.
Se v = 100, c = 400, v + e = 500 e v/v +e = 100/500 = 1/5
== 20%. Se a taxa de mais·valía é 5/10 = lj2, teremos 50. Mas, uma vez
que o capital variável é apenas l /5 do capital total, o lucro é l /2 de 1/5 =
1/10, e na realidade 1/10 de 500 = 50 = 10%. A relação v/v +e varia
com a variação de c, mas, sem dúvida, não na mesma quantidade numérica.
Admitamos v e e sejam ambos iguais na origem, isto é, o capital total con-
sista metade em capital variável e metade em constante, e entfo v/v +e =
10/10+10 = 10/20 =-1/2. A taxa de mais-valia portanto, se é igual a 1/2v,
é l/4 de C. Ou seja, se a mais-valia é igual a 50% nesse caso onde o capital
variável = Cí2, a taxa de 1ucro = 25%. Se supomos que o capital constan-
te duplique, aumente de 10 para 20, v/c + v será igual a 10/20 + 10 =
10/30 = 1/3. (A taxa de mais-valia 1/2 de 10 será agora igual a 1/2 de
1/3 de·C, isto é, 1/6 de 30 = 5. E a metade de 10 = 5. 5 sobre 10 são 50%
5 sobre 30 slro 16 2/3%. Mas 5 sobre 20 = 1/4 = 25%.) O capítal cons·
tante duplicou, passou de 1O para 20; mas a soma de e + v cresceu apenas
de metade, isto é, passou de 20 para 30. O capital constante aumentou de
100%, a soma de c + v, de 50%. A proporção v/v +e era na origem 10/20
e só caiu a l 0/30, isto é, passou de 1/2 a 1/3, isto é de 3/6 a 2/6, decresceu
apenas de 1/6, enquanto o capital constante duplicou. O grau em que o
acréscimo ou o descréscimo do capital constante atinge a proporção c/c + v
depende, é claro, da proporção em que e e v na origem constituem partes
capital do inteiro C(c + v).

1281
O capital constante então (isto é, seu valor) pode primeiro crescer·
(ou decrescer), embora as quantidades empregadas de matéria-prima, de
maquinaria etc. permaneçam as m,esmas. Nesse caso as variaçÕes no capital
constante não são causadas pelas condições de produção do processo indus-
trial em que entra como capital constante, mas delas são independentes.
Quaisquer que sejam as causas que acarretam essa variação de valor, influem
sempre na taxa de lucro. Nesse caso a me5ma quantidade de matéria-prima,
maquinaria etc. tem mais ou menos valor que antes, porque, para produzi-la,
se requer mais ou menos trabalho que antes. As variações .têm por causa
então as condições de produção dos processos donde provêm como produ-
tos os componentes do capital constante. Já pesquisamos94 como isso· influi
na taxa de lucro.
Mas a circunstância de na mesma indústria subir ou cair o valor do
capital constante, matéria-prima, por exemplo, por sua própria produção
se ter tornado mais cara etc., dá o mesmo resultado, no tocante à taxa de
lucro, como se num ramo industrial (ou também no mesmo) se empregasse
para produzir uma mercadoria matéria-prima de maior valor do que para
produzir outra, desde que o dispêndio em salário seja de igual magnitude.
Quando, para igual dispêndio em salário, a matéria-priipa que um
capital transforma (trigo por exemplo) é mais cara que a matéria-prima
que outro capital transforma (aveia por exemplo) (ou prata e cobre etc.
ou lã e algodão etc.), a taxa de lucro dos dois capitais tem de_ estar na
razão inversa da carestia da matéria-prima. Só é possível então que ambas
as indústrias obtenham em média o mesmo lucro porque a mais-valia se
reparte coletivamente entre os capitalistas, não na proporção da mais-
valia que cada capital produz em sua esfera particular de produção, mas
na proporção das magnitudes dos capitais que empregam. Isso pode ocorrer
de dois modo. A, que transforma o material mais barato, vende sua merca-
doria pelo valor real, embolsa portanto a mais-valia que ele mesmo produ-
ziu. O preço e o valor de sua mercadoria são iguais, B, que transforma o
material mais caro, vende sua mercadoria acima do valor, a preço de nível
tão elevado (que lhe dê tanto lucro ) 95 como· se tivesse . transformado o
material mais barato. Se A e B trocarem suas mercadorias, para A é o mesmo
como se tivesse computado no preço de sua mercadoria menos mais-valia
do que ela realmente contém. Ou como se ambos, A e B, de antemão,

94. Ver pp. 1267-1276 deste volume.


95. Palavras entre parêntc:.i;s colocadas pelo tradutor.

1282
tivessem acrescentado uma taxa de lucro na proporção da magnitude do
capital adiantado, isto é, tivessem repartido .entre si a mais-valia comum
na proporção da magnitude dos capitais que adiantaram. E isso é o que
significa a taxa geral de lucro. 96 ·
Esse nivelamento naturalmente não ocorre quando a parte constante
de determinado capital, como matéria-prima, por exemplo, tem queda ou
alta passageira por influência das estações etc. EmbÓra não seja de duvidar
que os lucros extraordinários que as fiações de algodão, por exemplo, obtêm
em colheitas muito favoráveis atraem massa de novo capital para esse ramo
industrial, o que ocasiona construção de uma série de novas fábricas e de
maquinaria na indústria algodoeira. Por isso, s~ vier a seguir um ano de má
colheita de algodão, tanto maior o prejuízo.
Segundo, não variam os custos de produção da maquinaria, matéria-
prima, em suma, do capital constante, mas quantidade maior desses elemen-
tos pode ser exigida e assim subir seu valor ao crescer a quantidade empre-
gada em virtude de se modificarem as condições de produção do processo
em que entram como meios de produção. Nesse caso, como no anterior,
o crescimento do valor do capital constante faz sem dúvida cair a taxa de
lucro; contudo, essas variações nas próprias condições de produção mos-
tram que o trabalho se tornou mais produtivo, e portanto aumentou a
taxa de mais-valia. Com efeito, o mesmo trabalho vivo só consome mais
matéria-prima porque a transforma em menos tempo, e só se emprega mais
maquinaria porque o custo da maquinaria é menor que o custo do trabalho
que ela substitui. Aí portanto a queda da taxa de lucro é mais ou menos
recuperada por ascender a taxa de mais-valia e em conseqüência também
a magnitude absoluta da mais-valia.
Por fim, ambos os fatores de variação do valor podem atuar juntos
em combinações bem diferentes. Por exemplo, caiu o valor médio do algo-
dão em rama, mas simultaneamente, em proporção maior, aumentou o valor
do volume que é transformado num dado tempo. Elevou-se o valor da lã e
o da quantidade dela que se transforma em dado tempo. Emprego de má-
quinas em maior volume tomar-se mais caro em tennos absolutos, mas fica
mais barato em relação à eficiência etc.

96. Marx formula aí as idéias fundamentais de sua teoria da formação da taxa


geral de lucro e da transformação dos valores das mercadorias em preços de produção.
No vol. 1, p. 74 emprega Marx pela primeira vez o termo preço médio no sentido de
preço de produção. Pesquisas mais pormenorizadas sobre o lucro médio e os preços de
produção encontram-se nos capítulos VIII e X (ver vol. 2, pp. 457-464, 495-504 e
605-647).

1283
Até agora supôs-se que o capital variável pennanece o mesmo. Mas.
o capital variável pode decrescer tanto relativa quanto absolutamente,
como na agricultura. por exemplo, isto é, não só relativamente em compa-
ração com a magnitude do capital constante. Ou o capital variável pode
crescer absolutamente. Mas entso e como se tivesse ficado invariável, con-
tanto que o capital constante, em virtude dás causas mencionadas acima,
cresça em proporção maior ou na mesma.
Se o capital constante ·não varia, todo·acréscimo ou decréscimo dele
em relação ao capital variável só se pode explicar pela circunstância de o
capital constante crescer ou decrescer relativamente, por haver acréscimo
ou decréscimo absoluto do capital variável.
Se o capital variável permanece o mesmo, todo acréscimo ou decrés·
c!mo do capital constante só se pode explicar por seu próprio acréscimo
ou decréscimo absolutos.
Se em ambos ocorrem variações simultâneas e se em seguida se descon-
ta a variaçfo que for igual em ambos, o resultado equivale a ter um ficado
invariável e ter o outro aumentado ou diminuído.
Mas, uma v~ dada a taxa qe lucro, o montante de lucro depende
da magnitude dos capitais aplicados. Grande capital com pequena taxa de
lucro proporciona lucro maior que pequeno capital com.gr~nde taxa de
lucro.

* "' *
Até ai a digressffo.
Além disso, somente cabe destacar na obra de J.St. Mlll as duas passa-
gens que seguem;

"O c;apital em sentido estrito nib tem poder próduti'vo. O único poder
produtivo é o do trabalho; ajudado sem dúvida por instrumentos e atuan-
do .sobre maquinaria97 " {1. e., p. 90 ).

A rigor, aí confunde capital com os componentes materiais em que


consiste. Mas a passagem é boa para aqueles que fazem o mesmo e não
obstante sustentam a força produtiva do capital. A coisa aí só é natural-
mente correta quando se trata da produç!o do valor. Aliás, a natureza
também produz, se se trata de mero valor de uso.

91. Em Míll: mtJterklL

1284
"Poder produtill() do capital é apenas a quantidade de poder produtivo
real de que o capitalista pode dispor por meio de ieU capital" (1. e.,
p. 91).

Com acerto concebe aí o capital com relaçao de produção.

**•
Em caderno anterior 98 mostrei de maneira circunstanciada o atropelo
das tentativas de Mill para derivar diretamente da troca do valor a lei ricar-
diana da taxa de lucro (na razlfo inversa do salário), sem distinguir entre
mais-valia e lucro.

8. ~bservação final sobre a escola ricardiana

Tudo o que se expôs sobre a escola ricardiana mostra o processo de


sua desintegraça:'o em dois pontos:
1) troca entre capital e trabalho segundo a lei do valor;
2) fonnaçlfo da taxa geral de lucro. ldentificaç!o de mais-valia com
lucro. lncompreensâ'o da relação entre valores e preços de custo.

98. Trata·se das últimas 13 páginas do caderno Vll e das primeiras 14 do


i::ademo Vlll, numeradas seguídanierite por Marx, de 319 a 345 (ver pp. 1243 a 1285
deste volume).

1285
Capítulo XXI
Oposição aos Economistas
·(Baseada na Teoria Ricardiana)

No período ricardiano da economia política existem também os movi-


mentos opostos, o comunismo (Owen) e o socialismo (Fourier, St. Simon;
este tão· só em se-us primeiros passos). De acordo com nosso plano, só trata·
remos agora da oposição que tem por ponto de partida os pressupostos dos
economistas.
Nas obras que citamos a seguír vê-se que todos na realidade partem
da forma ricardiana.

1. "The source and remedy of the national djfficulties etc. A


letter to Lord John RusseH". Londres, 1821 (Folheto
Anônimo) ·
Lucro, renda fundiária e juro como trabalho excedente.
Correlação entre a acumulação de capital e o "fundo do
trabalho"
Esse folheto quase desconhecido (cerca de 40 páginas) - publicado

1287
nwn tempo em que "esse incrível remendã'o" 99 McCulloch começou a atrair.
muita atençlio - contém um avanço importante sobre Ricardo. Qualifica
diretamente a mais-valia ou "lucro", como Ricardo a chama (muitas vezes
também de "produto excedente") ou "juro", como a denomina o autor do
folheto, de "trabalho excedente'', trabalho que o trabalhador executa gra·
tuitamente, que realiza acima da quantidade de trabalho com que repõe o
valor de sua, força de trabalho ou produz um equivalente a seu salário. Era
tão importante reduzir o valor a trabalho, quanto a mais-valia, que se corpo-
rifica num produto excedente, a trabalho excedente. Isso na realidade já
fora dito por A. Smith 100 e constitui elemento fundamental da análise de
Ricardo. Mas nenhures Smith o explicou e registrou nessa forma absoluta.
Se o único interesse de Ricardo e outros é entender as condições da
produçio capitalista e fazer delas fonnas absolutas da produçio, o folheto
e as demais obras desse gênero a mencionar apoderam-se dos místérios
desnudados da produção capitalista, para combatê- la do ponto de vista do
proletariado industrial.
"Caiba o que for ao capitalista" (do ponto de vista do capital), "só pode
aproprif1r.11e do trabalho excedente do trabalhador, pois o trabalhador
tem de viver" (L e. p. 23).
Sem dúvida essas condições de vida, o mínimo com que pode viver
o trdbalhador, e daí a quantidade de trabalho excedente qÚe deles se pode
extorquir, são coisas relativas. ·
"Se o valo1 do capitat 101não de<:resce na proporção em q~e acrescer o
volume, os capitalistas extra.irão do produto de cada hora de trabalho
dos trabalhadores quantidade maior que a que estés possibilita viver; e
por mais abominável e repugnante que pareça, o capitalista pode afinal
especular sobre os alimentos· cuja produção exija a menor quantidade de
trabalho e afinal dizer ao b:abalhador: você não comerá pã"o, pois farinha
de cevada é mais barata~ você nlo comerá carne, pois é possível viver de
beterraba e batatas. Eis o ponto a que chegamos" (pp. 23, 24).

99. Qualificativo dado a McCulloch por John Wilson em seu folheto publicado
sob o pseudônimo de Mordecai Mullion, Some illustrations of Mr. McCulloch's princi-
piei ofpolitical econom}', Edimburgo, 1826. Ver pp. 1237 e 1238 deste volwne.
100. Ver p. 1087 deste volume, e vol. 2, p. 837.
1oi. Conforme evidenciam os. comentários posteriores de Marx, para o autor
do folheto anõnimo The sourr:e and remed}' of the national difF~ulties, "valor do
capital" significa nível do "juro do capital", isto é, a relação do montante de trabalho
excedente de que o proprietário do capital se apropria, com o montante do capital que
emprega. E "juro do capital" $Ígnifica mais-valia no sentido usual em Marx. O autor do
folheto confunde taxa de rnais-v.ilia com taxa de lucro. Relaciona o trabalho exce-
dente, exuaído do trabalhador diretamente, com o total do capítal adiantado.

1288
"Se é possível fazer o trabalhador alimentar-se de batatas e não de pão,
é incontestável que mais se pode extorquir de seu trabalho; isto é, se,
para alimentar-se com pão, tinha de reter para sua manutenção e a da
fam{/ia o trabalho de segunda-feira e terça, com batatas só precisará
de metade da segunda-feira; e a outra metade da segunda e a terça toda
ficam disponíveis para o proveito do Estado ou do capitalista" (1.c.,
p. 26).

Ai lucro reduz-se diretamente à apropriação do tempo de trabalho


pelo qual o trabalhador não recebe equ1valente.

"Reconhece-se que o juro pago ao capitalista, 9':ja na fonna de renda


fund.jária, de juro do dínheko . ou lucm industrial e comezclal, sai do
trabalho alheio" (p. 23).

Assim, renda fundiária, juro do dinheiro, lucro industrial são apenas


formas diferentes do "juro.do capital", que por sua vez se reduz a "trabalhe
excedente do trabalhador". Ess~ trabalho excedente se corporifica num/
produt9 excedente. O capitalista é o dono do trabalho excedente ou d<f
produto excedente. O produto excedente é o capital. '

"Admitamos... não haja trabalho excedente, em oonseqüência nada


exista que se possa acumulaz como capital" (p. 4).

E de imediato menciona

"os donos do produto exceilente ou do capital" (1. e.).

Em sentido inteiramente diverso da lamúria dos ricardianos diz o


autor:

"A conseqüência natural e necessáría de um capital crescente é seu valor


dectescente" (pp. 21, 22).

No tocante a Ricardo:

"Por que começar dizendo que a acumulação do capítai n!o baix.azá o


lucro, uma vez que nada baixará o lucro exceto o salário acrescido, quan-
do ~ patenteia que, ~ a população não cresce rom o capital, o salário
crescerá em virtude da despropoxçll'o entre capital e trabalho, e que, se a
populaç:fo aumenta, o salário subirá em vírtude da dificuldade de produ-
zir alimentos" (p. 23).

1289
Se o valor do capital - isto é, o juro do capital, ou seja, o trabalho·
excedente que comanda e de que se apropria - n:ro decrescesse quando
aumenta o montante do capital, o juro de juro cresceria em progressão
geométrica; e se esta, calculada em dinheiro (ver Price) supõe uma acumu-
laç:ro (taxa de acumulaça:-o) impossível, reduzída a seu verdadeiro elemento,
o trabalho, devoraria, como "o que cabe" ao capital, tanto o trabalho
excedente quanto o trabalho necessário. (Retornar às quimeras de Príce
no capítulo sobre as rendas e suas fontes 1º1 .) -

"Se fosse possível acrescer de contínuo o capital e manter o v~lor do


capital, o que se patentearia com a circunstância de o juro do dinheíro
continuar o mesmo, o juro a ser pago ao capital em pouco tempo.exce-
deria o produto total do trabalho... O capital tende a aumentar em
progressã'o mais que aritmética. Reconhece-se que o juro pago aos capi-
talistas, 5tja na forma de renda fundiária, furo do dinheiro ou lucro
industrial e comercial, sai do trabalho alheio. Por conseguinte, se o
capital continua a acumular-se, sem que se altere o juro pago ao capítal,
o trabalho a ceder para o uso do capital tem de prosseguir aumentando
até o trabalho todo de todos os trabalhadores da sociedade ser açam-
barcado pelo capitalista. Mas isso é impossível de ocon:er; caiba o que for
ao capitalista, só pode apropriar-se do trabalho excedente do trabalhador,
pois o trabalhador tem de viver" (p. 23).

Todavia não percebe com clareza como decresce o valor do capital.


Ele mesmo diz, ao tratar de Ricardo, que há essa ocorrência porque o salário
sobe quando o capital se acumula maís rápido do que crescea pbpulação;
ou porque o valor do salário (e não sua massa) ~resce quando a população
cresce mais rápido que o capital se acumula (ou mesmo se a populaça:-o
crescer no mesmo ritmo), em virtude de baixar a produtividade da agricul-
tura. Mas, como explica isso? Nio aceita a segunda eventualidade; para
ele, o salário reduz-se cada vez mais ao mínimo possível. Só é possível,
diz, um decréscimo do "juro" do capital, embora o trabalhador seja mais
ou tão explorado quanto antes, por decrescer relativamente a pa.rte do
capital a qual se troca por trabalho vivo.

102. Marx estabelecera, conforme plano que esboçou em janeiro de 1863 (ver
vol. 1, p. 408), incluir ná parte terceira de O Capital o pxoblema das rendas e suas fon·
tes. Na capa do caderno XIV do manuscrito, de outubro de 1862,figuraessetema como
"episódio" que viria dep.ois do último capítulo de TecriasdaMais·Valia (verp.1493 des-
te vol.). O caderno XV, de outubro e novembro de 1 862, contém uma longa seção sobre
o problema das rendas e suas fontes em conjunto com a crítica à economia vulgar, mas
sem haver referências às quimexas de P:rice. Marx: faz wna análise crítica dessas fantasias
no cap. xxrv do livro 3 de' o Capital (vei: ed. DlFEL, li..TO 3, vol. 5, pp. 452-457).

1290
Em todo caso é meritório ter reduzido o desvario da progressão geo·
métrica do juro a seu verdadeiro sentido, isto é, a desvario.*
. Aliás, de acordo com o panfletista, há dois meios que, com o cresci-
mento do produto excedente ou do trabalho excedente, impedem que o
capital seja forçado a devolver parte cada vez maíor de sua extors§:o aos
trabalhadores.
O primeiro é a conversã"o do produto excedente em capital fixo,
com o que se impede que o fundo do trabalho - ou a parte do produto
que o trabalhador consome - tenha de crescer coma acumulação de capital.
O segundo é o comércio exteríor que possibilita ao capitalista trocar
o produt!) excedente por artigos de luxo estrangeiros para consumi-los ele
mesmo. Assim;atê a parte do produto a qual existe em meios de subsistên·
eia pode crescer bastante sem precisar refluir aos trabalhadores na forma
de salário e em alguma proporção com esse crescimento.
Cabe observar que o primeiro meio, que só atua periodicamente,
mas em seguida paralisa o próprio efeito (pelo menos desde que o capital
fixo consista em máquinas etc. que entram na produção de meios de subsís"
tência), implica na conversão de produto excedente em capital, enquanto
o segundo meio tem por conseqüência o consumo pelos capitalistas, de
parte cada vez maior do produto excedente, o consumo crescente dos
capitalistas, e que o produto excedente não se reconverta em capital. Se
esse mesmo produto excedente permanecesse na forma em que existe de
imediato, grande parte dele teria de ser trocada como capital variável com
os trabalhadores. Conseqüência disso seria ascensã'o do salário e decréscimo
da mais-valia abSQluta ou relativa. Aí está o verdadeiro segredo da necessi·
dade, sustentada por Malthus, do consumo crescente dos ..ricos". a fim de
que a parte do produto a qual se troca por trabalho, se converte em capital
e tem valor alto, dê grande lucro e absorva muito traballu1 excedente. Só
que ele nlfo considera as fimções de consumo pertinentes aos próprios
capitalistas industriais e sim aos donos das terras. aos sinecurístas etc.,
alegando que o impulso de acumular e o de gastar, quando reunidos na

*Por se identificar a mais-valia com o trabalho excedente estabelece-se um


limite qualitativo à acumulação do capital - a jornada de trabalho inteira (o tempo em
que se pode manter ativa a força de traballlo dentro de 24 horas), o nível eventual
existente de desenvolvimento das forças produtivas e a população, que limita o número
das jornadas simultàneas exploradas. Em cont1aposição, se se concebe a mais-valia na
forma vazia de ft.lrO, isto é, como a relaçã'o em que o capítal aumenta por meio de um
truque mítico, o limite é apenas quarltitatiW>, e nã'o se pode absolutamente comp1een-
der porque o capital toda manhã não colhe juros, transfonnando·os em capital e crian-
do as:illn juros de juros em progressã'O infmita. (Nota de Marx).

1291
mesma pessoa, se burlam reciprocamente. E é também aí que sobressai ·
o que está errado no ponto de vista de Barton, de Ricardo etc. O salário
não é determinado pela parte· do produto total a qual se pode consumir
como capital variável ou neste se pode converter, mas pela porçã'o daquele
total a qual nele se converte. Parte pode ser consumida mesmo no estado
natural por parasitas, parte pode ser consumida como artigos de luxo por
meio do comércio exterior etc.
Nosso panfletista esquece duas coisas:
Com a introduçã'o das máquinas, uma massa de trabalhadores é
constantemente lançada fora do emprego, e por isso a populaçã'o se torna
excessiva; o produto excedente encontra assim nova mão-de-obra por
que se pode trocar sem a populaçã'o ter crescido e sem ser necessário pro-
longar a jornada absoluta de trabalho. Antes, digamos, empregados 500
trabalhadores, agora 300 que fornecem relativamente mais trabalho exce-
dente. Os 200 podem ser empregados pelo produto excedente desde que
este tenha crescido o suficiente. Parte do antigo capital variável se converte
em fixo, parte ocupa menos trabalhadores, mas extrai-lhes, em relação ao
número, mais-valia maior e sobretudo produto excedente maior. ·os 200 a
mais são matéria gerada para capitalizar novo produto excedente:
A conversã'o dos meios de subsistência em artigos de ltixo por meio
do comércio exterior, como a concebe o folheto, é em simesma importante:
( 1) porque põe fun ao absurdo de fazer o salário depender d_o volume
dos meios de subsistência produzidos, como se esses meios precisassem ser
consumidos e em massa pelos produtores ou pela população produtora,
nessa forma; como se tivessem, portanto, de se reconverter em capital
variável ou "capital circulante", como dizem Barton e Ricardo;
(2) porque determina a forma social toda de nações atrasadas - é
o caso dos estados escravistas nos Estados Unidos (ver Cairnes103 ) ou da
Polônia etc. (o que o velho Büsch já percebia, a não ser que também tivesse
furtado do Steuart essa observação) - que estão vinculadas a um mercado
mundial baseado na produçã'o capitalista. Por maior que seja o produto
excedente que extraem do trabalho excedente de seus escravos na forma
simples de algodã'o ou cereais, podem manter-se nessa forma simples, inal-
terada de trabalho, por ficarem capacitadas por meio do comércio exterior
para dar a esse produto simples a forma que desejar de valor de uso.

103. Cairnes, The slave power: its character, career and probable designs: being
an attempt to explain the real 1"ssues involved in the American contest, Londres, 1862.

1292
Afirmar que da magnitude do "capital circulante" depende a parte
do produto anual a qual tem de ser despendida como salário, equivale a
asseverar que, quando grande parte do produto consiste em "construções",
são construídas para os trabalhadores habitações em grandes quantidades
em relação à população trabalhadora e em conseqüência o trabalhador
terá de viver bem e barato, porque a oferta de habitações cresce mais rápido
que a procura.
Em contraposição, correto: Se o produto excedente é grande e dele
é preciso aplicar grande parte como capital, terá de aumentar a procura de
mã'o-de-obra (desde que se conseguisse essa massa de produto excedente,
sem desempregar grande número de trabalhadores) e em conseqüência a
parte do produto excedente a qual se· troca por salário. Seja como for, a
magnitude absoluta do produto excedente (nã'o importa a forma em que
· exista, inclusive a de meios de subsistência) não é o que o força a despender-
se como capital variável e assim fazer crescer o salário. E sim é a cobiça de
capitalizar que faz grande parte do produto excedente despender-se em
capital variável, e por isso faria crescer o salário com a acumulação do
capital se as máquinas de maneira constante não tornassem excessiva a
população e se parte cada vez maior do e.apitai (especialmente incentivada
pelo comércio exterior) não se trocasse .por capital, trocando-se por traba-
lho. A parte do produto exce4ente já diretamente produzida numa forma
em que .!V pode servir de capital e a parte que assume essa força me4iante
intercâmbio com o exterior, crescem mais rápido que a parte que se tem de
trocar por trabalho ime4iato.
A afirmaçãq de que o salário depende do capital existente e de que a
acumulaçã'o rápida do capital é por isso o único meio de fazer subir o salá-
rio, resulta nisto:
De um lado, equivale a uma tautologia, se abstraímos da forma em
que as condições de trabalho são capital. Depende da produtividade do
trabalho que determinado número de trabalhadores executa, a velocidade
com que esse número pode aumentar sem piorar suas condições de vida.
Quanto mais matéria-prima, instrumentos e meios de subsistência produzi-
rem, tanto mais meios têm não só de criar os filhos enquanto estes não
puderem trabalhar, mas também de levar à realização o trabalho da nova
geração em crescimento e assim fazer o acréscimo da produção compatibi-
lizar-se com o acréscimo da população e até superá-lo, uma vez que com o
crescimento da população aumenta a habilidade, a divisão do trabalho, as
possibilidades de emprego das máquinas, o capital c'on~tante, eleva-se, em
suma, a produtividade do trabalho. ·

1293
Se o crescimento da população depende da produtividade do trabalho, .
a produtividade do trabalho depende do crescimento da populaç!i'o. O efeito
é reciproco. Em termos capitalistas, isso significa porém que os meios de
subsistência da populaç!i'o trabalhadora dependem da produtivídade do
capital, de que a maior parte possível do produto dos trabalhadores os
confronte como comandante de seu trabalho. O próprio Ricardo expressa
a coisa rom acerto - refiro-me à tautologia - quando faz o salário depender
'da produtividade do capital, e esta, da produtividade do trabalho 104 •
Que o trabalho depende do crescimento do capital significa apenas,
de um lado, a tautologia ··-o crescimento dos meios de subsistência e dos
meios de emprego de uma população depende da produtividade de seu
próprio trabalho, e do outro, em termos capitalistas, que o trabalho depende
de que seu próprio produto o enfrente como propriedade alheia, e sua
própria produtividade, por isso, como a produtividade da coisa que cria.
Em termos práticos, o trabalhador tem de apropriar-se da menor
parte possível de seu produto a fim de que a maior parte possível dele
o enfrente como capital; tem de ceder grátis o máxímo possível ao capita·
lista, a fim de os meios deste crescerem o mais possível para comprar de
novo seu trabalho com o que lhe foi tomado de graça. Ness~ caso pode
ocorrer que o capitalista, se o fe.z trabalhar muito por naqa; em troca do
que recebeu grátis faça-o trabalhar de graça um pouco menos. Contudo,
uma vez que é esse resultado que impede o que se intenta, àClf"lúlação
mais rápida possivel do capital, o trabalhador tem de viver em .circunstâncias
tais que esse decréscimo do trabalho grátis por sua vez se anule por acrésci·
mo da população trabalhadora, seja relativo, em virtudé do emprego das
máquinas, ou absoluto, por meio de casamentos prematuros. (É a mesma
relação que os ricardiano:1 ridicularizam quando as prédicas malthusianas
a recomendam entre donos das terras e capítalistas.) Os trabalhadores têm
de ceder de graça ao capital a maior parte possível de seu produto para
readquirir, em condições mais favoráveis, com novo trabalho, parte do
produto assim cedido. Mas essa mudança favorável, uma vez que ao mesmo
tempo anula as condíções para a mudança favorável, só pode ser temporária
e tem de se transmutar no oposto de si mesma.
(3) O que se aplica à conversã© dos meios de subsistência necessários
em artigos de luxo por via do comércio exterior, estende·se à. produção desses
artigos em geral, mas o comércio exterior é condição para multiplicá-la e
expandi-la sem limites. Os trabalhadores empregados na pro.duçã'o de artigos

104. Ver vol. 2, pp. 975 e 976, e este vol., pp. 1169 e 1170.

1294
de luxo na realidade produzem capital para seu empregador, mas seu produto
não pode fisicamente reconverter-se em capital, nem constante, nem variável.
Os artigos de luxo - excluídos os enviados ao exterior a fim de serem
lá trocados por meio de subsistência que no todo ou em parte entram no
capital variável - representam mero trabalho excedente e o próprio trabalho
excedente já Mque/a forma de produto excedente ,que os ricos consomem
como renda (revenue). É verdade que n~o representam apenas trabalho
excedente dos trabalhadores que os produzem. Ao contrário, estes execu·
tam em média o mesmo trabalho excedente dos trabalhadores dos demais
ramos industriais; mas como posso considerar' l /3 do produto, por conter
1/3 de trabalho excedente, íncorporação de~e trabalho excedente, e os
outros 2/3. reprodução do capital adiantado, do mesmo modo o trabalho
excedente dos produtores dos meios de subsistência 4ue constituem o
salário dos produtores dos artigos de luxo pode ser considerado trabalho
necessário para a classe trabalhadora em conjunto. Seu trabalho excedente
materializa-se: ( l) na parte dos meios de .subsistência a qual os cap italístas
e seus lacaios consomem; (2) na totalidade dos artigos de luxo. No tocante
ao capitalista particular ou a cada ramo industrial, a coisa assume outro
aspecto. Para ele, parte dos artigos de luxo que criou representa apenas
equivalente do capital adiantado.
Se parte grande demais do trabalho excedente se apresentar na fonna
de artigos de luxo, é claro que tem de reduzir-se a acumulação e o nível de
reprodução, 'porque se toma pequena demais a parte que se reconverte em
capital. Se naquela forma se apresentar parte pequena demais, a acumulação
do capital (isto é, do produto excedente que fisicamente pode de novo
servir de capital) andará mais rápido que a população, e cairá a taxa de
• lucro, a não ser que exista um mercado externo para os meios de subsis·
tência.

b) Troca entre capital e renda (revenue) na reprodução simples


e na ampliada

Na troca entre capital e renda (revenue), considerei o salário como p

renda (revenue) e em geral examinei apenas a relação do capital constante


com a renda (revenue). 105 A circunstância de a renda (tevenue) do traba-

105. Vervol. 1, pp. 212-231.

1295
lhador aparecer ao mesmo tempo como capital variável só é importante
enquanto na acumulaçio - nova formação de capital - o excedente consis·
tente em meios de subsistência (necessaries) de que dispeye o capitalista
que os fabrica, pode trocar-se diretamente pelo excedente consistente em
matéria-prima ou instrumentos do capitalista que produz capital constante.
Aí troca-se uma forma de renda (revenue) pela outra, e efetuada a troca, a
renda de A converte-se no capital constante de B, e a renda de B no capital
variável de A.
Ao observar essa circulação, reprodução e modo de reposição dos
capitais etc. entre sí, antes de mais nada temos de abstrair do comércio
exterior.
Segundo, é mister distinguir dois aspectos do fenômeno,
(1) reprodução na escala existente;
(2) reproduçã'o em escala ampliada ou acumulação; conversão de
renda em capital.
Observações relativas a (1 ).
Mostrei:
O que os produtores de m~s de subsistência têm de repor é (a) o
capital constante, (b) o capital variável. Do valor de seu produto a parte
que representa o excedente sobre essas duas partes constitui o prOduto
excedente, existência material da mais-valia, que por sua vá apenas repre·
senta trabalho excedente.
O capital variável - a parte do produto deles a qual o representa
- constitui o salário, a renda (revenue) do trabalhador. Essa parte já existe
aí fia forma física em que novamente serve de capital vàriável, Com essa
parte, o equivalente que o trabalhador reproduziu, compra-se de novo seu
trabalho. Eis ai a troca entre capital e trabalho imedíato. o trabalhador
recebe essa parte em dinheiro com que readquire seu próprio produto ou
outros da mesma categoria. Temos então troca entre si dos diversos compo·
nentes da parte variável do capital, depois que o trabalhador recebeu em
dinheiro o direito de haver sua cota. É troca de pàrte do novo trabalho
adicionado por outra parte dentro da mesma categoria (meios de subsis-
tência). ·
A parte do produto excedente (novo trabalho adicionado) a qual os
próprios capitalistas (que produzem meios de subsístêncía) consomem, ou
é consumida por eles na sua forma física ou é troca. de um tipo por outro
de produto excedente existente em forma consumível. Trata-se de troca
de renda (revenue) por renda (revenue), e ambas se reduzem a novo trabalho
adicionado.

1296
Na transação acima não se p9de falar propriamente de troca entre
renda e capital. Capital (meios de subsistência) troca-se por trabalho (força
de trabalho). Aí não se trocam portanto renda e capital. Sem dúvida, logo
que o trabalhador recebe o salário, consome-o. Mas o que troca por capital
não é sua renda (revenue) e sim seu trabalho.
A terceira parte do produto dos produtores de meios de subsisténcia,
a qual representa o capital constante, troca-se por parte do produto dos
produtores do capital constante. Isto é, pela parte que configura novo
trabalho adicionado. E consiste no equivalente do salário (em capital variá-
vel portanto) e no produto excedente, mais-valia, renda dos capitalistas,
existente numa forma em que só pode ser consumida industrialmente e
nifo individualmente. Por um lido isso e, pois; troca de capital variável
desses produtores pela parte dos meios de subsistência a qual representa
capital constante dos produtores dos meios de subsistência. Na realidade,
do produto destes, uma parte que configura capital varláve1, mas existe na
forma de capital constante, troca-se por parte do produto do fabricante
dos meios de subsistência a qua1 representa capital constante, embora
exista na forma de capital variável. Troca-se aí novo trabalho adicionado
por capital constante.
Por outro lado, a parte do produto a qual representa produto exce-
dente, mas existe na forma de capital constante, troca-se por uma parte
dos meios de subsistência a qual representa capital constante para seus
produtores. Troca-se aí renda (revenue) por capital. A renda dos capitalistas
que produzem capital constante troca-se por meios de subsistência e repõe
o capital constante dos capitalistas que produzem meios de subsistência.
Por fim, a parte do produto dos capitalistas produtores de aipital
constante a qual representa o capital constante próprio, repõe-se em parte
de maneira direta, fisicamente, em parte mediante permuta entre os produ-
tores de capital constante (dissimulada pelo dinheiro).
Tudo isso, desde que se admita que a escala de reproduç.ro = escala
original da produção.
Agora precisamos saber que parte do produto total anual representa
novo trabalho adicionado. O cálculo é muito simples:
A, Artigo consumiveis; destinados ao consumo individual. Dividem·
se em três partes. Prímeiro, renda dos capitalistas = trabalho excedente
adicionado durante o ano.
Segundo, salário, capital variável; igual ao novo trabalho adicionado
por meio do qual os trabalhadores reproduziram seus salários.
Por fim, terceira parte, matérias-primas, máquinas etc. É o capital

1297
constante, a parte do valor do produto a qual só é mantida e .não produzid1.
Não constitUi portanto novo trabalho adicionado durante o ano.
Se designarmos o capital .constante de C, o variável de V e o produto
excedente, a renda (revenue), de R, a categoria A consiste em:
C, valor apenas mantido, níío é novo trabalho adicionado (C repre-
senta parte do produto); V + R, em contraposiça'o, trabalho adicionado
durante o ano.
O produto total de A (ou seu valor) Pa: representa portanto, após o
e.
desconto de novo trabalho adicionado.
Assim, o produto da categoria A: Pa,
Pa - C' = novo trabalho adicionado durante o ano.
B. Artigr>s destinados ao consumo industrial
V"+ R" também representam aqui novo trabalho adicionado. Em
contraposição, não o representa C", o capita] constante que funciona nessa
esfera.
Mas V" + R" = C', e por este se trocam. C' se converte em capital
variável e renda (revenue) para B. Em contrapart1da, V" e R,. se convertem
em C', o capital constante de A.
O produto da categoria B, Pb.
Pb - C" = novo trabalho adicionado durante o ano.
Mas PIJ - C" = C\ pois o produto total PIJ, após ó desconto de
C", o capital constante aplicado nessa categoria, troca-se por C' ..·
Depois de V' + R" se trocarem por C', a situação pode apre8entar-se
desta maneira: ·
Pa consiste apenas em novo trabalho adícionado cujo produto se
reparte em lucros e salários, em equivalente a traballio necessário e equiva·
1ente a trabalho excedente. É que V" + R", que agora repõem C', fonnam
soma igual ao novo trabalho adicionado na categoria B.
Assim, o produto total P3 , seja o produto excedente, seja o capital
variável ou o constante, consiste em produtos do novo trabalho adicionado
durante o ano.
Em contraposição, PIJ pode ser considerado de maneira que não repre-
sente porção alguma de novo trabalho adicionado e sim a sírilples manuten·
ção do antigo. É que sua parte C" n:io representa novo trabalho adicionado.
Nem a parte C' que recebeu em troca de V" + R"; C' representa capital
adiantado em A e não novo trabalho adicionado.
A porção toda do produto do ano a qual constitui, como capital
variável, a renda dos trabalhadores e, como produto excedente, o fundo
de consumo dos capitalistas reduz-se portanto a novo trabalho adicionado,

1298
enquanto a parte restante do produto, a qual representa o capital constante,
reduz-se apenas a trabalho pretérito mantido e só repõe capital constante.
Assim, é correto dízer que â porção toda do produto anual consumida
como renda (revenue), salário e lucro (com as subdivisões do lucro, renda
fundiária, juro etc., e mais os salários dos trabalhadores improdutivos) se
reduz a novo trabalho adicionado; em contraposição, é errado dizer que
o produto anual total se reduz a renda (revenue), salários e lucros, e por-
tanto a meras cotas do novo trabalho adicionado. Reduz-se· a capital cons-
tante na parte que, peJo valor, não representa novo trabalho adicionado e,
·pelo emprego, nã'o constitui parte do salárío nem do lucro. Representa
(por seu valor) ~rabalho acumulado no verdadeiro sentido e, por seu valor
de uso, a aplicação desse trabalho pretérito acumulado.
Ademais, t::mbém é certo que o trabalho adicionado durante o ano
nfo. é representado totalmente pela parte do produto a qual se reduz a
salário e lucro. Pois com esse salário e lucro se compram serviços, portanto
trabalho que não entrou no produto de que salário e lucro representam
uma parte. São serviços, trabalho absorvido no consumo do produto e que
nã'o entra em sua produÇão imediata.
Observações relativas a (2).
A situaçã"o é diferente quando se trata da acumulação, conversâ"o
de renda (revenue) em capital, reproduçaõ em escala amplwda, desde que
esta nâ'o surja apenas em virtude de se emprep mais produtivamente o
capital antigo. Aí a totalidade do capital novo consiste em novo trabalho
adicionado e precisamente em trabalho excedente na fonna de lucro etc.
Mas, embora seja correto que aí o elemento todo da produção nova con-
sista em novo trabaJho adicionado e dele derive - parte do trabalho exce-
dente dos trabalhadores - é errada a suposição, reiterada pelos economistas,
de que esse elemento, ao converter-se em capital, se reduza apenas a capital
variável ou a salário. Por exemplo, seja parte do produto excedente do
arrendatário trocada por uma parte do ·produto excedente do construtor
de máquinas. ~ possível que este transforme o trigo em capital variável,
empregue mais trabalhadores, direta ou indiretamente. Em contraposição,
o arrendatário converte seu produto excedente em capital constante, e é
possível que, em virtude dessa conversão, despeça trabalhadores antigos,
em vez de empregar novos. O arrendatárío pode semear mais terra. Entã'o
parte do trigo nfo se converte em salário e sim em capital constante etc.
É na acumulação que se evidencia ser tudo - renda (revenue), capital
varíável; capital constante - trabalho alheio de que alguém se apropriou.
E que tanto as condições de trabalho com que opera o trabalhador, como

1299
o equivalente que recebe por seu trabalho, sã'o trabalho do trabalhador,
o qual o capitalísta recebeu sem dar contraprestação equivalente.
É o que se evidencia mesmo na acumulação primitiva. Admitamos
que economizei 500 libras de salários que recebi. Na realidade representam
portanto não só trabalho acumulado, mas; em confronto com o "trabalho
acwnulado" do capitalista, meu próprio trabalho, acumulado por mim e
para mim. Transformo-o em capital, compro matéria-prima etc. e trabalha-
dores. Seja o lucro de 20%. Isto é, 100 libras por ano. Em cinco anos (se
não contínuo a acumular, mas consumo as 100 libras) terei "consumido"
meu capital na forma de renda. No sexto ano meu próprio capítal de 500
libras representa trabalho alheio de que me apropriei, sem contraprestaçlio
equivalente. Em contraste, se acumulasse sempre· 1/2 do lucro, o processo
de consumo de meu capita] primitivo seria mais lento, porque .não consu-
miria tanto, e seria mais rápido o processo de me apropriar do trabalho
alheio.

C.onmmo
Ano C.apítal Luao
lndividu~

Primeiro 500 100 .50


Segundo 550 110 55
Terceiro 605 121 60
Quarto 665 133 66
Quinto 731 146 73
Sexto 804 160 80
Sétimo 884 176 88
Oitavo 972 194 97
569

No oitavo ano meu capital quase duplica, embora tenha eu consumido


mais que o capital primitivo, No capital de 972 libras nada mais se encontra
de traba1ho pago ou de trabalho por que tenha dado um equivalente. Con-
sumi a totalidade de meu capital primitivo na forma de renda. Isto é, por
ela recebi um equivalente que consumi. O novo capital consiste apenas em
trabalho alheio de que me apropriei.
Ao observarmos a mais -valia em si, não importa a forma física do
produto e portanto do produto excedente. Torna-se e1a importante quando
observamos o processo real de produção, seja para compreender as próprias
formas desse processo, seja para compreender a influência da produção de

1300
artigos de luxo sobre a reprodução. Aí novo exemplo da .importância
econônica que assume o valor de uso como tal.

e) Méritos e erros do autor. Do comércio exterf.or.


Tempo lívre. verdadeira riqueza

De volta a nosso folheto:

"Admitamos que o trabalho total do país baste apems para sustentar a


população; é claio que nio há trabalho ex.cedente, em conseqüência,
nada há que se possa acumular como capital. Admitamos que o trabalho
total do país produza num ano tanto que possa sustentar a p0pulação
durante dois anos, e fica evidente que os meios de conwmo correspon-
dentes a um ano terão de desaparecer ou durante um ano os habitantes
terão de cessar o trabalho produtivo. Mas, os donos do produto exce·
dente ou CDpital não manteriro a populaça-o ociosa no ano seguinte, nem
permitirão que o produto pereça; empregá-la..fo em algo que direta e
imediatamente n!o seja produtivo, por exemplo, na construção de máqui-
nas etc. Mas, no terceiro ano, a população inteira pode voltar ao trabalho
produtivo, e uma vez que as máquinas construídas no último ario passam
a operar, é claro que o produto é maior que o obtido no primeiro ano, ao
qual se junta o das máquinas. O produto ex.cedente tem de perder·se ou
de ser utilizado como dantes; e essa utilização acresce de novo a força
produtiva da sociedade, até que os homens tenham de cessar o trabalho
produtivo por algum tempo, ou o produto de seu trabalho tenha de
perecer •.Esta é a conseqüência palpável no estado mais simples da socie-
dade" (pp. 4, 5).
"A procura de outros países é limitada não só pela nos111 capacidade de
produzir, mas também pela capacidade deles de produzir."

(Isso responde à ídéía de Say de que nós não produz.imos demais,


mas os outros produzem de menos. 105 A capacidade deles de produzir nã'o
é necessariamente igual à nossa capacidade de produzir.)

106. Alu:s;ío a observações de Say em sua obra Lettres à M. Malthw;, Paris,


1820, p. 1.5. Say diz aí que existe, por exemplo, ex.cesso de mercadorias inglesas no
mei:cado italiano porque é insuficiente a produção daquelas mercadorias italianas
que se poderiam trocar por mercadorias inglesas. Essas observaç<les estão citadas
na brochura anônima An ínquiry into tho$e principies. .. , Londres, 1821, e foram
reprodnzidas por Marx em seu caderno de excertos n. Xll (p. 12). Ver vol. 1, p. 215;
YOt 2, pp. 965 e 966, e este vol., p. 1178.

1301
"Façamos o que quisermos, numa série de anos o que o mundo inteiro
pode tirar de nós dificilmente ultrapassará o que dele tiramos, de modo
que todo. o nosso comércio exterior de que tanto falamos nunca adíclo·
nou, nunca pôde nem poderi jamais adicionar um xelim ou a mais ínfima
bagatela à ríqueza do país, pois para cada fardo de seda, caixa de chá,
bani! de vinho que se importou, exportou-se algo de igual valor. E
mesmo os lucros feitos por nossos comerciantes no comércio exterior
são pagos pelos consumidores das mercadorias importadas em troca"
(pp. 17, 18).
"O comércio exterior é mera troca de acordo cum a vantagem e a fruição
do capitalista. Este não tem cem corpos, nem cem pernas; não pode
consumir, na forma de pano e de meias de algodâ'o, todo pano e todas as
meias de algodã'o manufaturados; daí serem trocadosporvinhose sedas.
Mas esses vinhos e .redas representam o trabalho excedente de nosm
própria população, do mesmo modo que o pano e as meias, e dessa
maneira eleva·&é aMm de todas as medidas o poder destrutivo do capita·
lísta: por meio do comércio exterior, a astúcia dos capitalistas vence a
natureia, que pôs mil limites a suas extorsões e a seus desejos de exto.r-
quir; agora não há limite, nem a seu poder, nem a seu desejo" (1.c.,
p.18).

Vemos que aceita a doutrina ricardiana sobre comércio exterior.


Ricardo visa apenas comprovar sua' teoria do valor com a doutrina do
comércio exterior ou mostrar que esta não contradiz aquela. Mas na passa-
gem acíma ressaltou-se que não só o trabalho nacional, m_as· também o
trabalho excedente nacional se corporificam nos resultados· do. comércio
exterior.
Se ç trabalho excedente ou mais-valia· se configurasse apenas em
produto excedente nacional, o aumento do valor pelo valpr e em conse-
qüência a extorsão de trabalho excedente encontrariam um
limite na estrei-
teza, no reduzido elenco de valores de uso em que se apresenta o valor do
trabalho nacional. Mas é o comércio exterior que desenvolve a verdadeira
natureza do produto excedente como valor, ao fazer o trabalho nele contido
como trabalho social configurar-se numa série ilímitada de diferentes valores
de uso, e ao dar realmente sentido à ríqueza abstrata.

"Apenas a infinita 11ariedade das necestidades e dâs espécies de mercado-


rias" (portanto, a infinita viuiedade do trabalho real que produz essas
diferentes espécies de mercadorias) "exjgjdas para satisfazê·las é que
torna a paixão pela riqueza" (e daí a paix!o de extorquir trabalho alheio)
"ilimitada e insaciável" (A. Smith, Londres, 1835, t. l, p. 64, nota, ediçlo
de Wakefield).

Mas só o comércio exterior, a tr.ansforrnação do mercado em mercado


mundial, faz o dinheiro evolver para dinheiro mundial e o trabalho abstrato

1302
para trabalho social. A riqueza abstrata, valor, dinheiro, e em conseqüência
o trabalho abstrato desenvolvem-se na medida em que o trabalho concreto
se torna uma totalidade - que abrange o mercado mundial - de maneiras
diferentes de trabalho. A produçã"o capitalista assenta no valor ou na conver-
são do trabalho contido no produto, em trabalho social. Mas isso só é
possível na base do comércio exterior e do mercad9 mundial. E constitui
pressuposto e ao mesmo tempo resultado da produção capitalista.
O folheto nã'o é uma exposição teórica. É protesto contra as falsas
causas a que os economistas atribuiam a penúria de então e as "díficuldades
nacionais". Por isso, nele não configura a pretensão, nem se lhe pode fazer
a exigência, de que a concepçã'o da mais-valia como trabalho excedente
traga implícita ciítica geral de todo o sistema das categorias econômicas.
O autor, ao contrário, apoiando-se na base ricardiana, apenas expressa uma
conseqüência lógica, inerente ao próprio sistema, sustentando-a contra o
capital no interesse da classe trabalhadora.
Aliás, o autor está preso às categorias econômicas tais como. as
encontr~. A mesma confusão ricardiana entre mais.valia e lucro, a qual leva
a contradições chocantes, reaparece quando ele batiza a mais-valia de juro
do capiraL
Na verdade supera Ricardo porque, antes de mais nada, reduz toda
a mais-valia a produto excedente, e ao designar a mais-valia de juro do
capita~ ao mesmo tempo ressalta que entende por juro do capital a forma
geral do trabalho excedente, distinguindo-a das formas particulares, a renda
fundiária, o juro do dinheiro e o lucro industrial.

"O juro Pªsó aos capitalistas, seja na natureza" (a bem dizer, na figura,
forma) "de renda fundiária, juro do dinheiro ou lucro industrial ... "
(p. 23). .

Distingue portanto a forma geral do trabalho excede~te ou mais-valia


de suas formas particulares, o que nâ'o faz Ricardo nem Smith, pelo menos
de maneira consciente e conseqüente. Mas torna o nome de uma dessas
formas particulares, o juro, para designar a forma geral. E isso basta para
fazê-lo recair na gíria econômica.

"O progresso do crescimento do capital em sociedade estabelecida$


assinalar-se-ia por uma queda do juro do dmheiro ou, o que dá no mesmo,
pelo decréscúno da quantidade de trabalho alheio que se cederia pelo uso
dó capital" (p. 6). ·

1303
Nessa afirmação, o autor lembra Carey. Contudo, para ele, não é o
trabalhador que usa o capital, mas o capital que usa o trabalhador. Uma
vez que por juro entende trabalho excedente em qualquer forma, a questão
- o remédio de nossas "dificuldades nacionais" - reduz-se a elevar o salário;
pois decréscimo de juro significa decréscimo de trabalho excedente. Mas
o que ele quer dizer é que deve diminuir a apropriação de trabalho alheio
na troca por capital, ou que o .trabalhador deve apropriar-se de quantidade
maior de seu próprio trabalho e ')capital, de quantidade menor.
Redução de trabalho excedente pode significar duas coisas:
ou que se realiza menos trabalho além do tempo necessário para
produzir a força de trabalho, criar um equivalente ao salário;
ou que porção menor da quantidade total do trabalho assume a fonna
de trabalho excedente, isto é, do tempo que se trabalha grátis para o capita-
lista; então, também quantidade menor do produto em que se configura
o trabalho deve tomar a forma de produto excedente, em conseqüência,
o trabalhador obterá mais de seu próprio produto, e deste afluirá menos
para o capitalista.
O próprio autor não tem uma Visão clara da matéria, como se paten-
teia na passagem seguinte que encerra a bem dizer a expressão marcante de
seu folheto:

"Na realidade; uma nação só. é rica se nenhum juro se paga po.i; capital;
quando, em ve:;r; de 12, trabalham-se 6 horas. Rique:;r;a é .tempo disponível
e nada mais" (p. 6).

Uma vez que aí se entende por juro - lucro, renda fundiária, juro do
dinheiro - em suma toda forma de mais-valia, e uma vez que, segundo
o próprio autor, capital nada mais é que produto do trabalho, trabalho
acumulado capaz de extorquir em troca de si mesmo, além de quantidade
igual de trabalho, trabalho excedente, o fato de capital não dar juros signi-
fica para ele não existir capital algum. O produto não se converte em capital.
Não existe produto excedente, nem trabalho excedente. Só então uma
nação é realmente rica. ·
Mas isso pode significar que não existe produto, trabalho além do
produto e do trabalho requeridos para reproduzir o trabalhador. Ou que
os trabalhadores mesmos se apropriam desse excedente do produto ou
do trabalho.
Mas o autor não quer dizer isso apenas, o que ressalta ao inserir
a idéia de que "nenhum juro se paga por capital" no contexto: "Na reali-

1304
dade uma naçã"o só é rica. quando, em vez de 12, trabalham-se ó horas.
Riqueza é tempo disponível, e nada mais."
Isso pode significar então:
Se todos têm de trabalhar, se a contradição entre os que trabalham
demais e os ociosos desaparece - e isso em todo caso decorreria de ter
cessado a existência do capital, de o produto não outorgar mais direito
sobre trabalho excedente alheio - e se além dísso se adicionar o desenvol-
vimento das forças produtivas gerado pelo capital, produzirá a sociedade
a abundância necessária em 6 horas, mais do que agora em 12, e ao mesmo
tempo todos terão 6 horas de "tempo disponível", a verdadeira riqueza;
tempo que não é absorvido por trabalho de imediato produtivo, mas para
e
fruir, para lazer, de modo que permite atividade desenvolvimento livres.
O tempo é o espaço para o desenvolvimento das faculdades etc. Sabe-se
que os próprios economistas justificam o trabalho escravo dos trabalhadores
assalariados por proporcionar ócio, tempo livre aos outros, a outro segmento
da sociedade, e daí à sociedade dos assalariados.
O.significado pode também ser este:
Os trabalhadores agora trabalham 6 horas além do tempo de que
precisam (agora) para a própria reprodução. (Dificilmente poderia o autor
ter esse ponto de vista, uma vez que considera no mínimo desumano o nível
atual das necessidades dos trabalhadores.) Se o capital acabar, trabalharão
apenas 6 horas, e os ociosos. terão de trabalhar tainbém. A riqueza material
para todos seria por isso reduzida ao nível dos trabalhadores. Mas todos
teriam tempo disponível, tempo livre para seu desenvolvimento.
·Sem dúvida,_ a coisa não está clara para o próprio autor. Contudo,
resta a bela frase:

"Uma nação é na realidade rica quando, em vez de 12, trabalham-se 6


horas. Riqueza é tempo disponível, e nada mais. "

Ricardo, no capítulo "Value and riches, their distinctive prop({l"-


ties"1º7, também diz que a verdadeira riqueza consiste na produção da
maior quantidade possível de valores de uso com o mínimo possível de
valor; ou seja, na maior abundância possível de riqueza material, gerada
no menor tempo possível de trabalho. Também aí o "tempo disponível"
e a fruição do produzido pelo tempo de trabalho dos outros se revelam a

107. "As propriedades que distinguem o valor e a riqueza".

1305
verdadeira riqueza, mas em contradiçl!:o, como tudo na produçâ'o capitalista
e portanto em seus intérpretes. Ricardo apresenta a contradição entre
riqueza e valor mais tarde nesta forma: o produto líquido tem de ser o
maior possível em relação ao produto bruto, o que nessa forma contra-
ditôria significa por sua vez que as classes sociais cujo tempo só em parte ou
de nenhum modo é absorvido na produção material, embora gozem os
frutos dela, tem de ser o mais possível numerosas em relaçã'o às classes cujo
tempo é todo absorvido na produça-o material e cujo consumo por isso é
mero item do custo.de produção, mera condiçiío para terem essa existência
de animais de carga. Ê sempre o sonho de que a menor porção possível da
sociedade seja condenada à escravidão do trabalho, ao trabalho forçado.
Isso é o máximo que se atinge do ponto de vista capitalista.
É o que o autor remove. O tempo de trabalho, mesmo anulando-se
o valor de troca, permanece sempre a substância criadora da riqueza e a
medida do custo que sua produção exige, Mas o tempo livre, o tempo dis-
ponível, é a própria riqueza - quer para fruir o produto, quer para a ativi·
dade livre, atividade que nã"o é determinada como o trabalho pela coerçã'o
de um objetivo externo que é mister. atingir e cuja realízaçlfo é necessidade
natural ou dever social, como se queira.
É evidente que o próprio tempo de trabalho, por se limitar à extensâ"o
nonnal e além disso não se efetuar mais para outrem e sim pará mim mesmo,
junto com a remoçã"o dos antagonismos sociais entre patrões e emP,regados
etc., assume, como trabalho realmente social e por fim como base-do tempo
di!ponível, caráter de todo diverso, mais livre, e que o tempo de trabalho
de um ser humano que é ao mesmo tempo um ser com témpo disponível,
tera de possuir qualídade superior ao do trabalho da besta de carga.

T
'2. Ravenstone. O capital, produto excedente. Confusão da
forma antagônica do desenvolvimento capitalista com seu
conteúdo. Consideradas negativas as conseqüências do
desenvolvimento capitalista das forças produtivas
-~f'-

Piercy Ravenstone, M. A., Thoughts on the Funding Sy$1em and its


Effects, Londres, 1824.
Obra notável pela singularidade.
O autor do folheto precedente. concebe a mais-valia em sua forma
de origem, o trabalho excedente, A duração da jornada de trabalho constituí

1306
por isso o objeto principal de sua atenção. Em particular concebe trabalho
excedente ou valor excedente em sua forma absoluta; prolongamento do
tempo de trabalho necessário para reproduzir o próprio trabalhador, além
desse limite, e não redução do tempo de trabalho necessário mediante
desenvolvimento das forças produtivas do trabalho.
A redução desse tempo de trabalho necessário é o ponto de vista
principal de Rú::ardo, ma.s de acordo com o papel que desempenha na
produção capitalista, o de servir para prolongar o tempo de trabalho que
cabe ao capital. Ao revés, o folheto precedente apresenta como fim último
redução da jornada de trabalho para os produtores e supressâO do trabalho
que se destina ao dono do produto excedente.
Ravenstone· parece supor dada a jornada de trabalho. Assim, o que
tem especialmente em vista - como o folheto examinado antes, de modo
que os problemas teóricos apenas se insinuam - é a mais-valia relativa ou
o produto excedente (destinado ao capital), em virtude do desenvolvimento
da força produtiva do trabalho. Em geral os defensores desse ponto de vista
concebem o trabalho ex.cedente mais na forma do produto excedente,
enquanto o folheto anterior vê o produto excedente mais na forma de
trabalho excedente.

"Ensinar que a riqueza e poder de uina naçlio dependem de seu capital é


fazer da indústria serva da riqueza, é subordinar os homens à proprie-
dade" (1.c., p. 7).

A contrâdiçi9 que a teoria ricardiana provocou - na base de seus


próprios pressupostos ...::.. tem por característica:
A economja política, à medida que se desenvolvia - e esse desenvol·
vimento no tocante aos príncípios fundamentais assumiu em Ricardo a
expressão mais vigorosa -, apresentava o trabalho como o único elemento
do valor e como o único criador do valor de uso, e o desenvolvimento das
forças produtivas como o único meio para acréscimo real da riqueza; o
maior desenvolvimento possível das forças produtivas do trabalho como
a base econômica da sociedade. Eis aí na realidade a base da produç4o
capitali$fa. A ObJa de Ricardo sobretudo, ao mostrar que a lei do valor nã'o
é violada pela 'propriedade da terra, pela acumulaç!'o do capital etc., sô
está a bem dizer ocupada em eliminar todas as condições ou fenômenos
que parecem se opor àquela concepção. Mas, na mesma medída em que
vêem no trabalho a única fonte do valor de troca e a fonte ativa do valor
de uso, os mesmos economistas e em particular Ricardo (ainda mais Torrens,

1307
Malthus, Bailey etc., depois dele) concebem o capital como regulador da
produção, fonte da riqueza e objetivo da produção; o trabalho,' em contra-
posição, como trabalho assalariado, cujo representante e instrumento real
é o pobre indispensável (ao que ainda se junta a teoria da população de
Malthus) - mero custo de produção e instrumento de produção - depen-
dente do mínimo de salário e que tem de ficar abaixo dele desde que para
o capital seja elemento de uma massa "supérflua". Nessa contradição,
a economia política expressou apenas a essência da produção capitalista
ou, se se quer, do trabalho assalariado; do trabalho que se torna estranho
a si mesmo e que a riqueza por ele criada enfrenta como riqueza alheia,
sua própria força produtiva, como força produtiva de seu produto, seu
enriquecimento, ·como empobrecimento de .si mesmo, seu poder social,
como poder da sociedade sobre ele. Mas essa forma histórica determinada,
específica, do trabalho social, como aparece na produção capitalista, procla-
mam-na aqueles economistas forma universal, eterna, verdade natural,
e essas relações de produção, relações absolutamente (e não historicamente)
necessárias, naturais e racionais do trabalho social. Por inteiro presos ao
horizonte da produção capitalista, c}eclaram a forma contraditória em que
aí aparece o trabalho social, tão necessária quanto o próprio trabalho social
liberto dessa contradição. Ao mesmo tempo apregoam, de -uin lado, o
trabalho em si (pois para eles trabalho assalariado e trabaiho são coisas
idênticas) e, do outro, o capital em si - isto é, a pobreza do trabalhador e a
riqueza do não trabalhador - a única fonte da riqueza, e por isso movem-se
constantemente em contradições absolutas, sem. o menor pressentimento
delas. ( Sismondi faz época na economia política por vislurnbrar essa contra-
dição.) "Trabalho ou capital" - nessa frase de Ricardo ressaltam de maneira
contundente a contradição e a ingenuidade que a expressa como identidade.
Uma vez que o mesmo desenvolvimento real que proporcionava à
.economia burguesa essa expressão teórica brutal, fazia irromper contradi·
ções reais naquela contidas, em particular a contradição entre a riqueza
crescente da "nação", a Inglaterra, e a miséria crescente dos trabalhadores,
e uma vez que essas contradições na teoria ricardiana ·etc. receberam uma
expressão teórica incisiva, embora inconsciente, era evidente que os espíritos
que se punham ao. lado do proletariado utilizavam a contra~ição para eles já
legitimada no domínio teórico. O trabalho é a única fonte do valor de troca
e o único criador ativo do valor de uso. Eis. o que vocês dizem. Mas ao
mesmo tempo dizem que o capital é tudo, o trabalhador, nada, ou mero
custo de produção do capital. Vocês refutaram a si mesmos. O capital é
apenas a espoliação do trabalhador. O trabalho é tudo. -.

1308
Esta é, na realidade, a última palavra de todas as obras que defendem
o interesse proletário à luz da teoria ricardiana, baseando-se nos próprios
pressupostos dela. Ricardo não consegue esclarecer a identidade entre
capital e trabalho em seu sistema, nem eles a contradição que mostram,
e por isso os mais notáveis entre eles, como Hodgskin, por exemplo, aceitam
todas as precondições econômicas da própria produção capitalista como
formas eternas e só querem suprimir o capital, a base e a conseqüência
necessária delas.
A idéia fundamental de Ravenstone é esta:
O desenvolvimento das forças produtivas do trabalho cria capital
ou propriedade, isto é, um produto excedente para "ociosos", mandriões,
não trabalhadores, e precisamente o trabalho produz essa excrescência
parasita que o suga até à medula, e tanto mais quanto mais se desenvolve
sua produtividade. Em nada altera a questão a circunstância de o direito
a esse produto excedente ou o poder de apropriar-se do produto do trabalho
alheio caber ao não trabalhador por já estar de posse de riqueza ou de terra,
dispor da propriedade de terra. Ambos são capital, isto é, domínio sobre
o produto do trabalho alheio. Propriedade, property, para Ravenstone,
significa apenas apropriação dos produtos de trabalho alheio, e esta só é
possível se se desenvolve e à medida que se desenvolve a indústria produtiva.
Por indústria produtiva entende Ravenstone a indústria que produz os meios
de subsistência. Uma conseqüência do desenvolvimento do capital ou da
propriedade é a indústria improdutiva, a indústria de consumo 108 • Como o
autor do folheto examinado antes, Ravenstone reveste-se de ascetismo.
Nisso continua ele mesmo prisioneiro das concepções dos economistas.
Sem o capital, sem a propriedade, seriam produzidos em abundância os
meios de subsistência do trabalhador, mas não haveria indústria de artigos
de luxo. Ou· pode-se também dizer que Ravenstone, como o autor do
folheto, concebe ou pelo menos admite a necessidade histórica do capital,
visto que este, como diz esse autor, produz trabalho excedente acima do
trabalho necessário para a manutenção estrita do trabalhador e ao mesmo
tempo dá origem à construção de máquinas (capital fixo segundo ele),
gera o comércio exterior, o mercado mundial, a fim de aproveitar o produto
excedente extraído dos trabalhadores, seja para acrescer a força produtiva,

108. Por indústria de consumo entende Ravenstone a produção de artigos de


luxo, a execução de toda espécie de serviço para os detentores do capital ou da pro-
priedade.

1309
seja para imprimir a esse produto excedente as formas mais variadas de
valor de uso, transcendentes das necessidades de subsistência. Do mesmo
modo, para Ravenstone, sem capital e propriedade não se criariam meios
de conforto, nem máquinas, nem: se produziriam artigos de luxo, nem
haveria o desenvolvimento das ciências naturais, nem as produções culturais
devidas ao ócio ou ao impulso dos ricos de receber um equivalente por seu
"produto excedente" de não trabalhadores.
É o que dizem o autor do folheto e Ravenstone não para legitimar o
capital e sim para atacá-lo, porque isso só se dá em sentido contrário ao
interesse dos trabalhadores e não a favor deles. Mas desse modo admitem·
de fato que esse progresso resulta da produção capitalista e que ela é assim
uma forma histórica do desenvolvimento social, embora em oposiÇlío
ao segmento da população o qual constituí a base de todo esse desenvolvi-
mento. Embora partindo do pólo oposto, participam da estreiteza dos
economistas de confundir afonna contraditória desse desenvolvimento com
seu próprio conteúdo. Uns querem eternizar a contradição em virtude de
seus frutos. Outros estão decididos, para se livrarem da contradição, a sacri-
ficar os frutos que crescem nessa forma antagônica. É nisso que a oposição
deles contra a economia política bu;guesa se distingue da de Owen e outI"s
coevos. Ademais, da de Sismondi, que se refugia em formas. antiquadas da
contradição, para desembaraçar-se dela em sua forma mais aguda.
Diz Ravenstone: 109 ·

São as "necessidades" dos. pobres que "formam a riqueza dele" (do


rico) ... "Se todos fossem iguais, ninguém· trabalharia para outrem. Os
meios de subsistência seriam superabundantes enquanto haveria carência
total de conforto" (p. 10). "O trabalho que produz é o pai da proprie·
dade; o que contribui para o consumo é o filho" (p. 12). O crescimento
da propriedade, essa capacidade maior de manter homens ociosos e
trabalho improdutivo, é o que a economia polÍtica chama de capital"
(p. 13). "Uma vez que a destinação da propriedade é o dispêndio, e uma
vez que, sem este, a propriedade é de todo inútil para o dono, sua exis-
tência está intimamente ligada com a da indústria de consumo" (1. c.).
"Se o trabalho de todo ser humano fosse apenas suficiente para obter
a própria aliment(!ção, não poderia haver propriedade, e nenhuma parte
do trabalho do povo poderia ser desviada para satisfazer as necessidades
da imaginação" (pp. 14, 15).
"Em cada estágio da sociedade, invenções crescentes e melhores aumen-
tam a produtiVidade do ser humano, e em conseqüência diminui gradual-
mente o número dos que trabalham... A propriedade deriva da melho-
ria dos meios de produção; sua única missão é incentivar a ociosidade.

109. Palavras colocadas pelo tradutor para facilitar o entendimento do texto.

1310
Quando o trabalho de cada ser humano é apenas suficiente para a própria
subsistência, não há ociosos, uma vez que não pode haver propriedade.
Quando o trabalho de um ser humano pode manter cinco, haverá quatro
oeiosos para um empregado na produção; o produto não poderá ser
consumido de outro modo ... O objeto da soeiedade é enaltecer o ocioso
às custas-do diligente, converter a abundância em poder" (p. 11).

(O que diz a seguir no tocante à renda fundiária (só acerta em parte,


uma vez que, justamente aí, é mister explicar porque a renda fundiária vai
para o dono da terra e não para o arrendatário, o capitalista industrial)
aplíca·se à mais-valia em geral, desde que se desenvolva pelo acréscimo da
produtividade do trabalho:

"Nos estágios primitivos da sociedade, quando as forças de trabalho dos


homens não dispunham de artifícios que as ajudassem, era ínfima a
proporção de seus rendimentos que era possível ceder como renda
fundiária, pois a terra não tem valor natural e deve ao trabalho s'eu
produto todo. Mas todo acréscimo de eficiência técnica aumenta a
parcela que se pode reservar para renda fundiária. Quando é mister
o trabalho de 9 para o sustento de 10, só 1/10 do produto bruto pode
converter-se em renda fundiária. Quando o trabalho de l homem basta
para 5, corresponderão 4/5 à renda ou às despesas do Estado, as quais só
o produto excedente do trabalho pode prover. O primeiro caso é o que
parece ter ocorrido na Inglaterra no tempo da Conquista; o segundo é o
atual, quando só 1/5 se ocupa da agricultura" (pp. 45, 46). "A verdade é
que a sociedade faz todo melhoramento redundar apenas em acréscimo
da ociosidade" (p. 48).)

Observação. Obra original. Seu verdadeiro tema, conforme indica


o título, é o moderno sistema de dívida pública. Diz ele entre outras coisas:

"Toda a guerra contra a Revolução Francesa não fez surgir nada maior
que a transformação de alguns judeus em "gentlemen" e de alguns
mentecaptos em economistas políticos" (pp. 66, 67).
"Um lado bom tem o sistema da dívida pública, embora despoje a nobre-
za fundiária de grande parte de sua propriedade, ao transferir esta para
os novos fidalgos, como recompensa por suas habilidades nas artes da
fraude e do peculato ... Se incentiva a fraude e a baixeza, se dissimula
a charlatanice e a presunção sob o manto da sabedoria, se torna um
povo inteiro uma nação de especuladores de bolsa... , se derruba todos
os preconceitos de posição e nascimento para fazer do dinheiro a única
distínção entre os seres humanos.. ., destrói a perpetuidade da proprie-
dade" (pp. 51, 52).

1311
3. Hodgskin

Labour defended agatnst the clllims of capiial; or, the Unproducti·


veness of capital pro11ed. By a Labourer, Londres, 1825. (With reference to
the Recent Combina.tions amongst Journeymen.)
Thomas Hodgskin, Popular Political Economy. Four Lec'tUres deli-
vered at the London Mechanics Institution, Lóndres, 1827.
A pnmeira obra, anônima, é também de Hodgskin. Se os folhetos
antes mencionados e uma série de outros semelhantes passaràm sem deixar
vestígios, aquelas obras,· em particular a primeira, causaram grande sensação
e continuam a inclinar-se (ver John Lalor, Money and Morais. Londres,
1852) entre as produçties importantes da economia política inglesa. Agora
examinaremos ambas as obras pela ordem.

a) Tese da improdutividade do capital, conclusão nece~ú:J da


teoria de Ricardo

Labour defended etc. O que o autor quer demonstrar é a ;'improduti·


vidade do capkal", como diz o título. '
Ricardo nfo afirma que o capital é produtor de valor'. O capttaJ apenas
acrescenta ao produto seu próprio valor, que depende do tempo de trabalho
para reproduzi· lo. O capital só tem valor por representar trabalho acumulado
(ou melhor, trabalho materializado), e apenas esse valor - que é o seu -
acrescenta ao produto em que entra. Ricardo sem dúvida revela incoerência
ao tratar da taxa geral de lucro. Mas é justamente esta a contradição em que
o apanharam seus adversários.
A produtividade do capital no tocante ao líalor de uso significa para
Smith, Ricardo e outros, e para os economistas em geral,_ apenas que pro·
dutos de trabalhos úteis anteriores de novo servem de meios de produção;
de objeto de trabalho, de instrumento de trabalho, de meio de subsistência
do trabalhador. As condições objetivas do trabalho não se oontrapaem ao
trabalhador, como se dá nos estádios primitivos, na forma de meras coisas
da natureza (como tais nunca são capital), mas como coisas naturais já
transformadas pela atividade hum!"lª· Todavia, no sentido considetado,
a palavra capital é totalmente supérflua e nada diz. O trigo alimenta não

1312
par ser capital e sim por ser trigo. O valor de uso da lã pertence-lhe por ser
lã e não por ser capital. Idem, a operação da máquina a vapor nada tem em
comum com sua existência como capital. Prestaria o mesmíssimo serviço se
ní!:o fosse "capital" e pertencesse não ao senhor da fábrica, mas aos traba-
lhadores. No processo real do trabalho todas essas coisas servem pela relação
que como valores de uso têrn com o trabalho nelas operante, nã'o como
valores de troca e menos ainda como capital. A produtividade dessas coisas
nesse processo, ou melhor a produtividade do trabalho nelas materializado
decorre de sua qualidade de condições objetivas do trabalho real e nã'.o de
rua existência social como condições alienadas do trabalhador, as quais o
enfrentam de maneira autônoma, personificadas no capitalista como o dmw
do trabalho vivo. É como riqueza, como diz com acerto HopkinsH 0 (não
confundir com nosso Hodgilin), e não como riqueza "ltquida", como
produto e não como produto "líquido" que sa-o consumidas e empregadas.
Sem dúvida, a fonna social determinada dessas coisas em relaçâ'o com o
trabalho, e sua determinação real como fatores do processo de trabalho
se misturam e se embaralliam tanto na mente do economista como na mente
do capitalista. Não obstante, quando analisam o processo de trabalho, sa:o
forçados a deixar de lado o termo capital e a falar de material de trabalho,
meios de trabalho e meios de subsistência. Nessas formas determinadas do
produto, a de material, a de ínstrumento e a de meio de subsistência do
trabalhador, expressa-se apenas a relação delas com o trnballio como condi-
ç.ões objetivas; o próprio traballio aparece como a atividade que as domina.
Aí nada absolutamente concerne à relaçifo entre capital e trabalho; ao con-
trário, trata-se da relação da atividade humana adequada com seus próprios
produtos no processo de reprodução. Nem cessam de ser produtos do
trabalho, nem de ser meros objetos de que o trabalho dispõe e sobre os
quais atua. Expressam apenas a relação em que o trabalho se apropria do
mundo das coisas por ele mesmo criadas, pelo menos do mundo objetivo
gerado nessa forma; mas de modo nenhum se trata aí de outro domínio
dessas coisas sobre o trabalho, excetuada a circunstância de a atividade
ter de adequar-se ao material, pois, do contrário, ná"o seria atividade aprO·
priada, trabalho.
Só cabe falar de produtividade do capital se se considera que este

11 O. Hopkins, On rent of Jand, and its influence on mbsistence and population,


Londtes, 1828, p. 126.

1313
expressa determinada relação de produção social. Mas assim concebido,
logo ressalta o caráter historicamente transitório dessa relação, cujo conhe-
cimento geral é incompatível com sua continuidade e que cria por si mesma
os meios de sua supressão.
Mas os economistas não concebem que o capital seja essa relação,
porque não podem admitir nem compreender seu caráter relativo; ao
contrário, apenas exprimem teoricamente o modo de ver dos homens
práticos, envolvidos na produção capitalista, por ela dominados e nela
interessados.·
O próprio Hodgskin parte desse estreito modo de ver econômico em
sua polêmica com os economistas burgueses. Enquanto consideram o capital
relação eterna de ·produção, reduzem-no às relações gerais d_o,~rabalho com
suas condições materiais, relações comuns a todos os mod.os de produção
e que nada contêm do catáter específico do capital. Enquanto sustentam
que o c_apital gera valor, os melhores deles, com Ricardo, admitem que só
forma valor que antes tenha recebido e que de contínut> .obtenha do
trabalho, uma vez que o valor encerrado num produto é determinado pelo
tempo de trabalho necessário para ;reproduzi-lo, isto é, por sua proporção
como resultado do trabalho vivo, presente e não pretérito. E a produtividade
do trabalho, conforme acentua Ricardo, revela seu progr~ssd'justaniente
pela constante desvalorização do produto do trabalho preterito. Ademais,
os economistas confundem sempre a forma específica determinada em que
essas coisas são capital com sua propriedade de coisas e de simples·elementos
de todo processo de trabalho. Não explicam a mistificação contida no
capital, de empregador de trabalho, mas inconscientemente expressam-na
de maneira constante, por ser inseparável de sua feição material.
O primeiro folheto 10 , que tira a ct>nclusão correta da teoria ricar-
diana, reduz a mais-valia a trabalho excedente. Isso se t>põe aos adversários
e sucessores de Ricardo que prosseguem apegados à confusão por ele feita
entre mais-valia e lucro.
O segundo folheto 112 , em oposição a eles, determina de maneira mais
precisa a mais-valia relativa, que depende do nível de 'desenvolvimento da
produtividade do trabalho. Ricardo diz isso, mas evita a conclusão que esse
folheto tira: a expansão da produtividade do trabalho apenas aumenta a
riqueza alheia que o domina, o capital.

111. The source and remedy of the national difficulties etc.


112. Ravenstone, Thoughtr on the ft.mding zystem and its effects.

1314
O terceiro folheto 113 , por fim, lança a proposição geral, a conseqüên-
cia necessária da concepção ricardiana: o capital é improdutivo. Em oposi-
ção a Torrens, Malthus e outros que, realizando um desenvolvimento unila-
teral da visão ricardiana, transmutam a proposição de Ricardo - o trabalho
é o criador de valor - na proposição oposta: o capital é o criador de valor.
Ao mesmo tempo, o folheto impugna a proposiçã9 que se transmite de
Smith até Malthus, por este elevada a dogma absoluto (idem, por James
Mill): o trabalho está em dependência absoluta da quantidade disponível
de capital, sua condição de existência.
Conclusão do folheto 1: "Riqueza é tempo disponível, e nada
mais 114 ."

b) Combate à definição de Ricardo: Capital, Trabalho acumu-


. lado. Concepção do "Trabalho coexistente". Subestimada a
importância do Trabalho pretérito materializado.

Hodgskin opina: capital circulante é apenas a justaposição dos dife-


rentes trabalhos sociais (trabalho coexistente);. acumulação nada mais é
que o armazenamento das forças produtiva~ do trabalho social, de modo
que a acumulação da habilidade e do conhecimento (força científica) dos
próprios trabalhadores é a acumulação principal e é incomparavelmente
mais importante que a acumulação - que marcha emparelhada com ela
e apenas a representa - das condições objetivas existentes dessa atividade
acumulada. Estas condições são de maneira constante produzidas e consu-
midas de novo e são acumuladas apenas nominalmente.

"Capital p1odutivo e trabalho especializado são a mesma coisa." "Capital


e população trabalhadora são arigo1 sinônimos" (p. 33).

Tudo isso não é mais do que expressões mais desenvolvidas da tese de


Galiani:

"A verdadeira riqueza ... é o ser humano" (De/la Maneta, Custodi. Parte
moderna, t. UI, p. 229).

113: Hodgskin, Labour defended etc.


114. Ver pp. 1303-1306 deste volume.

1315
Todo o mundo material, o "mundo das mercadorias", submerge-se .
aí em mero momentou 5 , em mera atuação que desaparece e de contínuo
se renova, dos seres humanos. que produzem socialmente. Agora compare-se
esse "idealismo'' com o grosseiro fetichismo material a que se reduz a teoria
ricardiana "nesse incrível remendão.. , McCulloch, para quem se desfaz
a diferença entre homem e animal, e mesmo entre seres vivos e coisas. E
depois se diga que a oposição proletária, em confronto com o espiritualismo
sublimado da economia burguesa, tem apregoado um materialismo grosseiro
voltado apenas para a necessidade brutal.
Hodgskín, em sua pesquisa sobre a produtividade do eapital, erra ao
não distinguir até onde se trata de produçã"o de valor de uso ou de produção
de valor de troca.
Além disso - mas com justificação histórica -, conceitua o capital
tal como o encontra nos economistas. Por um lado (desde que atue no
processo real de trabalho), o capital é mera condição objetiva do trabalho
e só tem a importância de ser elemento material do trabalho; e (no processo
de produção do valor) nada mais é que a quantidade de trabalho medida
pelo tempo, ísto é, nada diferente dessa própria quantidade de· trabàlho.
Por outro lado - embora na realidade, quando aparece no processo real
de produção, seja mero nome, novo batismo do próprio_ trabalho -, o
capital se apresenta corno o poder que domina o trabalho:e o gera, como
o fundamento de sua produtividade e como riqueza que lhe é estranha,
E isso sem mediações. Assim encontra Hodgskin à questão. B·éontrapõe
o lado real do desenvolvimento econômico ao embuste burguês.

"O capital é uma espécie de palaPra cabalística. como igreja oµ Estado,


ou qualque1 outro desses tumoa gerais que os tosquiadores do resto da
humanidade inventaram para ocultai: a mão que a tosquia" (LaÓ<JW'
defended ... , p. 17).

Distingue então conforme a tradição que encontra nos economistas,


capital circulante de capital fixo, e aí entende-se· por capital circulante
sobretudo a parte consi,stente em meios de subsistência dos trabalhadores
/
ou que se consome como tal.

"DiVistfó do trabalho, dizem, é conseqüência de acumulaçtfo prêvi.a do


capital." Mas "os efeitos atribuídos a um ercoque de mel'Clldorias, sob o
nome de capital circuTlmte, ~ gerados pelo 'lTabalho coexistente"
WP· ~· 9). - .
ll5. Ver este vólu~. p. 1143, nota 36.

1316
Considerada a concepç[o brutal dos economistas, justifica-se dizer
que o "capital circulante" é apenas o "nome" de um "estoque de merca-
dorias" particulares. Uma vez que os economistas n:ro analisaram a relação
social específica que se apresenta na metamorfose das mercadorias, &5
podem conceber o capital "circulante" como coisa. Todas as diferenças
do capital, oriundas do processo de circulação - na realidade sua própria
circulaç:ro - de fato nada mais são que a metamorfose das mercadorias
(determinadas como capital por sua relação com o trabalho assalaríado),
como momento do procesw de reprodução.
Num sentido, divisllo do trabalho é apenas trabalho coexistente,
isto é, a coexistência de diferentes modos de trabalho, a qual se configura
nas diferentes eS[Jécies de produto ou antes de mercadorias. A dtvisão do
trabalho, no sentido capitalista. como decomposição do trabalho particular
que produz. determinada mercadoria, numa soma de operações simples
repàrtidas por diferentes trabalhadores e atuantes em conjunto, pressupõe
a divisão do trabalho no seio da sociedade, por fora da oficina, como sepa-
raçlio dos modos de ocupação. Aumenta, porém, essa separaç!io. O produto
pode sér produzido como mercadoria no sentido tanto mais rigoroso, seu
valor de troca se torna tanto mais independente de sua existência imediata
como valor de uso, e sua produçã"o tanto mais independente de seu consumo
pelos produtores, de sua existência como valor de uso dos produtores,
quanto maíor sua própria unilateralidade, quanto maior a variedade das
mercadorias por que se troca, quanto maior a série dos valores de uso em
que se expressa seu valor de troca, quanto mais amplo seu mercado. Quanto
mais for esse o caso, tanto mais se pode produzir o produto como merca-
doria. E também em-escala tanto maior, portanto. A indiferença do produ-
tor por seu valor de uso expressa-se quantitativamente no volume em que
é produzido e que não guarda relação nenhuma com a necessidade de
consumo do produtor, mesmo quando este seja ao mesmo tempo consumi-
dor de seu produto. Mas um dos métodos dessa produçtlo em massa e por
isso da produçao do produto é a divisão do trabalho ~entro da oficina.
Desse modo, a divisã.'o do trabalho no interior da oficina apoia-se na divisão
das ocupações dentro da sociedade. ,
A dimens:i:o do mercado apresenta doís significados. Primeiro, a massa
dos consumidores, seu número. Segundo, o número das ocupações que se
tornaram independentes umas dâs outras. O primeiro é possível sem o
segundo. Por exemplo, se a fiação e tecelagem se separa da indústria caseíra
e da agricultura, todos os agricultores passam a con_stitu.1,r mereado para os
fíandeiros e tec-elões. Estes, ao constituirem ocupações separadas, passam

1317
também a formar mercado uns para os outros. Antes de tudo, o que a
divisão do trabalho dentro da sociedade pressupõe é que os trabalhos se
tornem de tal maneira independentes que seus produtos tenham de se
confrontar como mercadorias, de ser objeto de troca, passem pela meta-
morfose das mercadorias, tenham de se· comportar entre .si como merca·
dorias. (Por isso, na Idade Média, as cidades proibiam o maior número
possível de profissões de se espalhar pelos campos, não só para excluir
concorrência, a única coisa que Smith vê, mas para criar mercado para si
mesmas.) Ademais, essa divisão do trabalho, para desenvolver-se bem, pres-
supõe certa densidade da populaçro. Depende ainda mais dessa densidade
o desenvolvimento da divisão do trabalho na oficina. Esta divisão, até.certo
ponto condição prévia do desenvolvimento daquela, por sua vez ainda a
incrementa em atuação reciproca. É o que faz ao cindir modos antes conju-
gados de ocupação em modos independentes uns dos outros; ao acrescer
e diversificar os trabalhos prévios e indiretos que os modos de ocupação
requerem; ao gerar novas necessidades e novos modos de satisfazê-las, em
virtude de aumentar a produção, a populaçã'o, e de se liberarem capital e
trabalho.
Por isso, quando Hodgskin diz que "divisão de trabalho" é o efeito
não de um estoque de mercadorUis chamado capital circµta·nte, más de
"trabalho coexistente", incidiria numa tautologia se eiltendésse por divisão
de trabalho a separação dos ramos de atividade. Isso signífi.caria apenas:
divisão do trabalho é a causa ou o efeito da divisão do trabalho.· Hodgskin
só pode querer dizer portanto que divisão do trabalho dentro da oficina
depende da separação dos modos de ocupação, da divisão-social do trabalho
e é, em certo sentido, efeito dela.
Não é um "estoque de mercadorias" que gera essa separação de
ocupaÇÕes e por isso a dívisãO do trabalho na oficina, mas é essa separação
. de ocupações (e divisão do trabalho) que se expressa no estoque de merca-.
dorías ou antes se configura na circunstâncía de um estoque de produtos
se tornar estoque de mercadorias. (Mas os economistas necessariamente
exprimem sempre como atributo das coisas o que é atributo, característica
do modo de produção ·cu.pitalista, isto é, do próprio capital enquanto
expressa determinada re1ação dos produtores entre si e para com seu pro·
duto.)
Se, do ãngulo econômico (ver Turgot, Smith etc.), se fala de "prévia .
acumulação de capital" como condição da divisão çlo trabalho, entende-se
por ísso concentração prévia de um estoque de mercadorias como capital
nas maos do comprador de trabalho, uma vez que a espécie de cooperação

1318
que caracteriza a dívisã'o do trabalho pressupõe aglomeração de trabalha-
dores - em conseqüência, acumulação dos meios de subsistência que eles
consomem durante o trabalho; produtividade acrescida do trabalho, isto é,
acréscimo das mâtêrias- primas, dos instrumentos e matérias auxiliares que
se têm de dispor, a fim de o trabalho ser contínuo, uma vez que precisa
sem cessar de grande quantidade desses elemen~os,, em suma, precisa das
condições objetivas da produção em grande escala.
Acumulação de capital aí nlfo pode significar acréscimo de meios de
subsistência, de matérias-primas e de instrumentos de trabalho como condi-
ção da divis/lo do trabalho, pois, desde que se entenda isso por acumulação
de capital, esse acréscimo tem de ser conseqüência e nã"o condiçlfo prévia da
dMsã"o do trabalho. ·
Nem acumulação de capital aí pode significar que, para o trabalhador,
tem de haver em geral meios de subsistêncja, antes de os novos serem
reproduzidos, ou que produtos de seu trabalho têm de constituir a matéria-
prima e os meios de trabalho de sua nova produçã'o. Pois isso é a condição
do trabalho em geral e era verdadeiro tanto antes quanto depois do desen·
volviménto da divis::ro do trabalho.
De um lado, se consideramos o elemento material, acumulaçtlo ai
significa apenas que a divisão do trabalho torna necessária a concentração,
em certos pontos, dos meios de subsistência e meios de trabalho, que antes
estavam espalhados e dispersos, enquanto o trabalhador em cada um dos
ramos - que nessas condições nã"'o podiam ser muito numerosos - execu-
tava ele mesmo as variadas e sucessivas operações exigidas pela produça-o de
· um ou de vários produtos. O que se supõe não é acréscimo absoluto, mas
cor.centração: amontoa-se mais num ponto e relativamente mais em face
do número de trabalhadores aglomerados. Para os trabalhadores empregados
na manufatura (em proporção a seu número) quantidade de fibra de línho
maior que aquela que essa fibra comportava, por exemplo, em relação ao
número de camponeses - homens e mulheres - que a fiavam como ativi-
dade acessória. Por conseguinte, aglomeração de trabalhadores, concentra-
ç<Io de matérias.primas, instrumentos e meios de subsistência.
Por outro lado, se consideramos a base histórica donde emana esse
processo·_ donde se desenvolve a manufatura, o modo de produção indus-
trial, cuja característica é a divisão do trabalho -, essa concentração só
pode ocorrer na forma em que esses trabalhadores se aglomeram como
assalariados, isto é, como trabalhadores que têm de vender sua força de
trabalho, porque suas condições de trabalho de maneira autônoma os
enfrentam como propriedade alheia, como força alheia, o que portanto

1319
redunda em que essas condições de trabalho se lhes contrapõem como .
capital; isso ao mesmo tempo se apresenta de maneira que esses meios
de>,subsistência e meíos de trabalho, ou - o que dá no mesmo - a disposi-
9ão, delf;s medianté dinheiro, est[o nas m[os de proprietários particulares de
dinheiro ou de mercadorias, os quais por esses meios se tornam capitalistas..
· A acumulação primitiva portanto, conforme expus 11õ, é apenas a
circunstância de se dissociarem do trabalho e do trabalhador as condições,
de trabalho, como forças autônomas que os enfrentam. Processos históricos
mostram que essà dissociação é fator do desenvolvimento social. Desde que
exista o capital, desenvolve-se por força do próprio modo de produção
capitalista a manutenç[o e a reprodução dessa dissociaçã"o em escala cada
vez maior, até que suceda a inversã'.o histórica. ·
Na-o é pela propriedade do dinheiro que o capitalista se torna capita-
lista. Para o dinheíro se converter em capital é mister que existam as precon-
dições da produçio capitalista, que tem por primeiro pressuposto histórico
aquela dissociaçà'.o. Dentro da própria produção capitalista está dada a
dissociaçâ'o, por conseguinte a existência das condições de trabalho como
capital; base que sempre se repro,duz e se amplia, da própria produç:ro.
Acumulação torna-se então o processo permanente, pela reconvers«o
do lucro ou produto excedente em capital, e por esse meio· ós produtos
acrescidos do trabalho, os quais ao mesmo tempo s«o condições objetivas
do trabalho, condições da reprodução, a ele se opõem como cap(tal, como
forças que lhe s«o estranhas e o dominam, individualizadas no,capítalista.
Acumular, por isso, t~mbém se torna função específica do
capitalista, isto
é, reconverter párte. do produto excedente em condições de trabalho. E
daí a mente embotada do economísta conclui que essa operação, se não
corresse dessa maneira contraditória e específica, na-o poderia ocorrer de
maneira nenhuma. Em sua mente, reprodução em escala ampliada é insepa-
rável da forma capitalista dessa reprodução - a acumulação.
A acumulação como processo contínuo representa apenas o que, na
acu.mulaçíio primitiva, se manifesta em processo histórico particular, em
processo de surgimento do capital e em transição de um modo de produção
para outro.

116. Marx refere-se à seção sobre a acumulaçfa primitiva, ainda ruto escrita a
esse tempo (outubro de 1862) e que, segundo o plllno que esboçou em janeiro de
1863 (Ver vol. 1, pp. 407 e 408), deveria anteceder Teorias da mais-lltJ!ía. Ver também
Karl Marx, Gnmdrisse der Kritl.k der pqlimchen Okonomie, Berlim, 1953, pp. 363-
374.

1320
Os economistas, prisioneiros como estâ'o das idéias com que se movem
os agentes do modo de produção capitalista, cometem. um equf\'oco de
duas faces que se condicionam reciprocamente.
De um lado, convertem o capital, que é relação, em coisa; em estoque·
de mercadorias Jjá esquecendo que as próprias mercadorias não são coi...as)
que, ao servirem de condições de produçlio para novo trabalho, se eh~·
· de capital, e no tocante ã maneira de sua reprodução, de capital circulante.
De outro lado, convertem as coisas em capital, istó é, observam a
relação social que nelas e por meio delas se configura, como qualidade que
pertence ã coisa como tal, desde que esta entre como elemento no processo
de trabalho ou processo tecnológico.
Pór um !tido, concentração das matérias-primas e da disponibilidade
dos meios de subsistência nas mãos dos nlío trabalhadores, como forças que
·dominam o trabalho, condição prévia da divísKo do trabalho (depois, esta,
além de aumentar a concentração, acresce o volume da concentração, em
virtude de elevar a produtividade do trabalho), isto é, a acumulação prévia
do capital como condição da divisão do trabaJho significa para eles portanto
acréscimo ou concentração (duas coisas que não distinguem) de meios de
subsistência e de meios de trabalho.
Por outro lado, esses meios de subsistência e esses meios de trabalho
·não serviriam de condições objetivas da produção se essas coisas nã"o tives.
sem a propriedade de ser capital, se o produto do trabalho, a condição de
trabalho, não consumisse o proprío trabalho, se o trabalho passado não
consumisse o próprio trabalho, se o trabalho passado. não consumisse o
trabalho vivo, e s~ essas coisas não pertencessem a si mesmas ou, por man·
dato, ao capitalista e sim ao trabalhador:
Como se a divis:to do trabalho também nfo fosse possível se as condi·
ções de trabalho pertencessem aos trabalhadores associados (embora histori·
camente assim nfo pudesse aparecer de inicio, ou melhor, só possa assim
manifestar-se como conseqüência da produção capitalista), e estes se rela·
cionassem com elas de acordo com o que elas s€o por natureza: seus pró-
prios produtos e os elementos materiais de sua própria atividade.
Ademais, uma vez que na produção capitalista o capital se apropria
do produto excedente dos trabalhadores, isto é, uma vez que se apropriou
dos produtos do trabalho, e estes agora se contrapõem ao trabalhador na
forma de capital, é claro que conversão do produto excedente em condições
de trabalho s6 pode provir do capitalista e nesta forma apenas; converte o
produto do trabalho de que se apropriou sem dar equivalente no meio de
produção de novo traballio obtido sem a contraprestaçã:o equivalente, A

1321
amplíação da reproduçã'o revela-se por isso conversão de lucro em capital e .
poupança do capitalista que, em vez de consumir o produto excedente
recebido grátis, ainda o torna .meio de exploraçtro do trabalho, o que só
pode fazer reconvertendo-o em capital produtivo, e isso envolve a trans-
formação do produto excedente em meio de trabalho. Daí conclui o econo-
mista que o produto excedente n[O poderá servir de elemento de nova
produção se antes não se converte de produto do trabalhador em proprie-
dade de seu empregador, para voltar a servir de capital e repetir o antigo
processo de exploração. Aí acresce nos piores economistas a idéia de amea·
lhar e entesourar. Também os melhores, como Ricardo, transferem para o
capitalista a idéia de abstinência do entesourador.
Os economistas não concebem o capital como relação. Não podem
fu.ê-lo se ao mesmo tempo não o concebem como formahistoricamente
transitória, relativa, não absoluta da produç!o. No próprio Hodgskin nã'o
se encontra essa concepç!o. Embora justifique o capital, não justifica, ao
contrário, refuta a legítimidade que lhe d!o os eoonomistas. Hodgskin por-
tanto nada tem que ver com ela.
Consíderando-se como se apresentava a questão entre ele e os econo-
mistas, parece que o tipo de sua polêmica estaV'<l de antemão fixado e era
muito simples. Em palavras singelas, tem de sustentar o lado qúe os econo-
mistas expõem "cientificamente" contra a idéia fetichista: que extraíram
do prisma capitalista e adotaram por carência de raciocínio e por ingênua
inconsciência,
O consumo dos produtos de trabalho anterior, do trabalho em geral.
como materiais, instrumentos e meios de subsistência, 'ê necessário se o
trabalhador pretende utilizar seus produtos para produzir de novo. É produ-
tivo esse modo particular de consumo de seu produto. Mas qut!-díabo essa
utilização, esse modo de consumo de seu produto tem que ver com o
domínio deste sobre o próprio trabalhador, com a existência desse produto
como capital, com a circunstância de se concentrar nas mãos de certos
capitalistas o poder de dispor de matérias-primas, de meios de subsistência,
e com a de se' excluírem os trabalhadores da propriedade de seu produto?
Que tem isso que ver com o fato de os trabalhadores, antes de tudo, terem
de dar grátis seu produto a um terceiro, para deste readquiri-lo depois com
seu próprio trabalho, e precisamente terem de lhe dar em troca mais traba-
lho que o contido no produto, e assim terem de criar para ele novo produto
excedente?
O trabalho pretérito se revela aí em duas formas. Na fonna de [JrO-
duto, valor de uso. O processo de produçã:o exige que os trabalhadores

1322
consumam parte desse produto como meio de subsistência, e parte como
matéria-prima e instrumento de trabalho. Isso concerne ao processo tecno-
lógico e somente mostra como eles têm de se comportar na produçffo indus-
trial com os produtos de seu próprio trabalho, com seus própríos produtos,
para fazer deles meios de produção.
Ouna forma de valor. Isso mostra apenas que o valor de seu novo
'produto representa seu trabalho presente e ainda o pretérito, e que eles
conservam o valor antigo aumentando-o, pois lhe fazem uma actiç:to.
O direito que o capitalista arroga nada tem que ver com esse processo
como tal. Sem dúvida apropriou-se dos produtos do trabalho, do trabalho
pretérito, e por isso possui meio de apropriar-se de novos produtos e de
trabalho vivo. Mas é justamente isso ·o modo dé proceder contra o qual
se protesta. A concentração e acumulação preliminares necessárias para
a "divisllo do trabalho" não têm de assumir a forma de acumulaçlfo de
capital Por serem necessárias, nâ'.o se segue que se impõe que o capitalista
disponha das condições criadas pelo trabalho de ontem para o trabalho de
hoje. Se se admite que a acum~lação de capital nada mais é que trabalho
acumúlado, isso não implica absolutamente que a acumulação de trabalho
alheio tenha de ser capital.
Mas Hodgskiri - o que à primeira vista ê. estranho não segue esse
caminho simples. Em sua polêmica dirigida contra a produtividade do
capital, a começar pelo circulante e mais intensa contra o flxo, parece
combater: ou negar a importância do próprio trabalho pretérito ou de seu
produto para a reprodução, como cõndiç!o de novo trabalho. A importância
portanto do trabalho pretérito, realizado em produtos, para o trabalho
como eficácia presente. Donde provém essa mudança?
Uma vez que os economistas identificam o trabalho pretérito com
o capital - trabalho pretérito aqui tanto no sentido de trabalho concreto,
realizado nos produtos, quanto no sentido de trabalho social, de tempo de
trabalho materializado -, é compreensível que eles, os Píndaros do capital,
destaquem os elementos materiais da produção e superestimem sua signifi·
cação em face do elemento subjetivo, o trabalho vivo, imediato. Para eles
o trabalho s6 se torna adequado quando se transforma em capital, se contra-
põe a si mesmo, a fase passiva do trabalho à fase ativa. Por isso, o produto
determina o produtor; o objeto, o sujeito, e o trabalho realizado, o que
se realiza etc. Em todas essas idéias, o trabalho pretéríto n® se patenteia
momento 117 puramente material do trabalho vivo, a este subsumido, mas ao

117. Ver p. 1143, nota 36.

1323
contrário: não se revela elemento do poder do trabalho vivo, mas poder.
sobre esse trabalho. Para justificar também no domínio tecnológico a forma
social especíFICII, isto é, a forma capitalista, em que se inverte a relação do
trabalho com as condições de trábalho de modo que n!o é o trabalhador
quem emprega as condições, mas as condições, o trabalhador, os economis-
tas dão ao momento material do trabalho wn falso peso em relação ao
próprio trabalho. Por isso Hodgskin sustenta ao contrário que esse momento
material - isto é, toda a riqueza realizada - é insignificante em face do
processo vivo de produçtro e na realidade só tem valor como momento
de1e, mas de per si não tem nenhum. Ao fazê-lo, subestima um pouco o
valor que o trabalho do passado tem para o do presente; essa posição,
entretanto, está certa no tocante ao fetichismo econômico. Se na p\odução
capitalista - e em conseqüência em sua expressão teórica, a economia
política - o trabalho pretérito só aparecesse como um pedestal etc. gerado
pelo próprio trabalho, não poderia existir essa pendência. E só existe porque
tanto na realidade quanto na teoria da produção capitalista, o trabalho
re.al'izado se revela oposição a si mesmo, oposição ao trabalho vwo. Do
mesmo modo como no processo çle pensamento prisioneiro da religião,
o produto do pensamento, além de exigir, exerce o domínio sobre o próprio
pensamento.
A proposição

"os efeitos atribuídos a um estoque de mercadcr~s, ·com .. o nome de


capital circulante, são causados por trabalh() coexiatente" (p, 9).

significa portanto antes de mais nada:


· A coexistência simultânea de trabalho vivo gera grande parte dos
efeitos que são atribuídos ao produto de trabalho anterior, sob o nome de
capital circulante.
Parte do capital circulante consiste por exemplo no estoque de meios
de subsistência, o qual, dizem, o capitalista armazenou para sustentar o
trabalhador durante o trabalho.
A formação de estoques n!o é de modo nenhum peculiaridade da -
produção capitalista, embora nela, uma vez que a produção e consumo
atingem nível mais alto, a massa de mercadorias disponível no mercado,
na esfera de circulação, alcance major magnitude. Ainda transparece aí a
reminiscência da amontoaçã:o de riquezas dos entesouradores, o entesou-
ramento.
Antes de mais nada temos de omitir aqui o fundo de consumo, uma

1324
vez que agora se trata de capital e da produção industrial. O que caiu na
esfera de consumo individual, quer seja absorvido de maneira mais rápida
ou mais lenta, cessou de ser capital. (Embora possa em parte reconverter-se
em capital, como casas, parques, recipientes etc.).

"Neste momento, todos os capitalil;tas da Europa possuem, para todos


os trabalhadores que empregam, alimentos e· roupas para uma semana?
Examinemos a questão primeiro no tocante a alimentos. Uma parte dos
alimentós das pessoas é pão que só é fabricado algumas horas antes de o
comerem ... O produto do padeiro não pode ser estocado. Em nenhum
caso, a matéria-prima do pão, exista na forma de grao ou farinha, pode
ser conservada sem trabalho continuo. A convicção do trabalhador, do
fiandeiro de algodão, de que obterá pão quando predsar, e a convíccã'o
de seu patrã'o, de que. o dinheiro que lhe paga pennitir-lhe.:á obtê-lo,
resultam apenas da circunstância de sempre se ter obtido pão quando
dele se preciSQu" (l.c., p. 10).
"Outro artigo de alimentação do trabalhador é leite, e se produz leite...
duas vezes ao dia. Se se diz que o gado para supri-lo já existe, cabe
retrucar que este e;itige atenção constante e trabalho cotutante, e que
Na forragem CTe$Ce todos oi/ dias na maior parte do ano. Os campos
em que pasta reque.rem a mão do homem. O mesmo sucede com a carne.
Nl'io pode $0f armazenada por muito tempo, pois piincipia a deterioru-se
logo depois de levada ao me1cado" (p. 10).
Em virtude das traças, mesmo no tocante ao vestuário "fa!Jriane tão-tiJ
um pequeno estoque em rehlção ao consumo geral" (p. 11).
"Diz Mill com razio que 'o que se produz anualmente consome-se anual·
mente, e assim não se pode na realidade armazenar estoque de mercado·
rio.s para capacitar <>1 homens a executar toda& aquela& operaç<fu que u
estendem por mais de um ano. Os que as empreendem não se devem fiaI
·em mercadorias já criadas. mas em que outras pessoas trabalhaxão e pro-
duzirão o que eles precisam até que seus próprios produtos estejam
p1ontos, Assim, se o trabalhador admitir ser necessária certa acumulnção
de capital circulante para as operações que se completam dentro do
ano .. , é claro que em todas as operações que ultrapassam um ano, o
trabalhador nio conta nem pode conta:r com capital acumulado" (l.c.,
p. 12).
"Se levarmos na devida conta o número e a importância daquelas opera-
ções produtoras· de 1iqueza e que nã'o se concluem dentro do ano, e os
inúmeros produtos de trabalho cotidiano, necess:írio à subsistência e que
sfo consumidos logo que produzidos, compreenderemos que o sucesso
e a força produti11a de cada ramo eq;ecíal de trabalho em todos os mo·
mentos dependem mais do trabalho produtivo coextstente de outras
pessoas, do que de qualquer acumulação de capital circulante" (p. 13 ).
":e por comandar o trabalho . de certo número de homens e não por
possuir um estoque de mercadorias, que o capitalista está capacitado
a sustentar e, em conseqllSncia, empregar outros trabalhadores" (p. 14).
. "A única coisa que se pode dizer que é acumulada ou de antemão prepa-
1, rada é a habilidade do trabalhador" (p. 12).
1\ "Todos os efeitos em regra atribuídos à acumulação de capital circulante
derivam da acumulaçãO e armazenamento do trabalho qualificado; e essa

1325
operação da maior importância se leva a cabo, no tocante à grande massa
de trabalhadores, sem nenhuma erpécie de capital circulante" (p. 13).
"O número dos trabalhadores tem sempre de depender da quantidade de
capital circulante ou, ·em expressão mais correta, da quantidade do
produto do trabalho coexistente a qual se permite que os trabalhadores
consumam" (p. 20).
"Capital circulante ... se cria apenas para consumo, enquanto qipital
fixo ... se produz nã'o para ser consumido, mas para ajudar o trabalhador
a produzir as coisas destinadasa consumo" (p. 19).

A~te~ de maís.nada, portanto:

"O sucesso e a força produtiva de cada ramo especial de trabalho em


todos os momentos dependem mais do trabalho produtivo coexistente
de outras pessoas, do que de qualquer acumulação de capital circulante'',
isto é, de "mercadorias já criadas". Essas "mercadorias já criadas" se
contrapõem "aos produtos de trabalho coexistente".

(Do capital, a parte que se reduz a instrumentos de trabalho e mate·


rial de trabalho como "mercadorias já criadas" é sempre uma precondiç!o
dentro de cadli ramo panicular de, produçlro. Não se pode fiar algod!Io
que ainda não se "produziu", nem pôr em movimento fusos ainda a fabricar,
nem queimar carvão que ainda não se extraiu da mina. Assim entram sempre
no processo como formas de existência de trabalho anterior.· E desse modo
trabalho existente depende de trabalho antecedente e não só . de trabalho
coexistente,_ embora esse trabalho antecedente, na forma · de ··i:Úeios de
trabalho ou de material de trabalho, só seja de alguma utilidade (uso produ-
tivo) em contacto com o trabalho vivo, como momento .material deste. Só
como momento do consumo industrial, isto é, do consumo pelo trabalho.
Mas, ao observar a circulação e o processo de reproduç!l'o vimos
também que a mercadoria, depois de pronta e convertída em dinheiro,
só pode ser reproduzida porque ao mesmo tempo - por meio do trabalho
coexistente - todos os seus elementos forlllTl produzidos e reproduzidos.
Ocorre uma dupla marcha na produção. O algodã'.o, por exemplo,
desloca-se de wna fase de produção para outra. Primeiro é produzido em
estado bruto e depois snbmetido a uma série de manipulações até ficar
em condições de ser exportado ou, se a elaboração prossegue no mesmo
país, de passar para as mã:os do fíandeiro. Vai então do fiandeiro para o
tecelã"o, deste para o branqueador, o tingidor e o lustrador, e daí para
as ·diferentes oficínas que o preparam para usos especíais: peças do vestuá-
rio, roupas de cama etc. Por fim sai das mãos do último produtor para as
do consumidor, para o consumo individual, se não se transfere como meio

1326
(e nâ'o material) de trabalho para o consumo "industrial. Mas recebeu sua
forma final de valor de uso, seja para o consumo industrial ou individual.
O que surge como produto de uma esfera de produç:ro entra noutra como
condição de produção e assim percorre fases sucessivas até o acabamento
final como valor de uso. Neste caso o trabalho precedente aparece de
contínuo como condíção do trabalho existente.
Mas o produto, enquanto se move de uma fase para outra. percorre
essa metamorfose real. est.á sendo ao mesmo tempo elaborado em cada
fase. Enquanto o tecelão tece o fio, o fiandeiro está fiando o algodtio,
e novo algodão em rama está no processo de produção.
O processo de produção contínuo e que se renova, uma vez que é
processo de rep'rodução, também depende portârito do traballw coexis-
tente, que produz ao mesmo tempo as diferentes fases do produto, enquan-
. to o produto percorre suas metamorfoses, passa de uma fase para outra.
Algodão em rama, fio e tecido se produzem. um depoís do outro e um a
partir do outro, mas se produzem e reproduzem ao mesmo tempo, um ao
lado do outro. O que se patenteia efeito do trabalho antecendente, se obser-
vo o processo de produção de uma mercadoria dada, evidencia-se ao mesmo
tempo efeito do trabalho coexistente, se considero o processo de reprodu-
ção dela, isto é, seu processo de produção em seu fluxo e na plenitude
de suas condições, e nlfo apenas num ato isolado ou em extensão restrita.
Além do ciclo com diferentes fases, há produção paralela da mercadoria
em todas as suas fases pertencentes a esferas particulares da produção e
constitutivas de diferentes ramos de trabalho. Quando o mesmo camponês
primeiro planta o linho, depois o fia, depois o tece, ocorre a sucessro e rnro
a simultaneidade dessas operações, como a pressupõe o modo de produç!'o
baseado na divisão do trabalho no interior da sociedade.
Qualquer que seja a fase em que se encontre o processo de produção
de uma dada mercadoria, o trabalho antecedente só adquire sentido por
meio do trabalho vivo a que proporciona as condições de produção .. Mas,
além disso, essas condições de produção, sem as quais o trabalho vivo não
se pode realizar, sempre entram no processo como resultado do trabalho
antecedente. Por conseguinte, o trabalho cooperante dos ramos de trabalho
contribuintes aparece sempre como fator passivo e como tal é precondição.
Os economistas destacam esse aspecto. Em contraposíçã"o, na reprodução
e circulação, o trabalho que socialmente faz a mediação, no qual se baseia
o processo de produção da mercadoria em cada esfera. particular e do qual
depende esse processo, aparece como trabalho coexistente, contemporâneo,
no presente. A mercadoria é produzida ao mesmo tempo em suas formas

1327
tmc1a1s e em suas formas acabadas ou sucessivas. Sem isso não poderia,
depois de ter percorrido suas metamorfoses reais, reconverter-se, de
dinheiro, em suas condições de existência. Assim, a mercadoria só é produto
do trabalho antecedente enquanto se configura ao mesmo tempo como
produto do trabalho contemporâneo, vivo. A riqueza material toda, segundo
a vê a concepção capitalista, só se manifesta como aspecto que desaparece
no fluxo da {lrodução global, que inclui o processo de circulação.)

e) A chamada acumulação de mercadorias, mero fenômeno da


circulação (estoques etc. - Reservatórios da circulação)

Hodgskín examina apenas uma das partes componentes do capit~l


circulante. Mas parte do capital circulante se converte de contínuo em
capital fixo e em matéria auxiliar e parte, com exclusividade, em objetos
de consumo. E mais. Do capital circulante, mesmo essa parte que por fim
se converte em mercadorias destinadas ao consumo individual, além de
aparecer na última forma em que surge da fase de acabamento como pro·
duto final, existe nas fases anteriores, de contínuo e simultaneamente, nas
formas incipientes em que não pode entrar ainda no consumo, nos estádios
de matéria-prima ou produto semi·acabado afastados em diferentés graus
da última forma do produto.
Hodgskin trata desta questão: qual ê a relação do trabalho presente
que o trabalhador fornece ao capita1ista, com o trabalho {contido em seus
objetos de consumo) encerrado nos artigos a que se reduzem os salários
e que na realidade sa:o os valores de uso que constituem o capital variável?
Admite-se que o trabalhador não pode trabalhar sem encontrar aqueles
artigos para consumir. E por isso os economistas dizem que o capital circu-
lante - trabalho prévio, mercadorias já criadas que o capitalista armazenou
- é a condição do trabalho e, entre outras coisas, também a condição da
divisa:o do trabalho.
Quando se fala das condições de produção e em particular do capital
circulante no sentido de Hodgskin, usualmente se diz que o capitalista
tem de possuir armazenados os meios de subsistência que o trabalhador
tem de consumir, antes de concluída sua nova mercadoria, isto é, durante
seu trabalho, só enquanto a mercadoria por ele mesmo produzida está em
elaboraçiro. Introduz-se aí a idéia de que o capitalista acumula coisas como o

1328
entesourador, ou que ele annazena um estoque de meios de subsistência,
como as abelhas o mel.
Mas isso não passa de um modo de falar.
Antes de mais nada, n!o falamos aqui dos comercíantes que põem à
venda os meios de subsistência. Naturalmente têm de possuir sempre um
estoque completo disponível. Seus armazéns, lojas etc,. são apenas os depósi-
tos por que se distnôuem as mercadorias quando prontas para a circulação.
Esse armazenamento é apenas o intervalo em que a mercadoria fica antes de
passar da circulação para o consumo. É sua existência no mercado como
mercotl.oria. Como tal só existe propriamente nessa fonna. Se, em vez de
se encontrar nas mtros do primeiro vendedor (produtor), esfü-er nas ml!os
do terceiro ou qúarto e por fim transferir-se pará as mãos do vendedor que
a vende ao verdadeiro consumidor, n!!'o decorrerá daí nenhuma mudança
na questão. O que está em foco é apenas que, no estádio intermediário,
a mercadoria representa troca de capital por capital (a rigor, de capital
acrescido de lucro, pois o produtor vende com a mercadoria não só o
capital, mas também o lucro feito sobre o capital), e no estágio final troca
de capital por renda (revenue) (quando a mercadoria, como supomos
aqui, se destina não ao consumo industrial e sim ao individual).
A mercadoria que está pronta como valor de uso, em estado vendável,
encontra-se como mercadoria no mercado, na fase de círculaçtro; todas
as mercadorias nela se encontram desde que estejam para efetuar a primeira
metamorfose, a convers!ío em dinheiro. Se isso sígnífica "acumular", acu-
mular significa apenas "circular" ou existência das mercadorias como merca-
dorias. Essa espécie de "acumulação", portanto, seria justamente o oposto
do entesouramento, que quer manter a mercadoria eternamente com capa-
cidade de circular, o que só alcança retirando-a da circulação na forma de
dinheiro. Se a produção, e em conseqüência também o consumo, é variada
e em massa, encontrar-se-á maior volume das mais diversas mercadorias de
maneíra ininterrupta nessa -parada, nessa estação intermedwria, em suma,
em circulação ou no mercado. Considerando-se a quantidade, acumulação
em grande escala aí significa apenas produção e conS\Jmo em grande escala.
A parada das mercadorias - sua estada nesse momento do processo,
sua existência no mercado, e não na fábrica ou na residência particular
(como artigo de consumo), mas no estabelecimento ou depósito do comer-
ciante - é apenas um momento breve no processo de sua vída. A existência
fixa e autônoma desse "mundo de bens", "mundo de coisas" é mera ilusão.
A estação está sempre cheia, mas sempre com outros viajantes. As mesmas
mercadorias (segundo a espécie) de contínuo se geram de novo na esfera de

1329
produção, estão disponíveis no mercado e são capturadas pelo consumo.
As mercadorias da mesma espécie - e não mercadorias idénticas - sempre
se detêm ao mesmo tempo nessas três estações. Se o intervalo se prolonga,
de modo que as mercadorias que· de novo saem das esferas de produção
ainda encontram o mercado ocupado pelas antigas, sucede congestão,
obstrução; o mercado fica abarrotado, as mercadorias se depreciam, há
superprodução. Assim, quando o intervalo da circulação assume existência
independente e não é mera estação do fluxo em seu movimento, quando a
existência das mercadorias na fase da circulação se patenteia um amontoa-
mento, não temos aí nenhum ato livre do produtor, nenhum objetivo ou
momento imanente vital da produção, do mesmo modo que a acumulação
do sangue na cabeça, a qual leva à apoplexia, não é um momento imanente
da circulação do sangue. O capital como capital-mercadoria (assim se mani-
festa nesta fase da circulação, no mercado) não pode imobilizar-se, só pode
ser uma pausa no movimento. Do contrário, estorva-se o processo de repro-
dução. O mecanismo todo se desorganiza. Essa riqueza material que aparece
concentrada em certos pontos é e só pode sei pequena, comparada com a
corrente contínua da produção e do consumo. Riqueza, por isso, também
segundo Smith, é a reprodução "a~l". Não traz portanto data antiga.
É sempre de ontem. Além disso, se a reprodução se interrómper ·por
quaisquer perturbações, os armazéns se esvaziam etc.; surge escassez e de
imediato se evidencia que a constância que a riqueza existente parece ter
é apenas a constância de sua reposição, de sua reprodução, a materialização
contínua do trabalho social. ·
Para o comerciante também sucede M-D-M. Até onde obtém lucro
é uma questão que não nos interessa aqui. Ele vende a mercadoria e d.e novo
compra a mesma mercadoria (da mesma espécie). Vende-a aos consumidores
e de novo a compra dos produtores. A mesma (espécie de) mercadoria
converte-se aí em dinheiro sem interrupção, e o dinheiro de contínuo se
reconverte na mesma mercadoria. Mas esse movimento apenas representa
a reprodução contínua, produção e consumo ininterruptos, pois a reprodu-
ção inclui o consumo. (A mercadoria tem de ser vendida, entrar na esfera
do consumo, para poder reproduzir-se.) Tem de desempenhar seu papel
de valor de uso. (Pois o M-D para o vendedor é o D-M para o comprador,
isto é, transformação de dinheiro em mercadoria como valor de uso.) O
processo de reprodução, por ser unidade de circulação e produção, abrange
o consumo, que por sua função é um elemento da circulação. O consumo
é por si mesmo um momento e uma condição do processo de reprodução.
Na realidade, considerando-se o conjunto, o comerciante paga a mercadoria

1330
ao produtor utilizando o mesmo. dinheiro com que dele a compra o consu-
midor. Representa o consumidor perante o produtor, e a este perante
aquele; é comprador e vendedor da mesma mercadoria. O dinheiro, desde
que se reaplique na compra, é na realidade, considerado do mero ponto
de vista formal, a metamorfose final da mercadoria do consumidor. Este
converte seu dinheiro na mercadoria como valor de'uso. Assim, essa trans-
ferência do dinheiro para as mãos do comerciante significa o consumo da
mercadoria ou, sob o aspecto formal, a transição da mercadoria da circula-
ção para o consumo. Ao comprar de novo do produtor, com esse dinheiro,
temos a primeira metamorfose da mercadoria do produtor, e isso significa
passagem da mercadoria a para o intervalo em que-ela permanece na circula-
ção como mercadoria. M-D-M, desde que seja conversão da mercadoria
-no dinheiro do consumidor e reconversão do dinheiro, cujo dono é o comer-
ciante, na mesma (espécie de) mercadoria, expressa apenas a transição
contínua da mercadoria para o consumo, pois este exige que a prateleira
que ficou vazia da mercadoria que ingressa no consumo seja suprida pela
mercadoria que provém do processo de produção e assume esse estádio.
A estada da mercadoria na circulação e sua reposição por nova merca-
doria também dependem naturalmente do tempo durante o qual as merca-
dorias permanecem na esfera de produção, e portanto da extensão de seu
tempo de reprodução, e varia com a variação deste. A reprodução do trigo,
por exemplo-, requer um ano. O trigo colhido neste outono, em 1862, por
exemplo (desde q1,1e não volte a servir de semente), tem de bastar para o
consumo de todo o âno que segue, isto é, até o outono de 1863. É lançado
de uma vez na circulação (mesmo nos celeiros do arrendatário já se encontra
em circulação) e daí absorvem-no diferentes reservatórios da circulação
- armazéns, comerciantes de trigo, moinhos etc. Esses reservatórios servem
de canais de drenagem da produção e de canais para suprir o consumo.
Enquanto neles se encontram, as mercadorias são mercadorias e por isso
estão no mercado, em circulação. Desta, o consumo anual só as retira pouco
a pouco, gota a gota. Decorrido um ano entra a reposição, o fluxo das
mercadorias que vêm depois e expulsam aquelas. Por isso, esses reservatórios
só se esvaziam aos poucos, à medida que sua reposição se aproxima. Se
resta uma sobra e se a nova colheita está acima da média, sobrevém estagna-
ção. Está congestionado o espaço que essas determinadas mercadorias têm
de ocupar no mercado. As mercadorias, a fim de haver nele espaço para

1331
todas, contraem seus preços de mercado, o que as faz fluir de novo. Se é
grande demais seu volume como valores de uso, ajustam-se ao espaço que
têm para ocupar, contraindo os preços. Se o volume é pequeno demais,
dilatam-se expandido os preços.
Além disso, mercadorias rapidamente perecíveis como valores de uso
só têm uma parada momentânea nos reservatórios da circulação. O tempo
em que se têm de reconverter em dinheiro e reproduzir-se é prescrito pela
natureza de seu va]or de uso que, se nfo é consumido diariamente ou quase,
deteriora-se e assim cessa de ser mercadoria. É que o valor de troca desapa·
rece cóm seu suporte, o valor de uso, se o desaparecimento do próprio
valor de uso n[o é um ato de produção.
Ademais, é claro que, embora aumente, com o desenvolvimento da
indústria, o volume absoluto das mercadorias armazenadas nos reservatórios
da circulação, pois produÇ!"o e consumo acrescem, o mesmo volume diminui
em relação ao total anual de produção e consumo.
Abrevía-se a transiçá'o das mercadorias da circulação para o consumo.
E precisamente pe1os motivos a seguir apresentados. Aumenta a velocidade
da reproduçfo (antes de mais nada, :sem se considerar o fator circulação):
(1) Quando a mercadoria percorre com rapidez as diferentes fases
de produçã'o, quando o processo de produçã'o se encurta em- cada fase;
isso decorre de diminuir o tempo de trabalho necessário para produzir
a mercadoria em cada uma de suas formas, e se liga portanto ao· desenvol-
vimento da divisão do trabalho, das mâquinas, ao emprego de -p~ocessos
químicos etc. (Com o desenvolvimento da química aceleram-se artificial-
mente a passagem das mercadorias de um estado de agregâçcro para outro,
sua combinação com outros corpos como no caso da tingidura, sua separa·
ção de certas matérias como se dá no branqueamento; em suma, tanto
mudanças na fonna (estado de agregaçfo) das mesmas substâncias, quanto
modificaçães a operar nelas; mas, além de tudo isso, para a reprodução
vegetal e orgânica, as plantas e animais recebem substâncias mais baratas,
isto é, que custam menos tempo de trabalho etc.) ,
(2) Seja em virtude de combinação de diferentes ramos de indústria,
de se formarem centros de produç!I'o para ramos determinados, seja pelo
desenvolvimento das comunicações, a mercadoria vai com rapidez de uma
fase para outra, ou encurta-se o tempo que dura o intervalo da estada da
mercadoria na estaÇ!"o intermediária entre uma fase de produÇão e outra,
ou se abrevia a tronsição de uma fase para outJ:a.
(3) Todo esse desenvolvimento, - tanto o encurtamento das fases de
produção quanto da transição de uma fase para outra - pressupõe a produ·

1332
ção em grande escala, a produção em massa e ao mesmo tempo na base
de muito capital constante, sobretudo fixo; da.í fluxo contínuo da produ-
ção. Isto é, não no sentido em que acabamos de observar esse fluxo, por
meio das fases de produção particulares que se sucedem e se ~ntrosam.
Mas no sentido de não ocorrerem pausas intencionais na produção. Elas
ocorrem quando se trabalha por encomenda, como !1ª oficina do artesão,
e ainda na manufatura propriamente dita (desde que esta já não esteja trans-
fonnada pela indústria moderna. Na indústria moderna, porém, trabalha-se
de acordo com a escala que o capital capacita. Esse processo não espera pela
procura, mas é função do capital. O capital prossegue sempre trabalhando na
mesma escala (se omítimos a acumulação ou ampliaçlro), com desenvolvi-
mento e acréscimo pennanentes das forças produtivas. A produção portanto
é incessante, além de ser rápida, de modo que a mercadoria depressa atinge a
forma em que pode circular. A produção aí só aparece como reprodução
constante e ao mesmo tempo se processa em massa.
Assim, se as mercadorias persistem por muito tempo nos reservatórios
da circulação - se aí se amontoam -, em pouco tempo os congestionam
pela rapidez com que se sucedem as vagas da produçlfo e pelos volumes
imensos com que afluem sem interrupção aos reservatórios. É nesse sentido
que C.Orbet, por exemplo, diz que o mercado está sempre congestionado. 118
Mas as mesmas circunstâncias que produzem essa velocidade e esse imenso
volume da produçlfo tambêm reduzem a necessidade de acumulaçã'o das.
mercadorias nesses reservatórios. Em parte - no tocante ao consumo
indumial - isso já está implícíto na circunstância de se encaixarem as
fases de produçã'o que a própria mercadoria ou seus ingredientes têm de
percorrer ..Se o carvão se produz em massa todo dia e é levado por ferrovia,
navio etc. à porta do fabricante. ntro precisa este de nenhum estoque de
carvão ou apenas de um pequeno, ou, o que dá no mesmo, se há de permeio
um comerciante, precisa este ta:o-só de estoque pouco acima do vo\ume
diário que vende e com que o reabastecem. O mesmo se dá com o fio, o
ferro etc. Mas, excetuado o consumo irulustrial, em que os estoques de
mercadorias (isto é, os estoques dos ingredientes das mercadorias) têm de
diminuir daquela maneira, o comerciante também dispõe, primeiro, da
velocidade das comunicações e, segundo, da segurança da renovação e
suprimento rápidos e contínuos. Por isso, embora o estoque de seu negócio

118. Corbet, An inqu iry inta the caums and modes of the we.alth af individuais;
or the principies of trade and speculatíon explained, Londres, 1841, pp. 115·117.

1333
cresça em volume, cada elemento dele fica menos tempo no reservatório,
nesse estado de transiçiro. Em relação ao volume global de mercadorias
que vende, isto é, em relaç!lo à magnitude da produçã'o e à do consumo,
é pequeno o volume de mercadorias dísponivel para venda, manUdo e
annazenado de contínuo em seu estoque. É diferente o que SU«de nos está-
dios menos desenvolvidos da produç!lo, quando a reproduçã:o é lenta - isto
é, mais mercadorias têm de se manter nos reservatórios da circulaçiro -, as
comunicaÇÕeS são demoradas, difíceis. as ligações; interrompem-se por isso
as renovaç6e8 de estoque, e em conseqüência é longo o intervalo entre o
esvazíamento e o reabastecimento dos reservatórios, ou seja, a renovaçãó
das disponibilidades de mercadorias. O que se passa entiro é semelhante
ao que se dá com produtos cuja reproduçiro, em virtude da natureza de seu
valor de uso, só· ocorre em prazos anuais ou semestrais, em suma, em prazos
mais ou menos dilatados.
(O algodão, por exemplo, mostra como as comunicações influem no
esvaziamento dos reservatórios. Uma vez que é contínua a circulaçâ'o de
navios entre Liverpool e os Estados Unidos - velocidade do transporte é
um fator, continuidade é outro-, n:ro se embarca o algodão todo de uma
vez. Chega pouco a pouco no mercado. (O produtor também. não quer
abarrotar o mercado de ímediato.) Em Liverpool fica nas dóéas, que já
stro por certo um reservatório da circulaçâ'o, mas niro em tal quantidade
- considerando-se o consumo total do artigo - como se o navio só viesse
da América uma ou duas vezes, depois de uma viagem sem~stral. O empre-
sário manchesteriano enche seus depósitos mais ou menos na proporção
de seu consumo ímediato, uma vez que o telégrafo elétrico e a ferrovia
tornam possível a transferência imediata do algodão para Manchester.)
Abarrotamento especial dos reservatórios - desde que não decorra
da pletora do mercado, a qual nessas circunstâncias é muito mais fácil
do que na lentidão das condições patriarcais - só especulativo, em caráter
excepcional, em virtude de queda ou alta reais ou supostas dos preços.
Sobre o decréscimo relath'O dos estoques - isto é, das mercadorias que
se encontram em circulação -, comparados com o volume da produção e
consumo, ver Lalor119 , Economist 1w, Ccrbet (depois de Hodgskin pôr as

l 19. Lalor, Moriey arid morais: a book for rhe rimer, Londres, 1852, pp. 43 e
44. (Ver O Capital, ed. DIFEL, livro 2, vol. 3., p. 143.)
120. The Economist, semanário de questões econômicas e políticas; periódico
da grande blllgUesia industrial, publicado em Londres. Circula. desde 1843.

1334
citações correspondentes). Sismondi errou ao ver nisso (examinar sua obra)
uma círcunstância lamentável. 121
(Acresce por certo que há expansão permanente do mercado, e à
medida que diminui a duração do intervalo em que a mercadoria se encontra
no· mercado, aumenta o flu.xo no espaço, ou seja, o mercado se amplia no
espaço, e um raio cada vez mais longo delimita a periferia em relação ao
centro da esfera de produção da mercadoria.) ,
Está ligado ã velocidade da reprodução ou é outra 'expres&!io dela
o modo célere de consumo em que se mudam as roupas brancas e os casacos
tão rapidamente quanto as opiniões e não se veste durante dez anos o
mesmo ~saco etç. O consumo é cada vez mais contemporâneo da produção,
isto é, depende cada vez mais do trabalho presente, coexistente, mesmo o
dos artigos cujo valor de uso por natureza não requer isso. (Uma vez que é
de fato troca de trabalho coexístente.) E isso na mesma medida em que o
trabalho pretérito se torna fator cada vez mais importante da produçã"o,
embora esse próprio passado seja sempre recente e apenas relativo.
(C,onsidere-se quanto a manutenção de estoque se liga à escassez da
produção: enquanto o gado com muita dificuldade atravessa o inverno,
não há carne fresca nessa estação. Logo que a criação de gado supera essa
fase, cessa por si mesmo o armazenamento que surgira dos sucedâneos
da carne fresca: a carne salgada ou defumada.)
Só quando o produto entra em círculação, torna-se mercadoria. A
produçã:o dos produtos como mercadoria, a círculaç!o portanto, amplia-se
extraordinariamente com a produção capitalista pelos seguintes motivos:
( l) Produç{fo. em massa: a quantidade, a magnitude imensa produzida
não guarda portanto relação quantitativa com as necess!dades do produtor;
na realidade é puro acaso se ele é consumidor de quantidade ínfima de seu
próprio produto. Só ·acontece consumi-lo em massa quando produz parte
dos ingredíentes do próprio capital. Em contraposiça'o, em fase histórica
anterior, só o excedente do produto sobre o consumo próprio torna-se
mercadoria - ou isso é por certo a ocorrência principal.
(2) Egpecializaçiio do produto em relaç!o inversa com a variedade
acrescida das necessidades. Isso acarreta que ramos de produçãb antes
ligados entre si cada vez mais se separem e se tomem autônomos - em

i2r. Sismondi, Etudes rur l'économie politklue, vol. l, Bruxelas, 18.31, pp. 49 e
seguintes.

1335
suma, o acréscimo da divisi.ro do trabalho dentro da sociedade -, ao que
ainda acresce a criaçã"o de novos fa!IlOS de produção e a multiplicação das
espécies de mercadorias. (Sobre o assunto ver também Wak-efield, no final,
depois de Hodgskin.) Essa diversificação, diferenciação de mercadorias se
manifesta de duas maneiras. Primeiro, as diferentes/ases do memw produto,
os correspondentes trabalhos auxilíares (trabalhos portanto relativos a ingre-
dientes etc.) se cindem em ramos de trabalho diversos, independentes uns
dos outros; ou diferentes fases do mesmo produto se transformam em
diferentes espécies de mercadorias. Mas, segundo, enquanto trabalho e
capital se liberam (ou trabalho e produto excedente), descobrem-se, em .con-
trapartida, novas aplicações úteis do mesmo valor de uso; surgem, em
virtude da transformação (1), novas necessidades (por exemplo, a necessi-
dade de comunicações mais rãpidas e universais, ligada ao emprego do vapor
ã indústria) e por isso novas maneiras de satisfazê-las; ou descobrem-se
novas aplicações úteis do mesmo valor de uso, ou novas matérias-primas ou
novos métodos (como, por exemplo, galvanoplastia) para obter de outra
maneira substâncias já conhecidas· 'etc. Tudo isso reduz-se ao seguinte:
sucessivas fases ou condições de um único produto se convertem em dife-
rentes mercadoria~ Críam-se, transfonnados em mercadorias; nmos produ-
tos ou novos valores de uso.
(3) Trans/ormaçfio da maíorill da poprifaçfio em trabalhadores assa-
lariados, que antes consumiam certa quantidade de produtos em condições
de economia natural.
(4) C.OmerSllo do arrendatárío em capitalista industrial (portanto,
da renda fundiária em renda fundiária em dinheiro; em geral, conversa-o
de todos os pagamentos em produtos (tributos etc., renda fundiária) em
pagamentos em dinheiro). Em geral, exploraçlío hldustriàl da terra, com
o que suas condições de produçã'o químicas ou mecânicas, mesmo sementes
etc., adubos etc., gado etc., est!io sujeitas ao processo de troca e não se
confmam à própria estrumeira, como dantes.
(S) Mobilízaçllo, na forma de mercadorias, de uma massa de bens
antes "inalienáveis" e criação de formas de propriedade consistentes apenas
em papéis circulantes. De um lado, alienação da propriedade da terra. (As
massas, por não disporem de propriedade, consideram a habilitação, por
exemplo, mercadoria.) De outro, ações de empresas ferroviárias, em suma,
todas as espécies possíveis de ações. '

1336
d) Hodgskin contra a concepção de os capitalistas "'armazeruirem
meios de subsistência em favor do. trabalhador; sua incom-
preensão no tocante às causas reais da fetichização do capital

Voltemos a Hodgskín. ,-
Por "armazenamento" do capitalista em favor -do traballiador ruro se
.pode naturalmente entender que as mercadorias na transição da produção
para o consumo se encontram nos reservatórios da circulaçlfo, em circulação,
no mercado. Isso significaria que os produtos circulam por amor ao traba-
lhador e por esse amor se tornam mercadorfa:s; em geral sucederia por amor
a ele a produção dos produtos como mercadorias.
Com qualquer outro dono de mercadoria, o trabalhador tem em
comum a necessidade de converter de início em dinheiro seu trabalho, a
mercadoría que vende - de fato, embora não na forma -, seu trabalho,
a fim de reconverter esse dinheiro em mercadorias para consumir. É meridia-
namente claro que nl'o podem existir divisão do trabalho (desde que baseada
na produçã'o de mercadorias), trabalho assalariado e em geral produção
capltalista, sem que tanto os meios de consumo quanto os de produçã'o
sejam encontrados no mercado como mercadorio.s, e que é. impossível
esse modo de produçã'o sem circulaçã'o de mercadorias - estada das merca-
dorias nos reservatórios da circulação. Pois só na circulaçã"o o produto é
mercadoria no verdadeiro sentido. Que o trabalhador tenha de encontrar
seus meios de .subsistência na forma de mercadorias é tão certo para ele
como para qualquer outra pessoa.
Além disso, -o trabalhador enfrenta o comerciante mio como o faz
com o capitalista, mas como o dinheiro enfrenta a mercadoáa, como o
comprador, o vendedor. Não se dá aí a relaçã'o entre trabalho assalariado
e capital, a não ser que se trate dos próprios trabalhadores do comerciante.
Mas, mesmo quando compram deste, nã'o o enfrentam como trabalhadores.
Só ocorre isso quando a compra é do comerciante. Deixemos portanto
esse agente da circulaçtfo.
No tocante ao capitalista industrial vejamos a composição de seu
estoque, de sua acumulação de mercadorias:
Primeiro, o capital fixo - construções, maquinaria etc., que o traba-
lhador não consome ou só os consome por meio do trabalho, industrial·
mente, para o capitalista, e que constituem para ele meios de trabalho e não
meios de subsístêncil<. Segundo, matéria-prima e matérias auxiliares, cujo
estoque, como vimos, diminui quando não entra de imediato na produção.

1337
Também aí não há meios de subsistência do trabalhador. Esse "armazena-
mento" do capitalista para os trabalhadores significa apenas que aquele faz
a cortesia de lhes tomar a propriedade das condições de trabalho e de fazer
desses meios de trabalho (que em si mesmos são mero produto transformado
do trabalho deles) instrumentos de exploia.r o trabalho. Seja como for, os
trabalhadores, ao utilizarem os meios de trabalho, as máquinas e as matérias-
primas, não vivem delas. Terceiro, as mercadorias que o capítalista industrial
mantém no depósito, no armazém, antes de entrarem em circulação. São
produtos do trabalho e não meios de !>Ubsistência acumulados para sustentar
o próprio trabalho durante a produção.
Por conseguinte, o "annazenamento" de meios de subsistência de
parte do capitalista para o trabalhador significa apenas que o primeiro
tem dinheiro suficiente para pagar o salário, o dinheiro com que o trabalha·
dor pode retirar seus bens de consumo dos reservatórios da circulação (e
readquire parte de seu próprio produto, se considerarmos a classe trabalha·
dora em sua totalidade). Mas esse dinheíro é apenas a forma transmutada
da mercadoria que o trabaJhador vendeu e forneceu. Nesse sentido, meios
de subsistência estão para ele "armazenados" como o estio para seú capita-
lista, que também compra bens de consumo etc. com dínheir~ (a fonna
transmutada da mesma mercadoria). Esse dinheiro pode ser ·mero signo
de valor e portanto nã"o precisa de ser representante "de trabalho prévio",
mas só exprime nas mãos de quem for o preço realizado não~de trabalho
préterito -(ou de mercadoria antiga) e sim de trabalho ou mercadbrfa con-
temporâneos que vende. O dinheiro tem mera existência formal. 122 Ou
o "armazenamento" significa uma vez que também em ·modos de produ-
çãQ anteriores o trabalhador tem de comer e durante a produção tem de
consumir, sem depender do espaço de tempo exigido pela produçã'o de seu
produto - que o trabalhador primeiro tem de converter o produto de
seu trabalho em produto do capitalista, em capital, para então recuperar
parte dele na forma de dinheiro, a título de pagamento.
O que interessa a Hodgskín nesse processo (no processo em si não
importa de fato se o que o trabalhador recebe é produto de trabalho con-
temporâneo ou prévio; se recebe produto de trabalho paralelo ou seu
p1óprio produto anterior) é isto:
Grande parte, a maior parte dos produtos consumidos diariamente
peJo trabalhador, produtos que tem de consumir, esteja ou na-o pronto seu

122. Ver MEW, vol.. 13 (Zur Kritik der Políti:chen Oekonomie), p. 34.

1338
próprio produto, ruio sâ'o de modo algum trabalho l1J71UlZenado de tempo
anterior. ~o antes, em grande proporção, produtos de trabalho feítos no
mesmo dia, na mesma semana em que o trabalhador produz sua mercadoria,
É o que se dá com o pão, a carne, a cerveja, leite, jornais etc. Hodgskin
poderia ter acrescentado que são em parte os produtos de trabalho futuro,
pois o trabalhador, com os salários que junta durante .6 meses, compra um
casaco que só é feito no fim desses 6 meses etc. (Vimos que a produção toda
pressupõe reprodução simultânea dos ingredientes que nela ·entram e dos
produtos nas diferentes formas de matéria-prima, semifabricados etc. Mas
todo capital fixo supõe traballio futuro para sua reproduç!o e para a de
seu equh·alente, sem o qua1 não se pode reproduzir.) Durante o ano, diz
Hodgskin (em virtude da maneira de reproduç::ro do trigo, da produção das
matérias-primas vegetais etc.), o trabalhador precisa, até certo ponto, contar
com trabalho anterior. (O que se disse não se pode aplicar, por exemplo,
a uma casa. Ouando o valor de uso por natureza só se desgasta pouco a
pouco, nfo se destina à destruição mas ao desgaste lento, não resulta de
uma açfü especial, inventada em favor dos trabalhadores, a circunstância
de se encontrar no ..mercado" produtos dessa espécie, de trabalho anterior.
O trabalhador também já morava antes que o capitalista "armazenasse" para
ele tocas fétidas e mortíferas. {Sobre o assunto ver Laing 123 .) ) (Abstraindo
da quantidade enorme de necessidades cotidianas, imperiosas sobretudo
para o trabalhador, que quase só pode satisfazer as necessidades do dia a
dia, vimos que e~ gera] a produçlio e consumo se tornam cada vez mais
contemporâneas, isto é, considerando-se a sociedade globalmente, o con-
sumo de todos apoia-se cada vez mais na produçã'o simultânea ou antes
nos produtos da produção simultânea.) Mas, se as operações se estendem
por vários anos, o trabalhador tem de contar com a própria produção, com
trabalhadores atuais e futuros, produtores de outras mercadorias.
O trabalhador tem de encontrar os meios de subsistência como merca-
dorias no mercado (os "serviços" que compra são por sua natureza mesma
gerados no momento em que são adquiridos), relativamente portanto,
como produto de trabalho antecedente, isto é, trabalho que antecede a
existência desses meios como produtos, mas de modo nenhum antecede
seu próprio trabalho com cujo preço compra esses produtos. Podem ser
produtos contemporâneos e o são de ordinário para quem vive do dia a dia.

123. Laing, National distreu; its ca11:ser and remedies, Londres, 1844, pp. 149-
154. (Ver O Capital, ed. DIFEL, livro 1, vol. 2, p. 764, nota l lS).

. 1339
Ponderando-se tudo, o "armazenamento" dos meios de subsistência
para o traballiador pelo capitalista vem a dar no seguinte:
( 1) a produça:o de mercadorias pressupõe que a pessoa encontre no
mercado, como mercadorias os artigos de consumo que ela própria não
produz. ou que as mercadorias sejam em geral produzidas como mercadorias;
(2) na realidade, a maior parte das mercadorias consumidas pelo
trabalhador, na forma final em que o confrontam como mercadorias, sã'o
produtos de trabalho simultâlleo (portanto, de maneira nenhuma armaze..
·nadas pelo capitalista);
(3) na produção capitalísta são produzidos pelo próprio trabalhador
os meios de subsistência e os meios de trabalho: estes confrontam-no como
capital constante e aqueles como capital variável; essas condições de pródu-
ção aparecem como propriedade do capitalista; sua transfer_ência do traba-
lliador para o capitalista e a recuperação pelo primeiro de parte de seu
produto ou do valor dele recebem o nome de "armazenamento" de capital
circulante para o trabalhador. Os meios de subsistência que o trabalhador
tem sempre de consumir antes de seu produto estar pronto, tornam-se
capital circulante porque o trabalhattor, em vez de ele mesmo diretamente
comprá-los ou pagá-los com o valor de seu produto passado ou com o valor
antecipado de seu produto futuro, tem antes de receber do. capitalistà um
direito de haver - dinheiro; apenas o produto pretérito, .futuro ou presente
do trabalhador dá ao capitalista o poder de estabelecer esse dire,ito de haver.
Hodgskin trata aí de demonstrar a dependência do trabalhador do
trabalho coexistente de outros trabalhadores em face de sua dependência
do trabalho pretérito,
(I) para suprimir o "fraseado do armazenamentoº;
(2) porque "trabalho presente" se opõe a capital, e "trabalho prévio",
ao revés, é sempre considerado pelos economistas como capital por natu .
. reza, forma de traballio alienada, hostil ao próprio trabalhador e dele
independente.
Mas é em si mesmo de grande importância conceber em toda a ampli·
tude a significação do trabalho simultâneo em relaçio ao trabalho prévio.
Hodgskin chega assiin ao seguinte:
Capital ou é mero nome e dissimulação ou nada expressa; a relaçio
social do trabalho de um com o traballio coexistente de outro, e as conse-
qüências, os efeitos dessa relação são atribuídos às coisas em que consiste
o chamado capital circulante. Apesar de a mercadoria existir como dinheiro,
sua realizaçã'o em valores de uso depende do traballio contemporâneo. (Um
ano inteiro de trabalho é por si mesmo trabalho contemporâneo.) S6 parte

1340
diminuta das mercadorias que entram no consumo imediato das mercadorias
é o produto de mais de um ano, e quando o são, como gado etc., requerem
cada ano trabalho renovado. Todas as operações que exigem mais de um ano
dependem de produção anual contínua,

"O que capacita o capitalista a surtentar e em· conseqüência empregar


outroi trabalhadores é o comando que tem sobre o trabalho de CW'to
numero de homens e Jllo a circunstância de pO$SUir ·um estoque de
mereadorias" (p. 14).

O dinheiro, porém, dá a qualquer um "o comando" sobre "o trabalho


de. certo número· de homens", sobre o trabalho realizado nas mercadorias
e sobre a reprodução desse trabalho. nesse sentido, portanto, sobre o pró·
prio trabalho.
O que "se armazena" de fato n:ro como substância morta mas como
algo vivo é a habilidade do trabalhador, o nível de desenvolvimento do
trabalho. (Todavia, o estádjo de desenvolvimento, em dado tempo, da
produtiVidade do trabalho donde se parte compreende a aptidão, a capaci-
dade do trabalhador e tambem os meios materiais que esse trabalho criou
e renova todo dia (Hodgskin não destaca isto, porque, em face da concepça:o
grosseira dos economistas, importa-lhe acentuar o sujeito, o subjetivo no
sujeito, por assim dizer, em oposiçã:o ao objeto).) Isso é o verdadeiro
fator primordial, o ponto de partida, e esse fator ê o resultado de um pro-
cesso de desenvolvimento. Acumulação aí é assimilação, conservação con-
tínua e ao mesmo tempo transformação do já transmitido, realizado. É dessa
maneira que Darwin faz.da "acumulação" por herança o princípio propulsor
da formação dos organismos, plantas e animais, de modo que os próprios
organismos diferentes se formam por "acumulaçílo" e sa'o apenas ..inven·
ções", invenções gradualmente acumuladas dos seres vivos. Mas esse não
é o único fator primordial da produção. Para os animais e as plantas. o
fator primordial é a natureza que lhes é externa, isto é, tanto a inorgânica
quanto suas relações com os outros animais e plantas. O ser humano, que
produz em sociedade, também encontra uma natureza já modificada (e em
especial fatores naturais convertidos em meios de sua própria atividade) e
determinadas relações dos produtores entre si. Essa acumulação é em parte
resultado do processo histórico, e em parte, para o trabalhador individual,
transmíssão de habilidade. Nessa acumulaçfo, diz Hodgskín, nenhum capital
circulante desempenha papel algum para a maioria dos trabalhadores.
Mostrou Hodgskin que "o estoque de mercadoria.s" (meios de subsis-

1341
tência) "em disponibilidade" é sempre pequeno em relação à totalidade do
consumo e da produção. Em contraposição, o nível de habilidade da popu-
lação disponível é sempre a precondição da produção em sua totalidade,
portanto, a acumulaçli'o principal da riqueza, o resultado mais importante
recebido do trabalho antecedente, mas resultado que existe no próprio
trabalho vivo.

"Todos os efeitos usualmente atribuídos à acumulação de capital circu-


lante decorrem da actJmulação e 11r11111zOlllmento de trabalho qualifica-
do, e es$a operação de importância máxima se efetua, no tocante à
grande massa dos traballta3ores, sem capital círculante algum" (p. 13).

Comenta a afürnaÇio dos economistas, de que o número dos traba-


lhadores (em conseqüência, o bem-estar ou a miséria da populaçã'o traba-
lhadora existente) depende da massa existente do capital circulante, o que
faz. com acerto:

"O número de trabalhadores tem de depender todo o tempo da quarttí-


dade de capital circulante; óu. como se deveria dizer, da quantidade dos
produtos de trabalho coeximnte que os trabalhadores tê_m pemús$ii()
paza consumir" (p. 20). ·

O que se atribui ao capital circulante, a um estoque de mercadorias, é


o efeito do "trabalho coexistente". Noutras palavras díz portanto Hodgskin:
os efeitos de detenninada forma social do trabalho sã"o imputados à coisa,
aos produtos desse trabalho; a relação mesma se prefigura em forma reifi·
cada. Vimos que essa é uma característica específica do trabalho dependente
da produção de mercadorias, do valor de troca, e que esse qüiproquó se
manifesta na mercadoria, no dinheiro (o que Hodgskin nli'o vê) e com
potência mais alta no capital. 124 Os efeitos das coisas como momentos
materiais do processo de trabalho lhes são atribuídos no capital, como se
os possuíssem em sua personificação, em sua independência em relação
ao trabalho. Cessariam de ter esses efeitos, se cessassem de se comportar
dessa fonna alienada em confronto com o trabalho. O capitalista como
capitalista é mera personificação do capital, essa criação do trabalho em
oposiçli'o ao trabalho, dotada de vontade própria e personalidade. Hodgskin

124. Marx, Zur Kritik der Politischen Oek011omie (ver MEW, voL 13. pp. 21·
24, 34, 35, 130 e 131.)

1342
concebe isso como ilus~'o puramente subjetiva, atrás da qual se esconde
a impostura e o interesse das classes exploradoras. Não vê que o modo de
representaçlio surge da própria relação rea1, esta não expressa aquela, mas
ao contrário. No mesmo sentido dizem os socialistas ingleses: ''Piecisamos
do capital, não dos capitalistas". Mas, suprimindo-se o capitalista, as condi·
çCíes de trabalho deixam de ser capital

** *
(O "Verbal observer", Bailey, e outros assinalam que "valor, va1eur"
expressam um atributo das coisas. Na origem exprimem de fato apenas o
valor de uso das ·coisas para os homens; as respectivas qualidades que as
tornam úteis ou agraüáveis para os homens etc. Conforme a natureza das
coisas, "valor, valeur, Wert", no domínio etimológico, não podem ter outra
procedência. O valor de uso expressa a relação natural entre coisas e ser
humano, de fato a existência das coisas para os homens. O valor de troca é
um significado inserido mais tarde - com o desenvolvimento social que o
criou - na palavra valor' que tinha o sentido de valor de uso. É a existêncía
soeial das coisas.

Sâmtcrito: "Wert - cobrir, proteger. e por conseguinte respeítar, honrar,


amar, estimar. Daí deriva o adjetivo Wertas - excelente, respeitável;
wairths, gótico; wert, 11lem(fo antigo; weorth, wordh, wurth, anglo·
saxão: worth, worthy, inglês; waard, waarding, holandês; werth, alemã·
nico; wertas (lituano), respeitável, precioso, caro, estúnável. Wertis,
sânscrito; virtus, latim; waírthi, gótico; werth, gennânico" (Chavée,
Esmi d'~tyrno!ogle phtlosophique, Bruxelas, 1844, p. 176).

O valor da coisa é na realidade sua própria virtude, enquanto seu va1or


de troca em nada depende de suas qualidades objetivas.

Sàm;crito: "Wal - cobrir, fortificar; em latim, vallo, valeo, vallus - abri·


gado e fortificado; valor ê a própria Corça." Dai voleur, vahl.e. "Comp.atat
Wal com o germânico wa/le, walte e com o ingUs wall, wield" (1.c.,
p. 70.))

* * *
Hodgskín chega entã:o ao capital fixa. Ê força produtiva produzida e,
em seu desenvolvimento na indústria moderna, é instrumento que o traballio
social criou.

1343
No tocante ao capital fixo:

"Todos os instrumentos e máquinas são o produto do trabalho" (p. 14).


"Niio repõem a despesa de sua produção quando são apenas o resultado
de trabalho prévio, e os trabalhadores não os empregam nos respectivos
usos... A maioria deles perde valor com a permanência na ociosidade...
o capital ru:o deriva sua utilidade não do trabalho prévio e sim do traba-
lho atual, e traz lucro para seu dono não por ter sido annazenado, mas
porque é meio de obter comando sobre o trabalho" (pp. 14, 15).

Por fim, concebe-se aí com acerto a natureza do capital.

"Que produção gera instiumento s depois de construídos? Nenhuma.


Ao contrário, começam a enferrujar ou a deteriorar-se, a não ser que o
trabalho os utilize ou aplique" (p. 15).
"Qualificar ou não um instrumento de capital produtivo depende total-
mente de que o empreguem ou nã'o trabalhadores produtivos" (pp. 15,
16).
"f'. fácil de compreender por que... ao construtor de estradas caiba
receber parte dos benefícios que só vão para os usuários; mas não com-
preendo por que todos esses benefícios afluam para a própria estrada e
deles se aproprie uma série de pessoas que não a constroem nem a utili-
zam, a título de lucro por seu capital" (p. 16).
"A utilidade imensa da máquina a vapor nã'o depende do ferro e da
madeira armazenados, mas do conhecimento prático e_ vivo das forças
naturais, o qual capacitam alguns homens a construí-la_ e outros a manejá-
la,, (p. 17). .
"Sem conhecimento não poderiam" (as máquinas) "ser _inventadas, sem
habilidade e destreza nro poderiam ser construídas, e- sem. habilidade e
trabalho não poderiam ser empregadas produtivamente. Conhecimento,
habilidade e ti:abalho são os únicos fatores que podem servir de funda-
mento ao capitalista para exigir uma participação,rto produto" (p. 18).
"Depois de ter herdado o saber de várias gerações e vivendo congregado
em grandes maSSlls, fica" (o ser humano) "capacitado, por faculdades
mentais, a completar o trabalho da natureza" (1.c.).
"A atividade produtiva de um país não depende da quantidade mas da
qualidade do capital fixo ... Capital fixo como meio de alimentar e man-
ter seres humanos depende por completo, quanto à sua eficácia, da
atividade do trabalhador, e em conseqüência a atividade produtiva de
um país, no tocante ao capital fixo, está na razão do conhecimento e da
habilidade da população" (pp. 19, 20).

e) Juro de juro; a justificativa do decréscimo da taxa de lucro

"Um rápido exame basta para evidenciar que o lucro simples não decres-
ce, mas acresce com o progresso da sociedade. Isto é, a mesma quantidade

1344
de trabalho que em período anterior produzia 100 quarten de tJ:igo e
100 máquinas a vapor, produzirá agora um pouco mais... De fato acha-
mos que hoje, neste país, número de pessoas bem maior que antes vive
de lucro, na opulência. Contudo, é claro que nenhum trabalho, nenhuma
força produtiva, nenhum engenho e nenhuma arte podem satisfazer as
exigências esmagadoras dos juros compostos. Mas toda poupança se faz
da renda" (isto é, do lucro simples) "do capitalista, de modo que na
realidade aquelas exigências se apresentam dé maneira constante, e a
força de trabalho também de maneira constante se recusa a satisfazê-las.
Por isso chega-se sempre a uma espécie de equilíbrio" 125 (p. 23).

Um capital de 100 a 10%, por exemplo, darfa em 20 anos, se o lucro


se acumulasse sempre, cerca de 673, digamos 700, uma vez que aí um pouco
mais ou um pouco menos não altera a questão. O capital portanto ter-se-ia
setuplicado, em 20 anos. Nessa escala, o juro, se fosse apenas simples, teria
de dar por ano 30% em vez de 10%, lucro três vezes maior, e quanto mais
aumentássemos a série de anos, tanto mais subiria a taxa de juro ou a taxa
de lucro, calculada a juro simples por ano, e tanto mais rapidamente quanto
maior se torna o capital.
Mas, na realidade, a acumulaçã'o capitalista nada mais é que recon-
versão de juro em capital (uma vez que aqui, para nosso objetivo, o de
nosso cálculo, lucro e juro são idênticos. Isto é, juro composto. Hoje,
um capital é 100; produz 10 de lucro (ou juro). Acrescidos ao capital,
temos 110, que agora é o capital. O juro deste não é apenas o juro de 100
e sim juro de lOOc + lOj. Juro composto, portanto. Assim, ao fim do
segundoano(lOOc + lOj) + lOj + lj = (lOOc + lOj) + llj = 121.
Este é então o capital no começo do terceiro ano. No terceiro ano chegamos
a(lOOc + lOj) + Llj + 121/lOj,demodoqueaofimdesseanoocapital
é de 133 1/10.

125. Imediatamente explica Hodgskin o que entende por "uma espécie de


equilíbrio": "Os capitalistas permitem aos trabalhadores terem os meios de subsistên-
cia porque não podem abrir mão do trabalho, e com extrema generosidade contentarn-
se em arrancar-lhes a última partícula do produto que não seja necessária a esse propó-
sito", isto é, o de assegurar o mínimo de salário em termos físicos.

1345
Temos:

Capital luros Soma

, ~~·m~iro ano 100 10 110


Segundo ano 100 + 10 110 10+1' 121
(O sinal 'designa
· juro de juro)
Terceiro ano 100 + 20 + 1 121 10+2'+1'/10 133 1/10
Quarto ano 100 + 30 + 3 1/10 133 1/10 10 + 3 31'/100 146 41/100
QuintQ ano 100 +4-0 + 6 41/100 146 41/100 10+4/641'/1000 161 51/1000
etc.

No segunda ano o capital inclui 10 de juros (simples).


No capital inserem-se de juros ·
no terceiro ano, 21;
no quarto ano, 33 1/10;
no quinto ano, 46 41/100;
no sexto ano, 61 51/1000;
no sétimo ano, 77 1561/10000;
no oitavo ano, 94 87 171/100000;
no nono ano, 114 358881/l000000
No nono ano, portanto, mais da metade do· capita.l já consiste em
juros, e assim a parte dele constituída por juros cresce em progressão geomé-
trica.
Vimos que em 20 anos o capital setuplicou, enquanto a população de
acordo com as suposições "extremas" de Malthus só pode duplicar-se em
25 anos. Mas admitamos que duplique em 20 anos, e em conseqüência
a população trabalhadora. Se se igualassem todos os anos, o juro teria de ser
de 30%, três vezes maior do que é. Mas com igual taxa de exploração, a
população duplicada em 20 anos (e durante grande parte desses 20 anos,
a nova geração nâo tem capacidade de trabalhar e dificilmente a terá na
metade deles, apesar do emprego das crianças) só podeiá fornecer 2 x tanto
trabalho quanto antes, portanto, também 2 x trabalho excedente apenas,
mas não três vezes.
Determinam a taxa de lucro (e por isso também a taxa de juro):
(1) Supondo-se invariável a taxa de exploração, o número dos traba-
lhadores ocupados, a quantidade absoluta dos trabalhadores empregados,
por conseguinte o crescimento da populaçâ'o. Embora essa quantidade

1346
aumente, sua proporçíío com a soma total do capital aplícado diminui com
a acumulação do capital e com o desenvolvimento industrial (assim, decresce
a taxa de lucro para taxa ígual de exploração). E a população não vem a
cr~scer na mesma progressão geométrica do cálculo dos juros compostos.
O crescimento da população num certo estádio do desenvolvimento indus-
trial explica o acréscimo da massa da mais-valia e do lucro, mas ao mesmo
tempo a queda da taxa de lucro.
(2) A magnitude absoluta da jornada normal de trabalho, isto é, o
aumento da taxa de mais-valia. Essa taxa pode aumentar por prolongamento
do tempo de trabalho além da jornada normal de trabalho. Contudo, isso
tem limites físicos e - em geral - limites sociais. Sem dúvida, o mesmo
capital comànda mais tempo absoluto de trabalho na mesma medida em que
trabalhadores movimentam mais capital.
(3) Se a jornada normal permanece a mesma, o trabalho excedente
pode aumentar relativamente reduzindo-se o tempo de trabalho necessário
e barateando-se os meios de subsistência que entram no consumo do traba·
lhador, à medída que se desenvolve a força produtiva do trabalho. Mas, o
mesmo desenvolvimento da força produtiva reduz o capital variável em
relação ao constante. a fisicamente impossível que o tempo de trabalho
excedente, por exemplo, de 2 homens que substituem 20, seja igual ao de
20 por meio de um aumento qualquer do tempo de trabalho excedente
absoluto ou relativo. Os 20 homens, se só trabalham 2 horas de trabalho
excedente por dia, fornecem 40 horas de trabalho excedente, enquanto
a existência inteira dos 2 homens num dia só comporta uma duração total
de 48 horas.
O valor da força de trabalho não cai na mesma proporçlfo em que
sobe a produtividade do trabalho ou do capital. Essa elevação da força
produtiva também aumenta a proporção do capital constante com o variável
em todos os ramos que nã'o produzem os meios de subsistência (direta ou
indiretamente), sem provocar alteração alguma no valor do trabalho. O
desenvolvimento da força produtiva não é unifonne. Faz parte da natureza
da produção capitalista desenvolver a indústria mais: rápido que a agricul-
tura. Isso nll'o provém da natureza do solo, mas de que este precisa de
outras relações sociais para ser explorado realmente segundo sua natureza.
A produçã:o capitalista só se dedica à terra depois de a ter esgotado e lhe
ter devastado os dons naturais, com sua influência. Aci;esce que. em relação
às outras mercadorias - em virtude da propriedade fundiária-, os produtos
da terra. são pagos mais caros, porque são reduzidos a seu valor e não aos
preços de custo. Mas constituem a parte componente príncipal dos meios de

1347
subsistência. Acresce ainda que, em virtude da lei da concorrência, se l/lO
da terra é de exploração mais cara, um "artifício" estende ess menor pro-
dutividade relativa aos restantes 9/10.
A taxa de lucro, se ficasse ~variável com a acumulação do capital,
teria na realidade de crescer. O mesmo trabalhador, enquanto o capital,
em trabalho excedente, render 10, desde que se acumule juro de juro e
assim se tome maior o capital aplicado, teria de fornecer o triplo, o quádru-
plo, o quíntuplo, com a progress!ío dos juros compostos, o que é absurdo.
A quantidade de capital que o traballiador põe em movimento e cujo
valor mantém e reproduz por meio de seu traba.lho difere muito do valor
que adiciona e portanto da mais-valia. Se a quantidade de capital é l 000,
o
e trabalho adicionado = 100, o capital reproduzido = 1100. Se a quan-
tidade de capital ê l 00 e o traba1ho adicionado = 20, o capJtal reproduzido
é 120. A taxa de lucro no primeiro caso é 10% e, no segundo, 20%. Não
obstante pode-se acumular mais com 100 do que com 20. E assim o fluxo
do capital ou sua "acumulação" avança (omitida a depreciação em virtude
do acréscimo de produtividade) na proporçã'o do peso que o capital já
possui, e nã'o na do nível da taxa de li.Jcro. Isso explica o aumento d·a acumu-
lação -·- pela quantidade - apesar da taxa declinante do lucro, não se consi-
derando que parte maior da renda (revenue), mesmo quando aquela taxa
cai, pode acumular-se com produtividade crescente do .que· com alta taxa
de lucro de produtividade menor. Taxa alta de lucro - desde que, dependa
de alta taxa de mais-valia -· é possível se a jornada de trabalho sé prolonga
muito, embora o trabalho seja pouco produtivo. É possível porque são
diminutas as necessidades do trabalhador e em comeqüêh.cia o mínimo de
salário, embora o trabalho seja pouco produtivo. À pequenez desse mínimo
corresponderá a falta de energia do trabalhador. Em ambos os casos, é lenta
a acumulação do capital, apesar da alta taxa de lucro. A população estagna,
e é grande o tempo de trabalho que o produt-0 custa, embora o salárío que
se paga ao trabalhador seja pequeno. Expliquei ·a queda da taxa de lucro,
apesar de invariável e mesmo ascendente taxa de mais-valia, pela circunstân-
cia de decrescer o capital variável em relaçã"o ao constante, isto é, o trabalho
vivo presente em relaça-ó ao trabalho passado empregado e reproduzido.
Hodgskin e o autor da obra The Source and Remedy of the National Dijfz~
culties explicam-na pela impossibilidade de o trabalhador poder correspon·
der às exigências do juro composto = acumulaçã'o do capital:

"Nenhum tiaba.Jho, nenhuma força produtiva, nenhum engenho e


nenhuma arte podem satisfazer as exigências esmagadoras dos juros

1348
compostos. Mas toda poupança se faz da renda" {isto é, do lucro simples)
"do capitalista, de modo que na realidade aquelas exigências se aprcsen-
t.am de maneiia constante. e a fo:rça de uabalho também de .naneira
constante se recusa a satisfazê-las. Por i$SO chega-se sempre a uma espécíe
de equilíbrio" (l.c., p. 23).

No sentido geral as duas coisas vêm a dar·no mesmo. Se digo que a


taxa de lucro decresce com a acumulação, porque o capital constante
aumenta em relação ao variável, isso signífica, abstraindo-se da fonna
determinada das partes do capital: o capital aplicado acresce em relaçtlo
ao trabalho empregado. A taxa de lucro cai, não porque o trabalhador é
menos explorado, mas porque se emprega menos trabalho em relação
ao capital aplicado em geral.
Por exemplo, admitamos seja a razão entre o capital variável e o
constante de 1 : 1. Assim, se o capital todo = 1 000, c = 500 e v = SOO.
Se a taxa de mais-valia for igual a 50%, ent!ro 50% de 500 = 50 x 5 = 250.
Portanto, lucro de 250 é o que dá a taxa de lucro sobre 1000 = 250/ l 000
= 25/lOO = 1/4 = 25%.
Se o .;apitai todo = 1000 e c = 750, v = 250; com a taxa de
mais-valia de 50%, 250 proporcionam 125. E 125/1000 = 1/8 = 12 1/2%.
Mas emprega-se menos trabalho vívo no segundo caso em comparação
com o primeiro~ Se supomos que o salário de um trabalhador = 25 libras
por ano, salário de 500 libras = 20 trabalhadores no primeiro caso; no
segundo, salário de 250 libras = 10 trabalhadores. O mesmo capital de
1 000 libras emprega 20 trabalhadores num caso e apenas l O no outro. No
primeiro caso, o montante do capital está para o número das jornadas
na razão de 1000: 20; no segundo, na de 1000: lO. No primeiro caso, a
cada um dos 20 trabalhadores corresponde capital aplicado (constante e
variável) de 50 libras (pois 20 x 50 = 500 x 2 = 1000). No segundo, para
cada trabalhador capital aplicado de 100 libras (pois l 00 x 10 = 1000).
Por conseguinte. em ambos os casos é a mesma a cota de capital que cons-
titui o salário de cada trabalhador.
A fórmula que apresento contém novo fundamento para explicar
por que, com a acumulação, menos traballiadores correspondem ao mesmo
montante de capital ou, o que dá no mesmo, montante maior de capital
corresponde à mesma quantidade de trabalho. Tanto faz dizer que 1 traba·
lhador corresponde a capital aplicado de 50 num caso, e 1 trabalhador a
capital de 100 no outro, portanto, só 1/2 trabalhador para 50 de capital,
ou seja, num caso 1 trabalhador para 50 de capital e no outro l /2 tra-
balhador para 50 de capital, quanto dizer que num caso capital de 50

1349
corresponde a 1 traballiador e no outro capital de SO x 2 a l trabalhador ..
Esta últúna ÍÓ[mula é a utilizada por Hodgskin e outros. Segundo
eles, acumulação significa em geral exigir juro de juro, isto é, que mais
capital corresponda ao mesmo trabalhador, e este tenha de fornecer, de
acordo com a magnitude do capital que nele se emprega, mais trabalho
excedente. Uma vez que o capital que nele se aplica aumenta na propor-
ção de juros compostos, e em contraposição seu tempo de trabalho tem
lúnite determinado que mesmo relativamente "as forças produtivas nã'o"
podem rebaixar em correspondência com as exigências desses juros com-
postos, "chega-se sempre a uma espécie de equiltbrío". O "lucro simples"
permanece o mesmo ou antes cresce. (Isto é, de fato, o trabalho excedente
ou mais-valia.) Mas é o juro composto que com a acumulaçâ'o do capital
se esconde sob a figura de juro súnples.
Ademais é evidente: se juro composto = acumulaçã'o - abstraindo-
se do lúnite absoluto da acumulação -, essa formação de juros depende
da ampJitude, da intensidade etc. do próprio processo de acumulaçao,
portanto do modo de produção. Do contrário, juro de juro é apenas apro-
priação de capital alheio (propried~de) sob a forma de juro como em Roma
e como na usura.
A idéia de Hodgskin é esta: no início, o rateio é .de 50 libras de
capital por trabalhador, por exemplo, e esse montante próporciona, por
exemplo, lucro de 25. Mais tarde, em virtude da conversão .dé uma parte
do juro em capital, repetida sucessivamente, haverá 200. libras,.de capital
por trabalhador. Se o juro anual de 50% for sempre capitalizado por com-
pleto, esse processo se efetivará em menos de 4 anos. Como o trabalhador
forneceu para um capital de 50 lucro de 25, fornecerá agora para 200 de
capítal 100 de lucro, ou seja, o quádruplo. Mas isso é impcssível. Para
isso teria de trabalhar o quádruplo, isto é, 48 horas por dia se no início
trabalhava 12, ou o valor do trabalho teria de reduzíMe à quarta parte em
-..'irtude do desenvolvimento da produtividade do trabalho.
O trabalhador, com jornada de trabalho = 12 horas, e salário anual
= 25 libras, fornecendo 25 libras de lucro por ano, tem de traballiar para o
capitalista tanto quanto. trabalha para Si. Isto é, 6 horas. A metade da jor-
nada. Se tiver de fornecer l 00, terá de trabalhar 4 x 6 hora~ para o capita-
lista no período de 12 horas, o que é absurdo. Admitamos se prolongue a
jornada de trabalho para 15 horas, mesmo assim nâ'o poderá fornecer
24 horas em 15. E menos ainda 30, o que seria necessário, uma vez que
24 horas sso para o capitalista e 6 para ele. Se trabalhasse a jornada inteira
para o capitalista, só poderia fornecer 50, dobrar apenas o juro, isto é, 50 de

1350
lucro para 200 de capital, quando para 50 fomecía 25. No último caso, taxa
de lucro de 50%. No primeiro, de 25%. Mas este caso é impossível, uma vez
que o trabalhador tem de viver. Não importa que aumente a produtívidade,
se o valor de 12 horas, como no exemplo acima, for de 75, o de 24 horas
será de 2 x 75 = l 50. E uma vez que o traballiador tem de viver, nunca
poderá fornecer lucro de 150, menos ainda de 200. Seu trabalho excedente
é sempre {)aTte da jornada, do que entretanto de modo nenhum se segue,
como pensa Rodbertus126 , que o lucro nunca poderá ser igual a 100%.
Nunca pode ser igual a 100%, calculado sobre a jornada inteira de trabalho
(pois ele mesmo está incluído nela), mas sem dúvida pode ser igual a 100%
em relaçlfo à parte paga da jornada.
Consideremos lucro de 50%- do exemplo acima:

C•pital Tua de Ta.><a de


Mais-valia
constante variável mais-valia lucro
25 25 25 100% 50%

Aí a metade da jornada é o lucro = J /3 da totalidade.


Se o trabalhador desse 3{4 da jornada, teríamos:

Capital Taxa de Taxa de


Mais· valia
cons-tante variável mais-valia lucro
25 12 1/2

Capital totál .
"
37 1/2 37 1/2 300% 100%

Na base de 100:

Capital Taxa de Taxa de


Mais-valia
comtante vadável mais-valia lucro
66 2/3 33 1/3

Capital total
100 100 300% 100%

126. Ver vol. 2. pp. S18, 519.

1351
Examinemos mais.de perto o que pode estar implícito nessa concep· ·
ção segundo a qual a taxa de lucro cai porque no decurso da acumulação
não representa lucro simples (portanto, a taxa de exploração do trabalhador
não decresce, mas, como diz Hodgskin, aumenta) e sim lucro composto,
e o trabalho não tem condições de se ajustar às exigências do juro composto.
Antes de mais nada observar que é mister determinar isso de maneira
mais precisa para se captar algum sentido. Considerado produto da acumu-
lação (isto é, da apropríaça:o de trabalho excedente) - e essa idéia é necessá·
ria com relaç!o à . totalidade da reproduçlro - todo capital é composto de
lucro (ou de juro, com o sentido de lucro e nâ"o de juro propriamente).
Se a taxa de lucro portanto é de 10%, temos aí ..juro de juro", lucro de
lucro. E não se conceberia como, em termos econômicos, se poderia dfferen·
çar, seja como for, ·1 O sobre 100 de 11 sobre 11 O. Resultaria assim que
também nlfo é possível "lucro simples" ou pelo menos que também o lucro
simples tem de cair, porque esse lucro simples na realidade se formou como
o composto. Se se focaliza a coisa de maneíra mais estrita, isto é, com
relação ao capital que dá juros, o juro composto devoraria o lucro e mais
que o lucro; e que o produtor (capitalista ou não) tenha de pagar aopresta-
mista juro de juro, coincide com a circunstância de ter de 1h,e ·pagar, no
decurso do tempo, além de lucro, parte de seu capital.
Primeiro, portanto, observar que a concepção de Hodgskin só tem um
sentido quando se supõe que o capital cresce mais rápido que a p9pulaça:o,
isto é, a populaçfo trabalhadora. (Mesmo o crescimento desta'é relativo.
Decorre da natureza do capital sobrecarregar de trabalho parte da população
trabalhadora, e pauperizar o resto.) Se o crescimento dá populaçlfo acom-
panha o do capital, niro haverá ra7..ã'O alguma por que não possa com 800
libras obter de 8x trabalhadores o trabalho excedenten 7 que com 100
libras consigo extrair de x trabalhadores: 8 x 1OOc nã"o exige de Sx traba-
lhadores mais 1'28 do que IOOc de x trabalhadores. Dissolve-se aí portanto o
argumento de Hodgskin. (Na realidade as coisas se comportam de outra
maneira. Se a populaçw cresce no mesmo rítmo do capital, não obstante,
o desenvolvimento capitalista acarreta que parte da população se torne
supérflua, porque o capital constante se expande às custas do capital variá·
vel.)

127. Isto é, a mesma taxa de trabalho excedente.


128. bto é, taxa maior de trabalho excedente.

1352
( "F.m relaçã"o ao trabalho importa fündamentalmente se" (os bens,
mercadorias) "são distribuídos de modo a causar ofata maior ou menor _
de trabalho; se são distribuídos por serem condições de trabalho ou para
beneficiarem a ociosidade" (An Inquiry into those Principles, re:pecting
the Nature of Demand etc., Londres, 1821, p. 57 ). "Número crescente de
seres humanos ocasiona ofezta crescente de trabalho" (l .c., p. 58). "Não
poder comandar tanto trabalho quanto antes também s6 importa quando
esse trabalho não produza mais que ante$. Se p trabalho se tomou mais
produtivo, nã'o se restringirá a produção, mesmo que o volume ex~tente
de mercadorias conwnde menos trabalho que ante~"' (l .c., p. 60).

(É o que diz contra Malthus. Na verdade nâ'o se restringirá a produção,


mas a taxa de lucro. Essas expressões cínicas onde se afirma que um "volu-
me de mercadorias comanda trabalho", encerram a mesma desfaçatez que
se encontra na explicação do valor de Malthus: comando da mercadoria
sobre trabalho, expJicaça:o bem adequada ã natureza do capital e que a esta
assentá como uma luva.)
Contra West observa com acerto Hodgskín:

"O autox de Es1t1y on the AppUcatú:m of Capital to Land diz que se dá


mais para. o trabalho quando o capital aetesce o mab rápido possí\lel,
o que... sucede quando o lucro do capital for muito alto. 'Quanto mais
alto o lueto', aciescenta ele, 'tanto mais alto o salário.' O eno aí con·
siste nu falta de uma ou duas palavras. 'Quanto maiox tenha sido o
lucro do capital, tanto maior serd o salário' ... O lucro alto e o salálio alto
não são simultâneos; não acontecem na mesma transação; um se opõe
ao outro e o reduz a certo nfveL No mesmo estilo poder·se·ia argumentar
que 'a oferta de uma mercadoria é mais rápida quando o preço é mais
alto; por isso, oforta volumosa e alto preço andam juntos.' Confundem-se
aí cau~ e_ efeito" (l.c., pp. 100, 101).)

A proposição de Hodgskin por isso só tem sentido se mais capital -


por meio do processo de acumulação - vem a ser posto em movimento
pelo mesmo trabalhador, ou se cresce o capital em proporção ao trabalho.
Jsto é, se o capital, por exemplo, era 100 e mediante acumulação passa a
110,· e o mesmo trabalhador que proporcionava mais-valia de 10 tem de
fornecer 'mais-valia de I 1, de acordo com o crescimento do capital, juro
de juro. Desse modo, nio é apenas o mesmo capital que antes pusera em
movimento e que depois é reproduzido para dar o mesmo lucro (lucro
simples); mas o capital que amplía com seu trabalho excedente e a que
tem de fornecer o trabalho excedente para o capital original (ou seu valor)
e ainda para seu próprío trabalho excedente acumulado, isto é, capitalizado.
E uma ~ez que esse capítal aumenta todo ano, o mesmo trabalhador teria
de fornecer cada vez mais trabalho.

1353
Mas, de modo geral, empregar-se mais capital por trabalhador só é·
possível:
Primeiro. Mantida a mesma produtividade do trabalho, se o trabalha-
dor prolongar sua jornada absoluta, por exemplo, trabalhar 15 horas em vez
de 12, ou se trabalhar com maior intensidade, executando em 12 horas o
trabalho de 15; em 4 horas o de 5, ou em 4/5 de hora o de 5/5. Uma vez
que está determinado o número de horas em que reproduz seus meios de
subsistência, verifica-se aí um ganho de 3 horas para o capitalista como se
aumentassse a produtividade do trabalho, quando na realidade acresceu
o trabalho e não a produtividade. Se essa intensificação do trabalho fosse
geral, o valor das mercadorias teria de cair de acordo com o menor tempo
de trabalho que custam. Esse grau de intensidade do trabalho tornar~se-ia
o grau médio, qualidade natural. Todavia, essa intensificação, se ocorrer
apenas em determinados ramos, corresponderá a trabalho composto, traba-
lho simples potenciado. Nesse caso menos de uma hora intensiva monta a
tanto quanto uma hora extensiva e outorga o mesmo valor. 119 Assim, por
exemplo, no caso acima, 4/5 de hora é tanto quanto 5/5 ou uma hora.
Ambos, a extensão do tempo de trabalho e o aumento do trabalho
por meio de maior intensidade, pela compressão por assim dizer dos poros
do trabalho, têm seus limites (embora os padeiros de Londres por exemplo
façam regularmente uma jornada de 17 horas, se não. mais), limites bem
determinados, físicos, e o juro de juro - o lucro composto.·~· c~ssa, uma
vez atingidos esses limites.
Dentro de tais limites vigora o seguinte:
Se o capitalista nada paga pela extensão ou intensifícação do trabalho,
aumenta a mais-valia (também o lucro, se não varia o valor do capital
constante, uma vez que supomos permanecer o mesmo modo de produça:o);
(nessa condição) seu lucro terá aumentado com mais rapidez que seu capital.
O capitalista não paga trabalho necessário pelo capital adicionado.
Se paga pelo trabalho excedente segundo a mesma taxa anterior, a
mais-valia crescerá na proporção em que o capital se tiver ampliado. O lucro
cresce mais rápido. Pois há rotação mais rápida do capital fixo, enquanto
as máquinas não se desgastam em proporção correspondente à intensidade
maior com que são utilizadas. Redução do dispêndio em capital fixo, pois,
para 200 trabalhadores que trabalham ao mesmo tempo são necessárias mais
máquinas, edificações etc. do que para 100 que trabalham jornada mais
longa. Também menos contramestres etc. (Para o capitalista, a situação mais

129. Ve1 O Capital, ed. DlFEL, livro 1, vol. l, pp. 467 e 468.

1354
agradável, que lhe permite contrair ou expandir sua produção, sem pertur-
bações, de acordo com as condições do mercado. Ademais, aumenta seu
poder, porque à força de trabalho ocupada em excesso corresponde um
exército de reserva desocupado ou semi-ocupado, e assim acresce a concor-
rência entre os trabalhadores.)
Embora nesse caso não se ·altere a pura relação quantitativa entre
trabalho necessário e trabalho excedente - e esse é o único caso em que
ambos podem crescer de maneira uniforme -, a exploração do trabalho,
apesar disso, terá crescido, tanto por prolongamento quanto por intensifi-
cação (compactação) da jornada, desde que esta ~o seja ao mesmo tempo
reduzida (como o foi pela lei das dez horas). O trabalhador encurta a dura-
ção de sua força de trabalho, esgota-a em proporção muito maior que
. aquela em que aumenta o salário, e se torna ainda mais intensamente peça
de máquina. Mas, além disto, se vive talvez 20 anos com a jornada normal,
e com outra apenas 15, venderá o valor de sua força de trabalho, num caso,
em 15 anos e, no outro, em 20. Num caso tem ela de se repor em 15 anos
e, no outro, em 20.
Um valor de 100 que dura 20 anos se repõe com o pagamento anual
de 5%, pois 5 x 20 = 100. Um valor de 100 que dura 15 anos se repõe
com o pagamento anual de 6 10/15% = 6 2/3%. No caso considerado,
porém, o trabalhador só recebe das 3 horas extras o equivalente em valor
diário de sua força de trabalho, calculado na base de 20 anos. Suposto
que trabalhe 8 horas de trabalho necessário e 4 de trabalho excedente,
recebe de cada hora 2/3, pois 12 x 2/3 = 8. E do mesmo modo recebe
duas das três horas extras. Ou 2/3 de cada hora. Mas isso é apenas o valor
de sua força de trabalho por hora, no pressuposto de durar 20 anos. Se a
vender durante 15 anos, sobe o valor dela.
Antecipação do futuro - antecipação real - só ocorre em geral na
produção da riqueza no tocante ao trabalhador e à terra. Em ambos, o
futuro pode ser na re.aJU:lade antecipado e devastado por extenuação e
esgotamento prematuros, pela perturbação do equilíbrio entre o que rece-
bem e o que dão. É o que sucede com ambos na produção capitalista. No
tocante à chamada antecipação e com referência, por exemplo, às dívidas
públicas,·observa Revenstone com acerto:

"Ao pretenderem deslocar as despesas do presente para o futuro, ao argu-


mentarem que é possível sobrecarregar a posteridade para satisfazer as
necessidades da geração hodierna, sustentam o absurdo, isto é, que se pode
consumir o que ainda não existe, que é possível alimentar-se de provisões
eujas sementes ainda não foram lançadas à terra" (Ravenstone, 1. e., p. 8).

1355
"A sabedoria toda de nossos estadistas se i-eduz a uma grande tmnsfe·.
rência de propriedade de uma classe de pessoas para outra, a criar um
enorme fundo em benefício da especulaç!o e do peculato" (1.c., p. 9).

O que sucede com o trabalhador e a terra é coisa bem diferente. O


que deles se despende existe como potência, e pela maneira foryada desse
dispêndio encurta-se a duração da vida dessa potência. Por fim, o capitalista
é compelido a pagar pelo tempo extra mais do que pelo tempo nonnal de
trabalho, e de acordo com o dito acima isso de modo nenhum eleva o salá~
rio, mas apenas - e é raro que o pagamento a mais chegue a tanto - com·
pensa o valor acrescido pelo tempo extra. Dever.se-ia pagar melhor toda
hora de .trabalho e não só o tempo extra, quando se trabalha tempo extra,
a fim de se pagar o desgaste mais rápido da força de trabalho.
De qualquer modo, portanto, existe ai exploração maior do trabalho.
Ao mesmo tempo, com a acumulaçã'o do capital ocorre, seja como for,
decréscimo da mais-valia e também diminuição da taxa de lucro, desde que
esta diminuíçãO não seja compensada pela economia em capital constante.
Esse, por conseguinte, um caso em que, com acumulação do capital
- com a entrada do lucro composto -, a taxa de lucro tem de.diminuir.
Se era 10% para o capital de 300 (a primeira dose) e 6% para· o acréscimo
de 100, será então 36% para 400. Assim, em conjunto será 9% para 100.
E caiu de 10% para 9%.
Mas - como já foi dito - além de certo ponto, o lucro' do capital
adicional nessa base (invariável a produtividade- do trabalho) teria não ~
de cair, mas de cessar, e por conseguinte de paralisar.se a acumulação
inteira apoiada nesse lucro composto. Nesse caso, o decréscimo do lucro
se liga à exploração acrescida do trabalho, e o lucro cessa em certo ponto
não porque o trabalhador, ou outrem, recebessse seu produto inteiro, mas
porque é fisicamente impossível trabalhar além de certa duração da jornada
ou aumentar a intensidade do trabalho além de certo grau.
Segundo. O único outro caso em que, invariá,yel o número de traba·
lhadores, mais capital cabe a cada um, e se pode por isso utilizar, despender
capital adicional para exploraç:to acrescida do mesmo número, ocorre
quando aumenta a produtividade do trabalho, muda o método de produçilo.
IS80 ocasiona mudança na relaçã"o orgânica do capital constante com o
variável. Ou o acréscimo do capital em relaçã:o ao trabalho é aí idêntico
ao acréscimo do capital constante em relação ao capital variável e, em geral.
à quantidade que este emprega de trabalho vivo.
Aí a concepçlro de Hodgskin reduz.se à lei geral que expus.

1356
O valor excedente, a exp1oraç!ío do trabalhador, aumenta, mas ao
mesmo tempo cai a taxa de lucro porque o capital variável diminui em
face do constante, porque a quantidade de trabalho vivo em geral decresce
em relaç!ío ao capital que o põe em movimento. O capitalista apropria-se
de parte maior do produto anual do trabalho sob a rubrica de capital, e de
parte menor sob a rubrica de lucro. .
( Dai o reverendo Chalmers imaginar que, quanto menor o mont.ante
do produto anual despendido pelos capitalistas como capital, tanto maior
o lucro que absorvem; 130 para isso lhes dá ajuda a "Igreja Oficíal", cuidando
do con$Umo do produto excedente em vez de capitaliú-lo. O execrável
reverendo confunde causa e efeito. Aliás, o montante do lucro com taxa
menor cresce à medida que aumenta o éapital despendido. Ademais, aumen-
ta a quantidade dos valores de uso que essa proporção menor representa.
Todavia, isso ao mesmo tempo requer centralização do capital, uma vez
que agora as condições de produção exigem o emprego de capital em massa .
.E tem como conseqüência absorção dos capitalistas menores pelos grandes,
a "expropriaçã'o do capital" dos primeiros. Vemos de novo, embora noutra
forma; as condições de trabalho se dissociarem do trabalho {pois os capita-
listas menores ainda empregam muito seu próprio trabalho; o trabalho do
capitalista está geralmente na razão inversa da magnitude de seu capital,
isto é, da dirnensã"o em que é capitalista. Esse processo levaria com rapidez
a produção capitalista ao estádio final, se, ao lado da força centrípeta,
tendências paralisantes, que. não serão expostas aqui - a matéria pertence
ao capítulo sobre a concorrência dos capitais - não atuassem sempre
descentralizando de novo), dissociação que constitui o conceito do capital
e da acumulaçtío primitíva, e depois aparece como processo permanente
na acumulação do capital e aqui se configura por fim na centralização em
poucas mtros, de capitais já existentes, e na circunstância de muitos serem
despojados do capital.)
A circunstância de o decréscimo (relativo) da quantidade de trabalho
não ser compensado pela produtividade acrescida, ou de a proporção do
trabalho excedente com o capital aplicado não subir na mesma proporção
do decréscimo relativo da quantidade de trabalho aplicado, decorre de o
desenvolvimento da produtividade do trabalho só reduzir em determinados
ramos do capital o valor do trabalho, o trabalho necessário, e de essa produ-

130. Chalmers, On politícaJ economy in connexíon with the moral state and
moral prospectr of soclety, 21' ed., Glasgow, 1832, pp. 88, 89. (Ver O Capital, ed.
DIFEL, livro 3, vol. 4, p. 283.)

1357
tividade, mesmo nesses ramos, nâO se desenvolver de maneira uniforme,·
além de sobrevirem causas paralisantes; por exemplo, os próprios traba-
lhadores, embora nã'o possam· iqlpedir a compressão do salário (segundo
o valor), não se deixam comprimir ao mínimo absoluto e, ao contrário,
forçam alguma participação quantitativa no progresso da riqueza geral.
Mas esse crescimento do trabalho excedente ainda é relativo, dentro
de limites determinados.. Se correspondesse às exigências do juco composto,
o tempo de trabalho necessário, nesse caso, teria de reduzir-se a O, domes-
mo modo que. no caso antes observado, o tempo de trabalho excedente
teria de expandir-se sem limites.
A ascensã'o e queda da taxa de lucro - enquanto determinadas
por ascensfo ou queda de salário, decorrentes da relaç1ío entre oferta e
procura,131 ou decorrentes da ascensão ou queda temporárias do preço
dos meios de subsistência em confronto com o dos bens de luxo, ocorridas
em virtude daquela variação da oferta e procura e da ascenSãO ou queda do
salário por ela ocasionadas - têm tio pouco que ver com a lei geral da
ascensão ou queda da taxa de lucro quanto a ascensão ou queda dos preços
de mercado das mercadorias em geral têm que ver com a determinação do
valor delas. Tratar-se-á disso no capítulo sobre o movimento real do salário.
Se a relação entre a oferta e a procura é favorável aos tra,baihadores, e o
salário sobe, é possível (mas de modo nenhum necessário) que se elevam
por isso temporariamente os preços de certos meios de subsistênc.ia, i>obre-
tudo dos alimentos. Sobre o assunto observa com acerto o autor da obra
lnquiry into those Principies etc.:

Nesse caso haverá "acréscimo da procura dos meios de subsistência em


proporção à dos bens supérfluos, em confronto com a proporção que
teiia e.ir.istido entre essas duas espécies de procura, se" (o capitalista)
"tivesse exercido aquele poder de dispor para obter coisas para o próprio
consumo" (o poder de dispor das mei:cadorias). "Meios de subsistência
trocar-se-ão por mais coisas em geral.•. E pelo menos em parte esses
meiosserl!O alimentos" (l.c.,p. 22). ·

A seguic apresenta de maneira correta o ponto de vista ricardiano:

"Seja como for, pOitanto, o preço acrescido do trigo não era a causa
original daquela ascenslo de salário que fez o lucro C3ir, mas, ao
contrário, ascensão do salário foi no início a causa do preço acrescido

131. Oferta e procura no mercado de trabalho.

1358
do trigo, e a natureza do solo, que rende proporcionahnente cada vez
menos com a intensificação do cultivo, tornou permanente parte daquele
acréscimo de preço, impediu que se desse uma rMçáo completa em
virtude da lei da populaçã'o" (1. e., p. 23).

Hodgskin e o autor da obra The Source and Remedy etc., ao explica·


rem a queda do lucro pela impossibilidade de o trabalho vivo ajustar-se às
ex.igências do 'juro composto", embora n:ro tivessem aprofundado a análise,
estão muito mai-; próximos da verdade que Smith e Ricardo, que explicam
a queda do lucro pela ascensã'o do salário: um, pela ascensão do salário
real e do nominal; o outro, pela a&censão do nominal, a que corresponde
antes decréscimo do salário r~. Hodgskin e todos esses opositores que
defendem a causa proletária com o senso comum destacam o fato de ter
crescido, com o desenvolvimento do capital, o número proporcional dos
que vivem do lucro.

f) O caráter social do trabalho e a relação entre capital e


trabalho. segundo Hodgskin

Agora, ainda algumas frases conclusivas de Hodgskin em Labour


defended etc.:
Considera o valor de troca do produto, isto é, o trabalho contido
11ll mercadoria, como trabalho social:

"Quase todo proàuto da arte e da habilidade resulta de trabalho coletivo


e combinado ."

(Este o resultado da produção capitalista.)

"O homem depende tanto do homem, e essa dependência acresce tanto


ao avançar a sociedade, que dificilmente o trabalho de um único indiví-
duo. . . ierâ a menor valia, se não constituir parte do grande trabalho
sociaL"

(Citar essa passagem, e então ressaltar que só na base do capital a


produção de mercadoria.$ ou a produção dos produtos como mercadorias
se torna geral e atinge a natureza do próprío produto.)

1359
" •.. Onde que.r que se introduza a divisã'o d.o trabalho intervêm o julga- .
mento de outros bomens antes de o trabalhados poder realizar o salário,
e nio há mais coisa alguma que possamos chamar de remuneração natural
do trabalho individual. Cada trabalhador iJ produz parte de um todo, e,
por não ter cada parte valor ou utilidade por sí mesma, mio existe coisa
alguma de que o trabalhador possa apoderar-se e dizer 'este é meu pro·
duto, e reservarei isso para mim mesmo'. Entre o inícío de uma operação
conjunta, como a de produzir pano, e a divisão de seu produto pelas
diferentes pessoas cujos esforços combinados o produziram., o julgamento
de seres humanos tem de interferir várias vezes, e a questfü é: quanto
desse produto coletivo deve ir para cada um dos indivíduos cujo trabalho
conjunto o p10duziu" (p. 25).
"Só sei um meio de resolver essa questão: deixllr a decisá'o por conta do
julgamento livre dos próprios trabalhadores" (L e.).
"Tenho de acrescentar que é duvidoso seja urna espécie d.e trabalho.rnab
valiosa que outra. Nenhuma, por certo, é mais necessária que outra"
(p. 26).

Por fim diz Hodgskin sobre a relaçtio com o capital:

"Chefes s.ro trabalhadores do mesmo modo que seus openú:ios. Nesse


papel, seu interesse é o me~o de seus homens. Mas sá'o também capita··
listas ou agentes do capitalista, e nesse ponto seu intei:esse se opõe deci-
didamente ao interesse de seus trabalhadores" (1. c., p. 21).. • '
"A difusão ampla da educação pelos que trabalham n_a indústria deste
país reduz diaxiamente o valor do trabalho e dll hal'iilidade de quase
todos os chefes e .superintendentes, aumentando o número de pessoas
que possuem seu conhecimento especializado" (p. 30). · .
"O c11pitalíat11 é o intermediário opressor no meto dos diferentes trabalha·
dores." Se o excluímos, "fica evidente que.capital, ou poder de empregar
trabalho, e trabal,hó coexistente sll:o a mesma coisa.,Capital produtivo e
trabalho r,ualijrcado também são ll mesma coisa. Em conseqüência,
capital e populaçKo trabalhadora são a r.ígo1 sinônimos. No sistema da
natureta, a boca se une às mfos e à inteligência" (p. 33).

O modo de produção capitalista desaparece com a forma de alienaçã'o


q~e os diversos elementos do trabalho social assumem em contraposição
reciproca e. que se configura no capital Esse, o resultado das idéias de
Hodgskin.

* **
AáimulaçO'o primitiva do capital Abrange centralizaçã'o das condições
de tr~baiho. As condições de trabalho passam a ter existência independente
em relação ao trabalhador e ao próprio trabalho. Esse ato histórico = gênese
histórica do capital. É o processo histórico de dissociação que transmuta as

136.0
condições de traba1ho em capital e o trabalho em trabalho assalariado.
Assim se estabelece o fundamento da produção capitalista.
Acumulação do capital na base do próprio capital, isto é, também
da relação do capital com o trabalho assalariado. Em escala cada vez maior
reproduz a riqueza material com existência dissociada do trabalho e deste
independente.
Concentração do capital. Acumu.laçã'o dos grandes capitais pela
destruição dos pequenos. Atraçã'o. Expropriação do capital alojado nos
elos intermediários entre capital e trabalho. O que temos aí é apenas o
último estádío e a forma final do processo que transforma as condições
de trabalho em capital, em seguida reproduz o capital e os capitais em
-escala ampliada, por fim; separa de seus proprietârios os capitais formados
em muítos pontos da sociedade, centralizando-os nas mãos de grandes
capitalistas. Com essa forma extrema de contradição e conflito, a produ-
Ção, embora em forma alienada, se converte em social. Trabalho social
e no processo real de trabalho aplicação coletiva dos instrumentos de
produção. Como funcionários do processo que ao mesmo tempo acelera
essa produção social e em conseqüência o desenvolvimento das forças
produtívas, os capitalistas se tornam supérfluos enquanto fruem as rendas
em nome da sociedade e se enfatuam como proprietários dessa riqueza
social e comandantes do trabalho social. Espera-os sorte semelhante à
dos senhores feudais cujos direitos, à medida que seus serviços se tornavam
supérfluos ·. :m a ascensã"o da sociedade burguesa, se converteram em
mera~ pre gativas anacrônicas e irracionais, o que os levou à ruína.

g) Hodgskin formula teses fundamentais em seu livro Popular


Political Economy

Th. Hodgskin, Popular Political Economy. Four Lectures delivered


at the LondonMechanics lnstítution, Londrns, 1827. ·

"'Trabalho fácil é apenas habl1idade transmitida" (p. 48).


"Uma vez que todas as vantagens derivadas da divisão do trabalho se
concentram naturahnente nos trabalhadores e lhes pertencem, se lbes são
tiradas é se r.om o desenvolvimento da sociedade só se enriquecem·pela
habilidade acrescida do& trabalhadores aqueles que nunca trabalham; essas
condições têm de decorrer de apropriaçfo injusta, de usuqiaçifo e r.oubo

1361
por parte do setor enriquecido, e da submiss!o consentída por parte do
setor empobrecido" (pp. 108, 109).
"Os trabalhadores se multiplicam por certo com demasiada rapide2.
quando se compara esse aumento com a procura de seus serviços pelos
capitalistas" (1. e., p. 120).
"Malthus ressalta os efeitos que um acréscimo do número de trabalhado-
res tem no sentido de reduzir a cota que cada um recebe do produto
anual; a porçã'o deste distribuída entre eles é uma grandeza exata e
definida, de maneira nenhuma regulada pelo que produzem por ano"
(1.c., p. 126).
"Trabalho, a medida exclusiva do valor", mas "trabalho, o criador de
toda a riqueza, rnro é mercadoria" (Lc.• p. 186).

No tocante à influência do dinheiro no aumento da riqueza observa


Hodgsldn com acerto:

"Uma vez que um homem pode vendei: pequenas porções de produto


conuptível para obter o que é inconuptível, não é tentado a lançar
aquele fora; e assim o uso do dinheiro aumenta a riqueza ao impedir o
desperdício" (p. 197).
«A vantagem principal do comércio a varejo está em que a quantidade
em que as mercadorias soro .melhor produzidas não é a quantidade em
que são melhor distribuídas" (1.c., p. 146).
"A teoria relatiVa ao capital e a pratica de parar o trabalho no.°ponto em
que pode prodw:ir, além da subsistência do trabalhador, um lucro para o
capitalista, parecem opor·se às leis. naturais que regulam a produção"
(p. 238).

No tocante à acumulaçllo do capital expõe Hodgskin quase as mesmas


idéias de sua primeira obra. Todavía. para compÍetar o exame, citaremos
as passagens princípais;

"Observemos, por exemplo, o capital fixo, a posiçã'o que mais favorece


a idéia de que o capital protege a produção. Paia esse fim podemos dis-
tinguir três classe' de circunstâncias em que a acumulação do capital é
muito díferente:
(1) As mesmas pessoas o fazem e utilizam. E evidente que toda acumu-
lação, ao alcance do trabalhador, dos instrumentos que faz e utima
facilita seu trabalho. O limite dessa acumulaç(fo ê o podo do trabalhador
de /ater e utilizai" e8fe$ instrumentos. ·
(2) Fazem-no e utilil.am pessoas diferentes que dividem entre si, na justa
proporção, o produto do trabalho combinado. Um trabalhador faz e o
outro utiliza o capital; divídem a mercadoria na proporção em que cada
um conttibuiu com seu trabalho para produzi· la ... Expressaria .melhor
esse fato dizendo que, se da sociedade parte se ocupa em produzir ínstro·
mentos, e parte os utiliza, temos uma ewécie de divisão de trabalho que
contribui para a força produtiva e acresce a riqueza geral, Desde que o
produto das duas classes de tl:abal.hadores se divida entre eles, a acumu·

1362
laçâo e acréscimo desse~ instrumentos que podem fazer e utilizar são tão
vantajosos como se fossem feitos e utilizados por uma só pessoa.
(3) Os instrumentos pertencem a uma clam de pessoas que nl!:o os faz
nem os utiliza. O capitalista sendo mero dono dos inmumentos, nessa
qualidade não é um trabalhador. De maneira nenhuma contnbuí para a
produçâo"

(isto é, o que ajuda a produção é o instrumento e ni'o o direito de proprie-


dade que A tem sobre o instrumento, ou seja, a circunstância: de este perten-
cer ao nã"o trabalhador).

"Adquire "posse do produto de um trabalhador e o transfere para outro,


durante certo tempo. como sucede com a maioria das espécies de capital
fixo, ou para sempre, oorno se dá com o salário, no momento em que
ache ser de seii proveito a utili.zaç!ío ou consumo desse produto. De
posse do produto de um trabalhador, nunca permíte que, seja usado ou
C-Onsumido por outro trabalhador, a não ser em benefício de si mesmo.
Emprega ou aluga sua propriedade para participar ® produto ou da
renda (:revenue} natural dos trabalhadores; e toda acumulaçaõ dessa pro-
priedade em suas rnros significa mera expansllo de seu poder robre o
produto do trabalho e retaxda o progresso da riqueza nacíonaL B o que
sucede hoje ... Uma vez que o capitalista, por ser o proprietário de todos
os produtos. não permite aos trabalhadores fazer instrumentos. nem uti-
lizá-los, sem que obtenha para si um lucro aci.m.a do custo de sustento
dos trabalhadores, é claro que se estabelecem limites ao trabalho produ·
tivo, bem mais estreitos que os prescritos pela natureza. Na medida em
que capital se acumula nas míJós de um terceiro, aumenta o montante
de lucro exigido pelo capitalista, e assim su1ge um entrave artüícial à
produçio e ao consumo ... No estado hodierno da sociedade, por não
serem os trabalhadores em caso algum proprietários do capital, toda
acumulaçéfo de$te acresce o montante de lucro deles exigido e elimina
todo tràbalho que apenas daria ao trabalhador uma sUbsistência confor·
tál'el. , . Se se admite que trabalho produz todas as coisas, mesmo o capi-
tal, é absurdo atrib11.êr força produtiva aos instrumentos que o trabalho
faz e utiliza ... O salário n<lo fac11ita a prodµçao corno o fazem os instru·
rnentos ... Trabalho, e não capital, paga todo solária,. (1. e., pp. 243-
247).
"A maioria dos adiantamentos dos capitalistas consÍ$te em promessas de
pagar. .,
A invenção e emprego do papel·moeda revelaram que capital não é de
modo nenhum algo materiofmente poupado. Enquanto o capitalista, para
realíiar sua riqueza ou comandar o trabalho dos outros, tinha de possuir
uma acumulação real de metais preciosos ou mercadorias, pOder-se-ia
oontinuar supo.ndo que a ar:umulaça'o de ciipítal era o resultado de uma
economia atual e que desta dependia o progresso da sociedade. Mas.
quando inventaram o papel--moeda e os valores em pergaminho, e o dono
de apenas um desses pergamínhos recebU.. uma renda (revenue) anual em
papeluchos com que obtinha tudo o que fosse necessário paza seu uso ou
consumo e, sem emprego algum desses papeluchos, no fim do ano estava
mais rico que no começo, ou no próximo ano tinha direito a receber

1363
número ainda maior de papeluchos, obtendo comando ainda maior sobre
o produto do trabalho, tornou-se evidente que capital nã"o é coisa econi>-
miz.ada e que o capitalista indMd.ual não se enriquece por meio de uma
economia real e material, mas fazendo algo que o capacitou.,, a obter
mais do produto do tr:ibalho dos outl:os...
O patrão manufatureiro tem dinheiro ou papel para pagar salários. Seus
trabalhadores trocam esses salários pelo produto de outros trabalhadores
que na:o guardam seu salário consistente em dinheiro ou papel; e esse
salário retorna ao patrá'o manufatureiro, que em troca dá o pano que seus
próprios trabalhadores fizeram. Com isso volta a pagar os salários, e o
dinheiro ou papel repete o mesmo circuito ...
"Apenas-à propriedade" (do câpítalista) "atribui-se - empregue-a ele para
pagar salários ou consista ela em instrumentos úteis ...: toda essa imensa
ajuda que conhecimento e habilidade mt1terilllizados em máquina/à dã'o a-0
trabalho •.. Os trabalhos combinados do mineiro, do fundidor, do fer-
reiro, do mecânic°' do foguista e de inúmeras outras pessoas, e não as
máquinas sem vida, sãó a causa de tudo o que fazem máquinas a vapor•..
Na linguagem comum atribui-re a força produtiva defsa habilidade a
:reus produtof visfveit, os instrumentos; e destes, os meros donos, que
nunca os fazem nem os usam, imaginam-se pessoas altamente produtivas"
(pp. 248, 251).

Sua argumentação polêmica centra "o risco de expulsar o capital do


país", contra o juro do capital como estímulo necessário à i~dústria ou
sobre a teoria da poupança, é matéria para IX, 47t 3:i. _ Incluir' no
capítulo
sobre os economistas vulgares. ,

"Uma vez que a população cresce, ocon--em produção e- coniumo acres-


cidos. Isso é tud-0 o que se pode entender.pelos termos acumulaçlío ou
acréscimo da riqueza nacional" (1. e, p. 257).

h) Idéias de Hodgskin ·sobre o poder do capital e sobre a


revolução no direito de propriedade

, Hodgskin, The Naturàl and Artificial Right of Property Contrasteei,


Londres, 1832.

132. Jl.farx refere-se ao seu caderno de excertos, n. IX, escrito em 1851. A


página 47 desse caderno contém extratos das páginas 252-256 do livro de Hodgsk:in.
Popular political economy.

1364
«Atualmente, a riqueza toda da sociedade vai primeíro para as mlíos do
capitalista, e este até comprou a maior parte das terras; paga ao proprie-
tário da tem a renda fundiária, ao trabalhador o salário, ao coletor de
impostos e ao de dízimos os tributos e reser1•a p(JJ'(J si uma rota grande,
11a verdade a maior e em crescimento co11ti11uo, do produto anual do
trabalho. Pode·se dizer então que o capitalista é o primeiro ·dono da
riqueza toda da comunidade, embora nenhuma lei lhe tenha outorgado
o direito a essa propriedade" (Lc., p. 98).
"A extorsão de juro robre o capital e o procerso de jum comporto efe·
tuaram essa mudança; e admira que todos os legisla:do1es da Europa
tenham tentado evitar isso por meio de leis, de leis contra a usura" (1. c,
p. 98, nota).
"0 poder do capitalista sobre a riqueza toda do país é uma muda11ça
completa no direito de propriedade, e por que lei ou série de leis se
efetuou ela?" (1.c.,p. 99}.

4. Oposição de Bray aos economistas1:u

Bray, (J. F.), Labour's Wrongs and Labour's Remedy etc., Leeds,
1839.

"Uma vez que o trabalho é condição da existência humana, e o trabalho


supt:le instrumentos de trabalho, "o amplo espaço de toda atividade e a
matéria-prima de toda riqueza - a terra - tem de ser propriedade com~m
de todos os seus habitantes" (p. 28).
"Vida depende de alimento, alimento, de tiabalho. Essa dependência é
absoluta. Por isso, subtrair-se um ser humano ao trabalho é o que só
pode ocorrer C-Om indivíduos sob a condlÇífo de aumentar o trabalho da
massa" (p. 31).
"Toda injustiça e todo sofrimento que os seres humanos causaram ou
de que foram vítimas podem ser atribuídos à circunstância de alguns
indivíduos e classes usurparem o direito i terra, com exclusão de outros
indívíduos e classes. Se1es humanos, depois de terem exigido a proitrie-
dade da terra, deram o passo seguinte que em exigir a propriedade sobre
seres humanos"' {p. 34).

133. Marx deixou inacabado seu estudo sobre Bray, limitando-se aí areunir.os
trechos principais em que Bray se opõe aos economistas. Já em 1847, em Misérfa da
Filoso/'111 (ver MEW, vol. 4, pp. 98·105), faz Marx uma análiSe crítíea da teoria utópica
de Bray sobre "a igualdade na troca" como meio de eliminar a injustiça política e social
de que é vítima a classe trabalhadora. Quanto às idéias de Bray sobre a natureza e o
papel do dinheiro, ver o manuscrito de Marx, de 1847, Salário (MEW, vol. 6, p. 540)
e o manuscrito de 1857/1858 (Karl Marx, Grundrine der Kririk der politi1che11 óko·
nomie, Berlim, 1953, pp. 55, 690 e 754).

1365
Declara ter por propósito

"Combater" os economistas "em seu proprio campo e com suas próprias


armas" (para demonstrai que a miséría não tem de ser a C()ta do trabalha·
dor em todo sistema social). "Para poderem ser derrubadas as conclusões
atingidas por este método, é mister que os economistas revoguem ou
desmintam as ve1dades e p1incípíos estabelecidos em que apoiam seus
argumentos" (p. 41).
..Segundo os próprios economistas slfu necessários para produzir a
1iqueza: .0) trabalho, (2) acumulação de trabalho anterior ou capital,
e (3) trocas... " Segundo eles mesmos, aí estio as condiçõe1 unívermts
da produção. "Seu emprego estende-se à socíedade em geral, e por sua
natureza nem indivíduos nem classes podem excluir-se de sua ação"
(p. 42).
"O mandamento - trabalhru:ás - aplica~ igualmente a todas as criatu-
ras ... Só o ser humano pode eludi-lo; e de acordo com a natureza dessa
lei, só às custas de outrem pode um ser humano. escapar-lhe" (p. 43).
"De conformidade com a verdadeira natureza do trabalho e da troca
(refere-se ele aí às defíniç-Oes econômicas sobre o valor de troca das
m~cadorias), a estrita justiça exige que todo os participantes da troca
tenham vantagens redprocas e, além disso, iguais. •• Se se efetivasse um
sistema justo de troca, o valqr de todas as mercadorias seria determinado
pelo custo inteiro de produção: e valo1es iguais se trocariam sepip1e pai
valores iguais... Até agora os trabalhadores deram ao capitalista o traba-
lho de um ano inteiro em troca do valor de meio ano de trabalho.e daí
originou-se a desigualdade - existente agora à nossa volta - do poder e
da riqueza. t uma conseqüência inevitável da desigualdade da troca - da
compra a um pieÇo e da venda a outro - a circunstância de capitalistas
continuarem a ser capitalistas, e trabalhadores, trabalhadores;-' estes, uma
classe de eSCtaws, e aqueles, uma classe de tiranos, por toda a eterni-
dade" (pp. 48, 49).
"No sistema atual, além de as trocas não trazerem vantagens zecíprocas
para todas as partes, como afirmam os economistas políticos, o certo é
que na maioria das transações entre capitalista e produtor nã'o se dá
troca alguma ... Que dá o capitalista, fabricante ou proprietário da terra,
pelo trabalho dos trabalhadores? Trabalho? Nfo, pois o capitalista não
trabalha. Capital? Nã"o, pois sua riqueza disponível aume).lta sempre .•• O
capitalista nada pode trocar que seja dele mesmo. A transaçlio toda
evidencia portanto que os capitalistas e donos da terra nada maís fazem
que dar ao trabalhador, pelo trabalho de uma semana, parte da riqueza
a qual receberam dele na semana precedente, o que a rigor se reduz a
~o lhe dar coisa alguma por a]guma coisa. .. A riqueza que o capitalista
parece dar em troca do trabalho do trabalhadOI nã'o foi produzido pelo
trabalho nem pela riqueza do capitalista, mas obtida o.dgi.nalmente do
trabalho de trabalhadores e lhes é tirada todos os dias par um sistema
fraudulento de troca desigual." "A transaçt'o toda entre produtor e
capitalilita é uma fraude evidente, puta farsa" (pp. 49, 50).
"A lei que estabelece 'a necessidade de haver acumulação' é cumprida
apenas em parte e destina-se a servir aos interesses de uma classe particu-
laz em prejuízo de todo o restei da comunidade" (p. 50).

1366
"No atual sistema social, a totalidade da classe trabalhadora depende dos
capitalístas ou empregadores dos meios de trabalho; e quando, no tocan-
te aos meios de trabalho, uma classe por sua situação social depende
tanto de outra classe, também desta depende no que diz respeito aos
meios de vida; e esta é uma condiçito t<fo oposta à verdadeira intençáo da
sociedade, tão reVoltante para a razão ... que em nenhum momento se
pode desculpar ou defender. Outorga a um ser humano um poder de que
nenhwn mo.rt.al se deveria investir" (p. 52).
"Nossa experiência cotidiana nos ensina que, se tiramos uma fatia de pão.
a fatia nfo volta a crescer. O pão é apenas um conjunto de fatias e,
quanto mais dele comermos, menos dele resta. 1?. o que ,se dá com o pão
do trabalhador; mas o do capitalista 113'0 segue essa :regra. Em vez de
diminuir, cresce sempre; o capitalista lhe tira sempl'e fatias, estas porém
voltam sempre... Se as trocas fossem iguais, a riqueza dos capítalistas
a tu ais-- se transferiria gradualmente · deles· para as classes trabalhadoras;
todo xelim que o rico despendesse, deixá·lo·ia um xelim menos rico"
(pp. 54, 55).

Bray mostra aí que

"é absolutamente impossívi:t que um capitalísta tenha obtido ao menos


l 000 horas oriundas de economias feitas com o trabalho real de avós que
pertencessem ii classe trabalhadora" (p. 55).

Dos próprios ensinamentos dos economistas segue

"que nro pode haver troca sem acumulação, nem acumulaçã'o sem
trabalho" (1. c). ..No sistema atual, cada trabalhado.r dá a um emprega·
dor pelo menos 6 dias de trabalho por valor que atinge apenas 4 ou 5 dias
de trabalho, e os ganhos do segundo são necessariamente as perdas do
primeiro" (p. 56).
"Assim, a qualquer luz que se examine a gênese da riqueza, seja uma
dádiva, acumulaÇ<fo individual, troca, herança, amontoam-se as provas
de que há no direito de propriedade do homem rico um vício que lhe
tira de uma vez toda a aparencia de justiça e a validade ... Essa riqueza
toda provém dos ossos e dos músculos das classes traballll!doras durante
épocas sucessivas, e lhes foi extorquido pelo sistema fraudulento e e sera·
vi7.ador de trocas desiguais" (pp. 56, 57).
"Um trabalhador, para se tornar rico no sistema atual, terá de tornar-se
capitalista, isto é, explorar pela t1oca o t1abalho dos outros, ao invés de
trocar seu próprio trabalho; e ·a ssím, espoliando os outros como era espo-
liado, por meio de trocas desiguais, habilita-se a adquirir grandes ganhos
das pequenas peidas dos outros" (p. 57).
"Os economistas políticos e capitalistas escreveram e imprímiram muitos
livros para incutir no trabalhadoi a quimera de que 'o ganho do apíta-
lista nlo é a perda do produtor'. Dizem que o trabalho não pode dar um
passo sem o capital, que o capital é a pá para o homem que cava, que o
capital é tão necessirío quanto o propJio trabalho ... Essa dependência
recíproca entre capital e trabalho nada tem que ver com a posição 1elatín

1367
do capitalista e a dos trabalhadores, nem mostra que aquele tem de ser
mantido por estes••• O essencial para as operações do produtor é o capi·
tal e não o capitalista; entre ambos há tanta difeiença quanto a que
existe entre a carga real e o manifesto'' (p. 59).
"A relação que há entre capital e trabalho evidencia que, quanto mais
capital ou p10duto acumulado existe num país, tanto maiores serão as
facilidades da produção e tanto menos trabalho será necessário para se
obter dado" (determinado) ''resultado, Assim, o povo britânioo, com a
ajuda de sua imensa acumulação atual de capital - edifícios, máquinas,
navios, canais e ferrovias -, pode produzir, numa semana, ma.is riqueza
m_anufaturada do que podiam fazê-lo, em meio século, seus ancestrais
de há um milênio. Nã:o S1io nossas forças físicas superiores, mas nosso
capital que nos capacita a fazer ísso. Pois, onde quer qlie haja C3Jência
de capital a produção progredirá de maneira lenta, laboriosa, e vice·
versa. Essas considerações evidenciam então que o trabalho também
ganha o que quer que ganhe o capital; que todo acréscimo deste tende
a diminuir a carga daquele, e que por isoo toda perda do capital tem de
ser também perda do trabalho. Essa verdade, embora obl2!vada há muito
tempo pelos eoonomistas, nunca foi por eles ex.posta de maneira leal"
(Lc., pp. 59, 60).

(De fato, esses finórios raciocinam assim:


Produtos acumulados do trab~lho, isto é, produtos nã'o consumidos,
facilitam o trabalho e o tornam mais produtivo. Por isso, o fruto dessas
facilidades etc. tem de beneficiar nifo o próprio trabalho e sim a acumula-
ça:o. Por isso, não é a acumulação que tem de ser propriedade \iCi trabalho,
mas o trabalho é que tem de ser propriedade da acumulação, isto é; de seus
próprios produt<?s. C~lrabalhador tem portanto de acumular não para si,
mas para outrem, e a acumulação tem de lhe fazer frente como capital.
Para os economistas, o elemento material do capital se íntegra tanto
em sua forma social definida como capital - com seu caráter antagônico
como produto do trabalho que domina o trabalho -, que não podem
expressar proposiça-o alguma sem se contradizerem a si mesmos.)

"Identificaram ainda o capital com uma classe di1 comunidade e o traba·


lho com outra, ~mbora essas duas forças por natúreza nio tenham essa
conex1ío, nem devessem tê-la mediante artifício. Os economistas procu·
ram sempre subordinar o bem·estar e a mera existência do trabalhador
à condiçâ"o de o capitalista manter-se numa vida de luxo e ociosidade.
Nã"o querem que o trabalha.dor coma uma refeição antes de ter ptoduzid<i
duas - uma para si mesmo e outra para seu patrã'o -, recebendo este sua
porção de maneira indireta, por meio da troca desigual" (pp. 59, 60).
"Uma coisa, depois que o trabalhador a produz,'niío ê mais sua; pertence
ao capitalista, transfere-se do primeiro para o segundo pela magia invisível
das trocas desiguais" (p. 91).

1368
"No sistema ll'.lcial presente Sifo capital e trabalho - a enxada e o cavador
- duas forças separadas e antagônícas" (p. 60).
"Se a classe trabalhadora não existisse, mesmo que todas as terras, casas
e máquinas pertencei>Seffi aos capitalistas, estes nem por isso poderiam
eludir a grande condição - "haverá trabalho". Sua riqueza deixá-lo&-ia
entre as pontas do dilema: trabalhar ou morrer de inan.ição. Nã'o podem
comer as terras e as casas; e as ten:as mo proporcionarão 9..lbsistência
nem as máquinas farã'o roupas, sem o emprego do trabalho humano.
Por isso, quando os capitalistas ou proprietários dizem que a classe
trabalhadora tem de mantê-los, na realidade estão dizendo que os produ-
tores lhes pertencem do mesmo modo que as casas e as terras. e que o
trabalhador foi criado apenas para o proveito do homem ric.o" (p. 68).
"O produtor recebe, em troca do que dá ao capitalista, nllo ·o trabalho
nem o produto do trabalho do capitalista e sim trabalho. Por meio do
dinheiro, a classe trabalhadora é compelida n!o só a executar o trabalho
que a conservaçfo da existência naturalmente lhe impõe, mas é ainda
sobrecarregada com o trabalho para as outras classe!>. Tanto faz que os
produtores recebam oU!o ou prata ou outras mercadorias de uma classe
que não produz:: tudo isso reduz-se a que a classe trabalhadora executa
seu próprio trabalho, sustenta a si mesma e ainda executa o ttabalho do
capitalista e o mantém de quebra. Qualquer que seja a remuneração
nominal que os produtores recebam do capitalista, sua verdadeira remu-
neração é apenas a transferência da parte de seu trabalho que o capitalista
lhes tem de devolwr" (Lc., pp. 153, 154) ..
"Supomos seja a população do Reino Unido, 25000000 de habítantes.
Admitamos seu sustento anual, em média, de 15 libras por cabeça, no
mínimo. Assim temos o valor anual de 375 milhões de libras esterlinas
para a manutenção de toda a população do Reino Unido. Todavia, não
produzinios apenas artigos de subsisténcia, pois nosso trabalho gera,
ademais, muitos artigos inconsumfveis. Todo ano aumentamos nosso
fundo de a.cumulações ou capital, acrescendo o número de nossas casas,
navios, .im,1rumentos, máquinas, estradas e outros meios de facilitar a
produçf9, além de repor todo o desgaste. Assim, embora :nossa subsis-
tência teriha.apenas o valor anual de 375 milhõ'es de libras, a totalidade
do Vlllor anual da riqueza CJ:iada pelo povo não é menos de 500 milhões
de hbras" (p. Sl).
"Podemos considerar produtores efeti\>os apenas 1/4 da população ou
quase 6 milhões de homens entre 14 e 50 anos. Desse número pode-se
dizer que mal chegam a 5 milhões, nu condições presentes, os que
tomam parte na produção" (mais tarde, diz ele, 4 milhões apenas traba-
lham diretamente na produção material), "pois milhares de trabalhadores
capazes têm de ficar ociosos, enquanto o trabalho que teriam de executar
é feito por mulheres e crianças; e centenas de milhares de homens na
Irlanda não podem obter emprego de espécie alguma. Assim S milhõ"es
de homens, com a ajuda de poucos milhares de mulheres e crianças,
têm de produzír para 25 milhões" (pp. 81, 82),
"O número atual de trabalhadores, sem a ajuda das máquinas, não pode-
ria sustentar a si mesmo e o número atual de ociosos e de trabalhadores
improdutivos. As máquinas agrícolas e industriais de toda espécie, empre-
gadas na produçfo, devem executar, segundo estimativa feíta, o trabalho
de quase 100 milhões de trabalhadores em atividade... Essas máquinas

1369
e sua aplicação no sistema 'atual produziram os milhares de ociosos e de
indivíduos que vivem de lucro e que lloje e$111.e.gam os trabalhadores" (p.82).
"As máqumas fecundaram a constituiçlto atual da sociedade e vão de&-
truí·l.a. As máquinas mesmas slo bQas, são indispensáveis; o mal está no
seu emprego, na circunstância de individuos, e não a nação, sei:em seus
possuidores {pp. 82, 83).
"Dos mencionados 5 milhões de homens que contribuem para a produ·
ção, uns só trabalham 5 horas, e outros, 15 horas; e quando levamos em
conta aí a perda de tempo pela ociosidade forçada de muitos em tempos
de depress5o dos negócios, vecemos que nossa produção anual é gerada e
díst.ribuida po.r menos de 1/5 da comunidade, trabalhando em média
10 horas por dia" (p. 83).
"Admitamos que os ricos não-produtores de toda espécie, com suas
famílias e dependentes, cbeguem apenas a 2 milhões de pessoas; todavia,
só esse númeró custaria por ano à classe trabalhadora 30 milhôes de
libras esterlinas se seu sustento, corno o desta classe, atingisse a média de
15 h'bras pOI cabeça ... Mas, conforme a avaliaçf'o mais moderada, seu
sUstento não custa menos que 50 h'bra.s por rabe\a. Isso dá um total
de 100 milhões de libras como o custo anual dos meros zangões da
sociedade, oompletamente improdutivos" (pp. 83, 84).
"Acrescente-se o rendimento duplo e quádruplo recebido pelas diferentes
classes de pequenos proprietários, fa bi icantes e comerciantes, na fo.rma
de lucro e juros. Segundo .ª estimativa mais mode.rat.:a, a porç§"o de
1iqueza fruída po1 esse amplo segmento da comunidade monta a não
menos que 140 milhões de libras por ano, acima da média do que recebe
um número igual dos melhor pagos da classe trabalhadora~ .Assim, junto
com o governo, as duas classes de ociosos ç dos que·.vivem de lucro,
compreendendo talvez 1/4 da população inteira, abSC>rvem cerca de
300 milhões de libras por ano, ou mais de metade de toda a riqueza
produzida. Uma perda média de mais de 50 libras por cabeç~ para cada
trabalhador do Reino Unido ... Em média, mio resta mais que 11 libras
por cabeça por ano para sérem repartidas -pelos restantes 3/4 da nação.
Por cálculos feitos em 1815, revela-se que a remfa,(income) anual do
povo todo do Reino Unido atingia a cerca de 430 milhões de libras, das
quais a classe trabalhadora recebia 99742547 libras, e a classe do seg-
mento da renda fundiária, penSlfo e lucro, 3"30778 825 Ubras. Aproprie-
dade inteira do país foi, no mesmo tempo, calculada pelo valor aproXi-
mado de 3000 milhões de libras" {pp. 84, BS).

Ver os dados de King 134 etc.


1844: Inglaterra. População: a aJta e a pequena nobreza - 1181000;
homens de negócios, arrendatário!i etc. - 4221000 (ao todo S 402000);
trabalhadores, pobres etc. - 9567 000. Banfield (T. C.), The Organisation
of /ndustl')I, 2tl ed., Londres, 1848.

134. Ma.rx refe1e-se aos dados apresentados por Gregory King, um dos primeiros
~";tatísticos
ingleses, sob o título "Schema of the income and ex.pense of the severa!
families of England, calculated for the year 1688", em seu livro Natural and political
observations and conclusions upon the state and the condition of England. Charles
D'Avenant reprnduz esses dados em seu Uvro, An essay upon the probable methods
of making a people gainers in the balance of trade (Londres, 1699) 0/er vol. 1, p. 157.)

1370
<:apítulo )(){II
Ramsay

1. Tenta distinguir capital constante de capital variável. Con-


cebe o capital como forma social acessória

Ramsay (George) (On Triniry College), An Essay on the Distrfbution


ofWealth, Edimburgo, 1836.
Com Ramsay voltamos ã seqüência da economia política.
Para localizar o capital comercial, chama-o de "o transporte de merca·
dorias de um lugar para outro" (p. I 9). Confunde portanto o comércio com
a indústria de transportes.
Principal mérito de Ramsay:
Primeiro: estabelecer na realidade a diferença entre capital constante
e variável É o q_ue sem dúvida faz de forma que a diferença inferída do
processo de circulação enrre capital fixo e circulante é a úníca que mantém
nominalmente, mas define o capital fixo de tal maneira que abrange todos
os elementos do capital constante. Assim, por capital fixo emende nã'o só

1371
máquinas e instrumentos, edificações onde se trabalha ou se armazena o
resultado do trabalho, animais de tração e da carga, mas também todas as
matérias-primas (semifabricados etc),

"as sementes do agricultor e as matérias-primas do industrial" (pp. 22,


23). E mais, "adubos de toda espécie, cercas para a agricultura e o com-
bustível consumido nas fábricas" (l.c., p. 23).
"Capital circulante consiste apenas em meios de subsistência e outros
bens necessários adiantados aos trabalhadores antes de terem estes
concluído o produto de seu trabalho" (1.c.).

Vê-se portanto que por "capital circulante" entende apenas a parte


do capital a qual se reduz o salário, e por capital fixo, a parte que se reduz
às condições objetivas - meios de trabalho e material de trabalho. O erro,
por certo, consiste em que essa separação do capital, inferida do processo
imediato de produção, é identificada com a diferença oriunda do processo
de circulação. Isso é conseqüência do apego à tradição econômica.
Ademais, Ramsay por sua vez confunde o mero componente material
do capital fixo assim definido com sua existência como "capital". No
processo real de trabalho não entra o capital circulante (isto é, ó capital
variável); o que nele entra é o que se compra com o capital circulante,
o
o trabalho vivo que o repõe. Além disso, o que nele entra é capital cons-
tante, isto é, traballio materializado nas condições objetivas de trabalho,
o material e os meios de trabalho. Por isso diz Ramsay: ·

"Só capital fixo, e não circulante, é propriamente falando uma fonte de


riqueza nacional" (p. 23). "Trabalho e capital fixo são os únicos elemen-
tos dos custos de produção" (p. 28).

O que realmente se despende na produção de uma mercadoria é maté-


ria-prima, máquinas etc., e o traballio vivo que as põe em movimento.
O capital "circulante" é supérfluo, está fora do processo de produção.

"Se supusermos não serem os trabalhadores pagos até se concluir o


produto, não haverá oportunidade de espécie alguma para o capital
circulante. A produção teria a mesma escala. Isso prova que o capital
circulante não é um agente imediato da produção, nem mermo lhe é de
modo algum essencial, mas apenas uma estipulação conveniente que se
tornou necessária pela pobreza deplorável da massa do povo" (p. 24).
"Só o capital fixo constitui, do ponto de Vista nacional, um elemento
dos custos de produção" (p. 26).

1372
Noutras palavras: o trabalho materializado nas condições de trabalho
- material e meios de trabalho - o qual chamamos de "capital fixo", e o
trabalho vivo, em suma, o trabalho realizado, materializado e o trabalho
vivo, são condições necessárias da produção, elementos da riqueza nacional.
Em contraposição, é mera "estipulação conveniente", devida à "pobreza
deplorável da massa do povo", a circunstância de os meios de subsistência
do trabalhador assumirem em geral a forma de "capital circulante". Tra-
balho, mas não trabalho assalariado, é uma condição da produção; por-
tanto, também não é condição a circunstância de os meios de subsistência
do trabalhador lhe fazerem frente como "capital", como "adiantamento"
do capitalista. O que escapa a Ramsay é que, se os meios de subsistência
não enfrentam o trabalhador como capital (como cápital circulante, confor-
me o chama), as condições objetivas de trabalho também não o enfrentam
como "capital", como "capital fixo", conforme o designa. Ramsay procura
a sério, e não jogando com palavras como o fazem os demais economistas,
reduzir o capital a

"segmento da riqueza nacional, aplicado ou que se destina a ser aplicado


para favorecer a reprodução",

e em conseqüência qualifica trabalho assalariado e portanto capital - a


f onna social que os meios de reprodução assumem na base do trabalho assala-
riado - de algo acessório e devido unicamente à pobreza da massa do povo.
Assim chegamos aí ao ponto onde a própria economia política, na
base de sua análise, esclarece que afonna capitalista da produção e portanto
o capital não é condição absoluta e sim mera condição histórica "acidental"
da produção. Todavia, Ramsay não foi bastante longe em sua análise para
tirar as conseqüências corretas de suas premissas - a nova definição que deu
ao capital no processo imediato de produção.

2. Idéias de Ramsay sobre mais-valia e valor. Redução de mais-


valia a lucro. Influência das variações do valor do capital
constante e do variável sobre o montante e a taxa de lucro

Na verdade aproximou-se Ramsay bastante da concepção correta da


mais-valia.

1373
"Um capital circulantt. sustentará semp.re mais trabalho que o empregado
antes nele mesmo. Pois, se ná() pudesse empregar mais do que o que nele ·
mesmo se aplicou, que vantagem podlliia o proprietário auferir por usá-lo
como tal? (p. 49).
"A não ser que se queinl ·afinnar que a quantidade de trabalho que qual·
quer capital circulante empregue é apenas igual ao trabalho empregado
para produzi-lo. Isso significaria que o valor do capital despendido é
i,gual ao do produto"' (p. 52).

Isso significa portanto que o capitalista troca menos trabalho materia·


lizado por mais tr~balho vivo, e esse excedente de trabalho vivo nã:o pago
constitui o excedente do valor do produto sobre o valor do capital consu-
mido em sua produç:ro, noutras palavras, a mais-valia (lucro etc.) .. Se a
quantidade de trabalho que o capitalista paga em salário fosse igual à que
em troca recebe no produto do trabalhador, o valor do produto não seria
maior que o do capital, e nlo existiria lucro. Por mais próximo que Ramsay
aí esteja da verdadeira origem da mais-valia, está por demais preso à tradição
econômica para em seguida nã'o se perder de novo por descaminhos. Antes
de mais nada, é ambígua a maneira como explica essa troca entre capital
variável e habalh. Se tivesse disso \lffiª visão clara, nli'o incidiria em novos
equívocos. Diz:

"Capital circulante", por exemplo, ''produzido pelo traballlo de 100


homens, porá em movimento 1SO homens. Por isso; o produto nesse caso
será no fim do ano o resultado do trabalho de 150" (p. SO);·

Em que circunstâncias pode o produto de 100 home:l,lS comprar 150?


Se o salárío que um trabalhador recebe por 12 l:Íoras de trabalho
fosse igual ao valor de 12 horas de trabalho, só se poderia, éom o produto
de seu trabalho, tomar a comprar uma jornada de trabalho, e com o produto
de 100 jornadas, 100 apenas. Mas; se o valor do produto diário que dá for
igual a 12 horas de traballio, e o valor do salário que recebe for igual a
8 horas, com o valor de seu produto diário pode-se em troca obter 1 1/2
jornadas de trabalho ou l l /2 traballiadores. E com o produto de l 00 jor·
nadas poderã'o ser comprados 100 (1 + 1/2 trabalhadores ou jornadas) =
100 + 50 = 150 trabalhadores. A condiçtto portanto para o produto de
100 homens pôr em movimento 150 é a de que cada um dos 100 homens,
e em geral cada trabalhador, traballie de graça para o capitalista metade do
tempo que trabalha para si, ou a de que trabalhe gratuitamente 1/3 de sua
jornada. Em Ramsay isso nlio sobressai claramente. A ambigüidade aparece
na conclusã'o:

1374
"Por isso, o produto nesse caso serJ no fim do ano o .re$Ultado do tra-
balho de 150 homens" {p. 50).

Sem dúvida será o resultado do trabalho de 150 homens, do mesmo


modo que o produto de 100 homens foi o resultado de trabalho de 100
homens. A ambigüídade (e por certo a obscuridade apoiada mais ou menos
em Malthus) é esta: parece que o lucro viria da mera circunstância de se
empregarem agora 150 homens em vez de 100. Como se o lucro oriundo dos
150 homens proviesse agora da circunstância de 225 homens serem postos
em movimento com o produto de 150 homens (100 : 150 = 150 : 225;
20: 30 = 30: 45; 4: 6 = 6: 9). Mas não é aí que está o cerne da questão.
O trabalho que os l 00 homens forneceram é igual á x, se x é sua jornada
global de trabalho. E o salário que recebem é 2/3 x. Por isso, o valor de seu
produto = x, e o valor de seu salário = x - 1/3 x, e a mais-valia obtida às
custas dele = x/3. Se o produto total do trabalho dos 100 homens for
por sua vez despendido em salário, com ele pode·se comprar 150 homens,
cujo produto = salário de 225 homens. O tempo de trabalho dos 100 é o
tempo dê trabalho de 100 homens. Mas o trabalhe a eles pago é o produto
do trabalho de 66 2/3 homens, ou seja, 2/3 apenas do valor contido em seu
produto. A ambigüidade decorre de parecer que os 100 homens ou as
100 jornadas (em nada altera a questl!o terem as jornadas a duração de um
ano ou de um dia) forneceram 150 jornadas - um produto que contém
o valor de 150 jornadas; quando, ao contrário, o valor de 100 jornadas
basta para pagar 150 jornadas. Se o capitalista prosseguisse, como dantes,
empregando 100 homens, seu lucro permaneceria o mesmo. Como dantes
continuaria a pagar àos l 00 homens um produto igual ao tempo de trabalho
de 66 2/3 homens e embolsaria o resto. Em contraposição, se de volta aplica
o produto todo dos l 00 homens em salário, acumula e se apropria de novo
trabalho excedente, de 50 jornadas, em vez do anterior de 33 1/3 apenas.
Vê,se logo que falta a Ramsay uma compreensâ'.o clara do problema,
pois por sua vez aduz, contra a determinação do valor pelo tempo de traba-
lho, o fenômeno que ficaria "inexplicável", de a taxa de lucro ser igual para
capitais que exploram quantidade diversa de trabalho.

"O emp:rego de capital fixo altera de maneira consítlerável o


princípio de que o valor depende da quantidade de trabalho.
Pois várias mercadorias em que se despendem a mesma quanti·
dade de trabalho exigem períodos muito diversos para ficarem
adequadas ao consumo. Mas, uma vez que durante esse tempo o
capital na-o dá retribuição alguma, a fim de que o emprego em causa mfo

137,5
seja menos lucrativo que outros cujo produto está pronto mais cedo para.
.sei utilizado, é mistei que a mercadoria., ao chegar por fim ao mercado,
seja acrescida em valor pelo montante intevo de lucro retido. Isso mostra
como o capital pode determinar o valox sem dependei do trabalho"
(p. 43).

Mostra, ao contrário, como o capital determina preços médios13s sem


depender do valor do produto particular; como troca as mercadorias não
segundo o valor delas, mas de modo que uma

"aplicação não seja menos lucrativa que outra" (p. 43).

Ramsay nem deixa de reproduz.ir o argumento do "vinho na adega",


célebre desde James Mill, pois na economia política a tradiçã:o de levian.
dades é mais poderosa que em qualquer outra cíência. E assim conclui que

"capital é uma fonte de valor independente do trabalho" (p. 55).

quando no máximo poderia concluir que a mais-valia realizada pelo capital


numa aplicação particular não depende da quantidade de trabalho empre-
gada por esse capital particular.
A falsa concepção de Ramsay aí é tanto mais estrànha quando ele
apreende a base natural, por assim dizer, da mais-valià e, além disso, num
caso verífica que a distribuiÇão da mais·valia - seu nivelamento- pela taxa
geral de lucro - não acresce a própria mais-valia, ·
Primeiro, diz Ramsay: ,.

"A fonte do lucro é a lei do mundo material, e segundo ela a beneficên·


eia da natureza, quando ajudada e diri.gida pelo trabalho e habilidade dos
1tomens, dá ao trabalho da naçlfo uma retribuição tão grande que propor·
ciona um excedente de produtos acima do que é absolutamente necessá-
iio para tepor fisicamente o capital fixo consumido e para perpetuar a
raça doi trabalhadores empregados" (p. 205). ·

("Perpetuar a raça dos trabalhadores" também é um belo resultado


da produç:ro capitalista. Naturalmente, se o trabalho basta apenas para

135. Poi "preço médio" entende Marx aí o mesmo que "preço de produçã:o",
isto é, o custo de produção (e+ v) acrescido do lucro médio. Investigou arelaç!o entre
o preço e o preço médio da merca.doi:ia no vol. 2, capítulos Vfi[ e X. O tenno "preço
médio"' indica aí que se trata "do preço médio de mercaoo dw:ante um período longo
ou do centrn em tómo do qual gravita o preço de mercado" (ver vol. 2, p. 747).

1376
reproduzir as condições de trabalho e manter o trabalhador vivo, nenhum
excedente seria possível; daí nenhum lucro, nem capital. Mas o próprio
Ramsay admitiu que a natureza nada tem que ver com o fato de que, apesar
desse excedente, a raça dos trabalhadores se perpetue e o excedente assuma
a forma de lucro, e nessa base se eternize a raça dos capitalistas, pois escla-
rece que o "capital circulante'\ isto é, o salário segundo ele, o trabalho
assalariado, não é condição essencial da produçã'o e'sim mera decorrência
da "pobreza deplorável da massa do povo". Nã"o concluiu que a produção
capitaHsta "perpetua" essa "pobreza deplorável", embora admita isso ao
dizer que "perpetua a raça dos trabalhadores" e sô lhes cede o necessário
para essa perpetuação. No sentido mencionado acima pode-se dizer que a
mais-valia etc. apoia-se numa lei natural, a. produtividade do trabalho
humano em sua troca com a natureza. Mas o próprio Ramsay aponta como
fonte da mais-valia (p. 102) o prolongamento absoluto do tempo de traba-
lho e também a produtividade do trabalho aumentada pela indústria.)

"Por pouco que o produto bruto ultrapasse o que é absoluta.mente


necessário para os objetivos acima, torna-se possível a separaçá'.o de uma
renda (revenue) particular do montante global, chamada lucro e perten-
cente a outra cwse de homens" (p. 205). "A própria existência dos
patrl5es capitalistas como clasfe diuinta depende da produtividade da
indústria" (p. 206).

Segundo, acerca do nivelamento da taxa de lucro pela alta dos preços


em alguns ramos, em virtude da alta. do salário, observa Ramsay:

"A elevaÇ.ão dos preços em alguns ramos industriais, ao subir o salário,


"de maneira alguma isentava os patrões capitalistas de iedução dos lucros,
nem sequer lhes díminufa o prejufzo total, mas só servia para reparti-lo
de maneira mais equitati11a pelos diferentes grupos que formam eua
classe" (p. 163).

E se o capitalista cujo vinho é o produto de 100 homens (exemplo


de Rarnsay) vende-o pelo mesmo preço de outro cuja mercadoria é o pro-
duto de 150 homens, a fim de que "a correspondente aplícação" de capital
"não seja menos lucrativa que as outras", é claro que assim a mais-valia
contida no vinho e na outra mercadoria não aumenta, mas é tlfo-só distri-
buída por igual entre diferentes grupos de capitalistas.
Ramsay volta às exceções de Ricardo (referentes à determinação
do valor. pelo tempo de trabalho). Temos de examiná-las na parte de
nosso texto em que tratamos da transformaç[o do valor em preço de

1377
produção 136 • Concisa e precisamente a questlfo se apresenta como segue:.
suposta igual a duração da jornada nos diferentes ramos (desde que não a
compense a intensidade ou a repugnância do trabalho etc.), ou melhor,
suposto igual o trabalho excedente e também a taxa de mais-valia, só é
possível, só pode ocorrer uma variaç[o ·na taxa de mais-valia se o salário
sobe ou desce. Essa variação na taxa de mais-valia ~ ascensã"o ou queda
do salário influiria nos preços de produçã:o das mercadorias de maneira
diferente, conforme a composição orgânica· do capital. O capital em que
a parte varíável é grande em relação à constante ganhará, com uma queda
de salário, mais trabalho excedente e, com alta de salário; apropriar-se-á
de menos trabalho excedente do que os capitais em que a parte constante
é maior que a variável. Ascensão ou queda do salário portanto terlfo efeitos
opostos na taxa de lucro dos dois setores ou exercerão distúrbios na taxa
geral de lúcro. Para esta se· manter, se o salário se elevar, subirá o preço da
primeira espécie de mercadoria, e cairá o da segunda. (Sem dúvida, as
variações do salário influenciam de maneira direta cada espécie de capital,
na proporção em que este empregue muito ou pouco trabalho vivo em
relação ao total do. capital adianta,do.) Ao contrário, o preço dá primeira
espécie cairá e o da segunda subirá, se o salárío cair.
A bem dizer, isso quase nxo pertence à análise da. tiansformaçtro
original de valores em preços de produção e da formação original da taxa
geral de lucro, uma vez que aí se trata mais de saber como.um~ elevação
ou queda gerais do salário atuariam sobre os preços de produça:o regulados
por meio da taxa geral de lucro. ff esse caso tem ainda menos que ver com
a díferença entre capital fixo e circulante. Um banqueiró, um comerciante
quase só aplícam capital circulante, mas muito pouco variável, isto é, pro·
porcionalmente desembolsam pouco capital em trabalho vivo. Ao re\Tés.
Um dono de ruínas emprega muito mais capital fixo que um càpitalísta
do ramo de alfaiataria. Mas falta saber se emprega proporcionalmente a
mesma quantidade de trabalho vivo. Só porque Ricardo víu nesse caso espe·
eia], relativamente insignificante, a única diferença entre preço de produção

136. Marx refere-se à parte "Capital e lucro" que iniciou no caderno XVI do
manuscrito de 1861-1863. Confom1e revela o plano que esboçou, tencionava tratar da
"transformação dos valores em preços de produção" no capítulo segundo da parte
terceira, relativa a "Capítal e lucro" (ver vol. 1, pp. 408 e 409). A parte '•Capital e
luc10" transfonnou·se mais tarde no manuscríto do livro 3 de O Capital.
QW1nto às exceções, formuladas por Ricardo, à determinaçã"o do valor pelo
tempo de trabalho, ver voJ. 2, pp. 605-633.

1378
e valor (ou conforme sua frase errônea: exceçã:o à determinação do valor
pelo tempo de trabalho), e o formulou na fonna de diferença entre capital
fixo e circulante, só por isso transmitíU·se esse engano como dogma impor·
tante, e a rigor na forma errada, por toda a economia política posterior.
(Deve-se confrontar o dono da mina com o banqueiro e com o comerciante,
e não com o dono da alfaiataria.)

"A alia do salário é limitada pela produtMdade da indústria. Noutras


palavras, .•• ninguém pode receber pelo trabalho de um dia ou de um ano
mais do que pode produzir no mesmo tempo rom a ajuda de todas as
outras fontes de riqueza ... Sua remunezação pode ser inferior, pois parte
do produto bruto sempre se destina a repor o capital fixo" (isto é,
segundo Ramsay; capital constante, matéri.a-príma e máquinas etc.) "com
lucro"(p.119).

Misturam-se aí duas espécies de coisas. A quantidade de capital fixo


contida no produto diário nao é o produto do trabalho diário do trabalha-
dor, ou essa parte do valor do produto representada por uma parte fíSíca
do produto não é o produto do trabalho díário. Em contraposição, o lucro
é por certo uma deduçlío desse produto diário do trabalhador ou do valor
desse produto diário.
Se Ramsay não elaborou uma idéia clara da natureza da mais-valia
e singularmente se embebe por completo nos velhos preconceitos sobre a
relaçlío entre valor e preço de produção e sobre a transformaçã'o da mais.
valia no lucro médio, em contraposição inferiu conseqüência correta de sua
concepçllo de capital fixo e capital circulante.
Antes, porém, vejamos ainda:

"O valor tem de estar em proporçío não só com o capital consumido de


fato, mas também com o que permanece inalterado, em suma, com o
capital total empregado" (p. 74).

Quer dizer, o lucro, e em conseqüência o preço de produçã'o, tem de


estar em proporção com o capital total empregado, enquanto o valor eviden-
temente nã'o pode ser modificado pela parte do capítal a qual não entra no
valor do produto.
De sua concepçfo de capital f'JXo e círculante inferiu Ramsay que,
ao progredir a sociedade {isto é, a produçã'o capitalista) aumenta a parte
fixa do capital ãs custas do circulante, isto é, do desembolsado em trabalho.
A procu.ra de trabalho diminui por isso proporcionalmente com o acréscimo
da riqueza ou a acumulação do capital. Na manufatura são temporários

l379
os "males" que o desenvolvimento da força produtiva gera para o trabalha-.
dor, mas sempre se renovam. Na agricultura, especialmente quando as
lavouras se transformam em pa!.1:agens, são constantes. Resultado geral:
ao progredir a socíedade, isto é, ao desenvolver-se o capital, e aí a riqueza
nacional, esse desenvolvimento influencia cada. vez menos a situação do
trabalhador, alíás, toma-a pior relativamente, na proporçao mesma em que
aumenta a riqueza geral, quer dizer, se acumula capital ou, o que dá no
mesmo, cresce a escala da reprodução. Vê-se que essa conclusão se distancia
muito da cóncepção ingênua de A. Smith ou da apologética da economia
vulgar. Para A. Smith, a acumulação de capital é idêntica à procura crescente
de trabalho, à elevaç:io contínua de salário e por ísso à queda do lucro. Em
seu tempo, aumentou na realidade a procura de trabalho pelo menos na
mesma proporçfo em que o capital se acumulava, porque então ainda
predominava a manufatura. e a grande indústria ainda da.va os primeiros
passos.
..A ptocma de trabalho só depende" (diretamente, de imediato) "do
montante de capital círculante" (p. 87 ).

(Ramsay incíde aí em tautologia, uma vez que para ele capital .circu-
lante = capital desembolsado em salário.)

"Ao progredit a civilizaçã'o, o capital fixo do país aumenta a expensas


do circulante" (p. 89). "A procura de trabalho par isso f!âO aumenta
geralmente conforme cresc;e o capital, pelo .menos na mesma proporçã'o"
(p. 88). "Só quando o capital círculante, em virtude das novas invenções,
tiver aumentado acima do montante anterior" '

(o erro aí de novo se introduz, como se um acréscimo de meios de subsis-


tência em geral fosse idêntico a acréscimo da parte dos meios de subsistên-
cia, destinada aos trabalhadores),

"surgirá proeuta maior de trabalho. A procura· então subirá, mas nã"o em


propotção à acumulação do capital geral. Em países onde a indústria. pro·
grcdiu muito, o capital fixo aumenta cada vez niaís em relaçã'o ao círcu-
lante. Por isso, todo acréscimo do capital nacional destÍIUldo à reprodu-
ção terá M decurso do progresso social influência cada vez menor na
situação do 1Tabalhad-Or" (pp. 90, 91). "Todo acréscimo do capital rixo
se faz às cu~as do circulante", isto é, às custas da procura de trabalho
(p. 91). "O mal que provém da invençi'o de máquinas para a população
trabalhadora empregada na manufatura será provavelmente de natureza
tramitória, mas ameaça reno'iltlr--se sempre, urna vez que novos aperfeiçoa-
mentos oontríbuem de co~tínuo para eoonomiiar trabalho" (p. 91).

1380
E precísamente pelas razoes que seguem. Primeiro, os capitalistas
que usam as_ novas máquinas introduzidas fruem lucros extraordinários;
aumenta portanto sua capacidade de economizar e de ampliar o capitaL
Parte deste também é aplicada em capital circulante. Segundo, o preço da
mercadoria fabricada cai na razão do decréscimo do custo de produção;
assim, os consumidores economizam, acresce a facilidade de acumular
capital, e fração deste pode achar seu caminho na indústria manufatureira
correspondente. Terceiro, a queda no preço desses produtos acresce a
procura deles (pp. 91, 92).

"Assim, embora as máquinas possam desempregar uma quantidade consí·


derável de pessoas, seguir-se-á provavelmente; depois de um período mais
ou menos prolongado, a readmissão do mesmo número de trabalhadores
ou mesmo de número maior" (pp. 92, 93).
"Na agricultura, o que sucede é muito diferente. A procura dos produtos
agrícolas não aumenta tão rápido quanto a de bens fab~·icados ... O que
é mais fatal para a população do campo é a conver~o de terra arável em
pastagem ... Quase todos os fundos que antes rostentavam seres humanos
passam a ser investidos em gado, ovelhas e outros elementos do capital
fixo" (p. 93). ·

Ramsay observa com acerto:

"Salários e também lucros devem ambos ser considerados na realidade


parte do produto acabado, totalmente diversa, do pqnto de vista nado·
nal, do custo de produzi-la (p. 142).
"Capital fixo ... independente de seus resultados. .. é mero prejuízo ... Só
o trabalho, excluído o salário, o que por ele se paga, tem de ser comi-
derado-out,ro elemento do custo de produção. O trabalho é um sacrifício.
Quanto maiS ele se despende numa atividade, tanto menos, noutra. Se é
empregado em empreendimentos rufo lucrativos, prejudica-se a nação
com desperdício da principal fonte de riqueza. .. O pagamento do tro.·
balho nã"o constituí um elemento do custo" (pp. 142, 143).

(Idéia absolutamente certa: apresentar como elemento do valor o


trabalho, e nã'o o trabalho pago ou o salârio.)
Ramsay acerta ao descrever o processo real da reproduç!o.

"O>mo comparar o produto e o capital nele aplicado? ... Com respeíto a


urna nação inteira ... é claro que todos os diferentes elementos do capital
derpendido têm de ser reproduzido& num ou noutro ramo, uma vez que,
do contcárío, a produção do país nio poderia conthruar como dantes. A
matéria-prima das manufaturas, os instrumentos utilizados nelas e na agri·
cultura, a maquinaria ampla das primeiras, as edificações necessárias para
fabricar ou arrru;.zenat os produtos, têm de ser, todos. ítens do produto

1381
global de um país, bem como dos adiantamentos de todos os
patrões capitalistas. Por isso pode-se comparar a quantidade do·
prímelto com a do segundo, supondo-se, por assim dizer, que
cada artigo se dep.are com um similar" (pp. 137-139).

"No tocante a cada capitalista"

(essa é uma abstraçã'o errônea. A naçfo na-o existe, ou só existe como classe
capitaJista, e a classe toda opera como cada um dos capitalístas. Ambos
os modos de ver só diferem porque um enfoca o valor de uso e o isofa, e
o outro, o valor de troca), ·

"urna vez que não repiJe de m11nejra ffsica direta seus dispêndios, pois
tem de receber a quantidade maior por meio de troca, sendo certa porção
do produto necessária paxa esse fim, cada patrão capitalista passa a cuidar
muito mais do valor de troca que da quantidade de seu produto" (pp.
145, 146).
"Quanto mais o valor do produto excede o Vfllor do capital adiantado,
tanto maior será o lucro. Por is~. vai calculá-lo comparando valor com
valor e nã'o quantidade com quantidade. Esta é a primeira diferença a
observar entre nações e mdivíduos ria maneira de calcular os lucros."

(Também a naçáo, supondo-se que difere da soma de capitalistas, pode


comparar valor com valor neste nível: pode calcular o tempo total de
trabalho que lhe custa substituir a parte gasta de seu capital constante e
todas as partes do produto consumidas individualmente, e o tempo de
trnb(ilho de3pendido para produzir excedente destinado .. a ampliar a escala
de reproduç:ro.)

"A segunda diferença é que o patriio capitalista - por adirmtar sempre


salbiós ao trabalhador, em vez de lhe pagar com a mercadorÍIJ eonclu{da
- considera esse adiantamento e o capital fixo consumido parte de suas
desresas, embora os salirios não sejam, do ponto de vista nacional, um
elemento do custo." '

(Na realidade essa diferença desaparece também no processo global


da reproduçã'o. Com a mercadoria concluída, vale dizer, com a mercadoria
que o trabalhador concluiu ontem, o capitalísta sempre lhe paga o salário
amanhã' ou, na forma de salário, apenas lhe dá de fato o direito de haver
produtos a concluir no futuro ou quase produzidos, ou seja; por fim produ-
zidos no momento em que S'ão comprados. Some o adiantamento. simples
aparência da reproduçã'o, isto é, da continuidade do processo de produção.)

1382
"A taxa de lucro do capitalista dependerá por isso do excesso do valor
do produto sobre o valor do capital, fixo e círculante" (p. 146).

(Isso também vale do "ponto de vísta nacional". O lucro do capitalista


depende sempre do que ele mesmo paga pelo produto, esteja ou não con-
cluído ao pagar o salârio.)
É mérito de Ramsay, primeiro, contradizer a noção errônea, corrente
desde A. Smith, de o valor do produto reduzir-se a renda (revenue) sob
diferentes nomes; segundo, definir a taxa de lucro em dois sentidos, por
meio da taxa de salário, isto é, da taxa de mais-valia, e ainda pe1o valor do
capital constante. Mas comete pecado oposto ao de Ricardo. Ricardo quer
à força igualar a taxa de mais-valia à taxa de lucro. Contrapõe-lhe Ramsay
dupla determinação da taxa de lucro: (1) pela taxa de mais-valia (em conse-
qüência pela taxa de salárío), e (2) pela proporçâ'o dessa mais-valia com
o capital total adíantado, ou seja, de fato pela proporção do capital cons-
tante com o capital total, apresentada de maneira conceítuahnente falha
como duas circunstâncias paralelas que determinam a taxa de lucro. Não
vê a transformaçã'o por que passa a mais-valia antes de virar lucro. Portanto,
se Ricardo, com o intuito de. consumar a teoria do valor, procura reduzir
à força a taxa de lucro à taxa de mais-valia, Ramsay procura reduzir a maís-
valia a lucro. Veremos que é muito carente, ou seja, errônea a maneira
como expõe a influência do valor do capital constante sobre a taxa de lucro.

"O lucro tem de subir ou descer exatamente na mesma medida em que


desce ou sobe a proporção do produto bruto ou de. seu "'lilor, exigida
pata repor os adiantamentos nece$Sáríos... Por conseguinte, a taxa de
lucro depende de duas circunstâncias: (1) da proporçã'o do produto
global destinada aos trabalhadores; (2) da proporção que tem de ser
reservada para repor o capital fixo, seja fisicamente, seía por meio de
troca" (pp. 147, 148).

Noutras palavras, depende em conseqüência do excesso do valor


do produto sobre a soma do capital circulante e fixo; assim, da proporção
em que, primeíro, o capítal circulante e, segundo, o capital fixo estiro para
o valor do produto total. Se sabemos donde vem esse excedente, a questão
é simples. Mas, se só sabemos que o lucro depende da proporçtlo do exce-
dente sobre esses dispêndios, podemos ter as noções mais errôneas sobre a
origem -dele, por exemplo, imaginar, como Ramsay, que em parte provém
do capital fixo (constante).

1383
"Parece-me certo que uma facilídade acrescida de gerar os diversos.
componentes do capital fixo tende, por diminuir aquela proporção 1 " 7 , a
elevar a taxa de lucro, tat·como sucede no caso anterior de um retorno
ac1escido dos elementos. do capital circulante, que serve para sustentar
o trabalho" (p. 164).

Quanto ao arrendatário, por exemplo:

"Seja o produto grande ou pequeno, a quantidade que dele se requer


para répor o que foi consumido nC$sas diferentes formas não pode
passar por alteração alguma. .€ mjster considerar constante essa quan-
tidade, desde que a produçaõ proniga na memw escala. Em conseqüên-
cia. quanto maior o rendimento total, tanto menor tem de ser; desse
total, a p1opcução que o arrendatário tem de reservar para os fins refe-
1idos acima" (p. 166).
"Quanto mais facilmente ·o arrendatário que p.rodut alinlentos e matérias·
primas como fibra de línho, cânhamo, madeú:a etc., puder rep.rodutir-los,
tanto mais subirá o lucro. O lucro do anendatário sobe por lllJ.mentar a
quantidade de seu produto, ficando o mesmo o valor total dela; precisa
ele de uma proporção menor dessa sorna e em conseqüência de seu valor
para substituir os vários elementos do capital fixo, os quais o arl'endatário
pode suprir a si mesmo, enquanto o fabrica.me ganharia. pelo maioI poder
de compra de seu produto" (pp. 166, 167).

Admitamos seja a colheita = 100 quarters e a semeadu~a = 20 quar-


ters., igual portanto a 1!5 da colheita. E duplique no ano seguinte a colheita
(despendido o mesmo trabalho); agora de 20Q quarter~ Se a escala de
produçãü continua a mesma, a semeadura, como dantes; é de 20 quarters,
o que agora é apenas 1/10 da colheita. Temos de considerar, contudo, que
o valor dos 100 quarters anteriores era igual ao valor dos 200 posteriores;
por conseguinte, l quarter da primeira colheita é igual a 2 quarters da
última. No primeiro caso, restaram 80 quarters, no segundo 180. Uma vez
que aí nlfo importa o salário (nessa questão da influência que uma variaçfo
no valor do capital constante exerce sobre a taxa de lucro), admitamos que
o valor do salário pennaneça o mesmo. Então, o salário, se no primeiro caso
era de 20 quarters, no segundo é de 40 quarters. Admitamos por fim que,
do capital constante, os outros elementos que o arrendatário n[o reproduz
fisicamente va1ham 20 quarters no primeiro caso, e assim 40 no segundo.
Nessas condições temos:

137. Isto é, a porção do produto global necessá1ia pare repor o "capital fixo".

1384
(1) Produto = 100 quarters, sementes = 20 quarters. Outros com-
ponentes do capital constante = 20 quarters, salário = 20 quarters,
lucro = 40 quarters.
(2) Produto = 200 quarters, sementes = 20 quarters. Outros com-
ponentes do capital constante == 40 quarters, sakúio = 40 quarters,
lucro = 100 quarters = 50 quarters de ( 1). Haverta portanto lucro suple-
mentar ·de 1O quarters. Assim, em virtude de uma variação do valor tlo
capital constante, teria crescido nâ'o só a taxa de lucro, mas também o pró-
prio lucro. Embora o salário fosse o mesmo em (1) e (2), subiu a proporção
do lucro com o salário, isto é, a taxa de mais-valia. Mas isso é mera aparên-
cia. O lucro consístiría primeiro em 80 quarters = 40 quarters de (1), e a
mesma seria a proporção com o ·salário; segundo; no caso (2), 20 quarters
= 10 quarters de ( 1) apenas se teriam transformado do capital constante em
ganho.
Estará certa a conta? Temos de aceitar que o resultado de (2) é de
uma bem-sucedida colheita, embora o trabalho se tenha efetuado nas CQndi-
ções de (1). Para esclarecer admitamos que o quarter = 2 libras esterlinas
em (1). Isto é, o arrendatário empregou na colheita que lhe forneceu 200
quarters:
20 quarters de semente ( = 40 libras), 20 quarters de capital constante
adicional ( = 40 libras), 20 quarters de salário ( = 40 libras). Total de 120
libras, e o produto = 200 quarters. Ent!fo, no primeiro caso, do mesmo
modo empregou apenas 120 libras (60 quarters), e o produto = 100 quar-
ters = 200 libras. Ficam de lucro 80 libras ou 40 quarters. Os 200 quarters
de (2), uma vez que &ã'o o produto de trabalho igual (ao empregado nos
100 quarters do caso (1 ), só corresponderão também a 200 libras. Da mesma
maneira, portanto, só ficam de lucro 80 libras, que correspondem agora a
140 quarters 13S. Por conseguinte, o q_uarter, para o arrendatário, custa

138. Se no cálculo anterior admitiu-se que, no segundo caso, os custos de pro-


dução dos instrumentos de trabalho e da força de trabalho já são calculados segundo o
valor duas vezes menor de um quarter de trígo, o que decorreu da duplicação da
colheita, considera Marx agora a circunstância de só ocorrer essa queda do valor de um
quarter de trigo no outono (na colheita) do segundo ano e de ter sido o valor do quar-
tel duas vezes maior até o outono. Se, portanto, no cálculo anterior, os custos de pro-
dução no segundo caso se exprimiam na sorna 20c + 40c + 40v =100 quarters, vê-se
agora que se expressam na mesma soma do primeiro caso, a saber, 20c + 20c + 20,.. =
60 quartel&. Uma vez que a colheita no segundo caso é igual a 200 quarte.rs, ficam para
lucro 140 quarters.

1385
apenas 4/7 de libra e não 1 libra. Ou seja, o valor do quarter teria caído.
de 2 para 4/7, portanto diminuído de 1 3/7, mas nã'o de 2 para 1 ou apenas
de metade, como admitido acima em (2) em contraposição a (1 ).
Seu produto global = 200 quarters = 200 libras. Mas destas, 120
libras repõem os 60 quarters que despendeu e dos quais cada um lhe custou
2 libras. Permanece portanto lucro de 80 libras, igual aos 140 quarters
restantes. Como se dá isso? O quarter agora é igual a 1 libra, mas os 60
quarters despendidos na produção custaram 2 libras cada um. Custaram-lhe
tanto como se tivesse gasto 120 dos novos quarters. Por conseguinte, os
140 quarters remanescentes =80 líbras, ou não têm mai.S valor que os
40 remanescentes anteriores. Na verdade vende cada um dos 200 quarters
por uma libra (se vende o total do produto). E assim embolsa 200 libras.
Mas dos 200 quarters, 60 lhe custaram 2 libras cada um; por isso, os quar-
ters remanescentes só lhe proporcionam 4/7 de libra por unidade.
Se agora despende de novo em sementes 20 quarters ( = l O libras),
40 quarters em salário ( = 20 libras) e 40 quarrers noutros elementos do
capital constante ( = 20 libras), ao todo portanto 100 quarters em vez dos
60 anteriores, e produz 180 quarters, esses 180 quarters n!o têm o mesmo
valor que tinham antes os 100 (quando se calculava na base de l libra por
quarter). Emprega na verdade a mesma quantidade de trabalho vivo que
empregava antes, e o valor do capital variável ê por isso o inesmo anterior
e também o do trabalho excedente. Mas despendeu menos trabalho rnateria·
lizado, pois os mesmos 20 quarters que antes correspondiam a 2Ó libra$ só
valem agora 10.
A conta portanto se apresenta assim:

Capital constante Capital variável Jdaí&-vaJia


(1 }20 quarters ~ 2() libras 20 quarters (20 libras) 40 quarters (40 h"bras)
em sementes
20 quarters = 20 libras
em instrumentos de
trabalho etc.
(2) 20 quarters = 10 libras 40 quarters (20 libras) 80 qu arters (40 libras)
em sementes
40 quarters = 20 libras
em instrumentos de
trabalho

Produto do primeiro caso: 100 q uaners = 100 libras


Produto do segundo caso: 180 quarteu = 90 libras

1386
Apesar da queda do valor do produto, teria subido a taxa de lucro;
pois, no primeiro caso, lucro de 40 libras para dispêndio de 60, e de 40,
no segundo, para dispêndio de 50. No primeiro 66 2/3%, e no segundo 80%.
A ascensão da taxo. de lucro em todo caso não provém de o va@r
permanecer o mesmo como Ramsay supõe. Uma vez que parte do trabalho
despendido diminuiu, isto é, o contido no capital constante (aqui em semen-
tes), o valor do produto cai se continua a memui eseala de produção, como
o valor de I 00 libras-peso de fio cai se barateia o algod!o nelas contido:
Mas a proporção do capital variável com o constante sobe (sem subir o
valor do capital variável). Ou seja, a totalidade do capital despendido dimi·
nui em relação ao excedente. Daí a elevação da taxa de lucro.·
Considerando-se certo o que supôs Ramsay, se o valor pennanecesse o
mesmo, subiria o lucro, o montante e em conseqüência a taxa de lucro. Não
se poderia falar de ascenSão apenas da taxa de lucro.
Mas a questão da influência da varíação do valor do capital constante
sobre a taxa de lucro ainda ntro está resolvida para o caso especial em que
se dá a reposição física direta do capital constante. Na agricultura, esse caso
especial se manifesta assim:
Detenninada quantidade de sementes figura, ao preço antigo do pro-
duto, na collieita onde entrou in natura. As despesas restantes cobertas
pela venda do trigo ao preço antigo. Com essas despesas precedentes
duplica-se o produto, Assim, por exemplo, no caso acima, para 20 quarters
de sementes ( = 40 libras) (e as despesas restantes = 40 quarters = 80
libras), serão colhidos agora 200 quarters, em vez dos 100 quarters da
colheita anterior.,(isto é, 200 libras), dos quais 40 quarters = 80 libras
são o lucro sobre a despesa global de 60 quarters = 120 libras. O díspêndio
na colheita nova é absolutamente o mesmo da antiga, de 60 quarters, com o
valor de 120 libras, mas o excedente é de 140 quarters em vez de 40. fjsica-
mente é considerável aí a ascensão do excedente. Mas, como o trabalho
despendido nos dois casos é o mesmo, os 200 quarters não tém mais valor
que os 100. Isto é, 200 libras. Ou seja, o quarter caiu de 2 libras para L O
excedente, uma vez que é igual a 140 quarters e l quarter vale tanto
q\1anto o outro -, tería de importar em 140 libras, o que ê, contudo,
aparência. A coisa se toma mais simples quando, antes de mais nada, a
observamos pondo de lado o processo de reprodução, e examinamos a
questão como se o arrendatário, para se retirar do negócio, vendesse o
produto todo. Entllo tem na realidade de vender 120 quarters para cobrir
as despesas de 120 libras (reembolsar-se). Por conseguinte, recupera-se o
capital adiantado. Fícam ponanto 80 quarters de excedente e não 140, e

1387
esses 80 quarters, como representam 80 libras, valem a rigor tanto quanto ·
o excedente no primeiro caso.
Todavia, a questão até certo ponto se altera na reprodução. É que o
arrendatário repõe ln natura, com parte do próprio produto, os 20 quarters
de sementes. Segundo o valor vai repô:los no produto por 40 quarters.
Mas só tem de pagá-los na reprodução, como dantes, com 20 quarters in
natura. Suas despesas restantes aumentam na razio da depreciaç[o do
quarter (caso o salário nlfo caia). Para repor a parte restante do capital
constante precisa agora de 40 quarters em vez dos 20 anteriores, e para
repor o salário, 40 em vez de 20. Ao todo tem de empregar 100 quarters
em vez dos 60 anteriores: mas não tem de empregar 120, o que a deprecia-
ção do trigo exigia, uma vez que 01: 20 quartets para sementes que valiam
40 libras são repostos agora com 20 quarters (uma vez que aí só importa
o valor de uso) que valem 20 libras. Assim, é claro que o arrendatário
ganhou esses 20 quarters, a que agora correspondem 20 libras. E seu exce-
dente nã'.O é de 80 libras, mas de 100, não é de 80 quarters, mas de 100.
(Expresso nos quarters do valor antigo, ruto é de 40 e sim de 50.) Este
é um fato indubítáve1, e o arrendatário, se o preço de mercado nã'o cai
em virtude da abundância, tem 20 quarters a mais para vender ao novo
valor e ganha 20 libras. E precisamente com a reproduçii() ganhou essas
20 libras excedentes sobre a mesma despesa, porque o trabalho se tornou
o
mais produtivo, sem que a taxa de mais-valia tivesse subido ou. trabalha·
dor fornecido mais trabalho excedente que antes, ou recebido cóta menor
da parte reproduzida do produto (a.qual representa o trabalho vivo). Supõe-
se, ao contrário, que na reprodução o trabalhador reéebe 40 quarters,
quando antes recebia apenas 20. Este é portanto um fenômeno peculiar.
Não se dá sem a reproduç:ro, mas em relação com ela, e ocorre porque
o arrendatário repõe in T111tura parte de seus adiantamentos. Aí cresceria
. não só a taxa de lucro, mas também o lucro. (No tocante ao próprio pro-
cesso de reprodução, ou pode continuá-lo na escala antiga, e então, se
obtém de novo colheita igualmente favorável, ·Cai o preç.o do produto,
porque uma parte do capital constante custou menos; mas a taxa de lucro
subirá; ou pode aumentar sua escala de produção, semear mais com as
mesmas despesas e neste caso subirão o lucro e a taxa de lucro.)
Vejamos o fabricante. Admitamos tenha empregado 100 libras em
fios e feito lucro de 20 Hbras. Assim, o produto = 120 libras. Nesse em-
prego de 100 líbras, represente o algodão. 80. Se o preço deste cair à metade,
só precisará o fabricante gastar 40 libras em algodão e 20 no resto, isto é,
60 libras (em vez de 100), e o lucro, como dantes, será igual a 20; produto

1388
global = 80 libras (se não ampliar a escala de produção). Deixará de
desembolsar portanto 40 libras, pode gastã-las ou empregá-las como capital
adicional. De acordo com a nova escala aplicaria ainda 26 2/3 libras em
algodão e 13 l /3 libras em trabalho etc. E com lucro = 13 l /3 libras.
Ent:ro, o produto global = 60 +40 +33 1/3 = 133 1/3 libras.
O decisivo aí portanto não é a circunstância de o arrendatário repor
ín natura suas sementes, pois o fabricante compra algodão e não o repõe
com parte do próprio produto. O fenômeno se reduz portanto a isto:
liberação de parte do capital antes comprometida como capital constante
ou conversa-o de parte do capital em renda (revenue). Aplicar no processo
de reprodução tanto capital quanto antes é como ter empregado capital
adicional na anterior escala de produção. Há portanto uma espécie de
acumulaç:ro que provém da produtividade acrescida dos ramos industriais
que fornecem os componentes produtivos do capital. Todavia, essa queda
nas· matêrias-primas, se devida a sazões favoráveis, é contrabalançada por
sazões desfavoráveis em que as matérias-primas encarecem. O capital que
assim ~e libera numa ou em algumas sazões é por isso, até certo ponto,
capital de reserva para as outras. Por exemplo, o fabricante cujo capital
fixo tem uma rotação de 12 anos, tem de se organizar de modo que durante
os 12 anos possa continuar produzindo pelo menos na mesma escala. É
mister por conseguinte considerar que os preços de reposição flutuam e
mais ou menos se nivelam numa longa série de anos.
A alta dos preços dos componentes do capital constante tem efeito
oposto ao do barateamento (deixamos de fora o capital variável, embora a
quantidade a des~mbolsar de capital variável segundo o valor seja menor
ao cair o salário, e maior ao subir este). Para se prosseguir na escala anterior
de produção, maior dispêndio de capital é necessário. Por conseguinte,
fora a queda da taxa de lucro, tem de ser empregado capital de reserva,
ou parte da renda (revenue) tem de se converter em capital, sem ter o
efeito de capital adicional. Num caso verificou-se acumulação, embora o
valor do capital adiantado tenha permanecido o mesmo (mas aumentaram
os componentes materiais). A taxa de form~ãb de mais-valia aumenta, e
cresce o lucro absoluto, pois ocorre o que teria sucedido se capital adicional
se tivesse acrescentado na escala antiga. No outro caso ocorreu acumulação
na medida em que tenha crescido o valor do capital antigo, a parte - que
funciona como capital - do valor da produção total. Mas não aumentaram
os elementos materiais. A taxa de lucro cai. (O montante do lucro só cai se
o número de trabalhadores empregados não é o mesmo ou se subiu seu
salário.)

1389
É mister observar aquele fenômeno da converSiO de capital em renda ·
(revenue), porque gera a aparência de um crescimento do montante de
lucro (ou decréscimo, no caso contrário), independente do montante de
mais-valia.Vimos como tal fenômeno, em certas circunstâncias, pode
explicar parte da renda fundiária. 139
Da maneira referida Hbera·se um capital-dínheiro de 20 libras (se os
20 quarters excedentes = 20 libras nã'o são logo aplicados para ampliar
a escala de produção, isto é, nro sfo acumulados). E aí está um exemplo
de como capital-dinheiro excedente, embora a soma do valor das mercado-
rías tenha pennanecido a mesma, pode surgir da reproduçli'o: por conver-
sli'o de uma parte do capital, a qual antes existia em forma fixa (constante),
em capítal-dinheiro.
O pouco que o fenômeno acima tem que ver com a detenninaçli'o
da taxa de lucro, evidencia-se quando se imagina um arrendatário (ou
fabricante) que inicia o negócio nas novas condições de produção. Antes
era míster um capital de 120 libras para se entrar no negócio: 40 libras para
comprar 20 quarters de sementes, 40 libras para outros componentes do
capital constante, e 40 libras para pagar salários. E o lucro era de 80 libras;
80 sobre 120 = 8 sobre 12 = 2 sobre 3 = 66 2/3%.
Agora tem de empregar 20 libras para comprar 20 quarters de semen-
tes, 40 libras como acima, e 40 libras em salários, de modo· que o emprego
de capital = 100. E lucro de 80, o que dá 80%. O montante ,de lucro
permaneceu o mesmo, mas a taxa aumentou de 20%. Verificamos portanto
que a queda no valor da semente (ou do preçcr de reposição) em si nada
tem que ver com o aumento do lucro, mas que redunda apenas em aumento
da taxa de lucro.
Aliás, o arrendatário num caso e o fabricante no outro nã'o achara-o
que tenha aumentado o lucro, mas que se tenha liberado parte do capital
. comprometido na produção. E justamente por causa desta conta simples:
antes, o capital adiantado na produça:o era igual a 120, agora é igual a 100,
enquanto 20 libras estão no bolso do arrendatário como capital livre,
dinheiro aplicável seja como for. Mas, em ambos os casos, seu capital é igual
apenas a 120, sem acréscimo de magnitude. Sem dúvida, a sexta parte do
capital, ao liberar-se da fonna inserida no processo de produção, é portadora
do mesmo efeito de um capital adicional.

139. Ver volume 2, pp, 889-894.

1390
Ramsay não aprofundou o problema porque não desenvolveu com
clareza a relação entre valor, mais-valia e lucro .

• ••
Com acerto expõe Ramsay até onde máquinas etc., desde que atuem
no capital variável, influenciam o lucro e a taxa de lucro. Isto é, influenciam
por depreciar a força de trabalho~ por acrescer o trabalho, excedente rela-
tivo, ou ainda, considerando.se o processo global de produção, por diminuir
a parte do produto bruto destinada a repor o salário.

"Produtividade elevada ou diminuída da indústria voltada para a produ·


ção de mercadorias que não entram na composiçio do capital fixo, não
podem ter influência sobre a taxa de lucro, exceto se alterar a proporção
do produto bruto vinculada à manutenção do trabalho" (p. J 68) ... Quan-
do o fabricante, com a melhoria das máquinas. duplica os produtos, o
valor das mercadorias tem por fim de cair na mesma proporção em, que
aumentou a quWidade."

(Suposto que na realidade, incluído o desgaste das máquinas, a quanti-


dade duplicada não custe mais que antes a metade. Se não for assim, caí o
valor da mercadoria, mas na-o na proporçtlo da quantidade. Essa quantidade
pode duplicar enquanto o valor do produto total sobe, e o valor por unidade
mercadoria pode cair apenas de 2: l l /4 etc.• em vez de 2: 1.)

" ... o fabricante só ganha na medida em que é capaz de vestir mais barato
o trabalhador, e assim proporçio menor do produto total vai para o
trabalhador •.. O an:endat.ário" (em virtude da produtividade industrial
acrescida) "também li> p.nha na medida em que parte de suas despesas
consiste em vestuário para os trabalhadores e pode comp.tá-lo mai'
barato, portanto do mesmo modo que o fabricante" (pp. 168, 169).

Queda do valor dos componentes do capital constante atua na taxa de


lucro, ao alterar a proporção da mais-valia com a totalidade do capital
empregado. Em contraposição, queda (ou alta) do salãrio influencia a taxa
de lucro, ao alterar diretamente a taxa de mais-valia.
Por exemplo, no caso acima, admitamos que o preço das sementes
(digamos que o arrendatário plante linho) de 40 libras (20 quarters), perma-
neça o mesmo, e também 40 libras (20 quarters destinados ao resto do
capital constante; mas o sa.lárío - isto é, o salário para o mesmo número de
trabalhadores - caia de 40 libras para 20 (de 20 quarters para 10). Nesse

1391
caso pennanece invariável a soma do valor = salário +mais-valia. Uma .
vez que o numero de trabalhadores é o mesmo precedente, o trabalho
efetiva um valor de 40 + 80 = 120 libras. Mas, agora, dessas 120 libras
destinam-se 20 aos trabalhadores· e 100 à mais-valia. (Supõe-se aí não ter
havido aperfeiçoamento prévio que influísse no número de trabalhadores
empregados no ramo.) O capital adiantado agora, em vez de 120, é 100
como no caso em que o valor das sementes caiu à metade. Mas o lucro é
de l 00, isto é, de 100%, quando era de 80% no caso anterior em que o
capital empregado também caiu de 120 para 100. E liberam-se, como
no caso anterior, 20 libras ou l /6 do capital. Mas, num caso, não se alterou
a .mais-valia = 80. (Isto é, com 40 para salário, mais-valia = 200%.)
· No caso atual, a mais-valia aumenta para 100. (Isto é, uma vez que 20 é
para salárío, a taxa de mais-valia sobe para 500%.) Aí nfo subiu apenas a
taxa de lucro, mas o próprio lucro, por ter subido a t<PCa de mais-valia e
em conseq ilência a própria mais-valia. ~ o que distingue esse caso do ante-
rior, o que Ramsay não vê. Isso tem de ocorrer sempre, desde que n:ro se
anule o crescímento do lucro por um decréscimo correspondente da taxa
de lucro; em virtude de mudança, &ímuitânea do valor do capital cons-
tante. No exemplo acíma, temos capital despendido de 120, 1ucro de 80
= 66 2/3%. E depois., capital empregado = 100, lucro = lOÓ = 100%.
Mas, se em virtude de variaçã'o no preço do capital constante, o emprego
do capital tivesse subido de 100 para 150, o lucro acrescido de 80 para 100
só representaria também taxa de lucro de 66 2/3%. ,

"Aquelas mercadorias que mio contribµem paxa foUÓaçiío de capital fixo


nem circulante, mo podem alterar o lucro mudando seja como for a pro·
dutiV.idade. Tais sã"o os artigos de luxo de toda espécie,. (pp. 169, 170).
"Os patzõ'es capitalistas ganham pela abundância de artigos de luxo,
porque seu lucro comandará. quantidade maior para 11eu consumo privado;
mas a taxa desse lucro nlo ~á influencíad$. pela abundância nem pela
escassez desses artigos" (p. 171).

Antes de mais nada, uma parte dos artigos de· luxo pode serVir de
componente do capital constante. Como, por exemplo, ·uvas no vinho,
ouro em artigos de luxo, diamantes no corte do vidro etc. Mas Ramsay
excluí esse caso, ao falar de mercadorias que nã'o entram no capital fixo.
E então acrescenta o complemento errado: "Tais são os artigos de luxo
de toda espécie". Todavia, a produtividade na indústria de luxo, como em
todos os outros ramos industriais, só pode crescer porque se tornam mais
produtivos os recursos naturais, como minas, terras etc., donde se extraem

1392
as matérias-primas dos artigos de luxo, ou porque se descobrem novos
reservatórios naturais, mais produtivos, ou ainda e especialmente porque
se empregam máquinas (ou melhores instrumentos) e forças naturais.
(melhoria ou diferenciação dos instrumentos pertence à divisão do traba-
lho.) (Não esquecer os processos químicos.)
Admitamos que se abrevie o tempo de produçll'o dos artigos de luxo
com máquinas (ou com processos químicos); menos trabalho seja necessário
para produzi·los. Isso não pode ter a menor influência sobre o salário,
sobre o valor da força de trabalho, uma vez que esses artigos não entram
no consumo dos trabalhadores (pelo menos, nunca na parte de seu consumo
a qual determina o valor da força de trabalho). (Pode ter influência no
preço de mercti.do dos trabalhadores, ·com o lançamento destes no olho
da rua, aumentando assim a oferta no mercado de trabalho.) Não influencia
portanto a taxa de mais-valia, e por ísso tampouco a taxa de lucro, desde
qué esta seja determinada pela taxa de mais-valia. Ao revés pode sem
dúvida influir na taxa de lucro, desde que se altere o montante de maís-
valía º"!-1 a proporçâ'o do capital variável com o constante e com a totalidade
do capital. Se a maquinaria possibilita empregar 10, por exemplo, onde
antes se empregavam 20, de maneira nenhuma se modífíca a taxa de mais-
valia. O barateamento dos artigos de luxo não capacita ao trabalhador
viver mais barato. Precisa, como dantes, do mesmo tempo de trabalho para
reproduzir a força de trabalho. (Por isso, na prática, o fabricante de artigos
de luxo procura pagar o ~Jário do trabalhador abaixo do valor, abaíxo do
mínimo, possibilidade que lhe dá a -população excedente relativa, gerada
pela produtividade crescente dos outros ramos industriais. É o caso, por
exemplo, das operárias de malharia. Ou entâ"o, o que também se dá nesses
ramos, procura prolongar a jornada absoluta, com o que na realidade produz
mais-valia absoluta. A verdade é simples: a produtividade na indústria de
luxo não rebaixa o valor da força de trabalho, não pode produzir mais-
valla relativa, não pode em geral produzir a forma de mais-valia que é
devida à produtividade crescente da indústria como tal.)
·Mas o montante de mais-valia é duplamente determinado: pela taxa
de mais-valia, isto é, pelo trabalho excedente (absoluto ou relativo) do
trabalhador individual; segundo, pelo número dos trabalhadores simulta-
neamente empregados. Assim, a produtividade crescente na indústria de
Juxo, na medida em que redu7..a o número de trabalhadores empregados
por dada proporção de capital, diminuí o montante de mais-valia. Em
conseqüência, não se alterando as demais condiçõ'es, a taxa de lucro. O
mesmo se dá quando o número dos trabalhadores decre.~ce, ou quando

1393
permanece inalterado, mas aumenta o capital empregado em máquinas e.
matéria-prima; portanto, sempre que diminui a proporção do capítal
variável com o constante, suposto que esse decréscimo nllo seja compensado
nem neutralizado em parte por queda do salário. Mas, uma-vez que a taxa
de lucro desse ramo entra no nivelamento da taxa geral de lucro, como a de
qualquer outro, produtividade acrescida na indústria de luxo acarretaria
nas condiÇôes dadas queda da taxa geral de lucro.
Ao revés: se a elevação da produtividade na indústria de luxo provier
não dela mesma, mas dos ramos que lhe fornecem capital constante, awnen·
tará sua taxa de lucro.
(A mais-valia (isto é, sua magnitude, massa, montante total) é _deter-
minada pela taxa de mais-valia multiplicada pelo número dos trabalhadores
empregados. Podem atuar círcunstâncias sobre ambos os fa~ores ao mesmo
tempo, na mesma direção ou em direção oposta, ou sobre um dos fatores
apenas. Excetuado o prolongamento absoluto da jornada de trabalho, a
índústria de luxo só atua sobre o número dos trabalhadores empregados
quando aumenta sua produtividade. Conseqüência necessária portanto:
decréscimo da massa de maís-valia;e por ísso da taxa de lucro, mesmo se
ntro crescer o capital constante. Mas, se crescer, calcula-se mais-valia redu-
zida sobre capital global acrescido. )

***
Ramsay aproxímou-se mais que os outros da concepçílo correta da
taxa de lucro. Por isso mesmo, as falhas aparecem nele c-0m mais clareza.
Chama atenção sobre todos os pontos, mas de maneira unilateral e por
conseguinte errônea.
Ramsay resume seu ponto de vista sobre o lucro da maneira seguinte:

"A taxa de lucro em casos individuais é determinada por estas causas:


(1) a produtividade da indústria empregada para produzir os artigos de
necessidaoo absoluta, exigidos pelo trabalhador para alimentar-se, vestir-
se etc.; (2) a produtividade da indústria empregada para produiir coisas
que entram na composição do capital fixo; (3) a taxa do &al4rio reaftt

{tem de significar aí a quantidade dos meios de subsistência etc. a qual o


trabalhador recebe, qua1quer que seja o preço dos artigos que a compõem).

"Uma variação na primeira e terceira dessa$ causas atua sobre o lucro,


alterando a proporção do produto bruto a qual vai para o trabalhador;

1394
mudança na segunda tem a mesma influência, ao modificar a proporção
necessária para repor, dil'etomente ou por meio de tToca, o capital fixo
consumido na produção; pois lucro, I1ll essência, é unia questão de
proporção" (p. 172).

Com acerto reprova Ricardo (embora sua própría formulaçlro seja


deficiente):

"Ricardo esquece que o produto global não se reparte a.penas em salário


e lucro, e que é necessário também uma parte par.i repor o capital fixo"
(p.174, nota).

(Logo na primeira formulação sobre a acúmulação, isto é, sobre a


conversão da mais-valia em capital, pode-se observar que (se abstraímos
da forma e consideramos apenas o conteúdo) a totalidade do trabalho
excedente se configura em capital (constante e variável) e em trabalho
excedente (lucro, juro, renda fundiária). É que nessa conversão revela-se
como. o próprio trabalho excedente assume a figura do capital, e o trabalho
nlío pago do trabalhador o enfrenta como a totalidade das condiç6es obje-
tivas do trabalho. Nessa forma, a ele se contrapõe como propriedade alheia,
de modo que o capital, precondiçlio de seu trabalho, aparece de maneira
deste independente. É valor que surge como grandeza definida e que o
trabalhador só tem de aumentar. O que aparece como exploração nunca é
o produto de seu trabalho pretérito (nem circunstâncias quaisquer que,
independentes do processo particular de trabalho em que entra esse trabalho
pretérito, influenciam, elevam seu valor) nem a reposição desse produto,
mas sempre e apenàs a maneira e a taxa por meio das quais se explora seu
trabalho atual. Enquanto o capitalista individual continua a operar em
escala inalterada (ou ampliada), a reposição do capital assume a aparência
de operação que nlro atinge o trabalhador, uma vez que, se as condições
de trabalho lhe pertencessem, também tería ele mesmo de repô·las com o
produto bruto para prosseguir a reprodução na mesma escala ou ampJiá.ta
(e essa amplíaç!io também é necessária com o crescimento natural da popu-
lação). Mas isso o atinge sob três aspectos: (1) a perpetuaçã"o das condições
de trabalho como propriedade a ele estranha, como capital, eternizando sua
posição de assalariado e em conseqüéncia o destino de trabalhar grátis e de
contínuo, para terceiro, parte de sua jornada~ (2) a ampliação dessas condí·
ções de produção, aliás, acumulação de capital, aumenta a massa e a am-
plitude das classes que vivem de seu trabalho excedente; piora sua posiçtro
rela.tiva. ao acrescer a riqueza relativa do capitalista e seus parceiros,

1395
enquanto, além disso, aumenta seu trabalho excedente relativo por meio
da divisão do trabalho etc., e diminui, do produto, a parte que se converte
em salário; (3) por fim, uma vez que as condições de trabalho, em dimen·
sões cada vez mais gigantescas, se amontoam cada vez mais como forças
sociaís em confronto com o trabalhador individual, cessa a possibilidade
de ele mesmo apossar-se delas, como se dá na pequena indústria. )

3. Lucro bruto e a sua repartição em lucro líquido e lucro do


empresário segundo Ramsay. Elementos apologétícos de
seus pontos de vista.

Ramsay chama de lucro bruto o que designo pura e simplesmente


de lucro. Divide esse lucro bruto em lucro liquido Quro) e profit of enter·
prise (lucro de empresa, .lucro índustrial). *
No tocante à queda da taxa gp-al de lucro, como Ricardo, polemiza
Ramsay contra A. Smith. Diz contra A. Smith;

"A competiçâ"o entre os empresírios capJtalistas pode na verdade ajustar


ao nível geral o lucro que particularmente se destaca acima dele"

* (Por que Senior - cujo Out!ine apareceu quase na mesma ocasi!o do E$$11Y 011
the Distribution of Wealth de Ramsay, onde este expõe amplamente a divisão do lucro
em "lucro de empresa" e "lucro líquido do capital ou juro" (cap. IV) - usufrui a fama
de ter descoberto essa divisão já conhecida em 1821 e 1822, é coisa que só se pode
explicar pela circunstância de &mior, mero apologista do consagrado e portanto
economísta vulgar, contar com as simpatias de Roscher. 140 )

140. Marx alude aí à idéia $l!Stentada por Roscher sobre a divisão do lucro em
lucro de empresa e juro, no livro Die Gromilagen der Nationa/(;í/ronvmie, Stuttgart e
Augsbu.rgo, 1858, p. 385; Roscher refere·se entlfo à obra de Nassau William Senior An
outline of the science of political economy, IAndres, 1836. Ao lembrar que essa
divisã"o do lucro em "lucro de empresa"' e em "lucro lÍquido do capital" já era conhe-
cida em 1821 e 1822, Marx tem provavehnente em vista a brochura anônima An
inquil'y into tho:re principies ... , Londres, 1821, pp. S2 e 53, e- o livro de Hopkins
Economfcal in{[l.liries relative to the lo.ws which regulate rent, profit, wages, ami the
;'alue of money, IAndres, 1822, pp. 43 e 44.

1396
(esse nivelamento não é de modo algum bastante para explicar a formação
de uma taxa geral de lucro),

"mas é errôneo dizer que esse próprio nível normal baixa" (pp. 179,
180). Se fosse possível que o preço de toda. mercadoria, matéria-prima
ou fabricada, caísse em conseqüência da concorrência entre produtores,
isso de maneira nenhuma atingíria o lucro.'Todo patrão capita.lista
venderia seu produto por menos dinheiro, mas, em contrapartida, todo
artigo de suas despesas, pertencente a capital fixo ou a circulante, custar-
lhe-ia soma. pxoporeionalmente meno.r" (1.c., pp. 180, 181 ).

E diz contra Malthu.s;

"A idéia de os lucros serem pagos pelos consumidores é por certo absurdo
completo. Quem são os consumidores? Terão de ser senhores das terras,
capitalistas, pattões, trabalhadores, ou entifo pessoas que recebem orde-
nado" (p. 183).
"A única concon'encia que pode influir no. toJta geral do lucro broto é
aquela entre patrões capitalistas e trabalhadores". (p. 206).

Nesta última frase expressa o que está correto na proposição de


Rícardo. A taxa de lucro pode cair sem depender da competição entre
capital e trabalho, mas esta é a única competição que pode fazê-la cair.
Mas, o próprio Ramsay não nos dá razão alguma que explique por
que a taxa geral de .lucro tende a cair. A única coisa que diz - e com acerto
- é que a taxa de furo num país pode cair com total independêncía da taxa
de lucro bruto, e mais precisamente:

"Mes.."llo admítindo·se que só se tome de empréstimo capital para em·


prego produth•o, ainda assim é possível que o juro varie sem haver mu·
dança na taxa de lucro bruto. Pois, à medida que um povo avança no
desenvolvimento da riqueza, surge e cresce cada vez mais uma classe de
homens que, em virtude dos trabalhos" (explorações, roubo$) "de seus
antepassados, se encontram de posse de fundos que lhes pennítem viver
bem de juros apenas. Muitos também que, na mocidade e na idade ma·
dura, se empenharam ativamente em negócios, retiram-se na velhice, para
viver tranqüilamente dos juros das sornas que ele$ mesmos acumularam.
Ambas essas classes tendem a aumentar com a riqueza crescente do país;
pois aqueles que começaJn com um capital satisfatório têm mais probabi-
lidade de eonseguir independência mais cedo do que aqueles que iniciam
com pouco. Por isso, em países velhos e Iicos o montante do capital na-
cional pertence àqueles que n:ro querem aplicá-lo eles mesmos, e constitui,
do capital produtivo da sociedade, prop~ção maior que a observada em
países de colonizaçfo .recente e pobres. Cnmo é numerosa a classe dos
rentiers na Inglaterra. Na medida em que cresa- a classe dos rentíers, tam-
bém cresce a dos prestamistas de capital, pois fonr11m a mesma eoisa. Só po1
essa causa tem o juro de tender a cair em velhos ~aíses" (pp. 201 e segs.).

1397
Sobre a taxa de lucro líquirlo Guro) observa Ramsay que

"depende em parte da taxa de lucro bruto e em parte da proporção em


que essa taxa se dívide em juro e lucro industrial. Essa proporção depende
da competição entre prestamistas· e tomadores de capital. lnfluencill·a
mas não a regukt de todo a taxa previsível de lucro bruto. E a competição
não é regu/itda apenas por essa causa, porque de um lado muitos tomam
emprestado sem ter em vista 6)1lprego produtivo e porque, do outro, a
proporÇiiD a emprestar da totalidade do Ct1pitol nocional varia com a
riq1.1eza do paí:t sem depender de mudança alguma do lucro bruto"
(pp. 206,207).
"O lucro do empresário depende do lucro Uquido do (,'tlpifal, e nâ'.o este
daquele" (pp. 214).

Pondo-se de lado a circunstâncía antes referida, afirma Ramsay com


acerto:

"O juro só é medida do Lucro industrial onde a civilização chegou 11 ta!


nível que nKo se leva em conta a neeessidadc de segurança do resgate...
Na Inglaterra, pOI exemplo, não podemos hoje pensar em compensaçã'o
alguma por riseo, relacionada com juro que vem de inversô'es no que
se podetia chamar de boa garantia" (pp. 199, nota).

A respeito do capitalista industrial, que chama de patrão capitalista,


observa Ramsay:

"O capitalista industrial é o distribuidor geral da riqueza; paga aos


trabalhadoies o salário, ao capitalista o juro, ao proprietário da tena
a renda fundiária. De um lado està:o os patrões, do outro, trabalhadores,
capitalistas e donos das terras. Os interesses dessas duas grandes classes
são diametralmente opostos. :É o patrão que aluga trabalho, capital e
terra, e por certo procura adquirir sua utilização o mais barato possível;
enquanto os possuidores dessas fontes de riqueza procmam alugá-las
o mais caro possível" (pp. 218, 219).

Lucro industrial. (Trabalho de superintendência.)


Em swna, o que Ramsay diz sobre o lucro industrial (e em particular
sobre o trabalho de superintendêncía) é o mais racíonal que se apresentou
em seu livro, embora tenha tírado de Storch parte de sua demonstração 141

141. Storch, Cours d'économie p:olltique, ou exponnon des príncipes qui


detemúnent la pro$pérlté des nation:r, t. 1, L IH, cap. XII, 'Paris, 1823.

1398
A exploração do trabalho custa trabalho. O trabalho executado pelo
capitalista industrial, na medida em que seja apenas exigido pela oposição
entre capital e trabalho, entra no custo de seus contramestres (os suboficiais
da indústría) e já está computado na categoria de salárío, como os custos
que causam os feitores de escravos e suas chibatas se incluem nos custos de
produção do senhor. Esses custos, como a maior parte das despesas comer-
ciais, pertencem aos falsos custos142 da produção capitalista. Quando se
trata da taxa geral de lucro. não se considera o trabalho dos capitalistas
com a concorrência recíproca e com a tentativa de se lograrem uns aos
outros; tampouco, a maíor ou menor habilidade, o nívei dos custos com
que um capitalista industrial, em confronto com outro, sabe extrair de seus
trabalhadores maior soma de mais-valia com os menores gastos, e realizar,
no processo de circulação, esse trabalho excedente extraído. Essa matéría
pertence à análise da concorrência entre os capitais. O domínio dessa análise
é a luta e o trabalho dos capitalistas para se apoderarem do maior montante
possível de trabalho excedente e se restringe apenas à repartiçio' dp trabalho
exceden_te pelos diferentes capitalistas, e nada tem que ver com a origem
nem com a amplitude geral do trabalho excedente.
Para o trabalho de superintendência só resta a função geral de organi-
zar a divísã'o do trabalho e a cooperaçao de certos indivíduos. Aquele
trabalho está plenamente representado pelo salário do gerente geral nas
maiores empresas capitalistas. Já está deduzido da taxa geral de lucro. A
maior prova prática fornecem, na Inglaterra, as fábricas cooperativas dos
trabalhadores 143 , uma vez que, apesar de pagarem juro maior, proporcio-
nam lucro acima d~ média, embora dele esteja deduzido o salário do gerente
geral, salário naturalmente determinado pelo preço de mercado dessa espécie
de trabalho. Os capítalist.as industriais que são gerentes gerais das próprias
empresas economizam um item dos custos de produção, pagam salários a
sí mesmos e por isso recebem uma taxa de lucro superior à média. Se ama-
nhã se tomasse ao pé da letra a afinnação dos apologistas e se limitasse o
lucro do capitalista industrial a salário de gerência e direfifo, findaria depois
de amanhã a produção capitalista - a apropriação de trabalho excedente
alheío e a conversão desse trabalho excedente em capital.

142. Falsos custos (faux fraís) ,. custos ímprodutivos, mas necessários; tam-
bém chamados de custos acessórios.
143. Sobre as fábrícas cooperativas na Inglaterra ver p. 1535 des.te vol., e O
Capital. ed. DIFEI., livro 3, vol. 4, p. 96, e vol. 5, pp. 445-447 e 509.

1399
Mas, se consideramos mesmo essa remuneraçã'o do trabalho de .
superintendência como salário oculto na taxa geral de lucro, vigora aí a
lei que Ramsay e outros formularam: enquanto o lucro (o industrial e o
lucro bruto) está na razão da magnitude do capital dispendido, aquela parte
dele está na razã'o inversa da magnitude do capital, ínfima para grande
capital, e demasiada para pequeno capitaJ, isto é, onde só nominahnente
exista produçã:o capitalista. Se o pequeno capitalista, que pessoahnente
executa quase todo o trabaJho, parece fruir hxa de lucro muito alta em
relação a seu capital, o que se dá na realidade é que, se não emprega alguns
trabalhadores de cujo trabalho excedente se aproprie, n4o obtém lucro
algum e só nominalmente sua empresa é capítalísta (seja industrial ou
comercial). Distíngue-se do trabalhador assalariado porque, com o seu
capital nominal, é de fato senhor e proprietário das próprias condiç.ões de
produção; por isso, não tem nenhum patrão acima dele e em conseqüência
apropria-se ele mesmo de todo o seu tempo de trabalho, em vez de fazê-lo
terceira pessoa. O que aparece aqui como lucro é apenas a diferença para
o salário usual, a qual provém justamente de ter ele se apropriado do próprio
trabalho excedente. Essa situação, cµntudo, só pertence aos. ramos dos quais
o modo capitalista de produçao ainda não se apoderou de fato.

"Podemos deeompor o luci:o do empresário em (1) salário do empresá·


rio; (2) seguro contra risco; (3) ganho stJplementar" (p. 226).

O item (2) nada tem que ver aqui. Cor~et (e o próprio Ramsay)
dí~ 144 que o seguro que cobre o risco apenas reparte as.perdas dos capita-
listas por iguaJ ou de maneira mais geral pela classe toda. Desse prejuízo
repartido por igual tem de deduzir-se o lucro das companhias,de_seguros,
dos capitais que, empregados no negócio de seguros, encarregam-se dessa
repartição. Essas companhias recebem parte da mais-valia, como os
capitalistas comerciais ou financeiros, sem ter p_articipado diretamente na
produção dela. Isso é problema da repartição da mais~valia entre as diferen-
tes espécies de capitalistas e das deduções que desse modo incidem sobre
capitalistas particulares. Nada tem que ver com a natureza nem com a
magnitude do excedente. O trabalhador naturalmente não pode fornecer
mais que seu trabalho excedente. N:ro pode pagar ainda algo mais ao capita-
lista. para que este tenha a garantia da posse dos frutos desse trabalho exce·

144. Corbet, An inquiry into the causes and modes of the wealth of individua/$,
Londres, 1841,pp.100-102.

1400
dente. No máximo poder-se-ta dizer que, mesmo abstraindo-se da produção
capitalista, os produtores teriam certas despesas, isto é, teriam de despender
parte de seu trabalho ou dos produtos de seu trabalho, a fim de segurar
seus produtos, sua riqueza ou elementos dela contra acidentes etc, Cada
capít alista, 'em vez de ser seu próprio segurador, ei;oprega método ma is
garantido e 'mais barato, deixando para um ramo do capital o negócio de
seguro. O seguro é pago com parte da maís-va1ía, cuja repartição ·····e garan-
tia - pelos capitalistas nada tem que ver com a origem e a magnitude dela.
Resta portanto (a) o saJárío e (b) o ganho suplementar, como Ramsay
chama a parte de mais-valia que cabe ao capitalista industrial - em contra-
posição ao capitalista que suga juros -, e que por isso é determínada pela
proporção entre juro e lucro industrial, os dois segmentos em que se decom-
põe a parte de mais.valia que cabe ao capital (em contraposíçã"o à proprie-
dade da terra). No tocante a (a), o salário, é evidente antes de mais nada
que, com a produção capitalista, a funçlfo do capital como dono do trabalho
cabe ao capitalista ou a empregado pago por ele. Essa função desapareceria
junto cQm a produç[o capitalista, naquilo que nã"o fosse oriunda da natureza
do trabalho cooperativo, mas do domínio das condições de trabalho sobre
o próprio trabalho. Ramsay, entretanto, chega a suprimír esse componente
ou o reduz até o ponto de não merecer mençfo.

"O salário (do empresário), como o trabalho (de superintender), perma·


nece mais ou menos o mesmo, seja grande ou pequena a empresa"
(p. 227),
"Um trabalhador nunca poderá dizer que pode faier tanto quanto 2, 3 ou
mais de, sua igualha. Mas um capitalista industrial ou um arrendatário
pode substituir 10 e 15" (p. 225).

A terceira parte, o ganho suplementar, que abrange os riscos que são


apenas possíveis, a mera possibilidade de perda dos ganhos e do capital,
apresenta-se de fato como um seguro e por isso como participação mesmo,
na mais-valia geral, de determinados capitais de um ramo particular.

"Esse ganho suplementar'\ diz Ramsay, ''representam na verdade a zenda


derivada do poder de· dispor do uso do capital, pertença este ao próprio
empresário ou lhe seja emprestado por outros" (isto é, o poder de d~por
do trabalho dos outros}... "O lucro líquido" (juro) "varia exatamente
com a magnitude do capital; mas a p1oporção do ganho suplement111
com o capital aplicado é tanto maior quanto maior o capital" (p. 230).

Noutras palavras, ,isso quer dizer apenas: os salários dos patrões


estiro ná razão inversa da' magnitude do capital. Quanto maior a escala em

1401
que opera o capital, tanto mais é capitalista o modo de produção, tanto
mais decresce, do lucro industrial, a parte componente que é redutível a
salário, e com maior auten.ticidade sobressai o verdadeiro caráter do lucro
industrial - o de ser uma parte dos ganhos excedentes, isto é, da mais-valia,
ou seja, do trabalho excedente não pago. A contradição toda entre lucro
industrial e juro tem sentido restrito à oposição entre rentíer e capitalista
industrial, e absofütamente não atinge a relaçã'o do trabalhador com o
capital, nem a natureza do capital, nem a origem do lucro etc.
Sobre a renda fundiária que não provém do trigo diz Ra.msay:

"Dessa maneira, a 1enda paga por produto de uma espécie toma-se a


causa do alto iialwde outros" (p. 279).
"Renda" (revenue), diz Ramsay no capítulo final, "distingue-se do pro·
duto bruto anual apenas pela ausência de todas aquelas coisas destinadas
a manter o capital fixo" (quer dizer, portanto, capital constanre, matérias-
prima.s em todas as fases, matérias auxiliares, máquinas etc.) (p. 471).

Ramsay já dissera e repete no último capítulo que "capital circulante",


para ele capital despendido em salário, é supérfluo
'

..e não 6 fator imediato da produçfo nem mesmo lhe.é de modo algum
essencÍill" (p. 461!).

Só nlío tira a conc1uSã'o evidente de que negar o tra~alho assalariado


e o capital desembolsado em salário, é negar a necessídade da produç!ío
capitalista em geral, e as condições de trabalho cessam por eonseguinte de se
contrapor aos trabalhadores como "capital" ou como "capital fixo", confor-
me o chama. Uma parte das condições de trabalho só apàrece como capital
rtXO porque a ontra aparece como capital circulante. Mas, uma vez pressu·
posta a produçã'o capitalista como fato, Ramsay qualifica salários e lucro
· bruto do capital (inclusive lucro industrial ou, como o chama, lucro de
empresa} de formas necessárias da renda (pp. 478, 475}. Naturalmente são
as duas formas de renda que na realidade sintetizam, em sua simplicidade
e generalidade, a essência da produção capitalista e de amb.as as classes em
que se baseia. Em contraposição qualifica renda fundiária, isto é, proprie·
dade fundiária, de forma supérflua da produçâ'o capitalista (p. 472), mas
esquece que é produto necessárió desse modo de produção. O mesmo se
aplica à idéia de Ramsayr de qualificar "lucro líquido do capital''. ou juro,
como fonna desnecessária:

1402
"Os rentiers teriam apenas de se transfonruu: em capitalistas industriais.
Isso n{o importa à riqueza nacional ... O lucro bruto, por certo, não
precisa ser tão alto a ponto de proporcionar rendas separada$ ao proprie-
tário e ao empregador" (pp. 476, 477),

e aí de novo esquece ter ele mesmo dito que com o desenvolvimento do


capital necessariamente se forma uma classe sempre-·crescente de rentiers.

"Luc10 b.ruto de capital e de empresa ... necessírio para o progresso da


produção" (p. 475).

S natural. Sem lucro nã'o há capital, e sem capital não há produção


capitalista.

• * *

Conclusões, portanto, a que chega Ramsay: primeiro, o modo de


produçã'o capitalista baseado no trabalho assalariado mro é necessário,
não é forma absoluta da produção social (o que e)e mesmo só diz nesta
forma tacanha: "capital circulante" e "salário" seriam supérfluos se a massa
do povo não fosse tão pobre para ter de receber de antemão sua participação
no produto, antes de estar este pronto}; segundo, juro, contrapondo-se a
lucro industrial, e do mesmo modo renda fundiária (portanto a fonna de
propriedade fundíária criada pela própria produção capitalista) são excres-
cências que não poderiam ser essenciaís à produção capitalista e de que
esta poderia desfaier~se, No caso de esse ideal burguês ser realmente exeqüí-
vel, a conseqüência seria apenas que a mais-valia toda caberia diretamente
aos capitalistas industriais, e a sociedade (no domínio econômico) se redu-
ziria à mera oposição entre capital e trabalho assalariado, uma simplificaça:o
que por certo aceleraria a dissolução desse modo de produção.

* * *
(No Morning Star 145 , de 1Çl ie dezemhro de 1862, queixa-se um fabri-
cante:

145. The Mcming Star, jornal inglês, de L-0ndres. órgão dos lív;-e-(:i\mb[~llls.
Ciiculou de 1856 a 1869.

1403
"Deduza do produto bruto os salários do trabalho, a. renda da teua, .
o juro do çapital, o custo da matéria·prírna e os ganhos do agente, comer-
ciante ou negociante, e o que sobra é o lucro do fabricante, o residente
de Lancashíre, o dono, sobre quem se lança a sobrecarga de manter os
trabalhadores em favor de tantos participantes da repartiçifo do produto
bruto.")

(Se omitirmos o valor e observarmos fisicamente o produto bruto,


é claro que, após repor-se o capital constante e o aplicado em salário, resta
a parte do produto que encarna o valor excedente. Daí porém sai parte para
renda fundiária, e os ganhos dos agentes, comerciantes e negociantes - em-
preguem eles ou nã'o capital próprio - consistem em particípação na fração
do produto bruto a qual representa mais-valia. Trata-se portanto de dedução
para o fabricante. Se tomou capital emprestado, seu próprio lucrç> a~a se
divide em lucro industrial e juro.)
(Quanto à renda diferencial: o trabalho do trabalhador que trabalha
em terra mais fértil é mais produtivo que o daquele que trabalha em terra
menos fértil. Se fosse pago em produto, receberia do produto bruto fração
menor que a daquele que trabalha em terra menos fértil. Ou, o que dá no
mesmo, seu trabalho excedente r~Jativo, embora trabalhasse o mesmo
número de horas por dia, seria maior que o do outro. Mas seu sãlário custa
tanto quanto o do outro. Isso não torna maior o lucro de séu empregador.
A mais-valia inserida no excesso de seu produto, a maior produtividade
relativa de seu trabalho ou seu trabalho excedente diferencíal, .v'ái para o
bolso do dono da terra.) -

1404
Capítulo XXIII
Cherbuliez

Cherbuliez, Riche ou pauvre etc., Paris, 1841 (reimpressão da edição


de Genebra).
(A dúvida é s·e devemos inclufr essa figura de preferência nessa série de
economistas, pois sua obra na maior parte inspira-se em Sismondi, ou
apenas citar suas observações quando adequadas e oportunas. 146 )

1. Tentativa de distinguir capital constante de variável


Capital, diz Cherbuliez, são "as matérias-primas, os instrumentos, os
meios de ~'Ubsistência" (p. 16).

146. Marx aí tem em vista o plano que esboçou para Teorias da mais-valia. O
esquema dos últimos capítulos de Teorias, escrito na capa do caderno XIV do manus-
crito, específica o tema: "n) Cherbuliez.", a que corresponde este capítulo. Quanto
a Sísmondi, não tencionava Marx examinar-lhe as idéias ~m Teorias da ma1s-wrlía, mas
em outra parte de seu estudo, destinada a inVestigar "o movimento real do capital
(concorrência e crédito)" (ver p. 1108 deste volume).

1405
"Não há diferença alguma entre capi1al e qualquer outra parte da riqueza.
Só a maneira eomo a coisa é empregada é que a torna capítal; isto é,
quando é empregada como matéria-prima, insttumento ou meio de
subsistência numa operaçã:o produtiva" (p.18).

Essa é portanto a maneira comum de reduzir o capital aos elementos


materiais em que se manifesta no processo de trabalho. Meios de trabalho
e meios de subsistência. Mais precisamente, a referéncia a estes últimos está
inexata no sentido_ de que os meios de subsistência. sâ'o por certo condição
para os produtores existirem durante a produça:o, e condiçã'o prévia; mas
não entram no processo de trabalho, onde apenas ingressam o objeto de
trabalho, os meios de trabalho e o próprio trabalho. Os elementos objetivos
do processo de trabalho - comuns a todas as formas de produça:o são aí
batizados portanto de capital, embora os meios de subsistência (onde já
se contém o salário) incluam tacitamente a forma capitalista dessas condi-
ções de trabalho.
Como Ramsay, Cherbuliez acredita que os meio.~ de subsistlnc;a,
que Ramsay chama de capitàl circul~nte, diminuem (pelo menos em relaçli:o
à totalidade do capital e de maniera absoluta na medida em que as máquinas
de contínuo . desempregam traballiadores). Mas ele e Ramsay parécem
pensar que necessariamente diminui o volume dos meios de subsistência,
dos gêneros necessários que podem ser empregados como capitaJ produtivo.
Isso não é de maneira alguma o que se dá. Aí misturam-se sempre, do
produto bruto, a parte que repõe, o capital se emprega, e a parte que repre-
senta o produto excedente. Os meios de subsistência decrescem porque
grande porção do capital, isto é, da parte do produto bruto empregada
como capital, se reproduz como capital constante e não como capital
variável. Do produto excedente, parte maior consistente em meios de
, subsistência é consumida por trabalhadores improdutivos e por nâ'o traba·
lhadores ou trç)cada por artigos de luxo. Eis tudo.
Sem dúvida pode-se expressar também de outro modo o fato de
parte cada vez menor do capital global converter-se em capital variável. Do
capital, a parte consistente em capital variável é igual à parte do produto
total da qual o próprio trabalhador se apropria, produz para si mesmo.
Quanto menor portanto essa parte, tanto menor, da totalidade dos traba-
lhadores, a fraçã'o que basta para reproduzi-la (o que se dá com o traba-
lhador individual, que por isso trabalha menos tempo para si mesmo).
Como a totalidade do trabalho, o produto total dos trabalhadores se divide
em 2 partes. Produzem wm para si mesmos e a outra para os capitalistas.

1406
Pode-se dívidir a jornada do trabalhador individual em 2 partes, e o mesmo
se pode fazer com a jornada de toda a classe trabalhadora. A igualdade
trabalho excedente = l /2 jornada significa que metade da classe trabalha·
dora produz para mânter a Classe trabalhadora, e metade produz matérias·
primas, máquinas e produtos acabados para o capitalista, como produtor
ou como consumidor, ,.
O ódículo está em Cherbuliez e Ramsay acreditarem que, do produto
bruto, a parte que pode ser consumida pelos trabalhadores, entrar fisica·
mente em seu consumo, tenha diminuído por necessidade ou em geral.
Só diminuiu a parte que se consome nessa forma e portanto como capital
variável Em contraposíçfo, parte tanto maior é consumida por doméstícos,
militares etc., ou exportada ·em troca de proviS<:les de ·1uxo.
O importante, tanto em Ramsay quanto em Cherbuliez, é apenas
que na realidade contrapõem capital variável a constante e não se atêm à
diferença extraída da círculaç:ro, entre capital fixo e circulante. Pois Cher·
bulíez contrapõe a parte do capital constituída por meios de subsistência à
que consiste em matérias-primas, matérias auxiliares e meios· de trabalho
- ínstr~mentos, máquinas. Entretanto, aqueles dois componentes do capita]
constante - matérias-primas e matérias auxiliares - pertencem, pela forma
de circulação, ao capital circulante.
(O importante na variaçlío dos componentes do capital não é empre-
gar na produça:o de matérias-primas e de máquinas relativamente mais
trabalhadores que na de meios de subsistência diretos. Isso diz respeito
apenas à divisão do trabalho. O que importa naquela variação é a propor-
çã'o em que o produto tem de repor o trabalho passado (isto é, o· capital
constante) e de pagar o trabalho vivo. Quanto maior a escala da produção
capitalista, tanto maior em conseqüência o capital acumulado, tanto maior
a participação que têm, no valor do produto·, as máquinas e as matérias·
primas a que se reduz o capital empregado na produçiro de máquinas e
matéáas.primas. Parte maior do produto tem portanto de retornar à pro·
dução diretamente ou mediante troca das partes de capital constante entre
os produtores. A proporçiro da parte do produto utilizada na produção
torna-se maior, e menor relativamente a parte que representa o trabalho
vivo de novo adicionado. Sem dúvida, esta parte cresce, configurada em
mercadorias, em valor de uso, pois aquele fato significa produtividade
aumentada do trabalho. Mas relativamente cai ainda mais, dessa parte, o
segmento recebido pelo trabalhador. E o mesmo processo gera constante
excesso de populaça-o trabalhadora.)

1407
2. Decréscimo relativo do capital variável com desenvolvimento.
da produção capitalista

( t incontestável que, com o desenvolvimento da produção capitalista,


a parte do capital empregada em máquinas e matérias-primas aumenta, e a
empregada em salários diminui. Esta é a úníca questã'o que preocupa Ram-
say e Cherbuliez. Mas para nós, o problema principal é: explica esse fato
o decréscinlo da taxa de lucro'? (Decréscimo que, aliás, nem de longe
é tão grande quanto se diz.) Aí n:ro se trata apenas da relação quantitativa,
mas também da relaçllo de valor.
Se 1 trabalhador pode fiar tanto algodão quanto l 00, a matéda-
prima tem de ser centupJícada e, além disso, o processo só pode \evar-se a
cabo por meio da máquina de fiar em que um trabalhador dirige 100 fusos.
Mas, se ao mesmo tempo um trabalhador produz tanto algodão quanto
100 antes, e se um trabalhador constrói l máquina de fiar quando antes
só fazia 1 fuso, a relaçlfo de valor permanecerá a mesma; isto é, o trabalho
despendido em fiar, em algodão e em máquina de fiar continuará o mesmo
antes empregado em fiar, em algodão e fuso. ·
No tocante às máquinas, não custam tanto quanto._ o· trabalho que
desempregam, embora a máquina de fiar seja muito mais cara que o fuso.
O capitalista que possui uma máquina de fiar tem de dispor de capital
maior que o fiandeiro que compra uma roda de fiar. M.as, em relação ao
número de trabalhadores que ocupa, a máquina de fiar é mais barata que
a roda de fiar. Do contrário, a primeira nfo deslocaria a segunda. Em lugar
do fiandeíro surge o capitalista. Mas o capital que um emprega na roda
de fiar, em face do volume do produto, é relativamente maior que o capital
que o outro aplíca na máquina de fiar.)
A produtividade crescente do trabalho (desde que relacionada com
máquinas) é idêntica à quantidade decrescente de trabalhadores relativa·
mente ao número das máquinas empregadas e à extensão de seu emprego.
Em vez de um instrumento simples e barato coloca·se um conjunto daque-
les instrumentos (embora modíficados) e, além desse conjúnto, o segmento
todo da maquinaria constituído pela parte motora e pela de transmissão;
e mais, os materiais utilizados (carvã:o etc.) para produzir a força motriz
(como o vapor). Por fim, as construções. Se um trabalhador cuida de 1800
fusos em vez de girar uma roda de fiar, seria tolice perguntar porque esses
l 800 fusos não são tão baratos quanto uma única roda de fiar. A produti-
vidade af é gerada j4stamente pela quantidade de capital empregada em

1408
máquinas. A proporção do desgaste das máquinas só atinge a mercadoria;
o trabalhador defronta com as máquínas, e do mesmo modo o valor do
capital empregado em trabalho, com o valor empregado em máquinas..
Sem dúvida, as máquinas barateiam por dois motivos: emprego de
máquinas para produzir matérias-primas com que se constroem as máquínas;
emprego de máquinas na transformação desse material em máquinas. Estli'.o
implícitas aí duas coisas. Prímeiro: nesses dois ramos, tomando-se para
termo de comparação os instrumentos que a indústria manufatureira utili-
zava, o capital aplicado em maquinaria aumenta em relação ao empregado
em salário. Segundo: o que barateia é cada uma das máquinas e seus compo-
nentes, mas desenvolve-se um sistema de máquinas; mto é a unidade má-
quina que substitui um instrumento, mas um sistema, e um instrumento
que antes desempenhava talvez o papel principal, como agulha, por exemplo
(um tear para fazer meias ou em máquína similar), reproduz-se agora num
conjunto de muitos milhares. Cada máquina com que defronta o trabalhador
já ê uma coleç<!o enorme de instrumentos - antes só utilizava um instru·
menta -, por exemplo, 1800 fusos em vez de um. Mas, além disso, a má-
quina contém elementos que o instrumento antigo nli'o possuía etc. Apesar
de baratearem os elementos constitutivos, o preço do conjunto todo tem
ascensão muito grande, e a produtividade consiste na expansão constante
desse conjunto.
E mais. Um fator que reduz o preço da maquinaria, além do consti-
tuído por seus elementos, é o barateamento da fonte da força motriz (a
caldeira a vapor, por exemplo) e do mecanismo de transmissâ'o. A economia
de força. Isso ocorre justamente porque o mesmo motor em medida cres-
cente põe em rnovíffiento um sistema maior. Barateia relativamente (ou os
custos nli'o crescem na proporçlro do aumento da magnitude do sistema a
que se aplica; torna-se mais caro em escala maior, mas não na mesma
proporção em que se torna maior); esses custos, mesmo quando crescem
em tenpos absolutos, decrescem em termos relativos. Esta portanto uma
nova razã'o, se abstraímos do preço da máquina como unidade, para aumen-
tar o capital que se emprega em máquinas e se confronta com o trabalhador.
Um elemento, a velocídade crescente da maquinaria, acresce imensamente a
produtividade, mas nada tem que ver com o valor da própria maquinaria.
É portanto evidente ou tautológica a proposição de que à produtivi-
dade crescente do trabalho gerada pela maquinaria corresponde valor
crescente da maquinaria em relaçíío à quantídade de trabalho aplicada
(portanto, em relaça:o ao valor do trabalho, ao capital variável).
Todas as circunstâncias que fazem o emprego da máquína baratear o

1409
preço da mercadoría reduzem-se, primeiro, ao decréscimo da quantidade.
de trabalho que uma unidade de mercadoria absorve; e segundo, ao decrés-
cimo do desgaste de maquinaria cujo valor entra numa unidade de merca-
doria. Quanto menos rápido o desgaste das máquinas, tanto menos trabalho
se utiliza para reproduzi-la. Aumentam, portanto, a quantidade e valor do
capital existente em máquinas, confrontado com o existente em trabalho.
Resta assim apenas a questão da matéria-prima. É claro que sua
quantidade tem de subir em relação à produtividade do trabalho; isto é,
o volume de matéria· prima em relaç!ro à quantidade de .trabalho. Essa
relação é mais forte do que parece. Digamos, por exemplô, consumam-se
por semana 10 000 libras-peso de algodão. Igualemos o ano a 50 semanas,
e- então I 0000 x 50 = 500000 libras-peso. Seja o salário durante o ano
igual a 5000 libras. Se a libra-peso de a.lgod!ío custar 6. pence, teremos
250000 xelins = 12500 libra.s. Admítamos que o capita] tenha 5 rotações
por ano. Assim, em 1/5 do ano empregam-se 100000 Jibras-peso. Algodão
= 2500 libras. E nessa mesma fração do ano empregam-se 1000 libras em
salário. Assim, mais de I /5 do valor do capital inserido no algodão. Isso
nã'o altera a proporçã'o. Digamos qqe o valor do algodão em cada 1/5 do ano
seja igual a 10000, e o valor do trabalho = 1000, o que representa 1/10.
(Continua a ser l/lO se consideramos o produto todo, .50000 libras de
um lado, e 5000 do outro.)
( Quanto às máquinas, o valor da mercadoria é det".nninado pelo
desgaste que nela entra; isto é, apenas pelo valor das máquina.s na medida
em que entra no processo de formação do valor, isto é, na medida em que
seja consumido no processo de trabalho. Em contraposiç!o, o lucro é
detemünado (se abstraímos da matéria-prima) pelo valor da maquinaria
toda que entra no processo de trabalho, sem depender do que dele se
consuma. O lucro .por isso tem de cair à medida que o trabalho global
cai em relação à parte do capital empregada em máquinas. Não cai na mesma
proporção porque aumenta o trabalho excedente.)
()uanto ã matéria-prima pode-se perguntar: ·se a produtívidade na
fiação, por exemplo, decuplica, um trabalhador fia tanto quanto 10 antes,
por que um negro .não produziria tanto algodão quanto 10 antes, isto é,
por que n!fo permaneceria aí a mesma a relação de valor? A fiaça:o gasta
no mesmo tempo 10 vezes mais algoda-o, mas o negro produz no mesmo
tempo 10 vezes mais algodão. A quantidade de algodão 10 vezes maior não
ê maís cara que a quantidade anterior l O vezes menor. Assim, apesar do
acréscimo da quantidade de matéria-prima, sua relação de valor com o
capital variável continuaria inalterada. Na realidade a circunstância de ter

1410
barateado muito o algodão possibilitou àquela indústria desenvolver-se
como o fez.'* Quanto mais caro o material (por exemplo, ouro e prata),
tanto menos se aplicará maquinaría e divisão de trabalho para o transformar
em artigos de luxo. ~ que o adiantamento de capital para matéria-prima é
grande demais, e a procura desses artigos é restrita em virtude de ser caro
seu material.
A essa questão pode.se responder de maneira muito ampla: existem
matérias-primas produzidas por processos orgânicos animais, como lã, seda,
couro, ou produzidas por processos orgânicos vegetais, como algodtlo,
linho etc., e até agora a produçâ"o capitalista não conseguiu nem conseguirá
jamais dominar esses processos do mesmo modo que domina os processos
puramente meéãnicos ou químicos inorgânicos·.· Matérias-primas como
peles etc., e outros produtos animais já encarecem em parte porque a lei
absurda da renda fundiária, com o progresso da civílízação, eleva o valor
desses produtos. O carvão e os metais (madeira) barateiam muito com o
progresso da produção; entretanto, isso se torna mais difícil etc. ao se
esgota~em as minas.
(Se no tocante à renda (rent) do trigo e à das minas se pode dizer
que nlro encarecem o valor do produto (apenas o preço de mercado), ao
contrário, expressam esse valor (o excesso de seu valor acima do preço
de produção), em contraposiçâ'o nã'o há dúvida que renda (rent) de gado,
de caSa etc. não é efeito, mas causa do valor crescente dessas coisas.)
O barateamento das matérias - primas, das matérias auxiliares etc.
modera mas não suprime o valor crescente dessa parte do capital. Freia-o
até o ponto em qu_e motiva a queda do lucro.
(E com isso finda essa chateação.)
(Na observação do lucro supõe-se dada a mais-valia. E examinam-se
apenas as variações do capital constante e a influência delas na taxa de
lucro. Só há um modo pelo qual a mais-valia influi diretamente no capital
constante, a saber, pelo trabalho excedente absoluto, pelo prolongamento
da jornada, o que reduz o valor relativo do capital constante. O trabalho
excedente relativo - em que a jornada de trabalho permanece a mesma
(excluída a intensificaçã"o maior) - aumenta a proporção do valor do lucro
com o capital total pela elevação do próprio excedente. A jornada excedente
absoluta diminui relativamente os custos do capital constante.

*(Se amanhã o algodlro for 10 vezes maís barato, depoisdea1rumhãafiação se


desenvolverá ainda mais rápido etc.) (Marx.)

1411
3. Cherbuliez; Influência da composaçao orgânica do capital.
na taxa de lucro. Sua "Lei da Apropriação"

Voltemos a Cherbuliez.
As fórmulas que apresenta para taxa de lucro ou são expressões
matemáticas do lucro em sua maneira usual, sem envolver 1ei alguma, ou
enta:o são positivamente erradas, embora possua ele um pressentúnento
da coisa e desta se aprox.íme.

"O lucro mercantii 147 é detennlnàdo pelo valor dos produtos, compa-
rado com o ·dos diferentes elementos do capital produtivo" (p. 70).

(Na realidade o lucro é a relaç[o da mais-valia do produto com o


·válor da totalidade do capital adiantado, sem se considerar a diversídade
de seus elementos. Mas a própria mais-valia ê determinada pela magnitude
e pela taxa de valorizaçtro do capítal variável, e a proporç!io dessa mais-valia
com o capital total é por sua vez determinada pela proporção do capital
variável com o constante e tamb~m pela varíaçã'o do capital constante.)

"Os dois elementos principais dessa determinação são ·évidentemente


o preço das matérias-primas e a quantidade dos meios de subsistência
necessários para transformá-las. O progresso econômico da sociedade
atua em sentido contrário a esses dois elementos e tende a encarecer
as matérias-primas, porque aumenta o valor de todos os ptodutos das
indústrias extrativas 148 , indústrias que se exercem eni terràs de proprie-
dade privada e de extensa-o limitada" (p. 7'0).

Entrementes, os meios de subsistência diminuem (relativamente),


matéria a que voltaremos adiante.

"O total dos produtos menos o total do capital consumido para obtê-los
dá o total dos lucros durante determinado período. O total dos produtos
cresce na proporçcfo do capital ap!fcado e rufo do capital comumido. A
taxa doa lucro~ ou sua proporção com o capital I6sulta por isso da combi-
nação de duas outras relações, a saber: da proporção do capital empre-
gado com o conNrniào e da proporçãv do capital consumido com o
produto" (1.c., p. 70).

147. Segundo Cherbuliez, o lucro mercantil 6 o lucro de cada capitalista em


contraposição ao lucro da sociedade inteira.
148. Por indústrias extrativas entende Cherbuliez ruro só a exploração das rique-
zas do subsolo, a extraç:fü de madeira, a pesca, a caça, mas também todos os ramos da
agricultura que produzem matérias-primas agrícolas.

1412
Cherbuliez diz primeiro com acerto que o lucro é determinado pelo
valor do produto em relação ao dos "diferentes elementos" do capital
produtívo. De súbito refugia-se no próprio produto, na quantidade do
produto. Mas a quantidade do produto pode aumentar sem que aumente
o valor dessa quantidade. Segundo, a comparaçã'o da qua.ntídade do produto
com a qu~ntidade dos produtos em que consistiam o capítal consumido
e o não consumido pode fazer-se, quando muito, à manejra de Ramsay,
confrontando-se a totalidade do produto nacional com os elementos fisica-
mente empregados na sua produção. Mas, para o capital em cada ramo
partíCular, o produto assume forma em que difere de seus ingredientes
(mesmo nos ramos industriais. onde, como na agricultura etc., parte do
produto físico constitui elemento de produção desse produto). Por que
Cherbulíez se extravia assim? Porque, apesar de pressentir ser decisiva
para taxa de lucro a composição orgânica do capital, não utilizou a contra·
diçlfo do capital variável com a outra parte do capital para explicar a )Tiaís.-\
valia, o_ que absolutamente não fez, nem explicou o próprio valo(. Não]
mostrou donde provém a mais-valia e refugia-se, por ísso, no produto i
excedente, isto é, no valor de uso. /
Embora toda mais-valia se configure num produto excedente, recipro-
camente, produto excedente de per si não se configura em mais-valia (no
caso de um produto nt'io incluir mais.valia alguma, por exemplo, um campo-
nês que possua seus próprios instrumentos - e com estes sua própria terra
- e trabalhe exatamente apenas o tempo que cada trabalhador assalariado
trabalhe para repór ·o próprio salário, digamos, 6 horas, pode produzir
o dobro se a estaç:ro for favorável. Mas, o valor continua o mesmo. Nã'o
haverá mais-valia, embora haja produto excedente.) Em si mesma, já era
errada a idéia de Cherbuliez, de representar o capital variável na forma
"passiva" e meramente material dos meios de subsistência, isto é, do valor
de uso que tem nas mã'os do trabalhador. Se, ao invés disso, o tomasse
na forma em que realmente se apresenta, isto é, como dinheiro (existência
do valor de troca, isto é, quantidade determinada do tempo de trabalho
social como tal), tê-lo-ia reduzido ao trabalho que o capitalista troca por
esse capital (e com essa troca de trabalho materialízado por trabalho vivo
o capital variável ganharia movirrlento e cresceria); torna-se elemento do
capital P.rodutívo na forma de trabalho e n:ro na de meios de subsistência.
Estes, ao contrário, constituem o valor de uso, a existência material do

1413
capítal variável, na qual este se realiza como renda do traballiador. Assún,.
na forma de meios de subsistência, .o capital variável é um elemento comple-
tamente passivo como as duas outras partes do capital qualificadas de
passivas por Cherbuliez.*
A mesma concepção deformada impede-o de explicar, na base da
proporção desse elemento ativo com o passivo, a taxa de lucro e sua queda
com o progresso da sociedade. Na realidade, a única outra concluSão .ª que
chega é a de que os meios de subsistência se reduz.em em virtude do desen·
volvimento da produtividade, enquanto cresce a população traballiadora,
isto é, seu salário é comprimido abaixo do valor por causa da populaçiro
excedente. Cherbuliez nada explica na base da troca de valores ,-- nem
portanto na do pagamento da força de trabalho· por seu valor-, e o lucro
se apresenta na realidade (embora nã"o o díga) como dedução do salário,
a qual pode por vezes estar contida no lucro real, mas nunca pode justificar
a categoria do lucro.
Antes de mais nada, demos à primeira proposição uma expresSão
correta.

"O l/(Jlor do total do produto, menos o valor do total do capital consu-


mido para obtê-lo" (p1oduzi·lo ), "dá o total do lu~o dúrante determi-
nado período."

Esta ê a primeira forma (comum) em que o lucro se apresenta, apa-


rece, inclusive na consciência capitalista. Aliás, o lucro é a sÓbra do valor
do produto, em dado tempo, acima do valo; do capjtal consumido. Ou
a sobra do valor do produto sobre o preço de custo do produto. Mesmo
..o período determinado" em Cherbulíez cai das nuvens, uma vez que
não apresentou o processo de circulação do capital. Portanto, a primeira
proposição é apenas a defíniçã:o ·comum de lucro, a fonna imediata em
que aparece.
Segunda proposiçUo:

"O total dos produtos cresce na proporçá'o do capital aplicado e não


do capital consumido."

Reproduzindo-a noutros termos, diremos então que

* À p. 59, Cherbuliez chama matérias-primas e maquinaria etc. de "os dois


elementos passivos do capital" c:m oposição aos meios de subsistência.

1414
"o valor do total do produto cresce na proporção do capital adiantado"
(seja ou não consumido). ·

Aí procura-se apenas insinuar a proposição de modo nenhum demons-


trada, falsa em sua formulação imediata (pois já supõe o nivelamento com
a taxa geral de lucro), de que a magnítude do lucro depende da magnitude
do capital aplicado. Mas pretende-se introduzir aí um nexo causal àparente
porque "o total dos produtos cresce na proporção do capital apUcado e
não do consumido".
Consíderemos a proposição em duas redações diferentes, ta] como está
e conforme o significado que deveria possuir. No contexto - e de acordo
com a conclusão a que se destina a servir de termo médio -, sua redação
deveria ser: "O valor do total dos produtos cresce na proporção do capital
aplicado e nã:o do consumido." O objetivo aí é sem dúvida obter a mais-
valía da circunstância de a sobra do capital aplicado sobre o consumido
gerar a sobra de valor do produto. Mas o capital não consumido (máquinas
etc.) conserva o valor (pois o não consumido significa justamente que não
se conslimiu seu valor), mantém, após a conclusão do processo de produção,
o mesmo valor que tinha antes dele. Uma var'iação de valor, se ocorreu,
só pode ter sucedido na parte do capita) a qual foi consumida e por isso
entrou no processo de formação do valor. Na realidade, também se erra
quando se diz, por exemplo, que um capítal de que se consomem na pro·
dução 2/3 e n!ío l /3, dada igual taxa de exploração do trabalho (e omitindo.
se o nivelamento da taxa de lucro) dá lucro mais alto que um capital de que
se consome 1/3 em vez de 2/3. É que este último contém evidentemente
maís máquinas etc. e outros elementos do capital constante, enquanto
aquele contém menos: desses elementos e movimenta mais trabalho vivo
e em conseqüência mais trabalho excedente.
Mas a proposição, tomada como a redigiu o próprio Cherbuliez,
de nada lhe serve, antes de tudo porque a quantidade dos produtos ou
a dos valores de uso como tais de modo nenhwn determina o valor, nem
a mais-valía, nem o lucro. Mas que é que está subjacente aí'? Do capital
constante, parte constituída por máquinas etc. entra no processo de tra·
bailio e, sem entrar no processo de formação de valor, ajuda a aumentar
a quantidade dos produtos, sem lhes acrescentar coisa alguma ao valor.
(Pois, desde que lhes adicione valor com seu desgaste, passa a pertencer
ao capital consumido e nã'o ao capital aplicado em oposição ao consu-
mido.) Mas a parte não consumida do capital por si mesma não gera acrés-
cimo dá quantidade de produtos. Em dado tempo de trabalho ajuda a

1415
criar produt"' maior. Se portanto só se trabalhasse tanto tempo de tra-.
balho quanto o encerrado nos meios de subsistência, ficaria o mesmo
o volume de produtos. O ·excedente do produto decorre portanto de
mudança que se dá nessa parte do capital consumido e não do excedente
do capital aplícado sobre o consumído, supondo-se que não se trate
de ramos industriais como a agricultura, onde o volume do produto é
ou pode ser independente da quantid~de do capital despendido, pois a
produtividade do trabalho depende em parte de condíçQes naturais incon·
troláveis.
Ao revés, se Cherbuliez considera o capítal constante, consumido
ou rufo, independente· do tempo de trabalho, independente da mudança
que ocorre com o capjtaI variável no processo de valorizaçã"o, poderá dizer
do mesmo modo: "A quantidade total dos produtos" (pelo menos na
indústria manufatureira) "cresce ao crescer, do capital consumido, a parte
constituída por matérias-primas." Pois o crescimento do produto ídentmca-
se aí fisicamente com o crescimento dessa parte do capital. Todavía, na
agricultura (e também na indústria extrativa), o volume do produto em
terra mais fértil - em país ondeise aplica pouco capital na-o consumido
(isto é, capital constante) e relativamente muito capital consumido (salário
etc.) - pode ser muito maior do que em país adiantado, ond~ a proporção
do capital aplicado para o consumido ê muito maior. ·
A segunda proposiç!io portanto se reduz a um embuste para introduzir
a mais-valla (a base necessária do lucro). ·
Terceira proposição:

"A taxa dos lucro~ ou a proporção deles com o capital resulta por isso da
combinação de duas oulras relações, a saber: a proporçaõ do capiral
aplicado com o consumido e a prnporçfo do capital comumido oom o
produto" (p. 70).

O objetivo prévio era explicar o lucro. Mas, como único resultado,


surgiu apenas a definição que expressa meramente o modo como se ªl're-
senta, o fato de que o lucro é igual ao valor da sobra do produto global
acima 'do preço de custo do produto ou do valor do capital consumido, a
definição vulgar de lucro.
Cabe agora explicar a taxa de lucro. Mais uma vez, porém, consegue-
se apenas a defíníção "1llgar. A taxa de lucro é igual à proporção do lucro
com o capital total ou, o que dá no mesmo, à proporção da sobra do valor
do produto acima de seu preço de custo, com o capital total adiantado para

1416
a produção, A concepção deformada e o emprego bisonho da distinç[o
aproximadamente correta dos elementos do capital, e a noçâ"o de que
lucro e taxa dependem a rigor da proporçâ'o entre esses elementos, levam
apenas à repetiça:o das proposições de conhecimento geral em forma mais
doutrinária, com o que na realidade se verifica apenas existirem o lucro e
a tax;a de lucro, mas nada se diz sobre sua natureza. .
A coisa não melhora com a circunstância de Cherbuliez expressar alge-
bricamente as fórmulas doutrinárias:

"O produto total durante dado período = P, o capital aplicado = C, o


lucro = L, a proporção (taxa) do lucro com o capital = t, o capital
consumido = c. Assim, P - c = L, t = L/C.; em conseqüência, Ct = L.
Assim, P - c = Ct; portanto, t = P - cíC" (p. 70, nota 1.)

Isso quer dizer apenas que taxa de lucro = propor~o do lucro com
o capital, e lucro = excedente do valor do produto acima do preço de
custo.
Em geral, o que Cherbuliez tinha em mente ao falar de capital consu-
mido e não·consumido era a diferença entre capital fixo e capital circulante,
em vez de se ater à distinç:ro por ele mesmo verificada, que se contrapõe
a essa diferença e que resulta do processo de produção. A mais.valia vem
antes da circulação; e por mais que as diferenças oriundas da circulação
influam na taxa de lucro, nada têm que ver com a origem do lucro.

ªO capital produtivo compõe-se de parte consumível e parte não consu·


mível. A ~edida que riqueza e população crescem, a parte consumível
tende a aumentar porque as indústrias extrativas exigem sempre porçâ'o
cada vez mais considetável de trabalho. Mas o mesmo desenvolvimento
aumenta o montante do capital aplicado em proporção muito mais
.rápírla que o do capital consumido. Assim, embora o total do capital
oonsnmido tenda a aumentar, cs.se efeito se neutraliza porque a massa
do produto cresce em progressão ainda mais rápida e se tem de considerar
que o total dos lucros se expande numa ptoporção pelo menos tão
grande quanto a do total do capital aplicado" (p. 71 ) .
..O montante dos lucros vai crescendo, mas não a taxa, que é a proporção
desse montante com o capital aplicado, t == P - c/C. E claro que P - e
ou o lucro, uma ve:i, que P - e = L, pode crescer, embora t decresça
quando C cresce mais rápido que P - c" (p. 81, nota).

Aí, ainda se toca de leve na causa da queda da taxa de lucro, mas


isso, após as deformações precedentes, só pode trazer confusã'o e levar a
antinomias que se eliminam reciprocamente. De início awnenta a massa

1417
do capital consumido, mas a dos produtos aumenta com maior rapidez
(isto é, aí a sobra do valor do produto acima do preço de custo), pois
awnenta na proporção do capital aplicado, e este cresce maís rápido que
o consumido. Nenhures se diz por que o capítal fixo cresce com mais
rapidez que a massa das matérias-primas, por exemplo. Contudo, deixemos
isso de lado. A massa de lucro c1esce na proporção do capital aplicado,
do capital total, e não obstante a taxa de lucro deve cair porque o capital
total cresce mais rápido que a massa dos produtos ou, antes, que a massa
de lucro.
Primeiro cresce a massa de lucro em proporção pelo menos tão grande
quanto "o total do capital aplicado", e em seguida a taxa de lucro cai
porque o total do capital aplicado cresce com m.aís rapidez que a massa
de lucro. Primeiro, P - c cresce "pelo menos" na proporção de C, e depois
P - c/C cai porque C cresce com mais rapidez que P - c, que pelo menos
cresce com a mesma rapidez de C. Se cancelarmos toda essa confuslfo,
resta apenas a tautologia: P - ciC pode por sua vez cair, embora P - c
aumente, isto é, a taxa de lucro pode cair, embora o lucro aumente quando
ela cai. Taxa de lucro sígnifíca apenas a proporção de P - e com C, e essa
proporção dímínui quando o capital cresce mais rápído que a massa de
lucro.
A lição de sapiência daí resultante é que a taxa de lucro pode cair,
isto é, a proporção da massa crescente de lucro com o capital pode cair
quando o capital cresce com mais rapidez que a massa de lucro· Óu quando
a massa de lucro, apesar do crescimento absoluto, decresce relativamente
em confronto com o capital. Isso nada mais é que outfa expressão para a
queda da taxa de lucro. E nunca houve dúvidas sobre a possibilidade desse
fenômeno, nem mesmo de sua existência. A única questã'o a considerar
era justamente explicar a causa dele, e Cherbuliez explica a queda da taxa
de lucro, a queda da massa do lucro em relaç.íío ao capital total pelo cresci-
mento da massa de lucro na proporçã'o, pelo menos, em que aumenta o
capital. Patenteia-se ter pressentido que a massa de traballio vivo empregado
diminui relativamente em confronto com o traballio pretérito, embora
cresça em termos absolutos, e que por isso a taxa de lucro tem de decrescer.
Mas não chega a uma visa-o clara. Os umbrais do conhecimento, se na reali-
dade não são transpostos, quanto mais próximos, tanto mais se deformam
as formulações, e fica a ilusão de terem sido u1trapa~sados.
Contudo é pertinente o que diz sobre o nivelamento da taxa geral de
lucro.

1418
"'Após deduzir-se a renda fundiázía, o testl da roma dos lucros, isto é,
do excedente do produto acima do capital conillmido, divide-se pelos
produtores capitalistas na proporç.fo do capital que cada um tenha
empregado, enquanto, dos produtos, a porção correspondente ao capital
consumido e destínada a repô-lo se distribui na proporção do que tenham
realmente consumido. A dupla lei da distribuição e$tabelece·se em
cónseqüéncin da competição, que iende a nivelar u vantagens de todas
as aplicações de capital. Por fim, essa lei dupla.-da distribuição determina,
nas diferentes espécies de produção, os i;olores e preços respectivos"
(pp. 71, 72).

Muito bem. Só incide em erro nas palavras finais, ao afirmar que


valores e preços (devia dizer preços de produção) das mercadorias são
determinados por essa formaçâ'o da taxa geral de lucro. A determinação
do valor, ao contrário, é o primordial, a precondíção da taxa de lucro e
da formaçiío dos preços de produção. Como poderia uma repartição, seja
qual for, da "soma dos lucrós", isto é, da mais-valia, que é ela mesma
apenas parte do valor total das mercadorias, determinar essa "soma dos
lucros", isto é, a mais-valia, ou seja, os próprios valores das mer~doiias?
A coisa só estaria correta se entendêssemos por valores relativos das merca·
dorias os preços de produçã'o. A deformação toda de Cherbuliez decorre
de nlo considerar a origem e as Jeís do valor e da mais-valia de maneira
independente.
Quanto ao mais, apreende até certo ponto com acerto a relação entre
trabalho assalariado e capital:

"Pessoas que nada· recebem por devolução (legado, herança etc.) nem
dispõerp. de algo para trocar recebem o necessário só na medida em que
oferecem ·seu trabaUw aos e».pitalistas. Adquirem direito apenas às coilias
que lhes são concedidas oomo preço do trabalho, mas niio ao produto
desse trabalho nem ao valor que aí acrescentaram" (pp. 55, 56).
«Ao vender seu traballio por determinada quantidade de meios de subsis·
tência, o proletário renuncia por completo a todo diteito sobre as outras
partes do capital. A distríbuiçfo desses produtos permanece a mesma
anterior; a referida convenção não a modifica de maneira alguma. Os
produtos continuam a pertencer com exclusividade ao capitalista que
forneceu as meios de subsistência e as matérias-primas. Isso é 11 rigor
conseqüêncÍll da lei do apropriaçãb, cujo princípio fundnmental era,
ao revés, o direito exclusive do trabalhador aos produtos de seu trabalho"
(p. 58).

Segundo Cherbuliez, o princípio fundametal estabelece:

"O trabalhador tem direito exclusivo ao valor re~ultante de seu trabalho"


(p. 48);

1419
Cherbulíez não entende e não explica como a lei pela qual as merca··
dodas se equivalem e se trocam na proporção de seu valor, isto é, do tempo
de trabalho nelas contido, ·se trans.muta fazendo, ao contrário, a produção
capitalista - e só nesta é essencial a geração do produto como mercadoria
- depender da apropriaÇâ'o de parte do trabalho sem haver troca. Sente
apenas ocorrer aí uma transmutação.
Essa lei fundamental é pura ficção. Decorre de uma aparência da
circulação das mercadorias.. Estas se trocam na proporção de seu valor,
isto é, do trabalho nelas inserido. Os indivíduos, ao se confrontarem apenas
como possuidores de mercadorias, só podem apoderar-se da mercadoria
alheia alienando a própria. Por isso parece terem trocado apenas o próprio
trabalho, pois a troca de mercadorias qÚe contêm trabalho alheio, desde que
elas mesmas mio tenham sido por sua vez obtidas mediant!l troca de merca·
doría própria, pressupõe entre os homens. relações que diferem das de
possuidores de mercadorias, de compradores e vendedores. Na produção
capitalista se desfaz essa aparência que a própria superfície ostenta. Mas
o que não se desfaz é a ilusão de que, na origem, os homens se confrontam
apenas como possuidores de mercadorias e por isso cada um só é proprietá-
rio na condição de trabalhador. Esse "na origem" é, como di~se, miragem
oriunda da aparência da produçã'o capitalista e nunca existiu na realidade
histórica. Em geral o ser humano (isoiada ou socialmente)' aparece sempre
como proprietário antes de aparecer como trabalh~dor, seja .a pr_opriedade
apenas o que ele mesmo obtém da natureza (ou o que, como participante
da famfüa, da tribo ou da comunidade, consegue ·seja _da natureza, seja
dos meios de produç!l'.o comuns já produzidos). Apenas ultrapassado o
primeiro estado animal, o homem obtém propriedade sobre a natureza por
meio de sua existência como membro de uma comunídade, familia, tríbo
etc., por meio de unia relaçlfo com os outros homens, a qual determina
sua relação com a natureza. O "trabalhador destituído de propriedade"
como "princípio fundamental", ao contrário, é nad;i. maís que uma criatura
da 'civilizaçfo e, em escala histórica, uma criatura da "produção capitalista".
Temos. aí uma lei da "expropriação" e não da "aprôpríação", pelo menos
nlio da mera apropriação como a imagina Cherbuliez, mas da espécie de
api;opriação que corresponde a um modo de produçâ'o determinado, espe-
cífico.
Diz Cherbuliez :

"Os produtos sã'o objeto de apropriação antes de se converterem em


capital. Essa conve.rsã"o não os livra daquela apropriação.. l.P- 54).

1420
Mas isso se aplica tantos aos produtos quanto ao trabalho. Matérias-
primas etc. e meíos de trabalho pertencem ao capitalista; Sfo a forma
a que se converteu seu dinheiro. Ademais, se comprou força de trabalho
- digamos, o emprego por um dia (12 horas, por exemplo) de uma força
de trabalho - com uma quantia igual ao produto de 6 horas, pertence-lhe
o trabalho de 12 horas, dele apropriou-se antes de ser executado. O trabalho
transforma-se em capital por meio do próprio pro.cesso de produç!!:o. Mas
essa transformação é ato posterior à apropríaç:ro. Os "produtos" transmu-
tam-se em capital, materialmente, desde que funcionem no processo de
trabalho como condições de trabalho, condições de produç.!Io, objeto de
trabalho e meios de trabalho; segundo a fonna, desde que seu valor se
mantenha e desde que se tornem meios de absorver trabalho e trabalho
excedente; desde que operem de fato como absorvedores de trabalho.
Além disso, a força de trabalho, objeto de apropriação antes do processo
de · produção, transforma-se diretamente em capital dentro do processo,
convertendo-se nas condições de trabalho e em mais-valia, uma vez que
conserva o capital constante, repõe o variável e adiciona mais-valia.

4. A acumulação, reprodução ampliada

"Toda acumulaç.ío de riqueza proporciona os meios de acelerar a acumu-


lação p~sterior" (p. 29).

(O ponto de vista de Ricardo (herdado de Smith), de que toda acu·


mulaç[o se reduz a dispêndio em salário, seria errado ainda que nenhum
segmento da acumulaç!Io se processasse de maneira física direta, como se
dá, por exemplo, quando arrendatário semeia mais, o pecuarista aumenta
o gado de criação e de engorda, o produtor de máquinas obtém parte da
maís-valía em máquinas de construir máquinas, e mesmo quando todos os
produtores de componentes de alguma parte do capital não efetuem super-
produção constante, contando com a circunstância da acumulação anual,
isto é, com o acréscimo da escala geral. Além disso, o camponês pode trocar
parte do trigo excedente com o pecuarista, que pode convertê-lo em capital
variável, enquanto o camponês, com essa troC<l, transformou seu trigo em
capital .constante. O plantador de linho vende parte do produto excedente
à fiação, que o converte em capital constante; com o mesmo dinheiro, o

1421
plantador de linho pode comprar ínstrumentos, e o fabricante de ínstru-.
mentos, ferro etc., de modo que todos esses elementos se tornam direta-
mente capital constante. Mas, fora disso, admitamos que o construtor de
máquinas quer converter um capital adicional de 1000 libras em elementos
de produçlio. Desembolsará sem dúvida parte dele em salários, digamos
200 libras. Ma; com as 800 libras, comprará ferro, carvlio etc. Vamos
supor seja mister. produzir primeiro ferro, carvão. Isso só é possível -
suposto que os produtores de ferro ou carVão não possuam estoque exce·
dente (acumulado) de suas mercadorias, nem possuam maquinaria adicional,
nem possam comprá-la diretamente (pois também nesse ·caso ocorreria
troca de capital constante por capital constante) - se esses produtores
puserem sua maquinaria antiga a trabalhar durante mais tempo. Sua i:epo·
sição toma-se então mais rápida, mas parte do seu valo.r entra no novo
P,roduto. E mais. O produtor de ferro, em todo caso, precisa de mais carv[o,
t'erá portanto de transformar diretamente em capital constante pelo menos
parte do .que lhe coube das 800 libras. Mas ambos, produtor de carvão e
produtor de ferro, vendem carvão e ferro incluíndo o trabalho excedente •·
não pago. E se este importar em 1/4, das 800 libras, 200 já não se convertem ·
em salário, fora a porção que se reduz a desgaste da maquinaria antiga.
O excedente, por toda parte, reside no artigo que o capital particular
produz, carvão, ferro etc. Dá-se a conversão direta de parte do excedente
em capital constante quando os produtores cujos artigos reciprocamente
lhes servem de ingredientes da produçi'.fo. trocam entre -si essés artigos.
Mas a parte que se troca pelos produtos gerados pelos produtores dos
meios de subsistência e, que repõe o capital constante deíes cria o necessá~
rio capital variável. Os produtores dos meios de subsistência que já não
podem entrar como elementos em sua produç«o (exceto como capital
variável) recebem capital constante suplementar justamente pelo mesmo 1
processo que permite aos outros obterem capital variável suplementar.
o que distingue a reproduçã'o - desde que' seja acumulação - da
reproduçllo simples é o seguinte,:
Primeiro: os elementos de produçã'o acumulados, tanto os relativos-
â parte variável como ã constante, consistem em trabalho de novo adicio-
nado; não se consomem como renda (revenue), embora provenham do
lucro; são constituídos de lucro ou trabalho excedente, enquanto na repro-
duçlío simples parte do produto representa trabalho pretérito (no caso,
trabalho não realizado no ano corrente).
Segundo: sem dúvida, se se prolonga a jornada de trabalho em certos
ramos, isto é, nã'o se trabalha corri instrumentos ou máquinas adicionais,

1422
o novo produto paga em parte o desgaste mais rápido do velho equipamen-
to, e esse consumo acelerado do capital constante antigo constitui também
momento 149 da acumulaçifo.
Terceiro: em virtude do capital-dinheiro adicional que se forma no
processo da reproduçfo ampliada - quer por liberaç!o de capital, quer por
converSfo de parte do produto em dinheiro, quer porque o produtor, com
o dinheiro reembolsado, simplesmente diminui a procura das mercadorias
de outros, por exemplo, dos vendedores de artigos de luxo - não é de modo
nenhum necessária a reposiçã'o sistemática .dos eJementos·como sucede com
a reprodução simples. Com a sobra de dinheiro pode cada um comprar ou
alocar produtos, embora o produtor a quem os _compra nlío despenda sua
renda (revenue) no produto do primeiro, nem reponha seu capital com esse
produto.) (O capital adicional (variável ou constante). toda vez que não
se compense com outro, tem de assumir a forma de capital-dinheiro, mesmo
que este exista apenas como direito de haver.)

5. O lado sismondiano de Cherbuliez. A composição orgânica


do capital. Capital fixo e circulante

Em tudo mais, Cherbulíez é um singular amálgama de idéias sismon-


dianas e rícardianas em antagonismo.
Como sismondiano diz:
. '
"A hipóteSe de uma relação invariàvel entre os díferentes elementos do
capítat não se realíza em nenhum estádio do progresso econômico da
sociedade. A relação é essencialmente variável, e por duas razões: a) a
divisão do trabalho e b) a substituição da força humana pelos agentes
naturais" (p. 60.
"Ambas essas causas tendem a reduzir a proporção dos meios de subsis-
tência com os dois outros elementos do capital" (p. 62).
"O aumento do capiral produtíro ruto acarreta neces:'iariamente, nessa
situação, crescimento dos meios de subsistência destinados a constituir
o preço de trabalho; pode ser aoompanhado, ao menos em caráter
temporário, por redução absoluta desse elemento do capital e em C(ll1Se·
qüência por uma qued!J do preço do tmbalho" (p. 63).

(Isso é sismondiano; a única idéia de Cherbulíez é o efeito sobre o


··nível do salário. Isso nã'o cabe de modo nenhum numa pesquisa onde se

149. Ver nota 36, p. 1143 deste volume.

1423
supõe sempre pago o valor do trabalho e não se levam em conta as flutua· .
ções do preço de mercado do trabalho acima ou abaixo desse ponto (o
valor).)

"O produtor que quer introduzir nova divisão do trabalho em sua indús-
tria ou tirar proveito de uma força natural, não espernrá por uma acumu-
lação de capital que lhe permita empregar na nova condição todos os
trabalhadores de que antes precisava; no caso da divisão do trabalho
limita-se talvez a produzir com 5 ttabalhadores o que ante' produzia
com 10; no caso da aplicação de uma força natural empregará talvez
apenas '1 máquina e 2 trabalhadores. No primeiro caso, os meios de
subsistência se reduz.irlfo em conseqüência a 1500, no segundo, a 600.
Mas, uma ~ que o número de trabalhadores permanece o mesmo, a
CQncorrência entre eles logo fará o preço do trabalho C3ir abaixo de sua
taxa primítiv"a" (pp. 63, 64).
HEste é um dos resultado~ ma.is contundentes da lt!i da apropriação. O
aumento absoluto da rique-ia, isto -é, dos produtos do trabalho, não
acarreta nenhum acréscimo proporcional e pode mesmo acarretar decrés-
cimo nos meios de subsistência dos trabalhadores, na porçã'o que lhes
cabe de todas as espécies de produtos" (p. 64).
"As causas que determinam o preço do trabalho" (mas aí se trata apenas
do preço de mercado do trabalho) "sã.o a quantidade absoluta do capital
produtivo e a relação entre' os diferentes elementos do capital, dois fatos
sociais sobre os quais a vontade do trabalho não pode influir"' (p. 64).
"Quase todas a5 probabilidade~ sã"o contra o trabaUtador" (1. e.).

A relação entre os diversos elementos do capital produtivo é determi·


nada duplamente. ·
Primeiro: a composiç!o orgânica do capital produtivo. Entendemos
por isso a composição tecnológica. Dada a produtividade do trabalho - a
qual se pode considerar coostante enquanto não se introduza mudança -
fica detenninada, em todo ramo de produção, a quantidade de matérias-
primas e de meios de trabalho, 1sto é, a quantidade de capital constante,
de seus elementos materio.is, a qual corresponde a quantido.de defIDÍda de
trabalho vivo (pago e na:o pago), ou seja, aos elementos materiais do capital
variável ·
Se é pequena a proporção do trabalho materializado com o vivo.
é grande a porção do produto a qual representa trabalho vivo, na:o importa
como se divida entre capitalista e trabalhador. E vice-versa. Para dada taxa
de exploração do trabalho, o trabalho excedente é grande num caso e
pequeno no outro. Mudanças aí só podem ocorrer em virtude de mudança
no modo de produção, a qual altere a relação tecnológica entre ambas as
partes do capital. Mesmo nesse caso, se a magnitude dos capitais é diferente,
a quantidade de trabalho vivo aplicàdo pode ser, em tennos absolutos, igual

1424
ou até maior para o capital que empregue mais capital constante. Mas
rela.tivamente tem de ser menor. Para capitais da mesma magnitude ou
para determina.da parte alíquota do capital total, digamos, 100, tem de
ser menor absoluta e relativamente. Todas as mudanças decorrentes do
desenvolvimento (não do decréscimo) da produtividade do· trabalho redu.
zem a parte do produto a qual representa trabalho vivo, diminuem o capital
variável. Observando capitais em ramos de produção diferentes, podemos
dizer que essas mudanças reduzem o capital variável absolutamente nos
ramos que estejam num escal!ío mais alto de produç!fo, pois supõe-se invariá·
vel o salário.
Até aí as mudanças oriundas de alteraçiro no modo de produçiro.
Mas, segundo, supondo-se dadas a composiÇ!fo orgânica dos capitais e
a diferença oriunda da diversidade de sua composição orgânica, a relaçoo de
va'/or pode variar, embora a composiçã"o tecnológica não varie. Pode ocorrer:
a) mudança no valor do capital constante; b) mudança no va1or do capital
variável; e) mudança em ambos, em proporções iguãis ou desiguats.
a) Ina1terada a composiça:o tecnológica, o valor do capital oonstante,
se variaI, cairá ou subirá. Se cair e se se empregar apenas a mesma quanti-
dade anterior de trabalho. vivo, isto é, se n::ro se alterar a escala ou o nivel
da produção, serão, por exemplo, empregados 100 homens como dantes,
será exigida materialmente a mesma quantidade anterior de.matérias-primas
e meios de trabalho. Mas o trabalho excedente aumentará em relaçã'o ao
capital total aplicado. A taxa de lucro elevar-se-á. No caso oposto, declinará.
No primeiro caso, para os capitais já empregados nesse ramo (n!ío aqueles
nele reinvestidos ~pós a mudança do valor dos elementos do capital cons-
tante) diminui o montante global do capital aplicado ou se libera parte do
capital, embora a produção continue na mesma escala; ou o capital assim
liberado se reap1ica na produção e tem enta'o o efeito de acumulaçã'o. Acres-
ce a escala de produção e aumenta, em proporçifo, a quantidade absoluta
de trabalho excedente. Com dado método de produção, toda acumulação
de capital leva a acréscimo do montante total de mais-valia, qualquer que
seja sua taxa,
Ao revés, se subir o valor dos elementos do capital constante, será
mister aumentar a escala de produção (portanto, o montante do capital
total aiiiantado) para se empregar a mesma quantidade anterior de .tra-
balho (o mesmo capital variável se inalterado o valor); enuro, embora
o montante absoluto de mais-valia (e a taxa de mais-valia) não varie, caí
sua proporçã'o com o capital total adiantado e, em conseqüência, a taxa
de lucro. Mas, se nlfo se amplia a eseala de produção, o montante total do

1425
capital adiantado, será necessário reduzir, seja como for, o capital variável. .
Se, em capital constante, continuar sendo empregada a mesma quantia
anterior, representará ela porção menor de seus elementos materiais, e ter-
se-á de empregar menos trabalho porque a relação tecnológica não variou.
Então o total do capital adiantado se reduz em virtude do trabalho que foi
dispensado; o valor total do capital adiantado diminuí; mas nesse capital
diminuído aumenta (segundo o valor) a proporção do capítal constante.
A mais-valia decresce em termos absolutos porque se emprega menos
trabalho; e diminui a proporção da mais-valia remanescente com o total
do capital adiantado, porque o capital variável é menor em relação ao
constante.
Mas, se o capital total é empregado como dantes· - o acréscimo do
valor do capital constante compensará o decréscimo do valor do capital
· variável (que representa quantidade menor de todo o trabalho vivo apli-
cado), um acrescerá na mesma proporção em que o outro decrescerá -,
cairá a quantidade absoluta de mais-valia, pois se empregará menos"trabalho
e ao mesmo tempo diminuirá a proporção dessa mais-valia com o capital
total adiantado. Assim, a taxa de lucro decresce por duas razões: porque
diminui a quantidade de trabalho excedente e porque esse trabalho exce-
dente se reduz em relação ao total do capital adiantado.
No primeiro caso (o do decréscimo do valor dos eleméntos do capital
constante), quando, seja como for, sobe a taxa de lucro, a escala de pro-
duçilo tem de amplíar-se para que acresça o montrmte de lucro. Admitamos
que o capital seja de 600, metade constante, metade variável. Se o valor
do capital constante se reduzir de I /2, haverá como dantes 300 de capital
variável, mas só 150 de constante. Ao todo, 450 de capital aplicado, e libe-
rados 150. Se esses I 50 forem aí reaplicados, deles 100 serio desembolsados
em capital variável. Ampliam-se portanto a escala de produçtlo e a quantí-
. dade de trabalho empregado se. o mesmo capital anterior contínua a ser
aplicado na produção.
No caso oposto, o da elevaçíío do valor dos elementos do capital
constante, quando a taxa de lucro de qualquer modo cai, é mister que
aumente a escala de produção, isto é, o capital .adiantado, para o montante
de lucro nfío diminuir e permanecer a mesma a quantidade de trabalho
aplicado (portanto, de mais-valia). Se não houver esse aumento,, se for
apenas adiantado o capital antigo ou menor que o antigo, cairão tanto a
taxa quanto o montante de lucro.
Em ambos os casos, a taxa de mais-valia fica inalterada; contudo,
varia se mudar a compos.içâ"o tecnológica do capital: aumenta se acresce

1426
o capital constante (pois o trabalho se torna então mais produtivo), e
diminui se decresce o capital constante (pois o trabalho então fica menos
produtivo).
b) Mudança no valor do capital variável, independente da composição
o"f'gânica, só é possível porquemeios de subsistência que nâ'o sâ'o produzidos
nesse ramo de produçito e nele entram 0omo merl:!ldorias vindas de fora,
caíram ou subiram de preço.
O val.or do capital vaTiável, se cair, continuará a representar a mesma
quantidade anterior de trabalho vivo. Apenas custa menos a mesma quanti-
dade. Se. a escala de produção portanto nâ'o varia (pois inalterado o valor
do capital constante), r~duz-se a· parte do capital total adiantada para a
compra de trabalhadores. I! menor o eapital a despender para a compra
do mesmo número de trabalhadores. Assim, decresce aí, para a mesma
escala de produção, o montante do capital desembolsado. A taxa de lucro
sobe, e por duas razões. A mo.is-valia subiu; a proporção do trabalho vivo
com o materializado permaneceu a mesma, mas porção maior de mais·valía
se relaciona com o capital total menor. Ademais, a inversão da parte libe-
rada equivale a acumulação.
Se sobe o valor do capital variáve~ é mister, para se empregar a mesma
quantidade anterior dé trabalhadores, desemb,olsar maior soma de capital,
porque, sem ter variado o valor do capitai constante, aumentou o do variá-
vel. A quantidade de trabalho fica a mesma, mas parte menor dele é trabalho
excedente, e essa parte menor se relaciona com capital maior. É o que se dá
se a escala de produç/kJ permanecer a mesma, embora tenha subido o valor
do capital total. Se esse valor não 'subir, tem de diminuir a escala de prodii·
ção. A quantidade de trabalho decresce, e dessa quantidade reduzida decorre
porção menor de trabalho excedente, que também decresce em relação ao
capital total adiantado.
Em certas circunstâncias, as mudanças orgânicas e as geradas por
varíaçâ'o do valor podem ter o mesmo efeito sobre a taxa de lucro. Mas
estas - e nisto se distinguem daquelas-, se nlio decorrem de meras flutua·
ções de preços de mercado. se portanto nâ'o são temporárias, têm sempre
de provir de mudança orgânica nos ramos que fornecem elementos do
capital constante o_u do variável.
Aqui nfo é mister entrar em pormenores do C0$0 (e).
Para capitais de igual magnitude em diferentes ramos de produçflo
- ou para cotas iguais de capital total, por exemplo, para cada 100- pode
ser a mesma a composiç/kJ orgânica, mas diferir a relaçlio de valor entre os
componentes elementares do capital constante e do varíável, segundo o valor

1427
diferente da quantidade empregada de instrumental e de matérias-primas. .
Por exemplo, cobre em vez de ferro, ferro em vez de chumbo, lã em vez
de algod:ÍO etc.
Mas, se a relação de valor é a mesma, pode ser diferente a composição
orgânica? Com a mesma composição orgânica, si'o as mesmas as massas
relativas de capital constante e de trabalho vivo que se combinam para
cada 100. As relações quantitativas são as mesmas. :é possível que o valor
do capital constante seja o mesmo, embora difiram relativamente as quan-
tidades de trabalho postas em movimento. Se as máquinas ou a matéria-
prima ficam mais caras (ou mais baratas), pode ser, por exemplo, exigido
menos trabalho; mas, então, também o valor do capital variável é relativa-
mente menor (ou sucede o contrário).
Tomemos A e B. Sejam e' e v' os componentes de A (em valor), e c e v
os de B (em valor). Se e': v' = e: v, c'v = v'c. Portanto c' /e = v' /v.
Uma vez iguais essas relações de valor, s6 é possível o que segue. Se
num ramo se efetuo. mais trabalho excedente que em outro (na agricultura,
por exemplo, é impossível o trabalho noturno e, embora o trabalhador
indiyídual possa trabalhar em excesso, o total de trabalho que se pode
empregar em dada área de terra etc. é limitado pelo objeto a. produzir
(trigo), enquanto, para fábrica de dada magnitude, a quantidade de produ-
ção depende (em potência) do número de horas que se ttabalha; isto é,
decorre de diferenças nos tipos de produçlío a circunstância de se poder,
com dada escala de produção, empregar num ramo mais trabalho·éxcedente
que em outro), é possível que a relação de valor do capital constante com
o variável seja a mesma e que, apesar disso, difira a relàçli'.o da massa de
trabalho aplicada com o capital total. Ou entílo admitamos que o material
e o trabalho (de qUalidade superior) sejam mais caros na mesma proporção.
Nesse caso, A emprega 5 trabalhadores, enquanto B emprega 25, e lhe cus-
tam 100 libras como os 25, por ser mais caro seu trabalho (valendo mais,
portanto, seu trabalho excedente). Ao mesmo ternpo,;os 5 transformam
matéria-prima y, de 100 libras-peso = 500, e os 25 dé B matéria-prima x,
de 1 000 libras-peso -== 500, porque, em A, o material é mais caro e a
produtiYidade do trabalho .é menos desenvolvida. Aí a relaçtio de valor
em ambos os casos é 100 libras v para 500 e, mas difere a composição orgâ-
nica.
A relaç5o de valor é a mesma: o valor do capital constante de ·A é
igual ao do capital constante de B, e proporcionalmente A desembolsa em
salário tanto capital quanto B. Mas a quantidade de seus produtos é menor.
Sem dúvida precisa da mesma quantidade absoluta de trabalho de B, mas

1428
relativamente mais porque seu capital constante é mais caro. Transforma
menos matéria-prima etc. no mesmo tempo, mas essa quantidade menor
lhe custa tanto quanto a maior de B. Nesse caso, a relação de valor é ames-
ma; é diferente a composição orgânica. No outro caso, admitida a mesma
relação de valor, isso só é possível se divergirem as quantidades de trabalho
excedente ou se diferirem os valores dos tipos diversos de trabalho.
A composição orgânica pode ser assim concebida: proporções difere-
rentes de capital constante que é necessário despender nos ramos de produ-
çlío diferentes para absorver a mesma quantidade de trabalho. A combinaçUo
da mesma quantidade de "trabalho com o objeto de trabalho exige num caso
mais material e mais máquinas que no outro, ou apenas maior quantidade
de um dos dois. · ·
(Nas ocorrências de proporções muito diferentes de capital fixo com
circulante, pode ser a mesma a proporção de capital constante com variáve~
e a mais-valia, em conseqüência, a mesma, embora tenham de ser diferentes
os valores -anualmente produzidos. Admitamos que na indústria de carvãô,
onde nro se aplicam matérias-primas (abstraindo-se das matérias auxiliares),
metade do capital total stja capítal fixo, e metade, variável. Admitamos
que na alfaiataria o capital fixo = O (abstraíndo-se também das matérias
auxiliares), e, do capital total, metade seja matéria-prima, e metade, capital
variável. Ambos os ramos realizara:o (sendo igual a exploraçlfo de trabalho)
a mesma mais-valia, uma vez que, para cada 100, empregam a mesma
quantidade de trabalho em relação ao capital. Mas admitamos que o capital
fixo na indústria de carvão tenha uma rotação decenal, sem diferir nos dois
casos a rotação do capital circulante. O valor produzido pelo capital do
alfaiate no fim do ariO'(suporemos que o capital variável tenha uma rotação
anual nos dois casos) será de 150 se a mais-valia for de 50. Em contrapo-
sição, o valor produzido no fim do primeiro ano pela empresa de carvã'o
será 105 (isto é, 5 correspondentes a capital fixo, 50 a variável e 50 a
trabalho excedente). Como no caso da alfaiataria, o valor total desse produ-
to, acrescido do capital fixo, importa em J50, a saber, 105 do produto
+ 45 para o capital fixo restante. A produção de magnltudes de valor
díferentes náo exclui portanto a produção do mesmo montante de maís-
va!ia.
No segundo ano, o capital fixo da empresa de carvão será 45, o variá·
vel 50 e a mais·valia 50. O capital adiantado portanto será 95, e o lucro
= 50. A taxa de lucro terá subido porque o valor do capital fixo terá
decrescido em virtude do desgaste de 1/10 no primeiro ano. Nao há por-
tanto a menor dúvida que em todos os ramos onde se aplica muito capital

1429
fixo - em escala de produça:o invariável ··-, a taxa de lucro tem de subir
na medida da queda anual do valor da máquina, do capital fixo, em virtude
do desgaste já reposto. Se a empresa de carv:ro vende-o durante os 10 anos
pelo mesmo preço, terá de obter, no segundo ano, lucro maior que no
primeiro e assim por diante. Ou entã'o ter-se-ia de supor que os trabalhos
de manutenção etc. estão na razão direta do desgaste, de modo que não
varia o montante da parte anualmente adiantada sob o título de capital
fixo. Esse lucro extra pode contrabaJançaMe no período - excluído o
desgaste - pelo declínio do valor do capital fixo, em virtude de ter este
de concorrer com máquinas novas, melhores, inventadas depois. Ademais,
aquela taxa ascendente de lucro, oriunda naturalmente do desgaste, permite
ao valor decrescente do capital fixo concorrer com máquinas novas e me-
lhores cujo valor global ainda se tem de computar. Por fim, a empresa de
carvão vendeu maís barato no fim do segundo ano, isto é, de acordo com
este cálculo: 50 correspondem a 50% de 100; 50% de 9 5 = 4 7 l /2; se
vendeu a mesma quantidade de produto nlio por 105, mas por 102 1/2,
terá vendido mais barato que a empresa cuja maquinaria, por exemplo,
está no decurso do primeiro ano ;de trabalho. Grandes investimentos de
capital fixo pressupõem a posse de grandes montantes de capital. E uma
vez que esses grandes possuidores de capital dominam o mercado, parece
que por essa razão só operam com lucro extra (rent). Na ágricultura, essa
renda (rent) decorre de se trabalhar com terra de maior fertilidade relativa,
mas aqui se opera maquinaria relativamente mais barata.) ·
(Uma série de ocorrências atribuídas à relação entre capital fixo e
circulante concernem à diferenças entre capital constante e variável. Pri-
meiro, as proporções de capital constante com variável podem ser as mes·
mas, embora sejam diferentes as de capital fixo com circulante. Segundo,
quanto ao capital constante e variável, trata-se da divisão primordíal do
capital em trabalho vívo e materializado, e não da modificação dessa relaçtro
pelo processo de circulação ou pela influência deste na reprodução.
Antes de mais nada é claro que a diferença entre capital fixo e circu-
lante só pode influír na mais-valia (excluídas as diferenças na quantidade
de trabalho vivo aplfoado referentes à proporção do capital variável com o
constante) até o ponto em que influi na rotação do capital total. Assii:n,
é mister examinar como a rotação atua sobre a mais-valia. Duas circunstân-
cias estão evidentemente relacioanadas com isso: (l) a mais-valia não pode
acumular-se, converter-se em capital, com tanta rapidez (com tanta freqüên-
cia); (2) o capital adiantado tem de crescer para manter empregados a
mesma quantidade de trabalhadores e também por causa dos adiantamentos

1430
mais prolongados que o capitalista tem de fazer a si mesmo para seus pró-
prios custos de consumo. Essas circunstâncias Sio importantes para o lucro.
Mas aqui, antes de tudo, é mister ver apenas como atuam sobre a mais-valia.
E é necessário distinguir sempre urna circunstância da outra.)
(Tudo o que aumenta o capital adiantado, sem acrescer proporcional-
mente a mais-valia, reduz a taxa de lucro, mesmo que a mais-valia perma-
neça a mesma; tudo o que o diminui tem efeito oposto. Por isso, montante
de capital fixo em relação ao círculante ...., ou rotação diferente do capital
-, desde que influa na magnitude do capital adiantado, influirá também
na taxa de lucro, ainda quando não tenha a menor influência na mais-valia.)
(A taxa de lucro n!io é simplesmente a mais-valia calculada sobre o
capital adiantado, mas a quantídàde de mais-valia· realizada em dado perío-
do, isto é, num determinado segmento da circulaçtro. A diferença entre
capital fixo e circulante, portanto, desde que influa na quantidade de mais-
valía que determinado capital realiza num dado período, influirá na taxa
de lucro. Dois aspectos se apresentam: a diferença na magnitude do capital
adianta{i.o (em relaçã'o à mais-valia realizada) e a diferença no prazo pelo
qual se adianta esse capital para retornar com exce<lente.)
(Duas circunstâncias têm influência substancial no tempo de repro-
dução ou antes no número de reproduções num determinado período:
( l) Demora prolongada do produto na própria esfera de produção.
Primeiro, é possível que um produto, para ser feito, precise de mais
tempo que outro, seja maior porção do ano ou um ano inteiro ou mais de
um ano (este último caso sucede, por exemplo, em construções, na criação
de gado e na fabricação de vários artigos de luxo). A produção aí. conforme
a composíçifo do capital produtivo em constante e variável, absorve de
contínuo trabalho, muitas vezes enormes quantidades de trabalho (como
se dá com produtos de luxo, construções) em relação ao capital constante.
Assim, na proporção em que mais se prolonga a produção, mas com conti·
nuidade uniforme do processo de trabalho, há absorção ininterrupta de
trabalho e de trabalho excedente. É o que ocorre, por exemplo, com o gado
ou com as construções que exigem mais de um ano de trabalho. O produto
só pode circular, isto é, vender-se, depois de estar pronto. O trabalho exce·
dente do primeiro ano se materializa junto com o trabalho restante no
produto inacabado do primeiro ano. N:ro é maior nem menor que noutros
ramos industriais onde reina a mesma proporção do capital constante com
o variável. Mas o valor do produto não pode realizar-se - no sentido de ruro
poder converter-se em dinheiro -, nem a mais-valia, portanto. Esta, por
isso, n:ro pode acumular-se com capital nem ser usada no consumo. O capital

1431
adiantado e também a mais-va1ia servem, a bem dizer, de base para que a
produção prossiga. Slro pressupostos dessa continuidade e de certo modo
servem de semifabricados ou, seja como for, de matéria-prima para a produ-
ção do segundo ano.
Admitamos seja o capital 500, e o trabalho 100, mais-va1ia = 50, de
modo que, no segundo ano, o capital adiantado à produção = 550 + 500.
De novo, a mais-valia = 50. Então, o valor do produto = 1100 libras.
Destas, 100 constituem mais-valia. Neste caso, a mais-valia é a mesma
como se o capital fosse reproduzido no primeiro ano e de novo empregadas
500 libras no segundo ano. O capital variável continua a ser 100, e a mais-
valia 50. Mas a taxa de lucro é diferente. No primeiro ano é 50/500 ou 10%.
Mas no segundo ano adiantam-se 550 + 500 = 1050, e desta quantia 1/10
é 105. Na base da mesma taxa de lucro, o valor do produto, no 19 ano,
será 550; no 29, 550 + 500 + 55 + 50 = 1155. No fim do segundo ano,
o valor do produto "" 1155. Sem aquela base, seria apenas 1100. O lucro
aí é maior que a mais-valia produzida, pois esta importa apenas em 100.
Se incluímos os custos de consumo que o capitalista tem de adiantar a sí
mesmo durante dois anos, o capital desembolsado ainda será ·maior em
relação à mais-valia. E sem dúvida a mais-valia toda do primeiro ano conver-
teu-se em capítal do segundo ano. Ademais, o capital empregado em salário
é maior porque as 100 libras desembolsadas nlro são prodtizidas no fim do
primeiro ano, e assim, no segundo .ano, têm de ser adiantadas 200 pelo
mesmo trabalho para o qual, nas condições ordinárias, bastam"ÍOO que se
reproduzem no 1Q ano.
Segundo. Depois de concluído o processo de trabalho, o produto
tem de permanecer ainda na esfera de produção para passar, como o vinho
na adega, por processos naturais que não exigem trabalho ou requerem
trabalho relativamente ínfimo. Só após o decurso desse prazo, o capital
é reproduzível. Ai é claro que, qualquer que seja a relaçlro do capital variável
com o constante, o resultado equivalerá a maior desembolso de capital
constante e menor de capital variável. O trabalho excedente, como o tra-
balho todo que aí se emprega durante determinado· período, é menor. A
círcunstãncia de ser a mesma a taxa de lucro decorre do nivelamento e não
da mais-valia produzida nessa esfera. É mister adiantar antes mais capital
para manter o processo de reprodução - a continuidade da produção. E
ainda por essa razffo cai a proporçilo da mais-valia com o capital adiantado.
Terceiro. Interrupções no processo de trabalho enquanto o produto
está no processo de produçlro, como se dá na agricultura, no processo de
curtír couros e outros onde os processos químicos constituem um intervalo

1432
antes de o produto poder passar de uma fase para a imediatamente superior.
Se nesses casos descobertas químicas encurtarem o intervalo, aumenta a
produtividade do trabalho, acresce a mais-valía e adianta-se, em menor
tempo, trabalho pretérito ao processo. Em todos esses casos, a mais-valia
é menor, o capital adiantado, maior.
(2) O mesmo se dá quando a rotaçâ'o dq capital circulante demora
mais que a média em virtude da distância do mercado. Também aí o adian·
tarnento de capital é maior, e sã'.o menores a mais-valia e sua·proporçtlo com
o capital adiantado. )
(No último caso, permanência mais longa na esfera da circulação; no
outro, mais longa na esfera da produça:o.)
(Admitamos que o capital àdiantado num ramo qualquer da indústria
de transporte seja 1 000, o fixo 500, que se desgasta em cínco anos. Capital
variável = 500, com uma rotaçlfo anual. EntS:o, o valor do produto anual
= 100 + 500 + 100, se a taxa de maís-vaHa = 20'%. Temos, ao todo,
700. hnaginemos porém que, no ramo de vestuário, seja o capital constante
500 (fixo "" O), o variável 500, e a mais-valia 100. Haja 4 rotaç<"ies por
ano. Enta:o, o valor anual do produto ""' 4 (500 + 500) + 100 = 4100.
A mais-valia é a mesma nos doís casos. O último capital, em sua totalidade,
tem 4 rotaçC!es por ano, ou uma por trimestre. O outro capital consegue
uma rotação anual de 600, ou seja, uma trimestral de 600/4 = 150. Por·
tanto, rotaçlfo de 50 num mês, de 100 em 2 meses e 400 em 8 meses. A
rotaçã:o do capital, em sua totalidade, precisa de l ano e 8 meses, o·u seja
20 meses. Num ano sua rotaçã:o é apenas de 6/10.
Dir·se-á ent!l;o que o primeiro para obter um lucro de 10%, agrega:
ao valor de 1 000, trimestralmente, menos que o outro. Mas aí nlfo se trata
de agregação. Um obtém quantidade maior de mais-valia sobre o capital
consumido, mas Mo sobre o aplicado. Essa diferença resulta da mais-valia
e não da agregação do lucro. A diferença aí consiste no valor e na-o na maís-
valia. Ambos os capitalistas têm capital variável de 500, que ·realiza 4. rota-
ções por ano. Conseguem mais-valia anual = 100, com taxa anual de rnais·-
valía = 20%. Mas 25 libras no trimestre: será entâ'o maior a percentagem?
25 sobre SOO em cada trimestre correspondem a 5% por trimestre, isto é,
20%ao ano.
Do capital do primeiro, metade rota por ano 4 vezes e metade rota
apenas 1/5. Metade de quatro vezes é duas vezes. Esse capital, portanto,
rota 2 1/10 vezes por ano. O outro capital, em sua totalidade, rota 4 vezes
por ano. Mas isso em nada altera a mais-vali.a. O segundo capitalista, se
prossegue o processo de reprodução sem interrompê-lo, tem constantemente

1433
de converter 500 libras em matérias-primas etc. e ~empre dispõe apenas de .
500 para trabalho, enquanto o primeiro dispõe também de 500 para traba-
lho e possui as outras 500 libras de uma vez por todas (isto é, durante
5 anos), em fonna que não precisa ser objeto de reconversfo. Mas isso só
se aplica se é igual a proporção do capital constante com o variável, apesar
de diferir a do capital fixo com o circulante. Se metade do capital é cons-
tituído por constante e metade por variável em ambos os casos, 1/2 do
capital num caso .só pode consistir em fixo se o capital constante circulante
= O, e 1/2 no outro só pode consistir em capital constante circulante se
o fixo = O. Embora o capital constante circulante possa ser igual a O, como
na indústria extrativa e na indústria de transporte, em que, todavia, as
matérias auxiliares em vez de matérias-primas constituem capital constante
circulante, o capítal fixo (excetuados banqueiros etc.) nunça será igual a O.
Mas isso é irrelevante se o capital constante, nos doís casos, está na mesma
proporç!fo com o variável, mesmo que contenha menos capital fixo e mais
capital constante circulante, num caso, e o inverso, no outro. A única dife·
rença aí está no tempo de reprodução de metade do capital e no da totalí·
dade do capital. Um capitalista tem de adiantar 500 libras por ·5 anos antes
de recuperá-las, o outro por l trimestre ou 1 ano. Difere o poder. de dispor
do capital. o que difere n[o é o adiantamento, mas o tempo pÓr que se faz
esse adiantamento. Esta diferença em nada nos importa âquí. Mais-valia
e lucro, se se considera o total do capital adiantado, se igualam: no primeiro
ano 100 libras sobre o capital adiantado de 1 000. No segundo ario, porém,
taxa superior de lucro correspondérá ao capital fixo porque o capital varíá·
vel permanece o mesmo e o valor do fixo reduziu-se. 'No segundo caso,
o capitalista só adianta 400 de ·capital fixo e 500 de variável, e continua
a obter 100. Mas 100 sobre 900 ~ 11 1/9%, enquanto o outro capitalista,
se continua a reproduçâ'.o, adianta 1.000 como dantes e obtém 100, o que
equivale a 10%. ·
A situação naturalmente muda se com o capital füw cresce o total
do capital constante em relação ao variável, ou se é mister, em suma, adian·
tar mais capital para se pôr em movimento a mesma quantidade de trabalho.
O que importa acima não é o número de rotaçôes do capital ou a magnitude
do adiantamento, mas quantas rotações, para renovar o processo de produ-
ção realiza num caso a parte que basta para pôr em movimento a mesma
quantidade de trabalho produtivo do outro caso. Mas, se no exemplo
acima o capital fixo, em vez de SOO, fosse 1 000, e o circulante continuasse
a ser apenas 500, a coisa mudaria. Contudo, não decorreria isso da circuns-
tãncia de ser fixo o capital. Pois. se o capital constante circulànte no segun-

1434
do caso (em virtude do encarecimento do material, por exemplo) custasse
1 000 em vez de 500, o efeito seria o mesmo. A confusão que aí se estabe-
lece decorre de, nos primeiros casos referentes aos dois exemplos, ser tanto
maior a magnitude relativa do capital total adiantado em confronto com
o variável, quanto maior for o capital fixo. Aliás, toda a história da rotação
a bem dizer deriva na origem de empréstimo tomado ao capital mercantil,
em que a rotaçá"o é determinada por outras leis, e em que, segundo mos-
trei150, a taxa de lucro é na realidade determinada pelo núinero médio das
rotações, omitindo-se a composição. desse capital que de resto consiste
principalmente em circulante. Pois no ca.pítal mercantil o lucro é determi-
nado pela taxa. geral de lucro.)
(Eis o que importa. Seja o capital ftxo = x. Se só rotar uma vez
em 15 anos, rota apenas 1/15 por ano, e só é mister repô-lo em 1/15.
De nada adiantaria multiplicar essa reposição por 15. Continuaria a ser
absorvida a mesma quantidade de capital fixo. E o produto a.penas enca-
receria. Sem dúvida, a capacidade de dispor é menor e o risco da deprecia·
çã'o maior que no caso em que se adianta o mesmo montante de capital
em forma circulante. Mas isso em nada altera o excedente, embora entre
no cálculo dos capitalistas sobre a taxa de lucro, pois aquele risco entra
no cálculo do desgaste. Vejamos a outra parte do capital: seja. a porçã'o
circulante do capital constante (matérias-primas e matérias auxiliares)
= 25000 por ano, e o salário = 5000. Se o capital tiver apenas uma
rotaçâ'o por ano, 30000 libras terão de ser adiantadas durante o ano, e se
a mais~valia = 100% = 5000, o lucro no fim do ano será 5000/30000
= 162/3%.
Em contraposiÇã:o, se o capítal tiver 5 rotações por -ano, será necessá·
rio apenas adiantamento de 5 000 para capital constante circulante e 1 000
para salário. O lucro será de 1000, e, nos 5/5 do ano, de 5000. Mas essa
mais-valia se obtêm com um capital de 6000, uma vez que nada mais se
adianta. Lucro portanto de 5000 sobre 6000 ou 5/6, 5 vezes maior, isto
é, de 83 1/3%. (Omitimos o capital fixo.) Por conseguinte, diferença muito
grande na taxa de lucro porque na realidade, com um capital de J 000,
compram-se 5000 de trabalho, e com um capital de 5000, ~5000 de matéría-
prima etc. Se os capitais fossem iguais com essa taxa desigual de rotação,
só 6000 libras poderiam ser adiantadas no primeiro caso. Ou por mês apenas

150. Marx alude aí a seu estudo sobre capítal oomercial, contido nos c.adernos
XV e XVU do manuscrito, sobretudo nas pp. 964 {caderno XV) e 1030 (caderno XVII).

1435
500; 5/6 desse montante em capital constante e 1/6 em capital variável. .
Esse 1/6 = 83 1/3, e mais-valia aí de 100% = 83 1/3, o que durante o
ano atingiria (83 + 1/3) 1·2 = 12/3 (ou 4) + 996 = 1000. Mas 1000
sobre 6000 = 16 2/3%.)

6. Cherbuliez procura harmonizar os pontos de vistà incompa-


tíveis de Ricardo e Sismondi

Voltemos a ·cherbuliez.
O Cherbuliez sismondiano:

"O prog,esso econômico da sociedade, na medida em que se caracteriza


pelo acréscimo absoluto do capital produtivo e por mudança de JJ10por-
çiio entre os diversos elementos desse capital, oferece aos trabalhadores
algumas vantagens: (1) a produtivídade major do trabalho, sobretudo
pelo emprego das máquina's, ocasiona crescimento do capital produtivo
tão rápido que, apesar da alteraÇ[o oconida na proporÇ[o dos meios de
sub1istência com os elementos restantes do capital, ess;es meíos experi-
mentam cr.escímento absoluto que pennite n® só a ocupaç:ro anterior
do mesmo número de trabalhadores, mas também o emprego de um
número adicional, de modo que o resultado do progresso; salvo algufl'llJ.:;
interrupçõe:;, consiste, para os trabalhadores, em aurnent,e·'d.o capital
produtivo e da procura de tnbalho. (2) A produtividade maior do capital
tende a reduzir oonsideravebnente o valor ae grande número de produto;,
a pô·los em conseqüência ao alcance do trabalhado!, cujas fruições ficam
por isso acrescidas (l.c., p. 65).

Ao revés:
(1} A dimínu ição temporária dos meios de subsistência que formam o
pxcço do_ trabalho, por pouco durável, por pouco parcial que seja, não
deiXará de produzir efeitos dM.istrosos.
(2) As circunstâncias que propiciam o progresso econômico de uma
sociedade são em grande parte ·casuais, independentes da vontade dos
produtores capitiilistas. Os efeitos dessas causas, portanto, não poderiam
ser constantes etc." (p. 66).
(3) "O que proporciona ao trabalhador uma situação feliz ou infeliz é
menos o consumo absoluto que o relativo. Que ímporta ao trabalhador
poder obter alguns produtos antes inacessíveis aos de sua iguala, se o
número dos produtos que lhe são inacess{veis aumentou numa JJ10por-
çilo ainda maior, se a distância que o separa do co:pitalísta apenas acres-
ceu, se sua posição social se degradou e se tornou mais desvantajosa'!
Excetuado o consumo de estrita necessidade para manter nossas forças,
o valor de nos:ras fruições é essencialmente relativo" (p. 67).

1436
"Esquece-se muitas vezes que o trabalha.dor assalariado, como o capita-
lista que trabalha, é um ser pensante, dotado das mesmas faculdades
humanas, movido pelos mesmos motivos" (p. 67).
"Quaisquer que sejam as vantagens que um creseimento rápido da riqueza
proporcione aos trabalhadores assalariados, nllo remedeia a causa de sua
miséria. .. eles continuam pr'ivados de todo direito sobre o capital, obriga·
dos par iuo a vender seu trabalho e a renunciar a todas as pretenS(Je:
sobre os produto: desse trabalho,. (p. 68). __
"Eis aí o principal vício da lei da apropriação ... o mal e~d nessa absoluta
ausência de liame entre o trabalhador assalariado e o cnpital que sua
~bilídade põe em movimento" (p. 69).

Essa última frase com a palavra "liame" é genuínamente sismondiana


e ao mesmo tempo inepta.
Quanto ao homem nonnal ser igual ao capitalista etc., ver 1. e., pp .
.74-76.
Sobre a concentração dos ct.pitais e a eliminação dos pequenos capita·
listas (1. e., pp. 85-88).

'"O lucro real, se na situação atual provém da poupança dos capitalistas,


poderia também originar-se da dos assalariados" (p. 89).

Cherbuliez aceita
(1) a tese de Míll, de todos os impostos incindirem sobre a renda
fundiária 151 (p. 128), mas uma vez que é impossível

"estabelecer um impÓsto de modo que a rigor incida sobre a renda fun-


diária e apenas"a atinja",

e uma vez que é difícil distinguir o lucro da renda fundiária. e impossível


quando o próprio proprietário é o agricultor, chega Cherbuliez
(2) à verdadeira conseqüência da teoria rícardiana:

"Por que não se dá mais um passo e $e suprime a propriedade privada do


solo?" (p. 129).

151. James Mill demonstrou em seu livro Elements of polítical economy (pri-
meira edíÇã'o, Londres, 1821, capítulo 4, seção 5: "Impostos sobre a renda fundiária")
a conveniência de imancia.r todas as despesas do Estado com a renda fundiária global
em todos os caros em que a terra não constitui propriedade privada, e com o acr-éscilrw
da renda fundiária qua.'!do a tem. já se tenha tornado propriedade privada e ocorra
acréscimo da renda fundiária em rel~ão à situação an~eríor.

1437
"Os proprietário& da~ terras sà'.o ociosos mantidos às custas do público·
sem vantagem alguma para a indústria, nem para o bem-estar geral da
sociedade" (p.129).
''São os capitais aplicados na agricultura que tornam a terra produtiva; o
proprietário da terra em nada contribui para isso. Só existe para embolsar
renda fUndíária que não faz parte do lucro de seus capitaís, não re$Ulta·do
trabalho nem das forças produtivas do solo e sim do preço dos produtos
agrícolas, elevado pela conco.rrência entre os consµmidores" etc. (p. 129 ),
"Uma vez que a abolição da propriedade privada do solo em nada muda-
ria as causas que geram a renda, esta continuaria a existir; mas seria
cobrada pelo Estado, a quem pertenceriam todas as terras e que arrenda·
ria as áreas cultiváveis a particulãces dotados de capitais suficientes para
exp loiá·las" (p. 130}.

A renda da terra substituiria toda a receita tributária.

"Por fim, a indústria emancipada, liberta de fodo ent.Iave, teria progresso


espantoso" etc. (p. 130).

Mas, como conciliar essa c9nseqüência da teoria ricardiana com o


piedoso desejo sismondíano de construir ''liames,, para o capital e para
a produção capitalista? E como obter essa conciliação com· esta lâ st.ima?

"J! o capital que acabará governando o mundo se nenhum, transtorno


detiver a marcha que o desenvolvimento de nossa sociedade segue no
regime da lei da apropriação" (p. 1S2). _
"Por toda parte o capital terá apagado as antígas distinções sociais, a fim
de substitui-las pela mera classificação dos homens em ricos e pobres,
ricos que fruem e governam, e pob1es que trabalham e obedecem"
(p. 153).
"A apropriação universal dos bens produtivos e dos produtos redu'Zita,
em todos os tempos, a numerosa classe dos proletários a um estado de
sujeição e de incapacidade política; mas essa apropriação se oornbínava
outrora com um sistema de leis restritivas que, entravando o decenvol·
vimento dq indústria e a acumulaçaõ dos capitais. continham o cr:esci-
mento da classe deserdada, reduziam sua liberdade civil a limites estreitos
e assim contribuíam de várias maneiras para tornar essa Cla$$e inofensiva.
Hoje o capital despedaçou parte desses entraves. ApreSta-se paia despe-
daçá-los todos" (pp. 155, 156).
"A desmoralízacão dos p1oletiúios é o segundo efeito da distribuiç!o
das rique-zas" 151 (p.156).

152. Para Cherbulie:t, o primeiro efeito "da distribuição atual das riquezas"
é a desigualdade entre pobres e ricos.

1438
Capítulo XXIV
Richard Jones

1. "An Essay on the distribution of wealth ... ". Significado da


diferença histórica dos modos de produção. segundo Jones.
Sua superioddade em relação a Ricardo rio tocante a certas
questões da teoria da renda

.Rev. R. fones, An Esso.y on the Distribution of Wealth and on the


Sources of Ta.xation, Londres, 1831: Parte I - Renda fundiária.
É essa a primei;a obra sobre renda fundiária que se distingue pelo
que falta a todos os economistas ingleses desde Sir James Steuart: o sígnífi·
cado da diferença histórica dos modos de produção. (A essa correta díferen·
ciação das formas histórícas em geral não contradizem os grandes erros
arqueológicos, filológicos e históricos imputados a Jones. Ver, po~ exemplo,
EdinburghReview, vol. LIV, art. IV 153 .)

153. Marx alude à análise crítica feita no volume LIV dessa revista {agasta·
setembro de 1831 ), ao livro que acabara de apMecer, An essay cm the dinributiDn of
wealth . . ,, de Richard fones.

1439
Observou ele que, para os economistas modernos depois de Ricardo,
renda fundiária é lucro suplementar, defíniçio que pressupõe ser o arrenda-
tário um capilalista (ou ·Um capitalista: arrendatário que explora a terra)
que espera lucro médio· por esse emprego particular do capital e ainda
subsumir-se a própria agricultura ao modo capitalista de produção. Em
suma, esses economistas só concebem a propriedade da terra na forma
transmutada, na moderna forma burguesa que lhe deu o capital como a
relação dominante da produção. De modo nenhum participa Jones da
ilusão de o capital se ter estabelecido desde o começo do mundo.
Suas idéias sobre a origem da renda fundiária estão de modo geral
sintetizadas nas seguintes frases:

"O poder que tem a tena de proporcionar, mesmo aos trabalhos mais
primitivos dos seres humanos, mais do que o necessário para a subsistên-
cia do próprio lavrador, capacita este a pagar um bibuto: daí a origem
da renda fundiária" (p. 4),
"A renda fundiária tem portanto SU'1 origem na aproprúzÇ<fo da terra
num tempo em que se impunha ao grosso do povo o dilema de cultívá·
la nas condições em que era possível obtê-la ou morrer de fome. e em que
seu escasso capital de instrumentos, sementes etc., por ser de todo
insuficiente para sustentá-lo noutra atividade que não a agricultura,
ficava com ele preso ao solo por força de uma necessidade irresistível"
(p. 11).

Jones acompanha a renda fundiária em todas as mutações, desde a


forma mais rude, a de corvéia, até à do moderno arrendamento. Observa
por toda parte que determinada forma de renda, isto. é, de propriedade
da terra, corresponde a determinada forma de traba1ho e das condições
deste. Examina sucessivamente rendas em trabalho ou de servo, amudança
da renda em trabalho para renda em produto, rendas de parceria, as devidas
pelo camponês indiano 154 etc. - exposição que nã'o nos interessa pormeno-
rizar aqui. Em todas as formas anteriores, quem de imediato se apropria
do trabalho excedente alheio é o dono da terra e não o capitalista. A renda
fundiária (como os fisíocratas a concebem por reminiscência 155 ) se revela
historicamente (e na maior escala com referência aos povos asíátícos) a

154. Camponês indiano = ryot. James utwa "ryot" para designar o camponêa
indiano e o de ouuos países asiáticos que pagavam renda em produtos ao soberano,
considerado proprietário de todas as terras. Ver Richard Jones,An essa}' on the diffl'i·
bution of wealth•• ., Londres, 1831, pp. 109 e segs.
155. Isto é, reminiscência das condições feudais.

1440
forma geral do trabalho excedente, do trabalho a executar sem remunera-
ção. Aí, a apropriação do trabalho excedente nEo se faz por intermédio
da troca, como se dá com o capital, e sua base é o domínio à viva força
de uma parte da sociedade pela outra (daí escravidifo direta, servidão ou
dependência política).
Uma vez que o objetivo aqui é observar ape~ a propriedade da
terra no ·que sua concepçifo supõe a do capital, passaremos por cima de
sua análise para ir direto ao resultado, no que muito se destaca de seus
antecessores:
Antes, de passagem. algumas observações.
Ao tratar da corvéia - e das formas de serv~dão (ou de escravidão)
que mais ou meno·s lhe correspondem -, Jones ressalta, de manefra incons-
ciente, as duas formas a que se reduz todo valor excedente (trabalho exce·
dente). É em geral marcante a circunstância de a verdadeira corvéia mostrar,
na forma mais brutal e com a maior c'/areza, a substância ck> trabalho as:ra·
lariado.

"Ne,<;sas circunstâncias" (na corvéia) "a renda só pode ser acrescida pela
utilização mais hábil e mais eficaz do trabalho do camponês feudal"
(trabalho excedente relativo), "mas isso é entravado pela incapacidade
do dono da tena de fazer progredir a ciência da agrícultura, ou ent!o
por aumento da quantidade total do trabalho extoiquido; nesse caso,
quanto melhor cultivacU!;s El.rt[o as terras dos propríetáríos, tanto pior
estio as dos servos cujo trabalho se extraiu" (l, e., cap. II, p. 61).

Quanto à rend/J. ftt.ntiiâria. eis o que distingue esse livro de Jones do


seu Syllabus a mencionar no cap. 2: na primeira obra parte das diferentes
formas de propriedade da terra como dadas; na segunda, das diferentes
formas de trabalho a que aquelas correspondem.
J ones também mostra como a essas diferentes relações de produção
correspondem graus diversos de desenvolvimento da produtividade social
do trabalho.
A corvéia (do mesmo modo que o trabalho escravo) tem cm comum
com o trabalho assalariado, no tocante à renda fundiária, que esta é paga
em trabalho, não em produtos, menos ainda em dinheiro.

Na renda de parceria, "o adiantamento do1 meios de exploraçtfo pelo


dono da tem e o abandono da direçtio do cultivo aOB trabalhadores
. reais mostram a ausência permanente de uma classe medianeira de capi-
talistas" (p. 7 4 ).

1441
"As rendas extiaídas dos camponeses asiáticos" (ryot rents) "são renda:r
em produtos que um trabalhador, que retira o próprio salário da terra, paga
ao soberano como .dono dela" (cap. l, p. 109). (Fo1T11areinante na Ásia.)
"As rendas extraídas dos camponeses asiático$ se misturam freqüentes
vezes com rendas em trabalho e rendas de parceria" (pp. 136 e segs.).
O soberano aí é o principal dono das terras. "A prosperidade ou antes a
existência de cidades na Ásia deriva por completo da despesa local do
governo" (1. e., p. 138).
"Rendas exuaídas dos lavradores irlandeses" (cottieoents) ... "são todas
rendas a pagar contratualmente em dínheil'o, por arrendatários campo-
neses que tiram do solo o próprio sustento" (p. 143). (klanda.) "Na
m;iior parte da superfície da Terra não há rendas em dinheiro."
"Todas essas formas" (lendas extraídas de servo, de camponês asiático,
de parceria, de lavrador irlandês etc., em suma, rendas romaídas de
camponeses) "impedem o pleno desenvolvimento das forças produtivas
da terra." "A diferença na produtividade da indústria é devida primeiro
à quantidade de disposí.tivos mecânicos utilizados para se empregar
trabalho manual, e segundo à escala em que os meros esforços. se apoiam
nos remltados acumulados de trabalho prettrito, portanto, às diferentes
quantidades de habilidade, conhecimento e capital que tomam parte na
produç«o... " "Pequeno número das classes ntro agr(colas. :t; claro que o
número relativo de seres humanos que se podem manter sem trabalho
agrícola tem de :;er medido completamente pelas forças produtivas dos
agricultores" (aip. VI, pp'. 157-160).
"Na Inglaterra, ao entrar em de$Uso o trabalho do servo; apareceram
nas terras os arrendatários, que se encarregaram de QUltiVar os domínios
dos proprietários; eram os camponeses livres" (1. e., p: I 66 ).

Chegamos, por fim, ao ponto de interesse decisivo para nós, as rendas


pagas pelos arrendatários. f aí q_ue se destaca a superioridade contundente
de fones, ao mostrar que o que Ricardo e outros consfüeram forma eterna
da propriedade da terra é sua forma burguesa, que, no final de contas só
surge (1) quando a propriedade da terra cessa de ser a relação dominante
da produção e por isso da sociedade, e (2) quando a própria agricultura
é explorada segundo o modo capitalista, o que pressupõe o desenvolvimento
da indústria em grande escala (pelo menos da manufatura) nas cidades.
Jones evidencia que renda no sentido ricardiano só existe numa sociedade
cuja base é o modo de produção capitalista. Com· a conversão da renda
fundiáría em lucro suplementar cessa a influência direta da propriedade
da terra sobre o salário, o que noutras palavras sígnifica apenas: o dono
da terra deixa de ser quem de imediato se apropria do trabalho excedente,
função que agora cabe ao capitalista. A magnitude relativa da renda diz
respeito apenas à repartiçã'o da mais-valia entre capitalista e proprietário,
e não à extr~o do próprio excedente. Essa conclusKo transparece de fato
na exposiça-o de Jones, sem ser porém explicitada com clareza.

1442
Comparado com Ricardo, Jones realiza avanço substanc:íal tanto na
explanaçll'o histórica, quanto nos ponnenores econômicos. Acompanhare-
mos sua teoria passo a passo. Nela naturalmente se encontram erros.
Nas passagens seguintes apresenta fones com acerto as condições
históricas e econômicas em que a renda da terra equivale a lucro suplemen·
tar, em que é a expressão da mnderna propriedade da ,terra:

"Renda-:; pagas por arrendatários só podem existir qúando as relaç{íes


mais importantes entre as dlferentes classes da sociedade deixaram de
decorrer da propriedade e posse da terra" (p. 185).

O modo capitalista de produça:o começa na manufatura e só mais


tarde se apodera da agricultura.

"S§"o os artesãos e os trabalhado:res manuais que primeiro se submetem à


direção dos capitalistas" (p. 187). "Conseqüência imediata desse sistema
é o poder de deslocar à vontade para outras ocupaÇães, trabalho e capital
empregados na agricultura."

(E- só se houver esse poder, é possível falar-se de nivelamento de


lucros agrícolas e industriais.)

"Enquanto o p:róprio arrendatário era um camponês trabalhador, forçado


pela ausência de outros meios para seu sustento, a tirá-lo ele tnei\lllo do
solo, estava preso a esse solo par necessidade; os poucos meios que
talvez possuísse estavam de faro vinculados ao solo com o possuidor,
uma vez que não bastavam para lhe proporcionar sustento, a nli:o ser
empregados na lavoura. Com o empresário capitalista desfez·se essa
dependência, do solo; .se com o emprego da classe trabalhadora na terra
ntio M pode ganhar tanto quanto com seu emprego nos demais ramo~ que
abundam neste esládio da sociedade, abandona-se o negócio agrícola.
Nesse caso a renda fundiária consiste necessária e meramente em lucro
$Uplementar" (p. 188).
Cessa a influência da renda sobre o salário. "Quando o trabalhador se
compromete com um capitalista, acaba aquela dependência para com
o dono da te"a" (p. 189).

Conforme veremos adiante, fones não explica propríamente como


surge o lucro suplementar ou melhor, dá-lhe uma explicação ricardíana,
isto é, pela diferença nos graus de fertilidade natural dos diferentes solos.

"Se as rendas consistem em lucro suplementar, a renda de uma área


particular de terra pode aumentar em virtude de três causas:

1443
(1) acréscimo do produto por força da. acumulaçã.o de maiores quanti-
dades de capital apli~da.s para cultivá-la;
(2) o em prego ll!ais eficiente do capital já investido;
(3) invariáveis o capi~l e o produto, a redução da cota das classes pxo-
dutoxas nesse produto e o correspondente acréscimo da cota do dono
da terra. Essas causas podem cornbinar·.se em proporções diferentes"
(p. 189).

Veremos o que importa nessas diferentes causas. Antes de mais nada,


todas pressupõem a existência da renda fundiária oriunda de lucro suple-
mentar~ depois, nâ'o há a menor dúvida de que a causa ( l ), a que Ricardo só
alude uma vez de passagem, é absolutamente verdadeíra. Se aumenta o
capital empregado na agricultura, a.cresce o montante da renda, emhora os
preços dq trigo etc. nâ'.o subam, e além disso nâ'.o ocorra, em geral, mudança
de natureza nenhuma. :e claro que, nesse caso, também subirá o preço da
terra, embora ná"o se elevem os preç.os do trigo, e absolutamente não se
verifique neles alteraçlo alguma.
Jones qualifica a renda no pior sola de preço de monopólW. A origem
verdadeira da renda para ele limi~-a-se portanto ao seguinte: ou a preço de
monopólio (posição de Buchanan, Sismondi, Hopkins etc.) -se é renda
absoluta (que não provém da diferença da fertilidade das egpÚies diversas
de solo), ou a renda diferencial (de Ricardo). ·
(No tocante à renda absoluta, tomemos uma mina de ·ouro. Seja o
capital empregado = 100 libras, o lucro médio = 10. libras; 'e a renda
fundiária = 10 libras. Do capital consista metade em constante (máquinas
e matérias auxiliares), metade em variável. As 50 libras de capital constante
significam apenas que contêm tanto tempo _de trabalho quanto o encerrado
em quantidade de ouro = 50 libras. Do produto, a parte igual a 50 libras
repõe portanto o capital constante. Se o resto do produto = 70 libras, e se
o capital variável de 50 libras põe em movimento 50 trabalhadores, o
trabalho destes (admite-se jornada de 12 horas) tem de expressar-se em
quantidade de ouro = 70 libras, das quaís 50 paga'.m o salário, e 20 confi-
guram trabalho nã"o pago. Entá"o, o valor do produto de todos os capitais
com a mesma composiÇão será de 120; o produto = SOc + 70, e 70 libras
correspondem a 50 jornadas, isto é, a SOv + 20m. Um capital de 100 que
empregasse parte constante maior e número menor de trabalhadores produ-
ziria produto de menor valor. Não obstante, todos os capitais industriais
comuns, embora tenham naquelas circunstâncias produto com valor de 120,
só o venderiam ao preço de produçã'o de 110. Mas isso é impossível no
caso da mina de ouro, abstraindo-se da propriedade da terra, porque o valor

1444
aí se expressa na fonna natural do produto. Teria portanto de su.gir renda
de 10 libras. )

"Trigo pode ser vendído a pre.ço de monopólio (isto é, a preço que paga
mais que os custos e lucros daqueles que os produzem nas condições
menos javoni11eis) ou a preço que apenas recompensa com o lucro usual.
No primeiro caso, abstraindo--se de todas as difeienças de fertilidade das
tenas cultivadas, o produto aumentado, oMlllo por meio do capital
ampliado (invatiáveis os preços), pode elevar a renda fundiária na propOI·
ção do acréscimo do capital empregado." ..Seja 10% a taxa usual de
Jucro. Se trigo produzido com 100 h'bru pode ser vendido por 115, a
.renda fundiária é de 5 h'b.ras. Se com melhorias progressivas duplica-se o
r.apital aplicado na mesma área e também o p1oduto, 200 libras propor·
cionamo um produto de 230, e a renda fundiária subiiá para 10 1Ibras,
duplicando-se'' (p. 191). · ··

(Isso é válido para a renda absoluta e também para a diferencial.)

"Em pequenas comunidades pode o trigo estar a preço de ttWnopôlíc em


caráter permanente... F.m países de maior extensão territorial, isso tàm-
bém é possível se a populaçlo sempre aumenta com mais rapidez que o
acréscimo da agricultma. Todavia, o preço de monopólio do trigo não
constitui a norma em países de território extenso e grande variedade de
terras. Se os preços se elevam muíto, mais terras serão cultivadas ou mais
capital aplicado nas velhas tenas até que o preço se limite a proporcionar
o lucro usual sobre o adiantamento. Detém-se então o cultivo, e nesses
países o trigo se vende em regra a preço que basta apenas pll1a repor eom
a taxa de lucro usual o capital aplicado nas eircunstâncias mais desfavo·
rávei~; e a renda fundiária. paga pelas terras melhores mede-se então
pelo excedente de seu produto sobre o produto de terras mais pobres
cultivadas por capital Jgual" (pp. 1 91, 19 2).
"Para elev~-se a tenda fundiária em toda a extensã'o de um país com
terras de qualidade desigual, basta que as melhores terras, com o progres-
so agrícola, proporcionem ao capital adicional nelas empregado algo ma.is
que as terras de inferioridade reconhecjda. Pois, sendo possível encontrar
meios de empregar, à taxa de lucro normal, novo capital em temi que
esteja entre os extremos A e Z, aumentarão as rendas em todas as terras
melhores que essa particular" (p. 195).
"Cultive-se com 100 libras A, que proporciollll. por ano receita de 110,
nesta incluída lucro normal de 10; B com 100 hbras e reeeita de 115, e
C com 100 libras e reeeita de 120, e assim por diante até Z: B pagará
entfo renda fundiária de 5 e C de 10. Se cada um desses tipos de terra
for cultivado com 200 libras, a receíta de A será 220, a de B, 230, a de C,
240 etc. Assim, a renda fundiária de B será 10, e a de C, 20" etc. (p. 193).
"A acumulaçd"o geral do C<tp!tal empregado na agricultura aumenta o
produto em todos os tipos de tea:a mais ou menos na proporção da
respectiva qualidade original, e de11e por J:i me:ma ele11ar a11 rt!lldas sem
ter que 11er com a redução progressiva da remuneraçlio do trabalho e do
capital empregados e, na realidade, sem depender em nada de nenhuma
outra causa" (p. 195).

1445
Mérito de fones é ter sido o primeiro a realçar com clareza que, UII).a
vez que exista a renda fundiária, seu crescimento em geral (desde que não
haja transmutações no modo de produção) decorrerá do acréscimo do
capital agrícola, do capital empregado na terra. Isso pode ocorrer com
preços invariáveis e mesmo quando caem abaixo do nível anterior.
Contra a idéia de diminuição gradual na produção agrícola, observa
fones:
"Antes, a produção média de trigo na Inglaterra não ultrapassava 12
bushels por acre; hoje é cerca do dobro" (p.199).
"Cada novo acréscimo de capital e trabalho aplicados ao solo pode ser
empregado de maneira mais eficaz e econômica que o anterior" (pp.
199, 200) ..
"A renda fundiária duplicará, triplicará, quadruplicará etc. se o capital
empregado no velho solo duplicar, triplicar ou quadiuplicar, sem rendi-
mento diminuído e sem alterar a fertilidade relativa das terras cultiva-
das" (p. 204).

Este é portanto o primeiro ponto em que Jones leva vantagem sobre


Ricardo. A renda fundiária, uma vez existente, pode aumentar pelo mero
acréscimo do capital empregado na terra, pondo-se de lado mudança na
fertilidade relativa das terras ou nos rendimentos das doses sucessivas de
capital empregadas, ou qualquer alteração no preço do .Produto agrícola.
O ponto seguinte de fones é este:

"Pará o aumento não é essencial que fique a rigo{inalterada a relação


entre as fertilidades das terras" (p. 205);

(Jones aí esquece que, ao contrário, uma desproporcionalidade cres-


cente, mesmo quando todo o capital agrícola é empregado mais produtiva-
mente, tem de acrescer e acresce o montante da renda diferencial. Ao revés,
decréscimo nas diferenças de fertilidade dos diversos solos tem de reduzir a
renda diferencial, isto é, a renda oriunda dessas cfiferenças. Se se elimina
a causa, elimina-se o efeito. Não obstante, a renda fundiária (abstraindo-se
da renda absoluta) pode subir, mas então em virtude apenas do capital
agrícola aplicado.) · .

"Escaparam a Ricardo os efeitos necessariamente desiguais de capital


adicional em solos de fertilidade de;igual" (1.c., p. 205).

(Isso significa apenas que o emprego de capital adicional acresce as


diferenças da fertilidade relativa e assim a renda diferencial.)

1446
"Números que estão entre si em determinada proporção, multiplicados
pelQS mesmo número, mantêm a mesma proporção dos números originais,
mas a diferença entre as magnitudes dos diversos produtos aumentará a
cada passo do processo. Se 10, 15 e 20 forem multiplicados por 2 ou 4,
teremos 20, 30, 40 ou 40, 60, 80, permanecendo invariáveis as propor-
ções: 80 e 60 estão para 40 como 20 e 15 estão para 10; mas a diferença
entre as magnitudes de seus produtos aumenta em cada operaçlfo. Se
antes era 5 e 10, torna-se 10 e 20 e por fim 20 e 40" (pp. 206, 207).

Essa lei é apenas isto :156

Termos ··Diferença Soma


entre os das
li III termos diferenças

(1) 10 10+ 5 = 15 10 + (í±....._2) = 20 5 e 10 15


(2) 20 20 + 10 = 30 20 + (10 + 10) =40 10 e 20 30
(3) 40 40 + 20 = 60 40 + (20 + 20) = 80 20 e 40 60
(4) 80 80 + 40 = 120 80+(40+40)= 160 40 e 80 120

A diferença entre os termos de (1) duplica em (2) e quadruplica em (3).


A soma das diferenças também duplica em (2) e quadruplica em (3).
Essa portanto é a segunda lei. A primeira lei (que Jones aplica apenas
à renda diferencial): o montante da renda fundiária cresce com o montante
do capital empregado. Se a renda fundiária é de 5 para 100, será de 10 para
200.
Segunda lei Não se alterando as demais circunstâncias nem a propor-
ção da diferença entre os capitais empregados nos diversos solos, o montante
dessa diferença e em conseqüência o montante da renda fundiária global
ou a soma das diferenças aumentam com o crescimento da magnitude
absoluta da diferença, o qual decorre do acréscimo do capital àplicado.
Segunda lei, portanto: o montante da renda diferencial se eleva na razão
do acréscimo da diferença entre os produtos - com invariável fertilidade
relativa do solo -, em virtude do acréscimo uniforme do capital empregado
nos diferentes solos.

156. O tradutor alterou a forma de apresentação do quadro, a fim de facilitar


a leitura.

1447
E mais:

"Se se empregam 100 libras em terras do tipo A, B e C, com produto de


110, 115 e 120, e mais tarde 200 hbras, com produto de 220, 228 e
235, tcrá'o diminuído as diferenças xelativas dos produtos, e as terras se
terã'o aproximado quanto ii fertilidade. Nã'o obstante aumentam as
diferenças das magnitude:; de seus produtos, de 5 e 10 para 8 e 15, e as
rendas. fundíá1ias por isso sobem. Assim, melhoramentos que têm a
tendência de aproxlnuu os graus de fertilidade das terras cultivadas
podem muito bem elevar as rendas, e sem a cooperação de outra causa"
(p. 208). .
"A cultura de nabos e a críaçã"o de ovelhas, e os novos capitais emp1e-
gados para explo1á·las, favoreceram mais a fertilidade dos solos pcbres
que a dos superiores; mas aumentaram o produto absoluto de cada um
e elevaram por isso as rendas, enquanto diminuíam as diferenças da
fertilidade dos solos cultivados" (Lc.).
"No tocante à opiníã'o de Ricardo de que melhoramentos podem gerar
queda das rendas, é mister lembrar a 11\aneira lenta e pwgressiva em que
os melhoramentos agrícolas sã'o de fato inventados, aperfeiçoados e
difundidos" (p. 21n
(Essa última passagem só tem interesse prático, em nada atinge a coisa
em si e apenas alude à circunstância de esses melhoramentos não ·se processa-
rem com rapidez bastante para proporcionar aumento. considerável da
oferta em face da procura e assim reduzir os preços de mercado)
Originalmente temos:
(1) 10a, 15b, 20c· Capital empregado em' cada .tipo de solo, 100
libras. Produto respectivo: 110, 115, 120. Diferença.= 5 + 10 = 15.
Com os mellioramentos, o capital aplicado duplicou, pássando de 100 para
200 em cada um dos tipos de solo: a, b e e. Mas o efeito desse capítal é
diferente nos diversos tipos, e temos os produtos: 220 (a portanto duplica),
228 e 235. Assim:
(2) 200 , 28b, 35c. Capital empregado em cada tipo: 2(){); Produto:
220, 228 e 235. Diferença = 8 + 15 = 23. ·Mas. diminui a taxa de dife-
rença. 5: l O (isto é, em ( 1), a razão da diferença de b - a para a) = l /2, e
10: 10 = 1, enquanto. 8: 20 = 8/20 = 2/5 apenas, e 1.5: 20 = 15/20
= 3/4. Da diferença diminuí a taxa, mas acresceu o montante. Todavia,
isso não constitui nova lei, mas mostra apenas acréscimo de renda fundiária
com o acréscimo do capital aplicado, como na primeira lei, embora o
aumento em a, b e e não seja proporcional a suas difereniras originais
de fertilidade. Se, em virtude dessa fertilidade acrescida (que entretanto
é para b e e diminuição relativa de fertilidade, uma vez que, do contrário,
o respectivo produto teria de ser igual a 230 e 240), os preços caem, não

1448
será em absoluto · necessário que a renda suba ou mesmo se mantenha
estacionária.
Como resultado, corolário da segunda lei, vejamos outra aplicação
dela:
Terceira lei: "Melhorias na eficiência do capital empregado no cul-
tivo", se aumentam o lucro suplementar realizado em certos terrenos,
aumentam a renda fundiária.
A isso referem-se, em conjunto com as anteriores, as passagens seguin-
tes:

"A prÍllleira fonte de elevaç.ã'o das 1endas fundiárias é a acumulação


progtesslva e os efeitos àeliguais do capital nas várias Cfltegorias de
terrenos" {p. 234).

(Isso só pode referir-se a melhorias que influem díretamente na


fertilidade da terra, como, por exemplo, fertilizantes, rotação de culturas
etc.)

"Melboiias na eficiencia do capital empregado na cultura da terra aurnen·


tam as rendas, acrescendo a lucro suplementar realizada em certos
te"enos. Produzem com regularidade esse acréscimo de lucro excedente,
a não ser que aumentem o volume do produto agri'cola com rapidez tal
que ultrapasse o acréscimo da procura. Essas melhorias na eficiência do
capital empregado ocorrem em regca com o progresso da técnica agrícola
e da acumulação de maiores volumes de capital auxiliar" (capital cons-
tante). "A aumento de renda oriundo dessa causa segue em geral expan·
Ião da JQVOura em terras inferiores, sem diminuição alguma dos rendi-
mentos do capital agríoola nas pío.i:es terras arroteadas" (p. 244).

( Jones acerta em cheio ao observar que queda do lucro (aliás, queda


no preço do produto agrícola) não demonstra a produtividade decrescente
do trabalho agrícola. Mas ele mesmo explica de maneira bastante incom-
pleta a possibilidade dessa queda: pode mudar a quantidade de produto
ou sua divisão entre trabalhadores e capitalistas. Falta-lhe aí a menor noção
da verdadeira lei da taxa decrescente de lucro.

"Queda do lucro não prova a produtividade decrescente do trabalho


agrícola" (p. 257).
"O lucro depende em parte da quantidade do produto do trabalho e em
parte da repartição desse produto entre os trabalhadores e os capitalistas;
e seu montante, por isso, pode alterar-se em virtude de variaç§'o de um
desses fatores" (p. 260).

1449
Daí a falsa lei que estabelece:

"Se, abstraindo-s·e dos efeitos da tributação, ocorre diminuiç§'o visível da


renda (revenue) das classes produtoras C-Onsideradas em C-Onjunto" (não
se diz aí o que é renda; se valo_r de uso ou valor de troca, montante ou
taxa de lucro), "se há queda na taxa de lucro sem a compensação de afta
de salário, ou o contrário" (o que é a própria lei ricardiana, aliás errada),
"é que houve, pode-se inferir, decréscimo na força produtiva do trabalho
e do capital" (p. 273).)

Com acerto percebe fones que alta relativa do valor dos produtos
agrícolas em confronto com os produtos industriais pode ocorrer com o
desenvolvimento da sociedade, quando na realidade a agricultura está
progredindo em termos absolutos.

"No progresso das nações sucede em regra que força e habilidade indus-
triais aumentam mais do que se pode esperar da agricultura de um povo
em crescimento. Isso é verdade incontestável. Por isso, no progresso das
nações pode-se esperar elevação no valor relativo dos produtos agrfcolas,
sem decréscimo positivo na produtividade da agricultura" (p. 265).

Mas isso não explica alta positiva dos preços monetárigs do produto
agrícola, a não ser que suceda tal queda no valor do ouro que seja compen-
sada e mais que compensada na manufatura por queda ainda maior no valor
das mercadorias produzidas, enquanto não é assim contrabalançada na
agricultura. Isso pode dar-se, mesmo sem haver queda -geral no valor do
ouro (dinheiro), se detenninada nação, por exemplo, c_ompra com um dia
de trabalho mais dinheiro que as nações concorrentes.
fones explica as razões porque não acredita funcione na Inglaterra
a lei ricardiana, cuja possibilidade abstrata, entretanto, admite.

"Se o crescimento da renda fundiária provém da causa ricardiana, 'o


emprego de quantidade adicional de trabalho com rendimento propor-
cionalmente menor', daí resultando transferência ao proprietário de
parte do produto obtido nas melhores terras, crescerá necessariamente
no produto total a proporção média que o dono da terra recebe corno
renda." Segundo, "o trabalho de proporção maior da população tem de
destinar-se à agricultura" (pp. 280, 281).

{Isso não é exato. É possível que seja empregada porção maior de


trabalho indireto - mais mercadorías providas pela indústria e comercio
entrem no processo agrícola, sem aumento proporcional do produto global
e sem se empregar mais trabalho - direto. Pode-se até empregar menos.)

1450
"A história estatística da Inglaterra apresenta-nos 3 fatos: expansão
da lavoura, acompanhada de alta do total da renda fundiária do país;
diminuição da proporção de pessoas empregadas na agricultura; decrés-
cimo da proporção do dono da terra no produto" (p. 282).

(Isso se explica, do mesmo modo que a queda da taxa de lucro, pelo


acréscimo da parte do produto a qual repõe capital constante. Apesar disso,
a renda pode crescer em volume e valor.)

"Diz A. S~ith: 'Ao avançarem os melhoramentos, a renda fundiária


decresce em relação ao produto da terra, embora aumente em magni-
tude"' 157 (p. 284).

Jones chama o capital constante de "capital auxiliar".

"De vários relatórios apresentados em diferentes ocasiões ao Ministério


da Agricultura infere-se que, na Inglaterra, o capital total empregado na
agricultura está para o necessário à manutenção dos trabalhadores corno
5: 1, isto é, em capital auxiliar utiliza-se 4 vezes mais capital do que na
manutenção do trabalho diretamente empregado na agricultura. Na
França, a razão supera 2: l" (p. 223).
"Quando quantidade de capital adicional se aplica na forma de resultado
do trabalho pretérito para ajudar o trabalho dos trabalhadores na reali-
dade empregados, bastará, para tornar a aplicação desse capital lucrativa
e por isso exeqüível em caráter permanente, um rendimento anual menor
do que o que seria necessário para o desembolso dessa mesma quantidade
de novo capital para sustentar trabalhadores adicionais" {p. 224).
"Admitamos se empreguem 100 libras na terra para a manutenção de
três trabalhadores que produzem o próprio salário e lucro de 10%, ou
seja, 110 horas. Duplique-se o capital aplicado. Empreguem-se, primeiro,
3 trabalhadores adicionais. O acréscimo do produto será igual a 110
libras, isto é, ao salário dos 3 trabalhadores adicionais+ lucro de 10% .
.;\drnitamos agora que as 100 libras adicionais se empreguem na forma
de instrumentos, adubos ou outros resultados de trabalho pretérito,
enquanto o número de trabalhadores permanece o mesmo. Dure esse
capital auxiliar 5 anos em média. O rendimento anual do capitalista tem
de consistir em lucro de 10% e 20 libras para o desgaste anual de seu
capital, isto é, em 30 libras, a fim de tornar lucrativa a aplicação contínua
das 100 libras adicionais, ao invés das 110 libras exigidas quando esse
montante se empregou em trabalho direto. :e por isso evidente que a
acumulação de capital auxiliar na lavoura será viável quando o emprego
do mesmo montante de capital para manutenção de trabalho _adicional
deixa de sê-lo; e que a acumulação desse capital pode prosseguir por
período indefinido" (pp. 224, 225).

IS7. Smith, An inquiry mto the nature and causes of the wealth of nations,
I. II, cap. lll.

1451
"Assim, o acréscimo do capital auxiliar, de um lado, aumenta o poder
do homem sobre as forças do solo, em relaçS'o à quantidade de traball1o
direta ou indiretamente aplicada ao solo, e, do outro, diminui o rendi·
mento anual neeessário para tornar lucrativa a aplicação progressiva de
dadas quantidades de cspital novo" (p. 227).
"Admitamos um capital, por exemplo, de 100 libras, por inteiro aplica·
das no solo para pagar salário, com lucro-de 10%, de modo que a renda
(revenue) do arrendatário seja 1/10 da dos trabalhadores. C.Om múltiplo
desse capital, a renda (revenue) do anendatárin continuará a manter a
mesma proporçã'o com a dos trabalhadores. Mas, se o número dos traba·
lbadores permanece o mesmo e o montante do capital duplica, os lucros
perfazem 20 libras ou 1/5 da renda (revenue) dos trabalhadores. Se o
capital quadruplíca, os lucros atingem 40 libras ou 2/5 dessa renda. Se
o capital se eleva a 500, o lucro atingirá 50 libras ou a metade -da renda
dos trabalhadores. E haverá aumento proporcional da riqueza, da influên·
eia e, até certo ponto provavelmente, do número dos capitalistas na
comunidade ... A expanSlfo do capital totna em regJ"a necessário o em-
prego de algum trabalho direto adicional. Essa circunstância, entretanto,
não impedirá o aJIQrtçQ constante do crescimento proporcio1U1l do capital
auxiliar" (pp. 231, 232).

Aí importa primeiro que, com o crescimento do cap~tal. o capital


auxiliar aumenta em relaçã'o ao variável, ou este decresçe em
relação ao
constante.
Ocorre em geral, e não só na agricultura, a circunstância d~ os rendi-
mentos (returns) anuais se reduzirem em rela~o ao capital adiantado se
aumenta, do capital auxiliar, a parte consistente em c~pital fixo ou cuja
rotaçã'o se estende por vários anos. transferindo-se seu valor ao produto
apenas na forma de desgaste. Sem dúvida, na indústria a matéria-prima
transformada durante o ano aumenta com rapidez ainda maior que a magni·
tude do capital fixo. Comparemos, por exemplo, o montante de algodão
consumido semanal ou anuahnente por uma máquina de fiar com o consu-
mido por uma roda de fiar. Mas admitamos, por exemplo, que em alfaiataria
(em grande escala) se transforme matéria-prima que representa o mesmo
vak>r (embora ná"o o mesmo volume; a matéria-prima aí é maís cara que
na ffaçã'o), o rendimento anual da alfaiataria tem de ser bastante maior que
na f"tação porque, no produto desta, parte maior do capital adiantado
(fixo) só entra como depreciaçio anual.
O va"/or do rendimento anual na agricultura (onde o que se pode
considerar matéria-prima; a semente, não acresce na proporção dos demais
componentes do capital constante,_ sobretudo o flxo) é naturalmente menor
se o capital aumenta por acrescer o capital constante apenas e não o variável.

1452
Pois o capital variável tem de ser reposto por inteiro no produto, e o cons-
tante, só na medida de seu consumo anual. Supondo-se dado o preço do
trigo, são necessários 220 quarters, se o quarter = 1/2 libra, para repor
capital variável de 100 libras com lucro de 10%, enquanto sã'o requeridos
apena~ 60 quarters ( = 30 libras) para repor 20 libras correspondentes
a desgaste e 10 de lucro. Um rendimento absoluto menor (como se dá na
indústria, em condições análogas) proporciona o mesmo lucro. Mas, nessa
argumentaçã'o de Jones embutem-se vários erros.
Antes de mais nada (de acordo com as suposições estabelecidas) nã'o
se pode dizer que aumentaram as forças produtivas do solo. Aumentaram
em face do trabalho diretamente empregado, mas não em face do capital
global empregado. Só se pode dizer que é menor o produto bruto necessário
para se obter, como dantes, o mesmo produto liquülo, isto é, o mesmo
lucro.
Além disso, o aumento da renda (revenue) do arrendatário em relação
à rend,a dos trabalhadores é importante nesse ramo particular até o ponto
em que acresce a parte do produto global destinada a lucro, e continua a
acrescer em relaç:Io à parte destinada aos trabalhadores. Em consequência,
aumenta e se expande, sem sombra de dúvida, a riqueza e a influência do
capitalista agrícola em relação a seus trabalhadores. Mas Jones parece
calcular a~ím: 10 sobre 100 é 1/10; 20 libras sobre 120 (isto é, 100
despendidas em trabalho, 20 em desgaste) correspondem a 1/6, e 20 libras
são 1/5 do que se paga aos trabalhadores etc. Mas na.da é mais falso que
se afirmar' de modo- geral, que a taxa de lucro pode subir enquanto o
capital desembolsado em trabalho decresce. Sucede justamente o contrário.
Realiza-se proporcionalmente quantidade menor de mais-valia. E a taxa de
lucro cai. Para o àrrendatário em particular (como para todo negócio isola-
damente considerado), a taxa de lucro pode ficar a mesma. empregue ele,
com um capital de 200 libras, 3 ou 6 homens.
Para a renda fundiária ser igual a lucro suplementar, isto é, ao exce-
dente acima do lucro médio, mpomos que a agricultura está, quanto à
forma, submetida à produção capitalista, e que se dá nivelamento das taxas
de lucro nos diferentes ramos de produção e em especial entre a agricultura
e a indústria. Aliás, a renda fundiária pode ser igual a excedente acima do
salário .(o que também é luCTo). Pode representar mesmo parte do lucro.
Pode até ser dedução do salário.

1453
2. "An Introductory Lecture on Political Economy ... " O
conceito de "Estrutura Econômica da Nação". Confusão de
Jones a respeito de "Fundo do Trabalho ..

R. Jones: An Introductory Lecture on Polit. Econ., delillered at King 's


College London, 27fh February, /833. To which is added a Syllabus of
Course o[ Lectures on the Wages of Labor, Londres, 1833.

"Propriedade do solo em dado estádio de desenvolvimento de um povo,


em regia. apoia-se ou no governo geral ou em pessoas que dela tiram
proveito"' (p. 14).
"Por estrutura econômica das nações entendo aquelas relaçõ~ estabele·
eidas entre as diferentes classes, na primeira ínstâncía, pela instituição da
propriedade fundiária e pela repartição do produto excedente da terra;
relações depois modificadas e alte1ada.s (e maior ou menor extensão) pela
introdução de capi'tafütar como agentes da p1odução e troca de riqueza,
do sustento e emprego da população traballiadora" (pp. 21, 22)~

Jones entende por "fundo do trabalho"

"o montante global das reridas (1evenues) consumidas pelos trabalhadores,


qualquer que seja a origem delas" (Syllabut ...• p. 44). -

O principal (parece que vem de Malthus a expressão -fundo do traba·


lho 158 )em fones é isto: toda a estrutura econômica da sodeda~e gira em
tomo da forma do trabalho, isto é, a fo:rma em que o trabalhador' se apropria
dos meios de subsistência, ou seja; em que toma sua a parte de seu produto
da qual \'ive. Esse fundo do trabalho tem várias fonnas, ~ o capital é apenas
uma de suas fonnas, uma forma histórica tardia. Só Jones dá à distinção
essencial feita por A. Snúth, entre o trabalhador pago pelo capüal e o pago
diretamente pela renda (revenue), o desenvolvimento pleno que dela se pode
extrair, e toma-a a chave mestra para a compreensão das diferentes estruturas
econômicas da sociedade. E com isso desaparece a id~.ia absurda de que, pela
circunstância de a renda (revenue) do trabalhador se evidenciar primeiro no
capital sob a forma de algo que o capitalista tomou seu, aliás poupou, haja aí
mais que diferença de forma.

158. O que Richard fones ehama de fundo do ti:abalho figura em Malthus como
"fundo para manter o txabalho". Este tenno já aparece na primei.ta edição de Ellsay on
the principie ofpopulation•. . , Londres, 1798,pp.303, 305, 306, 307, 312, 313 etc. Na
quinta edição (Londres, 1817) encontra-se sobretudo nos capítulos 5 e 6 do livro ter·
cei.Io. Esse conceito aparece também nosPrincipks ofpolitical economy... , de Malthus.

1454
"Mesmo nas nações européias ocidentais encontramos ainda os efeitos da
estruturação resultante do modo peculiar de 1epartir o produto da terra e
do trabalho, estabelecido no período anterior de existência de nações
agr ícolu (An introductory lecture on polltical economy ••. , p. 16) (a saber.
uma classe de trabalhadores agrícolas; segundo, donos da! terras; terceirn,
fâmulos, lacaí.os e artesãos que direta ou indUetamente participam do
consumo da renda (revenue) dos donos das terras).
"O capital, isto é, a ritjueza acumulada emprf.lgada para ife obter lucro é
o grande fator das mudanças que se operam nessa estruturação econômica,
a força motriz que lhes dá origem." •.. "Em todas as nações, a .respectiva
divisão de riqueza, 8$Slnalada aqui, desempenha papel da maior importância
na modificação dos laços que ligam as diferentes classes da comunidade e
na determinação de sua força produtiva." ..• "Na Ásía e em parte da
Europa {antes, em toda a Europa), as classes nãó agrícolai são quase lntei·
ramente mantidas pelas. rendas (íncomes) das outras cl~es; sobretudo
pelas dos donos das tenas. Se desejares o trabalho de um artesão, prover·
lhe-ás de material; ele vem a tua casa, tu o alimentas e lhe pagas o salário.
Depoís, o capitalista interfere, fornece o material, adianta o :alário ao
trabalhador, toma-se o empregador e é o proprietário do artigo produzido
que troca por teu dinheiro ... Aparece uma classe intermediária entre os
donos das terras e parte dos que não são agricultores, e dessa classe inter-
mediária toni.am~ dependentes no tocante a emprego e meios de subsis-
tência, aqueles que não são agricultores. Os laços que antes uniam a comu·
nídade se deterioram e se despedaçam; outros laços, outros princípios
de coesão vinculam as díferentesclasses,surgem novasrelaçõesecon.3míctH
etc .... Na Inglateua está a soldo dos capitalistas a quase totalidade daque·
tes que não são agricultores, e ainda os que lavram a terra são seus empre-
gados" (pp. 16 e segs.).

O trabalho Syllabus of a course of Iectures on de Wages o/ Labor


distingue-se do livro On Rent por isto: neste observam-se as diferentes formas
de propriedade da terra às quais correspondem diferentes formas sociais de
trabalho. Naque1e,e8sas diferentes formas de trabalho são o ponto de partida
e se consideram produto delas tanto as díferentes formas de propriedade
da terra quanto o capitaL À forma que as condições de trabalho assumem
perante o trabalhador - e em particular, portanto, a terra (a natureza, uma
vez que essa relação abrange todas as demais) - corresponde a forma social
específica de seu trabalho. Ma.~. na realidade, esta símplesmente encontra
naquela sua expressa:o objetiva.
Por isso veremos que âs diferentes formas do fundo do trabalho corres-
pondem aos diferentes modos como o trabalhador se relaciona com suas
próprias condições de produção. A maneira como se apropria de seu produto
(ou de parte deste) depende da maneira como se relaciona com as condições
de produção.
"O fundo do trabalho", díi Jones, "pode dívidir-se em 3 classes:
(1) Rendas (revenues) produzidas pelos trabalhadores, as quais eles mes-

1455
mos consomem e nunca pertencem a outras pessoas." {Neosse caso, qual"·
quer que seja a forma espec(jica, o traballlador tem de ser de fato o dono
dos instrumentos de produção que utiliza..)
"(2) Rendas pertencente.s a classes distintas dos t1abalhadores e por elas
despendidas na manutenção direta de trabalho.
(3) Capital no verdadeíro sentido.
Esses diferentes ramos do f\lndo do ttabalho podem ser todos observados
em nosso prÓprio país; mas, quando olhamos para o exterior, vemos que
aquelas partei desse fundo aqui mais limitadas constituem alhures as prin-
cipais fontes de subsistência da pop'lll.açio e detuminam o caráter e a
posição-da maioria do povo" (pp. 45,46).
Quanto a (1): "Os salários dos lavradores ou camponeses com pcme da
teTra ••• esses lavradores ou camponeses são po:ueiroa hereditário:;, pro-
prietários, arrendatários (tenants). Esses arrendatârios são :ser11os, muiros,
pequenos rendeiros (cottiers); estes, peculiaridade da Irlanda. Algo eomo
renda fundiária ou luci:o mistura-se muitas ve.r..es com as rendas (rewm1e)
dos camponeses de todas as elasse.s, l.a.vradores das terras, mas eles,
quando a subsi:stincia depende mbstancialmente da remuneraçào do
trabalho manual, enquadram-se na clasiãficação de assalariados."

Fíguram, portanto, entre esses camponeses que trabalham:

(a) "Posseiros hereditdn°oi que lavram a terra.; Grécia Antiga, Ãsi.a


Moderna. índia em particul.a.r"; .·
(b) "camponeses proprietários; França, Alemanha, América, Austrália,
Palestina antiga"; ·
(e) "cottien" (pp. 46-48).

O característico aí é a circunstância de o ~rabalhador reproduzirpara


si mesmo o fundo do trabalho. Este não se converte em capital. Produzindo
diretamente o fundo do trabalho, o trabalhador dele se apropria de imedia-
to, embora se aproprie ele mesmo, no todo ou em parte, do trabalho exce-
dente, ou outras classes dele se apropdem totalmente, de acordo com a
forma particular em que se relaciona com as condições de produção. Por
puro preconceíto econõnúco, Jones chama de assalariados esse gênero de ·
trabalhadores. Nestes nada existe que caracterize o trabalhador assa.Iaáado.
Ê uma bela ficção econômica-burguesa supor que, por ser salário no capita·
tismo a parte do produto da quaJ o próprio trabalhado1 se toma dono,
tem de sei salário a parte do produto do trabalhador a qual ele mesmo
consome.

Quanto a (2): "Os trallalhado1es assim mantidos se reduzem hoje na


lnglaten:a a lacaios, soldados, marinheiros e j1oucos artesão$ que traba-
lham por sua própria contq. e são pagos pebz renda (income) de fleui
empregadores.. Em grande parte do mundo, esse .ramo do fundo geral do

1456
trabalho mantém quase todos os tra.I>alhadores não agricoltu. Esse fundo
prevalecia antes na Inglaterra. Wa.rwick, o fazedor de reis. 159 A pequena
nob1eza na lngl.atetra. Tal fundo prevalece hoje no Oriente. Artesãos,
lacaios. Grandes corpos de tropas asshn mantidos. Conseqüências da
concentração desse fundo nas mãos do soberano em toda a Ásia. For·
mação súbita de cidades; abandono súbito delas; Samaicand, Candahar
e outw"(pp.48,49).

Jones esquece duas formas fundamentais: a comunida!le asiática com


sua unida!le de agricultura e indústria. Segundo, a corporação urbana
medieval, em parte encontrada também no Mundo Antigo,

Quanto a (3): "Importa nunca misturar capital com o fundo ~ral do


trabalho no mundo.; grande proporção dele con&iste em rendas (Íeve-
nues). Todos os ramos das :rendas de uma nação... contnõuem para a
acumulação pela qual se forma capital. Fazem-no em proporções difere-
rentes em países diferentes e estádíos diferentes da sociedade. Salário
e renda fundiária dio a maior contribuição» (p. 50).

A- circunstância de o trabalho excedente converte-se em capítal


- em vez de, como renda (revenue), se trocar diretamente por trabalho -
faz o capital aparecer como poupança da renda (revenue). Este, o ponto
de \1Ísta fundamental de Jones. E no progresso da sociedade, a massa do
capital consiste de fato em renda assim reconvertída. Na produção capita·
lista, contudo, o próprio fundo original do trabalho aparece como poupança
do capitalista. O próprio fwido reproduzido do trabalho, em vez de perma·
necer pertencente ao trabalhador como em (1), revela-se propriedade do
capitalista, propriedade de outrem perante o trabalhador. Jones não desen-
volve esse tema.
O que Jones diz sobre a taxa de lucro e sua influêncía na acumulação,
em Course 160 , carece de solidez :

"Dada a igualdade de todos 011 demais fatores, o podet de uma nação de


poupar de seus lucros varia eom a taxa de lucro; é grande quando o lucro
é alto, e menor quando b~o; mas, ao eait a taxa de lucro, os denuns
fatores não permanecem iguais. As quantidades de capital aplicr;do
podem crescer em relação àpopulação."

159. No Text-book o/lectures 011 the political economy ofnations... , Hertford,


18S2, p. 71, lembra Jones que o Conde de Wa.rwick, em seus düerentes castelos, ali·
mentava por dia 40000 homens.
160. Isto é,Syllabus o/ a coume of lectures on the W4gesof labor.

1457
(O que Jones não percebe é que, confonne resulta do "podem''.
crescer, a taxa de lucro cai porque "as qumtfàades de capital empregado
aumentaram em relação d po~lação ". Mas ap roxima·se do correto.)

"Estímulos e facilidades para acumular podem aumentar ... Baixa taxa


de lucro em regra acompanha taxa de acumulaçiio rápida em 1elação ao
númeio de habitantes, como na lnglatena; e alta taxa de Jucto, ta.xa de
acumulação mais lenta em relaç!ío ao número de habitantes, caso da
Polônia, Rússia, Índia etc." (pp. 50 e .seg:i).

A taxa de lucro, onde alta (se abstraímos de casos em que, como na


América do Norte, há. de um lado produção capitalista e,"do outro, valor
baixo de todos os produtos agrícolas), em geral o é porque o capital consiste
sobretudo em capital variável, pr~domina portanto o trabalho direto.
Admitamos um capital de 100 libras, das quais 1/5 é capital variável. E que
o trabalho excedente seja 1/3 da jornada. Nesse caso, o lucro será 10%.
Admitamos agora que 4/S consistam em capital variável, e o trabalho
excedente seja 1/6 da jornada. Nesse caso, o lucro atingirá 16%.

"}';;errônea a doutrina de que, ao declinar a taxa de lucro com o progresso


da nação, têm de deerescer os meios de prover subsistência para uma
população crescente. ~ eno decorre: (1) da falsa; concepção de que
a acumulação de lucro tem de ser lenta onde é baixa a tal.'a de lucro, e
rápida onde essa taxa é alta; (2) da errada suposição .de' ser o lucro a
única fonte da acumulação; (3) da opiníão equivocada de viverem todos
os trabalhadores da terra apenas à custa de acumulações e poupanças
de tenda (revenue) e nunca de renda (revenue) propriamente" (p. 51).
"Alterações sucedem na estrutura econômica das naÇões quando o CDpital
assume a tarefa de adiantar o Sflldrio •.• " (pp. 51, 52).

Richard fones apresenta o correto resumo seguinte:

"A quantidade de capital destinada à manutenção do trabalho pode


variar sem depender de variação no montante global do capital." (Propo·
sição importante) " ... Pode-se às vezes observar que grandes flutuações
no montante de emprego, e por isso grandes sofrimentos, ocorrem com
ma.is freqüência qwmdo o próprio capital se torna mais abundante"
(p. 52).

A totalidade do capital pode pennanecer a mesma e ocorrer mudança


(sobretudo decréscimo) no capital variável. A mudança na proporção entre
os dois componentes do capital não implica necessariamente variações no
montante do capital total.

1458
Por outro lado, acréscimo na totalidade do capital pode estar ligado
com decréscimo tanto relativo quanto absoluto do capital variável e sempre
se associa a flutuações violentas neste e por isso a "flutuações no montante
de emprego".

"Pen'odos de transiçiii:> gradual dos trabalhadores, du dependência de um


fundo para a de outro . ., Transiçd"o do11 lavradores para trabalhadore$
pa,ros pelos capitalistas.... Transição das e.lasses não agrfcolas para a
relação de emprego com os capitallst/18" (pp. 52, 53).

O que Jones chama aí de "transição" é o que chamo de "acumulação


primitiva ... Mera, diferença de fonna. Em oposição também à idéia absurda
das "poupanças".

* * ...
Escra11idão. "Escravos podem dividir-ae em pastores, lavradores, domés-
ticos, escravos de natureza mista, situados entre lavradores e domésticos.
Encontramos eSCill.vos camponeses, domésticos ou artesãos, mantidos
pela renda (lncome) dos ricos, e trabalhadores sustentados pelo capital"
(p. 59).

Mas, enquanto rege a escravidão, a :relação capitalista só pode revelar-


se esporádica, subordinada, nunca dominante.

3. Richard Jories, "Text-Book of Lectures on the Political


Economy of Nations", Hertford, 1852.

a) O capital segundo Jones. Sua concepção de trabalho produ-


tivo e improdutivo

"A produtividade do uabalho dos povo$ depende na reali~e de 2 cir-


cunstâncias. P1imeiro, da fertilidade ou esterilidade dai; fontes originaÍIJ
(terra e água) da riqueza que produzem. Segundo, <t:. eficiência do traba·
lho que aplicam quando utilizam essas fontes ou aprontam as mercadorias
que delas se obtêm" (p. 4).
"O trabalho humano, quanto à eficiência, depende:
(1) da continuidade do desempenho;

1459
(2) do conhecimento e da Juiúilidade com que se emprega para o objeti~
do produtor;
(3) da força mecânica que o ajuda" (p. 6).
"A força que os 5cres humanos aplicam no trabalho para produzir riqueza
pode acrescer;
(1) por colocarem a seu serviço forças motri:es maío1es que as suas;
(2) rOI emp1egarem a quantidade ou espécie de força motriz a seu dis-
pox, com maior proveito mecânico. Por exemplo, uma máquina a vapo1
de 40 cavalos de força mover-se-4 melhox numa via férrea que numa
estrada real" (,p. 8).
"A melhor forma de arado, com dois cavalos, faz tan.to trabalho e tão
· bom quanto a pim, com quatio" (p. 9).
"A máquina a vapor não é mero instrumento, propo1Ciona força rrwtrlz
adicional e não só os ~!J de aplicar com maior proveito mecânico as
forças que o trabalhador já possui" (p. 10, nota).

Essa é, segundo Jones, a diferença entre máquína e instrumento.


Este dá ao trabalhador meios de empregar as
forças que p0$.5Ui com maior
proveito mecànico; aquela proporciona acréscimo de força motriz,..(?)

"'Capital ... consíste em riqueza tesultànte de poupança da renda e empre-


gada com o obietivo de lucro" (p. 16 ).
"As fontes possíveis do capital... são fora de dúvida todas .as rendas de
todos os indivíduos que formam uma comunidade, rendas de que se possa
obter poupança. As classes particulares de renda que contribuem com
ruaior abundância para o pr<>gresoo do capital nacional variam em dife-
rentes estádios de .seu desem<0!vimento e por isso diferem de todo entre
as nações que ocupam posições distintas nesse desenvolvimento .. (l.c.).
"Assim, o lucro está muito longe de ser a única fonte de que se forma o
que acresce capital. ~ até fonte sem importância da acumulação, compa·
xado com salários e rendas fundiárias nos estádios anteriores da socie·
dade" (p. 20).
"Ao terem de fato crescido de maneira considerâVel as força.s da indústria
nacional, os lucros aumentam de importância relativa como fonte de
acumulação" (p. 21).

Segundo esse modo de ver, capital é parte da riqueza que forma a


renda, parte que não é despendida como renda (revenue), mas para produzir
lucro. Lucro já é, da mais-valia forma que específicamente supõe o capital.
Uma vez suposto o modo capitalista de produção, isto é, o capital, a expli-
cação é correta. Ou seja, uma vez suposto o que tem de ser explicado.
Jones refere-se aí a toda renda (revenue) desembolsada .não como renda,
mas com o objetivo de enriquecimento, de maneira portanto produtiva.
Há aí, contudo, duas coisas importantes:
Primeiro: certa acumulação ocorre em todas as fases do desenvolví-
mento eoonômko, isto é, quer ampliação da escala de produção, quer

1460
entesouramento etc. Enquanto predominam salário e renda fundiária
- isto é, conforme já se viu antes, enquanto cabe ao dono da terra (ao
Estado na Ásia) a maior parte do trabalho excedente e do produto exce-
dente que em geral não revertem para o próprio trabalhador, e além disso
enquanto o próprio trabalhador reproduz seu fundo de trabalho, ou seja,
não só produz seu próprio trabalho, mas ainda o paga a si mesmo, com o
que em regra fica em posição (nesse estádio da sociedade, quase sempre)
de se apropriar também de parte pelo menos de seu trabalho excedente
e de seu produto excedente -, salário e renda fundiária nesse estádio da
sociedade também sã'o as principais fontes de acumulação. (Lucro aí se
restringe a comerciantes etc.) Só depois de a produção capitalista se tornar
a dominante, de existir nãó esporadicamente, mas de subordinar a si mesma
o modo de produção da sociedade; depois de o capitalista se apropriar
na realidade de todo o trabalho excedente e do produto excedente na
prinÍeira instância, embora tenha de entregar porções dele ao dono da
terra etc., só a partir daí, o lucro se toma a fonte principal da capital,
da acumulação, da riqueza poupada por dedução da renda e utilizada
com o objetivo de lucro. Isso ao mesmo tempo supõe (e está implícito
no predomínio do modo capitalista de produção) "ter de fato ocorrido
aumento considerável das forças da indústria nacional".
Assim, aos asnos que imaginam não possa haver acumulação sem o
lucro do capital, ou que legitimam o lucro alegando que o capitalista faz
o sacrifício de poupar sua renda para fins produtivos, responde Jones que
essa função "de acumular" cabe por excelência ao capitalista nesse modo
específico de pro.dução (o capitalista), e que, em modos anteriores de
produção, o próprio trabalhador e em parte o dono da terra eram os princi-
pais agentes desse processo, e o lucro aí quase não desempenhava papel
algum.
A função sempre cabe, sem dúvida, (1) àquele que embolsa a mais-
valia e (2) entre os que a embolsam, em particular àquele que é agente da
própria produção. Dizer portanto que o Jucro se legitima porque o capita-
lista obtém seu capital poupando o lucro e porque executa a função de
acumular, é dizer apenas que o modo capitalista de produção se justifica
porque existe, o que também se aplica aos modos de produção anteriores
e posteriores. Dizer que, a nã'o ser daquele modo, a acumulação é impossí·
vel, é esquecer que essa deterrnínada maneíra de acwnular - pelo agencia-
mento do capitalista - tem data histórica de início e se aproxima da data
histórica·de desaparecimento.
Segundo: uma vez. que, por bem ou por mal, tenha passado para as

1461
mãos dos capitalistas tanta riqueza acumulada que possam apoderar-se da
produç:fo, pode a maior parte do capital existente, após certo lapso de
tempo, ser considerada oriunda sómente de lucro (renda = revenue), ísto
é, de mais-valia capitalizada.
Um ponto a que fones não dá o realce devido, e que a · rigor está
nele apenas implícito, é o seguinte: se o produtor que trabalha paga a si
mesmo o salário, e seu produto não toma primeiro a "forma" de "poupan-
ças" da renda (revenue) de outras pessoas que as fazem reverter depois ao
trabalhador, é mister então que este seja o possuidor das condições de
produçã'o que utiliza (como proprietário, arrendatário (tenant), posséíro
hereditário etc.). Para que o salário e em conseqüência o fundo de trabalho
se lhe contraponham como capital alheio, é mister que tenha perdido essas
condições de produção e que tenham elas assumido a forma de propriedade
alheia. Só depois de as condições de produçl!O e o fundo de trabalho lhe
terem sido tomados e se terem tomado, perante ele, independentes como
capital, começa o processo posterior que não diz respeito à mera reprodu·
ção dessas condições originais, mas a seu ulterior desenvolvimento, de modo
que o trabalhador se vê ante às, condíções de produção e ao fundo do
trabalho como "poupanças" da renda alheia, destinadas a se converterem
em capital. Ao deixar de ser o possuidor de suas condições· de produção
e por isso do fundo do trabalho, perde a fünção de acumular, e toda adição
que faz à riqueza configura-se em renda de outras pessoas, a qual tem de ser
antes por elas "poupada" e não despendida como renda, para desempenhar
as funções de capital e de fundo do trabalho para o trabalhador.
Jones, uma vez que apresenta a situação em que·as condições ainda
não se configuram assim e onde existe a unidade, deveria naturalmente
ter visto naquela "dissõeiação" o verdadeiro processo de formação do
capital. Existindo este, o processo ocorre por ce.rto, continua e se expande,
pois o trabalhador enfrenta sempre o trabalho exce.dente como renda
alheia, e só por meio da ..poupança" desta se pode acumular e ampliar a
escala de produção. ·
A reconversão da renda em capital. Se o capital (isto é, as condições
de produção dissociadas do trabalhador) é a fonte do lucro (isto é, do
fato de o trabalho excedente aparecer como renda do capital e não do
trabalho), toma·se o lucro a fonte do capital, de formação de novo capital,
ou seja, de adição de condições de produção que fazem frente ao trabalha·
dor como capital, como meio de mantê-lo como trabalhador e de apropriar·
se de novo de seu trabalho excedente. A unidade original entre trabalhador
e condições de produção (se abstraímos da relaçao de escravatura, quando

1462
o próprio trabalhador pertence às condições objetivas do trabalho) tem duas
formas principais: a comunídade asiâtica {comunismo natural) e a pequena
agricultura familiar (a que se liga a indústria doméstica) numa ou noutra
fonna. Amba~ sã:o embrionárias e por igual inadequadas para desenvolver
o trabalho como trabalho social e a produtividade do trabalho social. Daí
a necessidade da dissociação, da ruptura, da contr,adição entre trabalho
e propriedade (entenda-se propriedade das condições de produção). A forma
extrema dessa ruptura, quando as forças produtivas do 'traballto social
se desenvolvem no mais alto nível de poder, é o capital. Só com a base
material que ele cria e por meio das revoluções por que passam a classe
trabalhadora e a sociedade inteira no processo dessa criação, é que poderá
restabelecer-se a unidade original.
Outro ponto que fones não realça bastante:
A renda (revenue) que como tal se troca diretamente por trabalho,
se não é renda do trabalhador que sustenta a si mesmo e emprega um
ajudante, é a renda (revenue) do .dono da terra, de imediato oriunda da
renda fundiária que lhe paga o trabalhador que sustenta a si mesmo, renda
fundíária que o dono da terra não consome de todo in natura, diretamente
e com seus serviçais e lacaios, mas compra com parte dela o produto ou os
serviços de trabalhadores adicionais etc. Isso pressupõe sempre a primeira
relação.
(Parte do lucro é considerada juro, mesmo se o capitalista industrial
emprega apenas seu próprio capital, por ter aquela forma de renda modo
de existência destacado. Da mesma maneira, no modo de produção capita-
se
lista, um trabalhador possui os meios de produção, embora nã'o empregue
outros trabalhadores. esses meios se consideram capital, e a parte do próprio
trabalho que realiza acima do salário usual aparece como lucro devido a seu
capital. Ele mesmo se decompõe em distintos protagonistas econômicos.
Obtém salário como trabalhador dele mesmo, e lucro como capitalista.
Essa observação se enquadra no capítulo: As rendas e suas fontes 16i .)

"No tocante à influência nas forças prod11tivas das nações, há urna


diferença entre a riqueza que foi economizaa 1 e 1e despende em saldrio
para 1e obter lucl'O, e a riqueza que é dispêndt" da renda para o sustento
do trabalho. Em virtude dessa distinção, empl\'t!O a palavra capital para
designar apenas aquela parte da riqueza que se e1 onomizou da renda e se
utiliza para a obtenção de lucro" (pp. 36, 37).

161. Ver pp. 1493 ·1575 deste volume.

1463
"Pela eXpressão capital podemos compreender toda riqueza destiruida à
manutençti:J de trabalhadores, tenha passado ou nãO po:r processo ante·
rlor de poupança... Pa:ra acompanhar a posição das classes trabalhadoras
e daqueles que as pagam, nas diverw nações e em diferentes condições,
temos de distinguir entre capital que foi economizado e capital que não
passou por processo de gcumulaçõo; em suma, entre capital que é renda
e capital que não é [enda" (p. 36).
"Em toda nação do Velho Mundo, excetuadas a Inglaterra e a Holanda,
o salário dos trabalhadores do campo nti:J é adiantado do fundo prove-
niente da renda (revenue) poupada e acumulada, mas do fundo que os
próprios trab41hadores produzem, existente apenas 1lll forma de estoque
para seu próprio comumo imediato" (p. 37).

O que distingue fones dos demais economístas (com exceção talvez


de Sismondi) é acentuar como o essencial a determinação social da forma
do eapital, e reduzir a essa detemrlnação fonnal a diferença toda entre o
modo capitalista e os outros modos de J::froduçfo. O essencial é que o tra-
balho se converta em eapital e que o capital compre trabalho não por causa
do valor de uso deste, mas para aumentar o próprio valor, gerar mais-valia
(valor de troca maior), "eom o objetivo de luero". Mas, ao mésmo tempo,
patenteia-se aí que a ..poupançá da renda" para converter esta em capital
e a "acumulaçlío" só se distingue do que se passa nos. outros modos de
produção pela fonna em que a "riqueza se destina à manutenção do tra·
balho". Na Inglaterra e na Holanda, os trabalhadores agrícolas que reeebem
salário "adiantado" pelo capital produzem "o próprio salário" do mesmo
modo que o camponês na França e o servo que provê· o próprio sustento
na Rússia. Considerado o processo de produção em .sua continuidade, o
salário que o capitalista adianta hoje ao trabalhador é parte do produto
que o trabalhador produziu ontem. A diferença entre o modo capítalista
e os outros modos de produção não está portanto em produzir o trabalho,
num easo, o próprio salário, e não o produzir, no outro. A diferença está
em que seu produto aparece como salário; em que no capítalismo o produto
do trabalhador (a parte do produ.to do trabalhador a qual fonna o fundo do
trabalho) (1) revela-se renda (1/heia, mas (2) não é gasto como renda, nem
mesmo em trabalho em que se consome diretamente renda e sim (3) faz
frente ao trabalhador como capital, que lhe devolve aquela parte do produto
em troca não só de um equivalente, mas em troea de mais trabalho que o
materializado no produto, Assim, seu produto aparece como (1) renda
alheia; (2) "poupado" de renda para se empregar na compra de trabalho
com o objetivo de lucro, ou seja, na qualidade de capital.
E esse processo em que seu próprio produto lhe faz frente na quali-

1464
dade de capital é o que sucede quando o fundo de trabalho ''passou por
processo anterior de poupança", "percorreu um proce:.so de acumulação",
"existe" antes de se reconverter nos meios de subsistência do trabalhador,
"em fonna diferente" (aí se expressa mera mudança de forma) "da de um
estoque para o consumo imediato dos traballiadores".
"Poupança" e "acumulação" - desde que se trate do fundo do
trabalho - são aí meras designações das· mudanças de forma por que passa
o produto do trabalhador. O trabalhador que produz direto a subsistência
consome seu produto do mesmo modo que o assalariado, ou antes, este
do mesmo modo que aquele. Só que, para o assalariado, seu produto aparece
como aJgo poupado ou acumulado por outros, a renda do capitalista. O
fato, contudo, é que esse processo capacita o capitalista a "poupar" ou
"acumular" para si mesmo o trabalho excede.ate dos trabalhadores; daí
Jones ressaltar tanto a circunstância de a acumulaçifo, no modo de produ·
ção nã'.o capitalista, nã"o provir do lucro, mas do salário, isto é, da receita
do lavrador com sustento autônomo ou dos artesões que trocam seu tra·
balho diretamente por renda (do contrário, corno poderia a classe burguesa
ter provindo deles?) e da renda fundiária do dono da terra. Mas, para o
fundo do trabalho passar por essas transfonnações, ê mister que as condi·
ções de produção façam frente ao trabalhador como capital, o que nao se
dá nos outros modos de produção. O aumento da riqueza no modo capita·
lista mio parece proceder do trabalhador, mas da poupança do luero - a
reconversão da mais-valia em capital -, e da mesma maneira o próprio
fundo do trabalho (antes de se expandir por nova acumulação) o enfrenta
como capital.
· A "poupança.,; considerada ao pé da letra, só tem sentido para o capi-
talista que capítaliza sua renda, confrontando com o que a consome, gasta
corno renda, mas não tem sentido algum na relação entre capitalista e
trabalhador.
Dois fatos principais da produção capitalista:
Primeiro: concentração em poucas mlros dos meios de produção,
que por isso não se patenteiam mais propriedade imediata do trabalhador
individual e sim fatores da produção social, embora se revelem, antes de
mais nada, propriedade dos capitalistas que não são trabalhadores e que os
administram na sociedade burguesa e deles fruem todos os rendimentos
decorrentes dessa função.
Segundo: organizaçã'o do próprio trabalho como trabalho social,
por meio da cooperação, da divisão do trabalho e da vinculação do trabalho
com os resultados do domínio soeial sobre as forças naturais.

1465
Por esses dois caminhos, a produção capitalista supera a propriedade
privada e o trabalho privado, embora ainda em formas antagônicas.
Para Smith, a principal diferença entre trabalho produtivo e improdu·
tivo está em que o primeiro se troca .direto por capital, o segundo, díreto
por renda - e o sentido dessa diferença só em fones se patenteia de todo.
Evidencia-se aí que o primeiro trabalho é característico do modo capitalista
de produção; e o segundo, onde domina, pertence a modos de produção
anteriores, e onde aparece em meras ocorrências límita-se (ou é provável
que se limite) a.esferas que não tratam da pr0duçã'o ímediata da riqueza.

"Capital é o instrumento que põe em movimento todas as causas que


aumentam a eficácia do trabalho humano e as forças produtivas das
nações... Capita! é o resultado acumulado de trabalho pretérito, utili-
:r,ado para produzir determinado efeíto em determinada tarefa de produ·
zir riqueza" (p. 35).

(Em nota à pág. 35 diz ele:

"Será conveniente e é rilzoávei considerar o ato de produção incom-


pleto enquanto a mercadoria produúda não chegar às mãós da pessoa
que a consumirá. Tudo que sucede até aí tem esse. objetivo em vista.
Cavalo e carroça do merceeiro que nos traz o ch.á de Hcrtford para nossa
Universidade sãc tão necessários à obtenção do chá para nosso consumo
quanto o trabalho do chinês que colheu as folhas e as secou."1
" ... Mas... esse capital ... não executa em ·toda comunidade todas as
tarefas que pode desempenhar. Em todos os casos, só as empreende
de manena gradual, uma depois da outra; e é notável e da maior impor-
tância que a única função especial cujo desempénho é essencial para
avanço considerdvel das forças do capital em rodas as demais funções,
seja justa.mente aquela que o capital jamais chegou a desempenhar para a
g.rande maioria dos trabalhadores da humanidade" (pp. 35, 36).
"Refiro·me ao acl.ianramento do salário" (p. 36).
"O capitalista adianta o salário a menos de um quarto dos trabalhadores
da te:rra ... Esse fato ... é de importância vital quando se trata d.e avaliar
o progresso relativo das nações" (l.c.).
"Capital, ou füm:io acumulado, depois de desempenhar várias outras
funções na produção da riqueza, só tarde assume a função de adiant'1r
o salário ao trabillhador" (p. 79).

Na última passagem (p. 79), o capital na realidade se revela "relação",


ntro só "fundo acumulado", mas relação bem definida de produção. O
"fundo" não pode "assumir a função de adiantar s~ârío". E Jones ressalta
que a fomui fu.ndamental do capital - a que dá ao processo todo da produ-
ção social a natureza distintiva, o domina e provoca desenvolvimento inteira-

1466
mente novo das forças produtivas, revoluciona todas as relações sociais e
políticas - é aquela em que faz fiente ao trabalho assalariado, paga salário.
Ressalta que o capital, antes de aparecer nessa função decisiva, desempenha
outras funções, aparece em outras formas subalternas porém historicamente
anteríores, mas que seu poder só se desenvolve pleno em todas as suas fun-
ções quando surge como capital industrial. Ademais. na terceira conferência
(III lecture) "Da maneira gradual como capital ou 'capitalistas" (aí está o
busílis, nesse ou; é só por meio dessa personificação que o fundo acumu-
lado se toma capital) "desempenham funções sucessivas na produção da
riqueza", Jones não diz quais são as funções anteriores. Na realidade só
podem ser as do capítaJ mercantil ou do capital ligado ao comércio de
dinheiro_ Mas, embora fones se aproxime tanto do que é correto e até o
expresse de certo modo, na qualidade de economista está tão preso ao feti·
chismo burguês que nem o diabo tem capacidade para atestar que Jones
não quer dizer que o "fundo acumulado" como tal pode desempenhar
as diferentes funções.
Apassagem:
"Capital, ou fundo acumulado, depois de desempenhar várias outras
funções na produção da riqueza, só tarde assume a função de adiantar
o salário ao trabal~dor" (p. 79).

é a expressão completa da contradição: de um lado, temos a correta concep·


ção histórica do capital e, do outro, obscurece-a a estreiteza do economista
que considern "capital" o "fundo" como tal. Por isso, "o fundo acumulado"
vira pessoa que ·~assume a função de adiantar salário" a seres humanos.
J ones resolve o problema dessas funções ainda preso à prevenção dos econo·
mistas, e uma solução é necessária logo que se percebe que o modo capita·
lista de produção é determinado modo histórico e não mais relação natural,
eterna, de produção.
Vemos que se deu um grande salto de Ramsay para Jones. Ramsay
considera justamente a função do capital, a qual faz dele capital - a de
adiantar salário - como acidental, oriunda apenas da pobreza da grande
massa e sem importância para o processo de produção como tal. Dessa for-
ma tacanha nega a necessidade do modo de produção capitalista. Em contra-
posição, Jones (admira sejam ambos sacerdotes da Ingreja Anglicana 162 • Os
clérigos ingleses parecem pensar mais que os do Continente) mostra que

162. Dos dois economistas citados, só Richard fones era sacerdote.

1467
aquela função do capital o toma capital e caracterí2.a o modo capitalista
de produção. Evidencia como essa forma só surge em certo nível do desen-
volvimento das forças produtivas e então gera base material inteiramente
nova. Mas, por isso, compreende que essa forma pode ser abolida, que sua
necessidade é transitória, simplesmente histórica, no que revela, em relação
a Rarnsay, divergência completa e profundidade maior. De maneira nenhu-
ma considera etemas as relações capitalistas.

"No futuro pode existir uma situação - e certas regiões do mundo


podem estar indo para elo. - onde sejam idênticos os trabalhadores e os
propi:ietários do fundo acumulado ... Mas no progresso das nações ...
isso até agora ,iu11co. sucedeu, e para acompanhar e entender esse pro-
gresso, é mister observar como os trabalhadores se transferiram giaduat-
mente das mãos de clientes que lhes pagavam com reeursos de sua renda,
para as de empregadores que lhes pagavam com adiantamentos do capital,
de cujos rendímentos (retu.ms) os proprietários procuram obter urna
renda especial. Esta situaçãó pode não se.r tão desefó.vel quanto aquela
em que o trabalho.dor e o capitalísta são idênticos, mas temos de aceitti-
la como um estádio no de.renvolvimento da produção, estádio que até
agora caracteriza a história das nações adiantadas. Os povos asiáticos
ainda não chegaram a esse estádio" (p. 73).
'
Aí Jones diz sem rodeios que aceita o capital e o modo--à.e produção
capitalista apenas como uma fase de transiçã"o do desenvolvimento da
produção social, -fase que constituí progresso gigantesco em face de todas
as formas anteriores, se consideramos o desenvoh'imento·das forças produti-
vas do trabalho social, mas que de modo nenJium é resultado final; ao
contrário, na forma antagônica das relações que estabelece entre os "pro·
prletários de riqueza acumulada" e os "trabalhadores reais" encerra-se a
necessídade da própria destruição.
Jones era, em Haileybury, professor de economia política, sucessor
de Malthus. Vemos aí como a verdadeira ciência da economia política
- tennina por conceber as relações de produção burguesas como simples-
mente históricas e conducentes a relações superiores onde se resolve o
antagonismo em que se baseiam. Analisando-as, a economia política dissolve
as fonnas que parecem ter independência recíproca e em que a riqueza se
revela. Essa análise (já nas obras de Ricardo) vai tão longe que
(1) a figura matetial autônoma da tiqueza desaparece e esta se revela
mera atividade dos homens. Tudo o que n[o resulta de atividade humana,
de trabalho, é natur~za e nessa condiç:ro não é riqueza social. A quimera
do mundo dos bens se desvanece, e se patenteia apenas a objetivação, em
contínuo extinguir-se e -reproduzir-se, do trabalho humano. Toda riqueza

1468
material sólida é simples materialização transitória desse trabalho social,
cristalização do processo de produção. cuja medida é o tempo, a medida
do próprio movimento.
(2) As várias formas em que os diversos componentes da riqueza
fluem para segmentos diversos da sociedade perdem a aparente indepen·
dência. O juro é mera parte do lucro, a renda fundiária, mero lucro suple-
mentar. Ambos submergem por isso no lucro, que por sua vez se reduz a
mais-valia, isto é, trabalho não pago. Mas o próprio valor da mercadoria
se reduz apenas a tempo de trabalho. A própria escola ricardiana vai tão
longe que nega a utilidade de urna das fonnas de apropriação dessa maís-
valia - a propriedade da terra (renda fundiária), enquanto embolsada
por particulares. Nega que o proprietário da terra éxerça função na produ-
ção capitalista. A contradiçâ'o fica assim reduzida a capitalista e a trabalha-
dor assalariado. Mas a economia ricardíana considera essa relaçã°o dada,
lei natural em que se baseia o próprio processo de produção. Os sucessores
não param aí, mas como Jones só aceitam a Jegítimação histórica dessa
relaçã'o. _Mas, a partir do momento em que se reconhece a historicidade
do modo de produção burguês e das correspondentes relações de produção
e de distribuição, cessa a fantasia de considerá-las leis naturais da produção,
e abre-se a perspectiva de uma nova sociedade, de uma fonnação econômica
e social para a qual o capitalismo constitui apenas a transição.
Temos agora várias coisas a observar na obra de fones:
(1) Como exatamente o modo de produção capitalista - o adianta-
mento do salário pelo capital - muda a forma e as forças produtivas.
(2) Suas idéias sobre acumulação e taxa de lucro.
Mas antes de mais-nada é mister ressaltar outro ponto.

"O capitalista tem sido ·apenas um agente destinado a proporcionai: aos


ttabalhadores o proveito do dispêndio da renda (i:evenue) dos fregueses
circundantes, em nova forma e em novas eondições" (p. 79).

Trata-se aí dos trabalhadores não agrícolas que antes viviam díreta-


mente da renda (revenue) dos donos da terra etc. Em vez de trocarem
diretamente seu trabalho (ou o produto deste) por aquela renda, é o capita-
lista que por ela troca o produto do trabalho deles, reunido e concentrado
em suas mãos, ou seja, a renda se converte em capital, por este se troca,
constítuindo os rendimentos do capital. Em vez de constituir os rendi-
mentos diretos do trabalho, fonna os rendimentos diretos do capital, que
emprega os trabalhadores.

1469
Depois de tratar do capital como relação de produção específica,
cuja essência consiste em a riqueza acumulada assumir a função de adíantar
o salário, e em "o próprio fundo do trabalho" patentear-se "riqueza pou-
pada da renda e empregada com objetivo de lucro", fones apresenta as
mudanças peculiares a esse modo de produção no desenvolvimento das
forças produtivas. Expõe muito bem como, com a mudança nas forças
produtivas materiais, se alteram as relações "econômicas" e, em conseqüên-
cía, as condições sociais, morais e políticas das nações.

"As cornunidadei, ao mudarem ·suas forças produtivas, têm de mudar


também seus usos e costumes" (p. 48).
"No curso de seu de;-envolvímento, todas as diferentes classes ·de uma
comunidade acham que estão vinculadas a outras classes por novas
relações, assumem novas pod.çtles, e envolvem-na.:s novos pe.cigos mo1ais
e soeíais e novas condiç6e:> do evolver social e político" (1.c).

Expõe a influência da forma capitalista de produção no desenvolvi"


mento das forças produtivas como a seguir se apresenta. Antes disso, porém,
algumas passagens em conexão com as citadas até agora .

..Grandes mudanças políticas, sociais, morais e íntelectuais acompanham


mudanças na organização econômica das comunidades e nos fatores e
meios, sejam abundantes ou escassos, com os. quais se executam as
tarefas da produção. Essas mudanças exei:cem necessarianiente influên-
cia dominante sobre os diferentes elementos políticos e 'sociais da popu-
lação onde oconem. Essa influência estende-se ao caráter intelectual, aos
hábitos, usos, costumes e à felicidade das nações" (p. 45).
"A Inglaterra é o único grande país que ... deu o-primeiro passo para
alcançar a perl'eiçío como mecanismo produtor; o único país onde a
população, agrícola e não ag1ícola, se subordlna à direção dos capitalistas,
e onde os efeitos de seus meios e das funções especiais que só eles podem
desempenhar, se transmitem amplamente não só no crescímento enorme
da Iiqueza, mas também em todas as relações e posições econômicas da
população.
A Inglaterra, agora digo com pesar, mas sem a menor vacilação, não deve
ser considerada um modelo feliz de prngresso de um povo que assim
desenvolve suas forças produtivas" (pp. 48, 49).
"O fundo geral do trabalho consiste: (1) em salário .que os próprios
trabalhadores ·produzem; (2) nas rendas (revenues) de outras classes,
despendidas para manter trabalhadores; (3} em capital ou segmento da
riqueza economizada da renda, aplicado para adíantar salário com o
objetivo de lucro. Os que são mantidos pela parte (1) do fundo do traba-
lho e liam aremos de trabalhadores não alugados; os que são mantidos pela
parte (2), de dependentes pagos; e os que são mantidos por (3), de alu·
gados" (trabalhadores assalariados}. "A origem da remuneração, a pro·
veníência de u.m ou de outro dos três setores do fundo do trabalho, deter-
mina a relaçãó do trabalhaàor para com as outras classes da rodedade e

1470
assim determina ora díreta ora mais ou meno.~ índiretamente o grau de
continuidade, habilldade e força com que se exeeutarn as tarefas da
produçào" (pp. 51, 52).
"O primeiro ~etor, onde 11e produzem os próprios salarios, mantém mais
da metade, t.alvez :rnais de 2/3 da populaç:fo trabalhadora da terra. Em
toda parte esses trabalhadores consistem em camponeses que possuem
a terra e a cultivam ... O segundo setor, onde se despende renda (revenue)
para manter trabalho, sustenta a grande maíoría dos t;aballi.adoresprodu·
tivos não agrícolas do Oriente. Tem alguma importância no continente
europeu. Na Inglaterra, ao contrário, abrange apenas 'alguns artesãos,
trabalhadores de ocasião, restos de uma V1Uta camada social ... o terceiro
setor do fundo do trabalho, o capital, emprega na Inglatena a giande
maioria dos trabalhadores, enquanto na Ásia mantém apenas pequeno
número de indivíduos, e na Europa continental apenas trabalhadores
não agrícolas, que ao todo não perfazem provavelmente um quarto da
população produtiva" (p. 52).
"Não criei nenhuma categoria especial para o trabalho esr:ravo... Os
direitos r:ivis dos trabalhado1es não influenciam sua posição económica.
Pode-se observar que os escravos, como os homens livres, vivem de
qualquer dos ramos do fundo geral" {p. 53).

Embora os "direitos civis" dos trabalhadores nã'o influenciem "sua


posição econômica", esta influencia seus direitos civis. O trabalho assala·
riado em escala nacional, e por isso a produção capitalista, só é possível
onde os trabalhadores são pessoalmente llvres. Baseía-se na liberdade pessoal
dos trabalhadores.
Jones, com razão, reduz- o trabalho produtivo e improdutivo de
Smith a sua essência, a trabalho capitalista e a trabalho não capitalista,
utilizando com acerto a distinção smithiana entre trabalhadores pagos por
capital e os pagos ciJm ~enda (revenue). O próprio Jones, contudo, entende
sem dúvida por trabalho produtívo o que entra na produção da riqueza
material, e por improdutivo o que nela não entra. Ê o que vemos na passa-
gem acima onde fala dos trabalhadores produtivos que dependem do dispên·
dío de renda. E mais:

.. Aquele segmento da comunidade o qual é improdutivo no sentido da


riqueza material pode ser útil ou inútil" {p. 42). ·
"E razoável considerar o ato de produção incompleto enquanto a merca-
doria produzida não tenha chegado às mãos do indivíduo que vai consu·
mi-la" (p. 35, nota).

A distinção entre os trabalhadores que vivem do capítal e os que vivem


da renda-(revenue) refere-se à forma do trabalho. É roda a diferença entre
o modo capitalista e os modos não capitalistas de produção. Além disso,

1471
trabalhadores produtivos e trabalhadores improdutivos em sentido estrito:
produtivo é todo trabalho que entra na produção de mercadoria (produção
aí abrange todas as operações por que passa a merc,adoria, do primeiro
produtor até ao consumidor), seja qual for a espécie, trabalho manual
ou não (científico}; e ímprodutivo é o trabalho que nela não entra e que
não tem por propósito e objetivo produzir mercadoria. Essa distinção tem
de ser mantida e o fato de todas as espécies de atividade repercutirem na
produção material e vice.versa, em nada muda a necessidade dela.

b) Jones: a influência da produção capitalista no desenvolvi-


mento das forças produtivas; as condições para a aplicação
do capital fixo adicional ·

Chegamos agora ao desenvolvimento da.s forças produtivas pelo modo


capitalista de produção.

"Parece oportuno chamar atenção aqui para a maneira co,mo essa circuns-
tância (a de o capital adiantar os salários) influencia as forças produtiwJs
dos trabalhadores, a continuidade, o conhecimento e á eficiência com que
se executa o trabalhi;i ... O capitalista que paga um trabalhador pode
contribuir para 11 continuidade de :reu trabalho. Primeiú>, por tomar essa
continuidade possível: segundo, por superintendê-la e compeli-la. Há no
mundo muitas e extensas camadas de t1abalhadores que pe1correm as
ruas em busca de fregueses e cujo salário depende das necessidades
eventuais das pessoas que naquele momento preeisam de seus serviços
ou dos artigos que fornecem. Os primeiros missionários encontraram
essa situação na China. . . 'Lá os artesios andam pelas ruas de manhã
até à noite à procura de freguesia. A maior parte dos trabalhadores
chineses trabalha em casas particu1are$. Você preciSll de roupa? O
alfaiate lhe aparece pela manhã: e vaí para casa à noite. O mesmo sucede
com os outros artesãos. Sem interrupção percorrem as ruas em busca
de trabalho, mesmo os feneiros, que levam consigo o martelo e o forno
para trabalhos ordinários. Também os barbeiros ... andam pelas ruas com
urna cadeira de braços sobre os ombros, e nas mãos urna -bac;ia e uma
chaleira para 'aquecer água.' 163 Jsso é o que de modo geral sucede por
todo o Oriente, e em parte no mundo ocidental.
Esses trabalhadores não podem trabalhar de continuo por muito tempo.
Têm de se mover pelas ruas como um cocheiro de aluguel e têm de ficar
ociosos quando n!o encontram fregueses. Se no decorrer do tempo muda

163. Richard fones cita, a revista mensal fisíocrática Ephémérides du Cítoyen ...•
de 1767, parte III, p. 56.

1472
sua situação econômica e se tomam trabalhadores de um capitalista
que lhes ad1'anta o salário, duas eoisas acontecem. Primeiro, podem
trabalhar sem interrupção, e segundo, e1dste um agente com a função e o
interesse de fazê-los realmente trabalhar de maneira contfuua ... O capita-
lista te.m recursos ... pata esperar por um freguês.,- Há então continuidade
mnior no trabalho dessa classe de peuoas. Trabalham diariamente de
manhã à noite e não são interrompidos por terem de esperar ou procurar
o freguês, que por fim consumirá o artigo que elaboram.
Mas emr continuidade do trabalho, assim posn'vel, é assegurada e melho-
rada pela superintendência do capitalista. Este adiantou' o salário delet;
receberá o produto do trabalho deles. l! seu interesse e privíMgio cuidar
de que trabalhem sem interrupç()es e sem delongas. ·
Assegurada assim a continuidade do trabalho, é muito grande o efeito
puro e simples dessa mudança sobre a força produtiva do trabalho ...
Duplica-se a eficiência. Dois trabalhadores -de contínuo empregados
o ano inteiro, da manhã à noite, provavelmente produzirã'o ma.is que
4 traballiadores cujo trabalho é íncerto e que perdem grande parte de
seu tempo na procura de fregueses e na retomada de trabalhos interrom-
pidos" (pp. 37 e segs.).

Primeiro: Ver como Tu.rgot já descreve muito bem a transição de


trabalhadores que executam serviços ocasionais, faz.em casacos, calças etc.
na casa dos donos das terras etc., para trabalhadores que o capital emprega.
Segundo: Aquela continuidade distingue sem dúvida o trabalho capí·
talista dessa forma que Jones descreve, mas nlio o distingue da produçã"o
escravista em grande escala.
:e
Terceiro: incorreto qualificar de acréscimo da força produtiva ou
de eficiência do trabalho, o próprio acréscimo do trabalho por sua duração
longa e continuidade. Só cabe essa qualificação quando a continuidade
aumenta a habilidade pessoal dos trabalhadores. Por eficiência entendemos
a produtívídade maior com que se emprega dada quantidade de trabalho,
e não mudança na quantidade empregada. Esta faz antes parte da subsunção
fonnal do trabalho ao capital. Só se desenvolve plenamente com o desenvol-
vimento do capital fixo. (Logo trataremos disso.)
Cpm acerto destaca fones que o capitalista considera o trabalho sua
propriedade e desta nada se deve perder. No tocante ao trabalho que depen ·
de diretamente da renda (revenue), trata-se apenas do valor de uso do
trabalho.
Com razão acentua J ones que o trabalho ininterrupto dos trabalha-
dores não agrícolas, da manhã à noite, não resulta de geração espontánea,
mas é em si mesmo produto do desenvolvimento econômico. Em oposição
à forma asiática e à forma ocidental no campo (reinante noutros tempos
e ainda hoje em parte), o trabalho urbano medieval já constitui grande

1473
progresso e escola preparatóría dó modo capitalista de produção no tocante
à continuidade e à constância do trabalho.
(Quanto a essa continuidade do trabalho:

"O capitalista também atua como se fosse uma agência. de emprego;


representa um reguro contra a incerteza da oportunidade de trabalho;
se não fora ele, essa incerteza impedíria que em muítos casos se empreen-
desse o trabalho. O esforço de procurar um comprador e de ir ao mercado
redut·se, por seu intermémo, a dimensão relativamente pequena" (An
· Jnquiry into those Principies reopecting lhe Nature of Demand and the
Necessíty of Consumption etc., Londres, 1821, p. 102).

Ibidem:

"Onde o capital em grande proporção é fixo ou se emprega na terra ... ,


o empresário é muito mais obrigado (do que se tivesse empregado menos
capital fixo) a prosseguir aplicando a mesma quantidade anterior de
capital ci.tculante, a fim de não deixar de extrair algum lucro daquela
parte que é capital fixo" (1.c., p. 73).)

( Jones prossegue:

"A exposição chinesa, mantida aberta po1 tanto ~empo em Londres por
seu proprietário americano, da-nós talvez. a cena mais viva dos costumes
oriundos da circunstância de o trabalhador depender, ná China, da renda
(revenue) de seus ·fregueses. Está apinhada de figuras de·'artesãos com
suas pequenas trouxas de instrumentos,,à. procura de fregueses, ocio$0S
quando nenhum aparece. Evidenciam que, no caso deles, tem de faltar
aquela continuidade de tnibalho que é um dos txes fatores importantes
da produtividade, Também dão a todo ob$ervador bem informado
testemunho bastante da ausência de e.apitai fixo e de máquinas, fatores
dificilmente menos importantes da produtividade do trabalho" (Jones,
Te:xt·book oflectures .. ., Hextford, 1852, p. 73}.
"Na fndía podemos ver o mesmo quadro nas cidades onlie o apareci-
mento dos europeus aínda não alterou o espetáculo. Todavia, os artesãos
nas áreas :rurais se mantêm de maneira peculiàr••. Esses artesãos e outros
elementos não agricultores, realmente necessários numa aldeia, er.tm
sustentados pela contribuição de uma parte d;Úenda conjunta de todos
os aldeões. Na base desse fundo viviam no país todo numerosos grupos
de trabalhadores, de profiss!o hereditária, e cuja atividade industriosa
satisfazia as necessidade.~ e desejos simples que os agricultores não podiam
prover com as próprias mãos. A posição e os direitos dos artesãos ruxaí.s
logo se tomaram hereditários, como todos os direitos no Oriente. O
grupo encontrava fregueses entre os outros aldeões. Os aldeõ~ levav(lm
urna \'ida estacionária e conservadora, o que também se dava com os
artesãos ...
"Os artesãos das cidades estavam e estão numa situação dl:l todo diferente.

1474
Recebiam o salário do que era em substância o mesmo fundo - renda
(revenue) excedente da terra -, mas pata eles modificado quanto à
maneira de distribuir e aos distribuidores, de modo a destruir sua penna-
nência sedentária e a gerar migrações freqüentes e em regra ruinosas ...
Esses artesa-os não esttfo presos a um.a localizaçãb por dependência de
massas de capita{ frxo (corno, por exemplo, na Europa, a indústria têxtil
algodoeira e outras manufaturas se fixam em zonas onde existe em
abundância força hidráulica ou combustível que produz vapor, e mon-
tantes considedveis de riqueza se converteram em edifícios e máquinas
etc.)... A coí.sa muda quando os trabalhadores dependem apenas do
recebimento direto de paxte das tendas (revenues) das pe~soas que conso-
mem as mercadorias produzidas pelos artesãos ... Não estão presos às
adjace1ic//Js de nenhum capital fixo. Se seus fregueses mudam de domicí·
lio por longo tempo ou mesmo por períodos curtos, os trabalhadores
não agrícolas têm de segui-los ou de morrer de fome" (Jones, 1.c.,
pp. 73, 74).
"A maior parte desse fundo dos artesãos na Ásia é repartida pelo Estado
e seus funcionários. A capital era necessariamente o centro principal de
distribuição" (p. 7S).
"Indo de Samarkand, na dir~ão meridional, atê Beajapoor e Seringapa-
tam podemos encontrar as ruínas de capitais extintas, cuja população
as abandonou de mbito (sem haver decadência como em outros países)
logo que se estabeleceram novos centros de repattiçtfo das rendas reau.
ísto 6, do total do produto excedentc 164 da terra" (p. 76).

Ver Dr. Bemier, que compara as cidades indianas a acampamentos


milltares.1 65 Isso assenta portanto na forma de propriedade da terra na
Ásia.)
Passamos agora da continuidade para a divisão do trabalho, para o
desenvolvimento do conhecimento, emprego das máquinas etc.
Escreve Jones:

"Mas de nenhum modo se esgota oom o já visto o efeito da mudança


dos que pagam o trabalho sobre a continuidade do trabalho. As diferen-
tes tarefas da produção podem agora ser objeto de novas divisões... O
capitalista, se emprega mais de um homem, poderá dividir o trabalho
entre eles. Poderá destinar cada um, em caráter pennanente, para a parte

164. Em Jones: das rendas excedentes.


165. Bemier. Voyages... contenant la de$cription des üats du Gr/J11d Mogol, de
l'lndou~tan,du Royaume de Cachemfl'e etc. Na carta a Engels de 2 de junho de 1853
transcreve Marx longos ext:atos desi;e tnibalho de Bemier, inclusive a pawigem em que
Bemier compara as cidades índianas a acampamentos militares (ver MEW, vol. 28,
pp. 252-254).

1475
do trabalho comum a qual melhor executa... Se o capitalista é rico
e dispõe de núrne10 suficiente de trabalhadores, a wefa pode sei sub·
dividida até o ponto em que a subdivisão seja apropriada. Então, a
continuidade do tiabalho é completa••. O capitlll, ao assumir a função
de adiantar o salário, apeifeiçoa de maneira progressiva a continuidade do
trabalho. Ao mesmo tempo aumenta o conhecimento e a habilidade com
que se emprega esse trabalho para se atingir dado efeito.
A classe capitalista de início libera-se em parte, e depois por completo,
da necesridade de trabalho manual. Interes1J1Z-/he que a força produti-,a
dos trabalhadores que emprega seja a maior possível. Sua atenção refixa
. de maneira quase exclusiva 110 acréscimo dessa força, O pensamento se
dirige ma.is paxa os meios de efetivar todos os propósitos da indústria
humana; o conhecimento amplia-.se, multiplica os domínios onde é
eficaz e apoia a produção em todos os xamos... · .
E isso também é válido no toeante à força mecânica. Ao capital aplicado
não para PtlKtzT trabalho, mas para ajudd-lo chnmai:emos de capital auxi-
Uar."

(Por tal compreende portanto a parte do capital constante a qual


não consiste em matéria-prima.)

"A massa nacional de capital auxiliar, preenchidas certas ccndições,


pode crescer índefinidamente, sem se alterar o número dos trabalhadore1.
A cada passo nessa direção etesce o terceiro elernentq da eficiência do
trabalho humano, a saber, a força mecânica... Assim~ a masSll dR capital
ou:riliar cre11ce na proporçfió da população•.• Que condições, então, têm
de ser preenchidas a fim de aumentar a massa de capital. allxiliai: aplicado
pua ajudá-los" (os trabalhadores empregados pelos capitalistas)'?
"J;; míster a convergência de 3 coisas: ,, .·
(1) os meios de economU:ar o capital suplementax;
(2) a VQntade de fazê-lo;
(3) invenções que possibilitem, com o emprego desse capital, elevação
da força produtiva do trabalho, e a tal ponto que o trabalho, além da
riqueza que ante1 produzia, reproduza o capital auxilkzr suplementar
com a rapidez em que é consumido e ainda proporcione lucro, ..
Quando já se forneceu a masm toda de capital auxílitir que se pode
empTegTJr com lucro, no e1tado atual do conhecimento .. ., só um acrés·
cimo do conhecimento pode indicar os meios,e caminhos de se empregar:
mais. Adernaís, esse emprego só é viável na prâtica se, em virtude dus
meios desoobertos, a força de trabalho aumenta o bastante para reprodu·
zir o capital .si.lplementar no tempo em que é conrumido. Se isso não
ooorre, tem o capitalista de perdet sua riqueza ... Mas, além disso, a efi·
ciência acrescida dos trabalhadores tem de reproduzir um lucro; do
contrário, o capitalista não teria motivo algum para empregar capital
na produção •.. Enquanto for pOS$ÍW!I atingír esses dois objetivos, com a
aplicação de novas quantidades de capital, nto havetá limites fixos e
determinados para o emprego progressivo dessas novas quantidades de
capital. Esse acréscimo pode marchar no mesmo ritmo do acréscimo do
conhecimento, Mas o conhecimento nunca pára, e à medida que progride
de hora em hora em todas as direções, podem surgir, de hora em hora,

1476
novos instrumentos, novas máquinas, novas forças motrizes que capaci-
4m a comunidade a aumentai: com lucro a quantídade de capital auxiliai:
que ajuda sua atividade industrial; assim, acresce a diferença existente
enh'e a produtividade de seu t:-abalho e o das nações mais pomes e menos
engenhosas" (1.c., pp. 38·41).

Primeiro, vejamos a obsexvaçã"o de que as invenções ou instrumentos


ou mecanismos têm de ser de tal natureza que

"elevem a força produtiva do trabalho, e a tal ponto que este, além da


riqueza que antes produzia, reproduza o eapital auxiliar suplementar
com a rapidez em que é con:swnido", ou "1eproduza o capital suplemen·
tar no tempo em que I! consumido" (p. 40).

Isso significa apenas que o desgaste se repõe à medida que ocorre, ou


que o capital suplementar é substituído no período em que é em média
consumido. Parte do vai or do produto - ou, o que dá no mesmo, parte
do pro~to - tem de repor o capital auxiliar consumido e em tal rítmo
que esse capital, quando de todo consumido, esteja de todo reproduz.ido,
ou substituído por novo capital da mesma espécie. Mas qual é a condição
para ocorrer ísso? A produtividade do trabalho, por meio do capital auxiliar
suplementar, tem de subir a ponto de tomar possível deduzir-se parte do
produto para a reposição desse componente, seja diretamente ou mediante
troca.
O capital auxiliar se reproduz se a produtividade, ou seja, o acréscimo
dos produtos que .a mesma jornada de trabalho fornece, é tã'o grande que,
por unidade, a mercadoria é mais barata que a do processo anterior, embora
a soma das mercadorias cubra, pelo preço global, o desgaste anual (por
exemplo) das máquinas, e portanto seja insignificante, do desgaste, a parte
alíquota incidente sobre a unidade da mercadoria. Se deduzirmos do pro·
duto global a parte que repõe o desgaste e, depois, a parte que substitui o
valor da matéria-prima, restará a que paga o salário e a que cobre o lucro
e fornece mesmo mais-valia maior que a do modo de proceder anterior.
Poderia ocorrer acréscimo do produto, sem se preencher essa condi-
ção. Se, por exemplo, a quantidade de libras-peso de fio se decuplicasse
(em vez de centuplicar-se etc.) e se a 1/10 dessa quantidade correspondesse
l /6 do valor adicional para o desgaste da maquinaria, o fio elaborado com
maquinaria sairia maís caro que o elaborado com fuso. Se, na agricultura,
se empregassem durante 1 ano 100 libras adicionais de capital em guano,
se este tivesse de ser reposto dentro de um ano e se o valor de 1 quarter

1477
(obtido com o velho método) = 2 libras, 50 quarters adicionais teriam de
ser produzidos para se repor o desgaste. E sem isso (abstraindo-se do lucro)
não se poderia empregar o guano,
A observação de Jones, de o capital suplementar ter de ser "reprodu-
zido" (sem dúvida pela venda do produto ou fisicamente) "no tempo em
que é consumido", significa apenas que a mercadoria tem de repor odes-
gaste nela contido. Para recomeçar a reproduçã'o, é mister que todos os
elementos com valor, contidos na mercadoria, sejam repostos quando se
tenha de iniciar de novo a reprodução dela. Na agricultura, esse tempo
de reprodução é deteuninado por condições naturais, e o período em que
se tem de repor o desgaste é dado do mesmo modo que o prazo em que se
têm de repor todos os demais elementos do trigo, por exemplo, dotados de
valor.
Para se poder iniciar o processo de reprodução, isto é, para se poder
renovar o processo real de produção, é mister que a mercadoria passe
pelo processo de circulação, isto é, se venda (desde que não se reponha de
maneira física direta, como as sementes) e o dínheíro por que se vende
se converta de novo nos elementos da produção. No caso do trigo e de
outros produtos agrícolas, há para essa reprodução épocas 4etenninadas,
prescritas pelas estações, ou seja, limites (extremos), Uniltes positivos
da duração do processo de circulação. ·
Segundo: esses limites positivos do processo de circulaçã9 derivam
em geral da natureza da mercadoria como valores de uso. Todás as merca·
dorias se deterioram em detenninado período; embora varie o limite final
da existência delas. Se não as consomem seres humanos (para produzir
ou individualmente), ser!i'ó consumidas pelas forças elementares da natu-
reza. Estragam.se e, por fim, destroem-se. Ao desaparecer o valor de uso,
o valor de troca se extingue, e deixa de haver reprodução. Os últimos
limites do tempo de reprodução delas são por conseguinte determinados
pelas balizas naturais dos prazos de reprodução que lhes correspondem
como valores de uso.
Terceiro: para ser contínuo o processo de produção das mercadorias,
isto é, para se encontrar de maneira ininterrupta parte do capital no pro-
cesso de produção e parte no processo de circulação, tem de haver reparti·
ções do capital bem diferentes, segundo as correspondentes balizas naturais
dos períodos de reprodução ou limítes dos diferentes valores de uso, ou
confonne as diferentes esferas de atuação do capital.
Quarto: isso se aplica, ao mesmo tempo, a todos os elementos de
valor das mercadorias. Mas naquelas onde entra muito capital fixo, existe,

1478
a1ém dos limites ao tempo de circulação prescritos pelos respectivos valores
de uso, o valor de uso do capital fixo com papel também determinante.
Desgasta-se em certo tempo e por isso tem de ser reproduzido em detenní-
nado período. Digamos que um navio dure l O anos, e uma máquina de fiar,
12. O frete obtido durante esses 1O anos ou o fio vendido durante esses
12 anos têm de bastar para repor em 1O anos o navio velho por um novo,
e em 12, a velha máquina de fiar por uma nova. Se o capital fixo se consome
num semestre, o produto tem de retomar da circulaçtro nesse semestre.
Além dos prazos naturais de mortalidade das mercadorias corno valo-
res de uso - prazos que diferem muito segundo os valores de uso -, além
das exigências da continuidade dos processos de produção, que por sua vez
fixam diferentes. límites extremüS para o processó de circulação, segundo
o tempo maior ou menor que as mercadorias têm de permanecer na esfera
de produção ou podem permanecer na esfera da círculaçâ'o, inclui-se ainda
terceiro elemento, os diferentes prazos de mortalidade - e em conseqüência
as necessidades de reproduçã'o - do capital auxiliar que entra na produção
das mercadorias.
Para fones, a segunda condição é o "lucro" que o capital auxiliar
tem de "produzir" e essa é condição necessária de toda produção capita-
lista, qualquer que seja a destinação particular do capital aplicado. Nenhures
expõe como se lh.e afigura a gênese desse lucro. Mas, urna vez que o deriva
meramente do "trabalho",. e o lucro proporcionado pelo capital auxilíar,
apenas da eficiência acrescida do trabalho dos trabalhadores, terá de reduzí·
lo a trabalho excedente absoluto ou relativo. O lucro consiste geralmente
em que o capitalista, apôs descontar do produto a parte que repõe na forma
físíca direta ou mediante troca os componentes do capital constituídos
por matéria-prima ou meios de trabalho, com o restante do produto, pri·
meiro, paga salários e, segundo, apropria-se de urna parte, o produto exce-
dente, produto que vende ou consome na forma física. (Este consumo não
se leva em conta na produção capitalista, excetuados os raros casos excep-
cionais, ocorrentes com capitalístas que produzem diretamente meios de
subsistência necessários.) Esse produto excedente representa trabalho corpo-
rificado dos trabalhadores, como as demais partes do produto, mas trabalho
não pago de que o capitalista se apropria sem dar o equivalente.
Na exposição de Jones, o que há de novo é que o aumento do capital
auxiliar acima de certo nível depende do acréscimo do conhecimento. Jones
diz serem necessários: (1) os meios de poupar o capital suplementar; (2) a
vontade de poupá-lo; (3) algumas ínvenções que façam a força produtiva do
trabalho aumentar o bastante para reproduzir o capital suplementar e ainda
produzir lucro.

1479
O que é necessário, antes de tudo, é a exístência de produto exce,
dente, sejii. na forma física, seja convertido em dinheiro.
Na produção de algodã'o, por exemplo, os plantadores na América
(como agora na índia) podiam plantar grandes áreas, mas não tinham meios
para descaroçar o algodã'o bruto em tempo oportuno. Parte do algodão
deteriorava-se no campo. A máquina de descaroçar algodão pôs um fim
a essa situação. Agora parte do produto converte-se em máquina de desca-
roçar. Mas essa máquina, além de repor seu custo, acresce o produto exce-
dente. Novos mercados produzem esse efeito, por exemplo, ao impulsionar
a converslio de peles em dinheiro (melhores meios de transi:>orte atuam no
mesmo sentido).
Cada nova máquina que consome carvão é um meio de converter em
capital o produto excedente existente em carvão. A conversão de parte do
excedente em capital auxiliar pode processar-se de dois modos: (1) acrésci·
mo do capital auxiliar existente, sua reprodução em escala maior; (2) des·
coberta de novos valores de uso ou de nova aplicação de valores de uso
já conhecidos e invenções relativas a máquinas ou a força motríz, as quais
induzem a criação de novas espécies de capital auxiliar. Ampliação do
conhecimento é aí, sem dúvida, uma das condições da expansão do capital
auxiliar ou, o que dá no mesmo, da conversão do produto.excedente ou do
dinheiro excedente (e nisso é importante o comércio exterior) em adição de
capital auxiliar. A telegrafia, por exemplo, abriu campo ínteir~ente novo
para aplicação de capital auxiliar, o que se estende às ferrovias etc., e a toda
a produção de guta-percha e de borracha.
É ímportante essa questão da ampliação do conhecfrnento.
Por isso, para haver acumulação não é mister pôr-se de imediato em
movimento novo trabalho, mas basta que se dê outra di.reçã'o ao já empre-
gado. Por exemplo, a mesma oficina que antes fazia teares manuais faz
agora teares mecânicos; dos tecelões, parte passa a operar com esse método
de produção modificado, parte é jogada no olho da rua.
~ meno~ que o trabalho que substitui, o n:ovo trabalho que uma
máquina que opera essa substituição exíge de qualquer. modo (para ser
produzida). Talvez baste imprimir-se nova díreçã'o ao trabalho já empregado.
Seja como for, libera-se trabalho que, depois de dose maior ou menor de
· extravios e tribulações, pode ser empregado de outra maneira. Nova esfera
de produção obtém assim material humano. No tocante à liberação direta
de capital, o que se libera não é o capital que compra a máquina, pois nela
está investido. E mesmo supondo-se que a máquina seja mais barata que o
salário reposto, é mister quantidade maior de matéria-prima etc. Se os

1480
trabalhadores despedidos custavam SOO libras, e a nova máquina custa 500,
o capitalista antes tinha de despender 500 por ano, e agora que a máquina
dura, dígamos, 10 anos, ele de fato só despende 50 libras por ano. Mas o
que se libera de qualquer modo (dépoís de se deduzir a quantidade de traba·
lhadores adicionais empregados na fabricaçã'o da máquina e nas correspon-
dentes matérias auxiliares como carvão etc.) é o capital que constitui a renda
dos trabalhadores ou aquele em que estes despendem o salário. Esse capital
continua a existir como dantes. Se a água e o vento, por exemplo, como
força motriz substituem trabalhadores que antes punham em movimento
a maquinaria, sem que ela própria se altere muito, liberam-se duas espécies
de capital: o empregado antes para pagá-los, e o capital por que se trocava
a renda deles em diríheiro. Este é um exemplo útilizado por Ricardo. 166
Mas sempre parte do produto, antes convertida em salárío, se reproduz
agora como capital auxiliar.
· Grande parte do trabalho empregada para produzir capital auxiliar
era antes empregada diretamente para produzir meios de subsistência. .Isso
também se contrapõe ao ponto de vista smithiano de acumulação de capital
ser igual a emprego de mais trabalho produtivo. Excetuando-se o que se
observou acima pode ocorrer mera mudança na aplicação do trabalho e
deslocamento do trabalho da produção de meios de subsistência para a
produção de meios de produção, ferrovias, pontes, máquinas. canais etc.

* * "'
(Importância _da massa existente dos meios de produção e da escala
existente de produção~ para a acumulação:

"A surpreendente rapidez com que se pode erigir em Lancashíre uma


fábrica de tecido de algodão, que abrange fiação e tecelagem, provém
da grande col~ de modelos de toda espécie, desde os das gigantescas
máquinas de vapor, rodas hidráulicas, vigas e traves de ferro, até os
dos menores componentes de uma máquina de fiar ou de um tear mecâ-
nico, modelos de que dispõem os engenheiros, montadores. de usinas e
construtores de máquinas. No decurso do ano passa.do, Mr. Faúbait"'Il
aprontou IOdaS hídnÍulicas com capacidade de 700 cavalos de força e
máquinas de vapor com capacidade de 400 cavalos de força em uma
apenas de suas oficinas, excluídos o estabelecimento de construção de
máquinas operatrizes e o de caldeiras de vapor. Por isso, sempre que
SUJ:Ee capital para tirar vantagem de procura acrescida, provêm~ os

166. Ve1 vol. 2, pp. 987, 988.

1481
meios de emprego luetativo com tal rapidez que ele pode realizar lucro
que lhe duplica o valor antes que se ponha cm· atividade uma fábrica
semelhante na França, Bélgica ou Alemanha" (J>hilorophie des manu·
factures etc., A. Ure;t. 1, Paris, 1836, pp. 61, 62).

Com o desenvolvimento ficam as máquinas mais baratas em relação


a sua força ou absolutamente; mas, ao mesmo tempo, ocorre enorme
acumulação de máquinas numa oficina, de modo que seu valor cresce em
relação ao trabalho vivo aplicado, embora decresça o valor de seus diversos
componentes.
Barateia a força motriz - a máquina que produz a força motriz - à
medida que melhoram a máquina que transmite a força e a máquina· opera-
dora, se reduz a fricção etc.

"As facilidades resultantes do emprego de instrumentos automáticos,


além de terem aperfeiçoado g precisão e acelerado a construção da
maquimtría de uma fábrica, reduziram o custo e aumentaram a mobi·
lídade dela numa proporção notável. Hoje pode-se comprar um excelente
fílatório contínuo pot 9 xelins e 6 pence por fuso e uma máquina de fiar
automática por ceroa de s· xelins por fuso inclusive a licença da patente
dessa máquina. Os fusos numa fábrlea de tecidos de alg<?dão se movem
com fricção tão di111ínu1'da que um cavalo de força impUlsiona 500 fusos
para a máquina de fiação fina, 300 para a máquina de fin automática e
180 para um filatório continuo; essa força abarca todas as máquinas
prepuadoras- como as de cardar, de torção etc. Uma for4a d.,,3 cavalos é
adequada 'pata mover 30 gxandes teares com as máquinas.·· de encolar"
{1.e.., pp. 62, 63).)

* * *
Prossegue Jones:

"Na maior parte da terra .• a gxande maioria das classes trabalhadoras não
recebe o salário de capitalistas; ou elas mesmas o produzem ou iecebem-
no da renda de $eUS fregueses. Ainda não se deu o primeiro gxande passo
que assegura a continuidade de seu trabalho. Ajudam-nas apenas aquele
conhecimento e. aquela quantidade de força mecânica de que podem
dispor pessoas que trabalham com as próprias mãos para subsistir. A
habilidade e a ciêneia de países avançados, as forçu motmes gigantesca!,
os instrumentos e máquinas acumulados que essas forças podem pôr em
movimento, tudo isso falta às tarefas da produção realizada somente
por aqueles agentes" (Text-book of lectures .... , Hertford, 1852, p. 43).

(Na prôpria Inglaterra:

1482
"Tomemos a agricultu:ra ... O conhec.imento da boa exploração agrícola
tem, pelo país, uma difusão tênue e com amplos vazios. Parte muito
pequena da população agrícola é ajudada por todo capital que, .. seria
disponível nesse ramo da produção nacional... Trabalhar nelas" (nas
grandes manufaturas) "é ocupação de pequena parte de nossos trabalha-
dores não agrícolas. Em oficinas rurais e no caso de artesãos que realizam
tarefas isoladas com pouca combinação de atividades, a dh'isão do traba·
lho é incompleta e, em conseqO.ência, imperfeita a continuidade do
trabalho ... Abandonemos as grandes eidades. observemos os amplos
espaços dos campos, e veremos como é grànde o segmento da produção
nacional bem disunciado da perfeição, seja em continuidade, habilidade
ou força" (1. c.,p. 44).)

Com o desenvolvimento da produção capitalista, a ciência se díssocia


do trabalho. Ao mesmo tempo, a ciência como tal se aplica à produção
material.

* **
No tocante à renda da terra, Jones observa com acerto:
A renda fundiária no sentido moderno, a qual depende por completo
do lucro, pressupõe

"a possibilidade <k desloca,. capital e trabalho de um ramo para outro ...
a mobilidade do capital e do trabalho, e em países onde capital e trabalho
não têm essa mobilidade .. ., não podemo& esperar nenhum dos resultados
que para nós decorrem dela exclusivamente" (1. e., p. 59).

Essa "mobilidade do capital e trabalho" é, ~m geral, o pressuposto


real para que se forme a taxa geral de lucro. Pressupõe indiferença no
tocante ã especifidade do trabalho. Na realidade intervém aí (às custas
da classe trabalhadora) fricção entre o caráter unilateral que a dívisã'o do
trabalho e a maquinaria imprimem à forÇa de trabalho, enquanto esta só
enfrenta o capital (que por isso se distingue de sua forma mdimentar na
indústria corporativa medieval) como a possibilidade viva de qualqu~r
espécie de trabalho, a que se dá esta ou aquela direçlfo, segundo o lucro
que se pode obter, e desse modo as diversas massas de trabalho são trans·
feríveis de uma esferà para outra.

Na. Ásia etc. "o grosso da população consiste em camponeses traba·


lhadores. Sistemas pouco desenvolvidos de agricultura proporcíanam
longo8 intervalos de detcrmso. O eamponês, além de produzir o próprio

1483
alimento ... , produz a maioria dtU outras coisas elementares necessdrias
que consome - vestudrio, uten11tlfos, móveis e até co111it1UÇÕe1J, poís em
sua classe há pouca divisão de ocupações, Os u/JOs e costumes desf111 gente
não mudam; transini~-se de pais para filhos; nada existe que os
modifique ou estorve" (p. 97).

Ao revés, com mobilidade do capital e do trabalho e com as contínuas


revoluções no modo de produção, em conseqüência, nas relações de produ-
ção e de comércio e no modo de vida, tudo ísso características da produção
capitalista, verifica-se grande mobilídade nos hábitos, nos modos de pensa-
mento das pessoas.
Compare a passagem que acabamos de citar sobre os
''intervalos de
descanso" nos "sistemas pauco desenvolvidos de agricultura"' com o
seguinte:

"Uma mlíquina a vapor, se aplicada numa fazenda, faz parte de um


sistema que emprega a maior parte dos trabalhado.ces na agricultura e
em todos os casos com redução do número de cavalos" (On the Forces
ut;ed in Agrlculture. Conferência de MI. Jones C. Morton, ,na Society
of Arts 167 , 7 dedezembroJie 1859).
"A diferença entre o tempo exigido para concluir os produtos na -agricul·
tura e o exigido noutros ramos é a principal causa da ~dé dependência
dos agricultores. Não podem levar suas mercadorias ao mercado em
·menos de um ano. Em todo o decwso desse período· é mister que Utes
fiem o sapateiro, o alfaiate, o ferreiro, o construtor de carroças e todos
os demais trabalhadores de cujos produtos precisam, produtos esses que
se aprontam em poucos dias ou semanas. Em virtude dessadrcunst&icia
natural e do acréscimo mais rápido da -riqueza p1oduzida por outros
ramos de trabalho, os detentores do monopólio de todas as terras do
país, embon tenham monopolizado a legislação, são íncapazes de evitar
que eles mesmos e seus servidores, os arrendatários, se tomem, na comu-
nidade, as pC1SOas mai.!i dependentes" (Hodgski.n, Pop. Polit. Econ.,
p. 147, nota).

O capitalista distingue~ do capital por ter de viver e portanto ter de


consumir como renda (revenue), toda hora e todos os dias, parte da mais-
valia. Assim, quanto mais durar o tempo de produção para poder levar a
mercadoria ao mercado, ou quanto mais longo for o prazo para receber a
receita das mercadorias vendidas, tanto mais tem de viver de crédito no

167. Society of Arts and Trades, sociedade filantrópica fundada em 1754, de


tendência Iacionalista burguesa. A conferência de John e. Morton foi publicada no
semanário dessa sociedade, Joumal of Society of Arta, de 9 de deiembro de 1859,
pp. 53-61.

1484
intervalo, o que não cabe investigar aqui, ou de acumular reservas de
dinheiro para gastar como renda. Por tanto mais tempo tem de adiantar a si
mesmo a própria r~da. Maior terá de ser seu capital. Terá sempre de deixar
ociosa parte dele, como fundo de consumo.
(Por ísso, na pequena agricultura, a indústria doméstica se liga à
atividade agrícola; provisões para o ano etc.)

e) Acumulação, taxa de lucro e fonte de mais-valia, segundo


Jones

Chegamos agora à teoria de fones so.bre a acumulação. Até aqui sua


originalidade consiste nas proposições: (1) de modo nenhum é necessário
que a acumulação provenha do lucro; (2) a aÍ:umu/açifo do capital (IUXZ1iar
depende do avanço do conhecimento. Ele limitá esta acumulaçâ'o à invençã'o
de novos aparelhos mecânicos, forças motrizes etc. Acerta, porém, de modo
geral, Por exemplo, se se utilíza trigo como matéria-prima do aguardente,
surge nova forma de acumulaçlfo, pois o produto excedente pode converter·
se em novas formas, satisfaz novas necessidades e pode entrar como ele-
mento produtivo em novo ramo de produção. O mesmo se pode dizer no
caso de se obter o amido do trigo etc. Assim, aumenta a esfera da troca
dessas m~rcadorias detenninadas e de todas em geral. O mesmo se dá com
o carvão ao ser empregado na iluminação etc.
Sem dúvida, o comércio exterior; pela variedade dos valores de uso
e pela massa das mercadorias, é também fator importante do processo de
acumulação,
O que Jones diz agora refere-se, antes de tudo, à conexão entre
acumulação e taxa de lucro. (Não chega em absoluto a esclarecer de todo
a gênêse dessa taxa):

"A capacidade de uma nação de acumular capital utilizando lucros naõ


varia com a taxa de lucro... Ao contrário, a capacidade de acumular
capital utilizando lucros Paria de ordindrio na direçãiJ oposta à da l<P:a
de lucro; ou seja, é grande quando a taxa de lucro é baixa, e pequena
quando alta a taxa de lucro" (Text-book of lecturu ... , Hertford, 1852,
p. 21).
Assim diz A. Smith: "Se o segmento da renda (revenue) dos habitantes
derivado do lucro do capital nos países ricos é sempre muito maior que
nos pobres, é porque naqueles o capital é muito maior; em relaçãó ao

1485
capital, os lucros Já são em geral muíto menores" ( W. of N., L. U, cap.
111, p. 102168).
"Na Inglatena e na Holanda, a taxa de lucro ê mais baixa que em qual-
quer outra parte da Europa" (Te:xt-book of Jectll{es... , Hertford, 1852,
p. 21).
"No tempo em que a riqueza e o capital" (na Inglaterra) "cresceram com
mais rapidez, a taxa de lucro sofria um declínio giadual" (pp. 21, 22).
"'Os montantes relatiYos do lucro produzido••• não dependem da taxa de
lucro isolada... , mas da taxa de lucro em combinaçaõ com as quantidades
relatiJJa& do capital aplicado" (p. 22). ·
."A magnitude ciescente do capital das nações mais ricas••. é de ordíniÚio
acompanhada por queda da taxa de lucro e por decréscimo da proporção
em que a renda (revenue) anual oriunda do capital empregado está com
a totalidade deste" (1. c.).
"Se se diz que, inYaridveis as demais condições, a ta.-<a de lucro determina
11 caPIJcidade de acumular com a utilização do lucro, pode;e responder
que esse caso, embora possível na prática, é de ocorrência rara demais
para merecer consideraçlfo. Sabemos, por observação, que a taxa decli·
nante do lucro é a companheira habitual de diferenças crescentes nos
'f!IOntantes de capital aplicado por nações diversas, e que por isso todlJs
as demais condições não pennaneoem in)IQ7'iá11ei.s quando cai a taxa de
lucro das nações mais ricas.
A proposição de pode.i: cair o lucro a ponto de tomar impossível a acurou·
lação com recursos do lucro, desmorona-se em face do ridículo de se
argüir na base da suposição dessa queda - pois o capital muito antes
de a taxa de lucro chegar a esse nível já se teria expatrládo para obter
a1hutes lucros ma.io.res - e ainda em face de certo limite permanente
fixado pela possibilidade de exportação, abaixo do qual o lucro nunca
descerá em país algum, enquanto houver outros países .onde a taxa ge
lucTVJ seja mais alta" (pp. 22, 23 ). .. . · /
"Além das fontes originais da acumulação exístem·as derivadas como,
por exemplo, os donos de títulos da díYida pública, funcionários etc."
(p. 23). /

Tudo isso está bem. Ê absolutamente certo que os montantes acumu·


lados não dependem apenas da taxa de lucro. mas da taxa de lucro multi-
plicada pelo capital aplicado; isto é, dependem também da magnítude
do capital aplicado. Se o capital aplicado = C, e a taxa de lucro = t,
será a acumulação = Ct. e está claro que o produto pode crescer se a rapi-
dez com que o fator C aumenta é maior que aquela com que decresce o
fator t. E isso é sem dúvida um fato comprovado por observação. Mas com
isso nada sabemos sobre o porquê, a razão de ser desse fato. O próprio
fones aproximou.se muito da causa quando observou que o capital auxiliar
cresce sempre em relação à população trabalhadora que o põe em movimento.

168. Mane cita aí Adam Smith conforme o livxo de Richard Jones Text-book of
1ectures on the politiclll economy ofnatíon.s, Hertford, 1852,p. 21.

1486
Enquanto a queda do lucro decorre da causa rtcardíana, a elevação
da renda fundiária, permanece a mesma a proporção da mais ·valia global
com o capital aplicado. Só que wna parte desta - a renda fundiária - cresce
às custas da outra, o lucro, o que deixa inalterada a proporção da mais-valia
global de que são categorias lucro, juro e renda fundiária. Assim, nega
Ricardo de fato o próprio fenômeno.
Ademais, a simples queda da taxa de juro nada demonstra - tam·
pouco sua alta -, embora indique a taxa míníma abaixo da qual o lucro
não pode cair. Pois o lucro tem sempre de ser maior que o juro médio.
Excluído o temor que a lei da queda da taxa de lucro infunde aos
economistas, a mais importante conseqüência dela é pressupor concentraçã'o
cada vez maior dos capitais, por conseguinte expropriação cada vez maior
do capital dos capitalistas menores. De modo geral, isso ê o resultado de
todas as !eis da produção capítalista. E se excluírmos desse fato o caráter
antagônico que o.qualifica no sistema de produção capitalista, que é que
expressa esse fato, essa tendência à centralização? Apenas que a produção
perde .seu caráter privado e se toma processo social não formalmente -
como a produção é social em toda troca, em virtude da absoluta dependên·
eia recíproca dos produtores e da necessidade de seu trabalho se configurar
em trabalho social abstrato (dinheiro) -, mas em condições reais. Ê que
os
se empregam meios de produção na qualidade de meios coletivos e, assim,
não por força da propriedade do indivíduo, mas por sua relação com a
produçfo - na condição de meios sociais de produçífo - e também se
executam os trabalhos em escala social.
A um capítulo de sua obra Jones dá este título: "Causas que deter-
a
minam a propensão acumular". Menciona-as:

"(1) Diferenças. de temperamento e de disposição dos povos.


(2) Diferenças nas propo:cções em que as rendas nacionais se dividem
entre as dífnentes classes da população.
(3) Diferentes graus de segurança da fruição do capital poupado.
(4) Dife.tentés graus de facilidade em aplicar poupanças. sucessivas
de maneira lucrativa e segura.
(5) Dife.renças. nas oportunidades oferecidas às diversas camadas da
população para melhorar sua posição por meio de poupança~" (p. 24).

Na realidade, essas 5 razões se reduzem a que a acumulação depende


do estádio que determinada nação tiver atingido, do modo de produção
capitalista.
Antes de mais nada, (2). Onde a produção capitalista se desenvolveu,
o lucro constitui a fonte principal da acl!Jllulação, isto é, os capitalistas

1487
dispõem da maior parte da renda nacional e mesmo parte dos donos das .
terras procura capitalizar.
Item (3). A segurançà (jurídíco-policial) cresce ã medida que os
capitalistas obtêm o domínio do regunepolítico.
Item (4). Com o desenvolvimento· do capital crescem, de um lado,
os ramos de produção; do outro, a organização do crédito para juntar
cada centavo nas mãos dos prestamistas (banqueiros).
Item (5 ). Na produção capita1ista, a melhoria depende apenas do
dinheiro, e cada um pode sonhar em tomar-se um Rothschild.
Item (1) fica como está. Todos os povos não têm a mesma propensãó
para a produção capitalista. Alguns povos primitivos, como os turcos, nã'o
têm disposiçtio nem temperamento para isso. Mas são exceções. oCom
desenvolvimento da produção capitalista cria-se um nível médio da socie-
dade burguesa e com isso um nível médio dos temperamentos e das dispo-
sições nos mais diferentes povos. Cosmopolita na essência como o cristia·
rtismo. O cristianismo por isso é a religião específica do capítal. Para ambos
só o homem tem validade. Em si, um ser humano vale tanto quanto seu
próximo. Tudo depende, no cristianismo, de o homem ter fé, e no capitalis·
mo, de ter cr~dito. Além disso, num caso adiciona-se por certo a_predestina-
ção. No outro, a sorte de ter ou não dinheito na origem. ·

.. .. *
Fonte da mais-valia e reni:Ja fimdiária primitwa:

"A te.IIa, ao ter sido objeto de apropriação e de cultivo, proporciona ao


trabalho nela. empiegado, quase sell1Jte, mais do que o necessário para
que prossiga a espécie de cultivo já introduzida. Tudo que ela produza
actma diw, chamaremos produto excedente. Este é a fonte do renda
fundiária primitiva e limita a expansão das rendas (revenues) que podem
ser continuamente obtidas da terra por seus proprietdrios, que se contra-
põem aos ocupantes" (p. 19).

Essas rendas júndiáÍias primitivas são a primeira forma social em que


se configura a mais-valia, e esta é a concepção oculta que está na base da
t~Oli.a fisiocrática.
Ambas, a mais-valia absoluta e a relativa, têm em comum o pressu-
posto de certo grau de produtividade do trabalho. Se.a jornada total (tempo
de trabalho disponível) de um ser humano (de todo ser humano) bastasse
apenas para alimentar em si mesmo (e à família, na melhor hipótese),

1488
desapareceriam trabalho ex.cedentê, mais-valia e produto excedente. Esse
pressuposto de certo grau de produtividade funda-se na fertilidade natural
inerente às fontes naturais de riqueza, a terra e a' água. Difere em diferentes
países etc. No começo, as necessidades eram simples e rudimentares, era
portanto pequeno o produto mínimo necessário para manter os próprios
produtores. E assim era também o produto excedente. Ademais, também
era muito pequeno, nessas condições, o número dos que viviam do produto
excedente, de modo que este reunia pequenas quantidades de produto
excedente geradas por número relativamente grande de produtores.
A base da mais-valia absoluta - isto é, a condição real para sua exi&·
tência - é a fertilidade natural da tel'TfJ, da natureza, enquanto a mais-valia
relativa se apoia no desenvolvimento das forças produtivas sociais.
E assim concluímos nosso estudo sobre Jones.

1489
Aditamentos
'
A renda (revenue) e suas fontes.
A economia vulgar 169

1. Desenvolvimento do capital produtor de juros na base da


produção capitalista. O capital produtor de juros, forma
fetichista do ,capital. O juro do capital segundo os econo·
mistas vulgares e os socialistas vulgares

A fonna e as fontes da renda (revenue) constituem a expressão mais


fetichista das relações da produção capitalista. Está aí a existência dessas
relações tal como aparece na superfície, uma existencia separada dos nexos
ocultos da mediação dos elos intennediários. Assím, a terra passa a ser a

169. No esquema dos capítulos finais de Teorias da 11111t:-valía, apresentado


na capa do e.a.demo XIV, segue, depois de "o) Richard Jones (fim desta parte 5)", o
"Episódio: A renda (revenue) e suas fontes". No sumário do caderno XV figura
"A economia vulglll" (L h.). Os dois temas - a renda e suas fontes, e a economia
vulgar - ocupam grande parte do caderno XV, e Marx os trata destacando às estJ:ei.
tas inter-relações existentes entre eles. A economia vulgar se apega à aparência
superlicial das fonnas fetichlzadas da renda e suas fontes e constrói sobJ:e ela~ sua

1493
fonte da renda fundiária, o capital, a fonte do lucro, e o trabalho, a do
salário. A fonna distorcida em que se exprime a inversão efetiva reproduz.se
naturalmente nas idéias dos agentes desse modo de produção. :ft uma espécíe
de ficção sem fantasia, uma religião do vulgar. Os economistas vulgares
- que é mister distmguir bem dos economistas pesquisadores que criticamos
- na realidade traduzem as idéias, motivoi etc. dos titulares da produção
capitalista, prisioneiros do sistema e nos quais ela só se reflete em sua
aparência superficial. Efetuam essa traduçã'o em linguagem doutrinária
e segundo o prisma da camada dominante, os capitalistas, portanto, sem
ingenuidade e sem objetividade, mas com finalidade apologética. A expres-
são acanhada e pedantesca das idéias vulgares que necessariamente se geram
nos agentes desse modo de produção difere muito do afã dos econonústas

teoria apologética. Nesse caderno (que ocupa as pp. 862a-950 do manuscrito), esqito
em outubxo-novembro de 1862, Matx interrompe à p. 890 a análise das idéias de
Hodgskin, para tratar desses dois temas. No desenrolar do tr.tba1ho sobre o "Episódio",
Marx faz a análise do capital de empréstimo, íntimamente ligada à crítica da economia
vulgar, e a análise do capital comercial,,um dos setores da economia capitalista no qual.
a mais-valia não é gerada, mas. tão-somente se reparte. Assim transpõe Marx gradual-
mente os limites de Teoriar da mais-valia, a pane histórico-cdtica de sua obra.
Prossegue na análise do capital comercial até o final do cá,demo XV. Abre o
caderno seguinte, o XVI (dezembro de 1862}, com o título: "Capítulo terceiro.
Capital e lucro". Nesse caderno analisa sobretudo a txansfurmação da mais-valia em
lucro, da taxa de mais-valia em taxa de lucro, e do lucio em lucro médio. Utilizou
amplamente essn pesquisa· para redigir em 1865 a parte primeira .e a segunda do livro
3 de O Capital. No fim do caderno XVI passa a analisar, no âmbito dessa pesquisa,
questão de extrema importâncía, a saber, ·as e ausas que geram a queda da taxa de b.lcro
em correspondência com o desenvolvimento da produção capitalista. Esse estudo que
Marx transformou depois na parte terceira do livro 3 de O Capital ("Lei: ten~ência a
cair da taxa de lucro"), só foi concluído no começo do caderno XVII. ·
No caderno XVII torna Marx a analisar, partindo da p. 1029 do manuscxito,
o capital comercial, tema que trataxa no caderno XV. Mas interrompe mais uma vez o
estudo sobre o capital comercial, e dessa vez em virtude do "Episódío: Refluxo do
dinheiro na produçã'o capitalista''. Encena esse "Episódio" no caderno XVlll (janeiro
de 1863) com as palavt!lll: "Protelar a continuação do exame do assunto". Volveu
então (p. 1075 do manl,lscrito), mais uma vez, a analisar o capital comezeial, e dessa
vez examina as idéias dos diversos economistas sobre o tema. Utilizou bastante toda$
essas pesquisas sobre o capital comercilll, contidas nos cadernos XV, XVll e XVlll do
manuscrito, para redigir em 1865 a parte q\làrta do liv.to 3 de O Capital. Após concluir
a pesquisa !!Obre capital comercial, mais uma vez voltou (p.1084 do manus~to) a
Teorias da mais-11alía, isto é, à parte sobre Hodgskin, interrompida no caderno XV.
De todo o extenso material referido acima, dos cadernos XV ·XVIII do manus-
crito de 1861-1863, só fazem parte dos "Aditamentos" deste volume, de confonnídade
com o plano de Marx, as matérias contidas no caderno XV (pp. 891-950 do manus·
crito), subordinadas aos temas: a renda e suas fontes, e economia vu1gaI.

1494
políticos como os fisiocratas, A. Smith, Ricardo, de apreenderem as cone-
xões jnternas do sistema.
De todas essas formas, porém o ·fetiche m,ais completo é o capital
produtor de juros. Nele temos o ponto de partida original do capital - o
dinheíro - e a fónnula D-M·D' reduzida aos dois extremos D-D'. Dinheiro
que gera mais dinheiro. É a fórmula primitiva e geral do capital, contraída
numa súmula absurda.
A ten-a ou natureza, considerada a fonte da renda fundiária, isto é,
da propriedade da terra, já é fetichismo bastante. Mas por meio de uma
cômoda confusão entre valor de uso e valor de troca ainda resta a essa
concepção vulgar o refúgio na força produtiva da própria natureza, a qual,
por um passe de mágica, se personifica no dono da terra. O trabalho, fonte
do salário, isto é, de uma participação do trabalhador em seu produto,
detenninada por furma social específica do trabalho; o trabalho, fonte
que permite ao trabalhador comprar do produto (do capital considerado
materialmente), por meio de seu prôprio trabalho, a permissão de produz.ir,
e que l.he propicia possuír no trabalho a fonte que lhe faz refluir parte de
seu produto, constituída em pagamento feito por esse produto' como em-
pregador, eis o que também nos delicia bastante. Mas a concepção vulgar
aí se entrosa tanto com o próprio objeto que, embora confunda trabalho
com trabalho assalariado, em conseqüência o produto do trabalho aSsalaría-
do - o salário - com o produto do trabalho, uma coisa, contudo, penna·
nece clara para o senso comum: o próprio trabalho gera o salário.
O capital, desde que observado no processo de produção, continua
até certo ponto a_ser considerado instrumento de pescar trabalho alheio.
Nã:o importa que se· ache isso "justo" ou "injusto", com ou sem funda-
mento. Aí pressupõe-se e subentende-se sempre a relação do capitalista com
o trabalhador.
O capital, enquanto aparece no processo de circulação, defronta
a vísã"o trivial sobretudo na figura do capital mercantil, como uma espécie
de capital atuante apenas nesse domínio; por isso, o l.ucro aí está em
parte relacionado com a confusa idéia de uma trapaça geral ou, de maneira
mais precisa, com a ídéia de o comerciante fraudar o industrial ou o consu-
midor, como o capitalista industrial logra o trabalhador ou os produtoies
se logram uns aos outros. De qualquer modo, utíliza-se a troca para explicar
o lucro, portanto uma relação social e não uma coisa;
Ao revês, o capital produtor de juros é o fetiche perfeíto. É o capital
pronto e acabado - em face disso urúdade do processo de produção e do
p1ocesso de circulação -, e que por isso gera lucro determinado em prazo

1495
determinado. Na forma de capital produtor de juros permanece apenas .
essa função, sem a mediação do processo de produção e do processo de
circulação. No capital e lucro ainda há reminiscência do passado, embora.
em virtude da divergência entre o lucro e a mais-valia, do lucro uniforme de
todos os capitais, ou seja, da taxa geral de lucro, o capital Já se obscureça
muito, vire algo embuçado e misterioso.
No capital produtor de juros se consuma o fetiche automático, um
valor que se expande a si mesmo, o dinheiro que gera dinheiro, e nessa
forma não traz mais o estigma de sua origem. A relação social consuma-se
em relação das coisas (dinheiro, mercadoria) consigo mesmas ..
Não cabe prosseguir aqui na investigação do juro e de sua relaçã'o
com o lucro; nem investigar a proporção em que o lucro se reparte em
lucro industrial e juro, Está claro que o ·capital, como fonte misteriosa
e auto geradora do juro, do próprio acréscimo, consuma-se em capita] e
juro. Por isso, é em especial nessa forma que se. costuma representar o
capital. É o capital por excelência..
Uma vez que, no sistema de produção capitalista, determinado mon·
tante de valor configurado em dinheiro ou mercadorias - a bem dizer, em
dinheiro, a forma transmutada da mercadoria - dá ao possui~or o poder
de extrair grátis dos trabalhadores certa quantidade de trabalho, de se
apropriar de certa quantidade de mais-valia, de trabalho· excedente, de
produto excedente, é claro que o próprio dinheiro pode ser vendido como
capital, mas como uma mercadoria peculiar. ou que o capital 'pode ser
comprado na foana de mercadoria ou de dinheiro. · ·
Pode ser vendído como fonte do lucro. Com o dinheiro etc. outorgo
a outra pessoa o poder de se apropriar de mais-valia. Justifica-se portanto
que eu receba parte desse valor excedente. Assim como a terra tem valor
por me capacitar a obter parte da mais-valia, e em conseqüência pago pela
terra apenas a mais -valia obtida por seu intennéâio, assim pago ao capital
a mais-valia por meio dele gerada. Uma vez que no. proce.sso de produçâ'o
capitalista o valor do capital se perpetua, se reproduz, além da respectiva
mais-valia, justifica-se q\le dinheiro ou mercadoria, qtiando 'l;'.endidos como
capital, retomem após determinado período para o vendedor, e este nunca
aliene o capital como faz com a mercadoria; mantém a propriedade sobre o
capital. Então, dinheiro ou mercadoria não se vendem como dinheiro
ou mercadoria, mas elevados à segunda potência, como capital, como
dinheiro ou valor de mercadoria que acrescem a si mesmos. O capital, além
de expandir a si mesmo, conserva-se no processo global de produção. Por
isso continua a ser capital para o vendedor, volta-lhe às mãos. A venda

1496
consiste em que outra pessoa que o emprega como capital produtivo, tem
de dar em pagamento ao dono do capital certa fração do lucro que só
obtém por meio desse capital. É alugado como a terra, corno coisa que gera
valor, se mantém ao gerá-lo, sempre reflui e assim pode retomar ao vendedor
inicial. Só é capital porque lhe retoma, Do contrãrio, vendê-lo-ia como mer-
cadoria ou empregá-lo-ia como dinheiro para comprar,
Seja como for, a forma considerada em si (na realidade, o dinheiro
é alienado periodicamente na função de meio de explorar trabalho, de
gerar mais-valia) é esta: a coisa aparece então como capital, e o capital
como simples coisa~ o resultado global do processo capitalista de produção
e circulação aparece como qualidade inerente à coisa, e depende do possui·
dor do dinheiro, isto é, da mercadoria em sua forma sempre intercambiável,
a decisão de despendê-la como dinheiro ou alugá-lá como capital.
Eis aí a relação do cap.ital como principal, consigo mesmo como
frutó, e em seu próprio valor se mede o lucro que proporciona, sem se
perder nesse processo (conforme a natureza do capital).
Fiça assim evidente por que a crítica superficial - do mesmo modo
que defende a mercadoria e ataca o dinheiro - lança-se agora, com sua
sabedoria ;eformista, contra o capitaJ produtor de juros, sem atingir a
produção capitalista real; apenas impugna um de seus resultados, Esse
combate contra o capital que dá juros, do ponto de vista da produção
capitalista, combate que hoje se empavona de "socialismo", patenteia-se,
aliás, como fase do desenvolvimento do próprio capital, por exemplo, no
. século XVII, quando o capitalista industrial tinha primeiro de impor-se
contra o usurário antiquado, que então o sobrepujava.
A total reificaçiio, distorção e absurdeza do capital no papel de
capital produtor de juros - onde aparece apenas a natureza íntima, o
absurdo da produção capitalista na forma mais palpável - é o capital que
dá "juros compostos"; configura-se então num Moloch que exige o mundo
inteiro como sacrifício que lhe é devido; entretanto, em virtude de um
misterioso destino nunca satisfaz as pretensões que legitima, oriundas
de sua própria natureza, e sempre as vê contrariadas.
O movimento característico do capital, tanto no processo de produção
quanto no de circulação, é o retorno do dinheiro ou da mercadoria ao
ponto de partida, ao capitalista. É o que se expressa na metamorfose real
- a mercadoria se transforma em suas condições de produção, e estas,
por sua vez, se convertem na forma de mercadoria -, ou seja, a reprodução.
Ademais, a metamorfose formal.: a mercadoria se transforma em dinheiro,
e este, por sua vez, em mercadoria.: Por fim, a multiplicação do valor:

1497
D· M ·D'. O valor original, que, porém, aumenta no processo, permanece.
sempre nas mã'os do mesmo capitalista. Só mudam as formas em que o
possui: dinheiro, mercadoria ·Ou fonna do próprio processo de produção.
Esse retomo do capital ao ponto de partida assume no capital produ-
tor de juros uma figura de todo extrínseca, dissociada do movimento efetivo
do qual é a forma. A cede seu dinheiro não como dinheiro mas como
capital. O dinheiro não passa aí por nenhuma transformação. Troca de mãos
apenas. Sua conversão real em capital só se efetua nas mãos de B. Mas para
A variou capital por transitar das mãos de A para as de B. Ocorre em B o
retomo real do capital dos processos de produção e de circulação. Contudo,
para A o retorno sucede do mesmo modo que a cess:ro. O dinheiro volta
das mãos de B para as de A. Este empresta dinheiro em vez de gastá-lo.
No processo real de produção do capital, toda mudança de posição
do dinheiro expressa uma fase da reprodução, seja conversão de dinheiro
ein trabalho, seja conversã'o da mercadoria pronta em dinheiro (fim da
operação de produção), seja reconversão do dinheiro em mercadoria (reno-
vação do processo de produção, reinício da reprodução). A mudança de
posição do dinheiro quando é emprestado como capital, isto é, não é conver-
tido em capital, mas entra na circulação como capital, expressa apenas
transferência do mesmo dinheiro de uma pessoa para outra. ·O título de
propriedade permanece com o prestamista, mas a posse.se transfere para o
capitalista industrial. Para o prestamista, a conversão do dínheirci e~ capital
começa no momento em que, em vez de despendê-lo como dinheiro, empre-
ga-o como capital, isto é, cede-o ao capitalista-industrial. (Continua a ser
e
capital para ele mesmo quando não empresta ao industrial sim ao perdulá-
rio ou a trabalhador que não pode pagar o alugueL É toda a história das
casas de penhor.) Sem dúvida, o capitalista industrial converte-o em capital,
mas aí se trata de ocorrência à margem da operação sucedida entre o presta-
mista e o prestatârio. Nesta operação, ~que/a mediação se apaga, toma-se
invisível, é de imediato excluída. Mostra-se aí, em vez da conversão real
do dinheiro em capital~ a mera forma vazia dessa metamorfose. Como no
caso da força de trabalho, o valor de uso do dinheiro aí toma-se o de gerar
valor de troca, maior valór de troca que o nele mesmo contido. O dinheiro
é emprestado como valor que aumenta, como mercadoria, só que mercado·
ría que justamente por essa qualidade se distingue das mercadorias como
tais e assim possui forma peculiar de cessão.
O ponto de partida do capital é o dono da mercadoria, o dono do
dinheiro, em suma, o capitalista. Uma vez que para o capital coincidem
ponto de partida e ponto de retorÚ,o, volta ele para o capitalista. Mas o

1498
capitalista figura em dois personagens, o proprietário do capital e o capita-
lista industrial, que de fato converte dinheiro em capital. Na realidade o
capital fluí dele e reflui para ele, mas como possuidor apenas. O capitalista
existe em dois níveis - o jurídico e o econômico. Por isso, o capital como
propriedade retlui também para o capitalista jurídico, príncipe de um
consórcio morganático. O retomo .do capital, que abrange a conservaç:ro
de seu v3lor e o erige em valor que se conserva e perpetua, sucede para o
capitalista ll em virtude de mediações que não existem para -o capitalista I.
Assim, o retomo nã'o aparece neste caso como resultado e conseqúência
de uma série de processos econômicos, mas por causa de uma transação
jurídica especial entre comprador e vendedor, em virtude da circunstância
de haver empréstimo e não venda, de haver portanto alienação apenas
temporária. Na realidade, o que se vende é o valor de uso do capital, então
consistente em proporcionar valor de troca, produzir Lucro, gerar valor
maior que o nele contido. Como dinheiro, não se altera com o uso. Mas
emprega-se como dinheiro e reflui como dinheiro.
A forma como retorna depende do modo de reprodução do capital.
Se é emprestado em dínheíro, retomará na forma de capital circulante,
isto é, seu valor total acrescido de mais-valia, aí a parte do valor excedente
ou do lucro a qual se reduz a juros: a soma emprestada acrescida da quantia
adicional dela procedente.
Se é emprestado na forma de maquinaria, construções etc., em suma,
numa forma material em que tem de funcionar como capital fixo no pro-
cesso de produção, retornará na forma de capital füm, em termos de anui·
dade, isto é, digamos, em termos de reposição anual do desgaste correspon-
dente à parte do valor deste a qual entrou na circulação + segmento da
mais-valia calculado como lucro (aí parte do lucro, juro) sobre o capital fixo
(não por ser capital fixo, mas por ser em geral capital de dada magnitude).
No lucro como tal já se obscurece e mistifica a mais-valia e em conse-
qüência a fonte donde ele de fato provém:
(1) porque, do ponto de. vista formal, o lucro é o valor excedente
calculado sobre a soma toda do capital adiantado, de modo que cada fração
do capital, fixo ou circulante, empregada em matéria-prima, maquinaria ou
trabalho, dã lucro igual;
(2) porque, como no caso particular de um capítal de 500, por exem·
plo, cada quinta parte proporciona, digamos, 10%, se a mais-valia = 50,
e do mesmo modo todo capítal de 500 ou 100 - uma vez determinada a
taxa geral de lucro -, seja qual for o ramo em que opere ou a proporção
da parte variável com a constante ou a duração do tempo de rotação etc.,

1499
proporciona no mesmo período o mesmo lucro médio, por exemplo, de·
10%, como qualquer outro capital de condições orgânicas inteiramente
diversas. E isso é devido a que o lucro dos capitais considerados separada
e isoladamente, e a mais-valia que eles mesmos produzem no próprio ramo
de produção, se tornam magnitudes diferentes na realidade.
O item (2) desenvolve apenas o que já estava implícito em (1 ).
Mas o juro se baseia nessa fonna já exteriorizada da mais-valia, a exis-
tência desta como f.ucro, forma que, diferindo de sua primeira configuração
simples, deixa ver o cord&'o umbelical da origem, e que à primeira vista é sem
dúvida irreconhecível como forma da mais-valia. O juró pressupõe de
imediato o lucro e não a mais-valia, e daquele é apenas parte colocada em
categoria ou rubrica especial. A mais-valia portanto é muito mais irreco-
nhecível no juro do que no lucro, uma vez que o juro só tem relação direta
com a mais-valia na forma de lucro.
O tempo de retomo depende do processo real de produção; no caso
do capital produtor de juros, o retorno como capital parece depender de
mera convenção entre prestamista e prestatário. Desse modo, o retomo do
capital nessa transação não aparece mais como resultado determinado pelo
processo de produção e sim como se o capital em nenhum momento per-
desse ~ forma de dinheiro. Contudo, essas transações sã:o ·deterrnínadas
pelos retornos efetivos. Mas isso não se patenteia na própria transação.
O juro, destacando-se do lucro, representa o valor da mera propn·e:
dade do capital, isto é, faz da propriedade do dinheíro. em sr (seja qual
for a forma, soma de valores, mercadorias) propriedade do capital e, por
isso, converte as mercadorias ou dinheiro como tais ém valores que se
expandem. Por certo, as condições de trabalho só são capital se funcionam
para o trabalhador como sua não propriedade e, portanto, como proprie-
dade alheia. Mas nessa qualidade só funcionam em oposição ao trabalho.
A existência antagônica dessas condições no tocante ao trabalho converte
o proprietário delas em capitalista e essas condições por ele possuídas
em capital. Nas mãos do capitalista financeiro A, o capital não possui e~
caráter antagônico que o toma capital e assim faz a propriedade do dinheiro
configurar-se em propriedade do capital. Apaga-se a forma real específica
pela qual dinheiro ou mercadoria se toma capital. O prestamista A de
maneira nenhuma enfrenta o trabalhador, mas apenas outro capitalista, B.
O que aquele vende a este é na realidade o "uso" do dinheiro~ os efeitos
que este produzirá quando convertido em capital produtivo. Mas, de fato,
o que se vende aí diretamente não é o uso. Se vendo mercadoria, vendo
determinado valor de uso. Se compro dinheiro com mercadoria compro

1500
o valor de uso funcional que o dinheiro tem corno a fotma transmutada
da mercadoria. Não vende o valor de uso da mercadoria junto com o valor
de troca, nem compro o valor de uso particular do dinheiro junto com o
próprio dinheiro. Mas o dinheiro como dinheiro - antes de se converter
em capital e de desempenhar a função de capital, que não exerce nas mãos
do prestamista - tem apenas o valor de uso que possui como mercadoria
(ouro, prata, sua substância material) ou como dinheiro, forma transmutada
da mercadoria. De fato, o que o presta.mista vende ao capitalista industrial,
o que ocorre nessa transação, é só isto: transfere-lhe a propriedade sobre
o dinheiro por tempo determinado. Alíena seu titulo de propriedade por
certo prazo e assim o capitalista industrial compra, por certo prazo, a
propriedade. Essê dinheiro, por isso, aparece como· capital antes de ser
cedido; qualifica-se de capital a mera propriedade do dinheiro ou merca-
doria. separada do processo capitalista de produção.
, A circunstância de o dinheiro só se revelar capital depois de cedido
n~o acarreta alteraç[o alguma, do mesmo modo que o valor de uso_ do
algodão em nada se modifica com o fato de só se comprovar depois da
venda dessa matéria-prima à ftação, ou o valor de uso da carne só se veri·
ficar depois de ser ela transferida do balcão do açougueiro para a mesa do
consumidor. Por isso, dinheiro, quando não é gasto em consumo, em merca-
doria, quando não se destina ao consumo do proprietário, converte seus
donos em capitalistas e para si - separado do processo capitalista de produ·
ção e antes de se transfonnar em capital "produtivo" - é capital: valor
que cresce, que se preserva e expande a si mesmo. E é seu atributo fma-
nente gerar valor, dar juro, como a propriedade da pereira é produzir peras.
O dinheiro - como tal coisa geradora de juro - vende -o o prestamísta ao
capitalista industrial. Como o dinheiro se conserva, é valor que se mantém,
o capitalista industrial poderá devolvê-lo em qualquer prazo convencionado.
E uma ve-t; que o dinheiro gera anualmente mais-valia, juro, ou antes acres-
ce-lhe valor em qualquer espaço de tempo, poderá o capitalista industrial
pagar ao prestamista essa mais-valia anualmente ou em qualquer outro
prazo estabelecido por contrato. Como capital, o dinheiro proporciona
mais -valia díaríamente como o trabalho. O juro, embora seja mera parte
do lucro, instítzdda sob designação e:;pecial, revela-se agora o rebento do
capital em si, separado do processo de produção, e por conseguinte oriundo
apenas da mera propriedade do capital, da propriedade do dinheiro e merca·
darias, dissociada das relações que dão a essa propriedade, por se contrapor
ao trabalho, o caráter de propriedade capitalista; o juro aparece como
geração de mais-valia, geração peculiar à mera propriedade do capital e

ISOJ
portanto característica do capital propriamente dito, enquanto o lucro_
industrial, ao contrário, aparece como simples acréscimo que o prestatário
obt.érn com o emprego produtivo do capital (ou, como se diz, com seu
trabalho de capitalista; função de capitalista equiparada aí a trabalho e até
ídentíficada ao trabalho assalariado, pois o capitalista industrial que fun-
ciona efetivamente no processo de produção se revela "de fato agente cipe-
rante, trabalhador em contraste com o prestamista madraço e ociow, que
desempenha a função da propriedade, função dissociada do processo de
produção e situada fora dele), isto é, com a exploração dos trabalhadore$
por meio do capital emprestado.
O juro, e não o lucro, configura assim a geração de valor decorrente
do capital como tal e, portanto, da mera propriedade do capital; daí ser
visto corno a renda especificamente gerada pelo capital. Assim, é também
nessa forma que o concebem os economistas vulgares. Nela se extingue toda
mediação, completa-se a configuração fetichista do capital e a idéia do
fetiche-capital. Essa configuração tem de produzir-se por se dissociar a
dominação jurídica do capital de sua dorninaçã'o econômica e por afluir
para o capital em si de todo separado do processo de produção, ou para
o proprietário do capital, uma parte 1do lucro, sob o nome de juro...
Para o economista vulgar que quer conceituar o capital como fonte
autônoma de valor, de geração do valor, essa forma é por certo um maná
celeste, uma forma onde a fonte do lucro não é mals rec9nhecível e o
resultado do processo capitalista - dissociado do processo .- alcánça exis-
tencfa independente. Em D - M ·D' ainda resta .:um elo mtermediário. Em
D - D' temos a forma do capital vazia de conceito, a inversão e a reificação
das relações de produção levadas ao extremo.
À taxa geral de lucro corresponde uma tlZXa geral de juro ou percen-
tagem geral de juro. Não tencionamos. desenvolver aqui esse tema, pois a
análise do capital produtor de juros ná"o cabe nessa parte geral, mas na
referente ao crédtto. 170 Mas, para a revelação completa dessa forma feno-

170, Por "essa parte geral" entende Marx a que chama de "O Capital em geral'',
que, segundo plano esboçado em 1858-1862, devia consistir em três seções ("O pro-
cesso de produção do capital", "O processo de circulação do capital" e "A unidade
de ambos ou capital e· lucro ..). Em seguida vinham três partes: "A concorrência'',
"O crédito" é- "O capital em aç6es". Com o deeoner dos trabalhos, aquelas três
seções se transformaram nos livros 1, 2 e 3 de O Copital, aos quaí.s Maxx incorporou
muitos elementos que estavam· excluídos da parte "O capital em geral", conforme
o plano original. Assim, por exemplo, muitos problemas referentes ao C.l'édito e ao
sistema de crédito foram incluídos no livro 3 de O Capital.

1502
,,
., ....
-~- ~·

\,,.;.:~~;/.7;;--, ~:~ :' :


"\.'. ,_

mênica do capital, é importante esta obseivaçã'o: a taxa geral de lucro é


fato muito menos palpâvel e sólido que a taxa de juro. É verdade que a
taxa de juro flutua sem cessar. Hoje (no mercado d.e dinheiro do capitalista
industrial, e cingimõ-nos 3 esse mercado apenas) 2%, amanhã' 3%, depois
de amanhã 5%. Mas é 2, 3, 5 por cento para todos os prestatários. Para toda
soma de dinheiro d.e 100 libras é um dado geral prop9rcíonar 2, 3 ou 5 por
cento, enquanto o mesmo valor na função efetiva de capital nas diferentes
esferas de produção rende lucros reais divergentes, desviàdos do nível
médio ideal, e só um processo contínuo, uma reação a partir desse desvio.
restabelece esse nível, o que só ocorre em longos períodos da circulação
do capital. Durante alguns anos, a taxa de lucro, em certas esferas. está
mais alta, e nos seguintes mais baixa. Tomando-se o conjunto dos anos ou
uma série dessas variações obtemos em média o lucro médio. Assim, este
nunca aparece como dado imediato, mas apenas como resultado médío de
oscilações contraditórias. Com o juro é diferente. Em sua generalidade, o
juro é um fato que diariamente se estabelece, um fato que, para o capita-
lista, seive de pressuposto e de elemento no cálculo de suas operações.
Deveras, a taxa geral de lucro só tem a existência de número médio ideal
enquanto serve para avaliar os lucros reaís; só tem existência de número
médio, de abstração, enquanto se evídencia algo de per si concluso, deter-
minado e dado; mas, na realidade, consiste apenas na tendência detem.ú-
nante do movimento nivelador das taxas reais diversas de lucro, seja dos
capitais isoladamente considerados na mesma esfera, seja dos diferentes
capitais nas diferentes esferas de produção.
O que o prestamista exige do capitalista é calculado na base da taxa
geral de lucro (média) e não na base de desvios singulares dela. A média
aí toma-se a precondição. A própria taxa de juro varia, mas para todos
os prestatários.
Existe, contudo, taxa de juro detenninada, igual, tanto em média
quanto de fato (embora com variações entre mínimo e máximo, confonne
o prestatário seja ou não de primeira ordern), e os desvios parecem antes
exceções motivadas por circunstâncías especiais. A indicaçl!o do ní,,-el da
pressão atmosférica pelos boletins meteorológicos n!Io é mais precisa que
a da posição da taxa de juros pelos boletins da bolsa, não para este ou
aquele capital, mas para o capital disponível no mercado de dinheiro, isto
é, para empréstimo.
Não cabe analisar aqui donde prm·êm essa estabilidade e igualdade
superiores da taxa de juro do capital dísponível para empréstimo, contra-
pondo-se à forma menos tangível da taxa geral de lucro e desta diferindo.

1503
Essa análise pertence à parte sobre crédito. Mas está evidente: as oscilações
da taxa de lucro - excluídas as vantagens especiais que certos capitalistas
fruem dentro do mesmo ramo de produção - dependem, em todo ramo, do
nível vigente dos preços de mercado e de suas flutuações em torno dos
preços de custo. A diferença das taxas de lucro nos diferentes ramos só
pode ser percebida comparando-se os preços de mercado dos diferentes
ramos, ou seja, das diferentes mercadorias, com os respectívos preços
de custo. A queda da taxa de lucro abaixo da média ideal num ramo parti·
cular, se prolongada, basta para expulsar capital desse ramo, ou nele eliminar
a oferta média de novo capital. Pois o que nivela a repartição do capital
pelos ramos particulares é mais a oferta do novo capital adiciona,! que a
redistribuição do já investido. Por sua vez, o lucro suplementar em ramos
particulares só é perceptível pela comparação dos preços de mercado com
os preços de custo. Logo que, seja como for, se revela a diferença, começam
os capitais a migrar entre os ramos particulares. Excluída a circunstância
de precisar de tempo esse movimento de nivelação, o lucro médio em
cada ramo particular só se revela na média das taxas de lucro observada~,
por exemplo, durante um ciclo qe 7 anos etc., de acordo com a natureza
do capital. As simples flutuações para baixo e para cima que não ultra·
passem a faixa média nem assumam forma extraordinária, não basuún para
provocar transferência de capital, adicionando-se aí ~s dificuldades que o
capital fixo contrapõe às transferências. Conjunturas de carâter momentâ-
neo podem ter efeitos apenas limitados e influir mais na atração óu repulsiro
do capital adicional que na redistribuição do capital investido nos diferentes
ramos.
Está claro que tudo isso é um movimento muito complexo: nele
importam os preços de mercado em cada ramo particular, os preços relativos
de custo das diferentes mercadorias, situação da oferta e procura dentro
de cada ramo, e a concorrência entre os capitalistas dos difere-ntes ramos;
além disso, nele, a nivelação mais rápída ou mais lenta depende da compo-
sição orgânica especifica dos capitais (mais capital fixo ou maís circulante,
por exemplo) e da natureza particular de suas mercadorias, segundo a
natureza delas como valores de uso facilite retirada rápida do mercado,
decrêscimo ou acréscimo da oferta, conforme o nível dos preços de
mercado.
Em contraposição, no tocante ao capital-dinheiro - no mercado
monetário - enfrentam-se duas espécies de participantes e de setores: os
compradores e os vendedores, a oferta e a procura. De um lado, a classe
capitalista de prestatários e, do outro, a de prestamístas. A mercadoria

1504
tem sempre a mesma forma - dinheiro. Apagam-se aí todas as diferentes
configurações que o capita! assume conforme os ramos específicos de
produção ou circulação onde é empregado. O capital existe aí na figura
nã'o diferenciada, igual a si mesma, de valor de troca autônomo, de dinheiro.
Cessa aí a concorrência entre os diversos ramos; são todos agregados como
prestatários de dinheiro, e o capital também os enfrenta na figura em que
ainda lhe são indiferentes as formas de aplicação. Enquanto o capital produ-
tivo só aparece no movimento e na concorrência entre os ramos particulares
como capital coletivo da cla.sse, o capital agora desempenha efetivamente
es.w /Unção na procura de capital, conforme o empuxo que recebe. Além
disso, o capital-dinheiro (o capítal no mercado monetário) possui de fato
a .forma em que- se distribui como elemento comum, indiferente a seu
emprego específico, pelos diferentes ramos, pela classe capitalista, de
acordo com as necessidades de produçiio de cada ramo particular. Acresce
que, com o desenvolvimento da indústria em grande escala, o capital-
dinheiro aparece no mercado cada vez menos representado pelo capitalista
índívidu~, pelo proprietário desta ou daquela parcela de capital disponível
no mercado, mas concentra-se, organiza-se e, diferindo por completo da
produção real, configura-se no controle dos banqueiros, representantes do
capital. Assim, no tocante à forma da procura, enfrenta-o o empuxo de
uma classe; mas, no tocante à oferta, apresenta-se como capítal disponível
para ·empréstimo na totalidade, o capital de empréstimo da sociedade,
concentrado em poucos reservatórios,
Estas são algumas das razões por que .a taxa geral de lucro afigura-se
imagem nebulosa e .esvaecente ao lado da taxa de juro fixa, que sem dúvida
varia de magnitude, mas varia por igual para todos os pre.statários e por isso
sempre os enfrenta como algo fixo, dado, do mesmo modo que a variação
do valor do dinheiro não o impede de ter valor igual para todas as merca-
dorias. Os preços de mercado das mercadorias oscilam todos os dias, o que
nâ'o as impede de serem cotadas todos os dias, e o mesmo se dá com a taxa
de juro, que tambêm é cotada com regularidade como preço do dinheiro.
~ que aí se oferece o capital como mercadoria especial - dinheiro; por
isso, a fixação de seu preço é a do preço de mercado como se dá com todas
as outras mercadorias; em conseqüência, a taxa de juro se apresenta sempre
como a taxa geral de juro, como tanto por tanto em dinheiro, enquanto a
taxa de lucro dentro do me.smo ramo pode ser diferente para preços de
mercado iguais das mercadorias (de acordo com as condições em que os
capitalistas particulares produzam a mesma mercadoria; pois a taxa partí·
cular de lucro não depende do preço de mercado da mercadoria, mas da

lSOS
diferença entre o preço de mercado e o preço de custo) e só se iguala n~s
diferentes ramos por meio de oscilações contínuas no decurso do processo.
Em suma, só no capital. monetário, no capital-dinheiro dísponível para
emp1éstimo, o capital se toma meICadoria cuja propriedade de acrescer
o próprio valor tem preço ftxo, expresso na taxa de jurn em vigência.
· Por isso, o capital adquiriu sua fonna fetichista pura no capital pro-
dutor de juros e precisamente em sua forma imediata de capital-dinheiro
produtor de juros (desta fonna deriv_am por sua vez e a pressupõem as
outras formas do capital produtor de juros, as quais não nos interessam
aqui). Primeiro, ·em virtude de sua existência contínua ·como dinheiro,
forma em que se apaga toda determinação e estão invisíveís seus elementos
reais; nela tem a mera existência de valor de troca independente, de valor
autonomizado. No processo real do capital, a forma dinheiro é transitória.
Ê nessa foi-roa que ele existe no mercado de dinheiro. SegUndo, a mais-valia
por ele produzida, revertida à fonna di~iro, parece caber ao capital como
tal, em conseqüência, ao mero proprietário do càpital ·dinheiro, do capita]
separado de seu processo. D · M -D' vira então D - D', e neste caso a fonna
passa a ser a indiferençada de dinheiro - dínheiro é justamente a forma em
que se extinguem as diferenças en'tre as mercadmias como valox:~s de uso e,
em conseqilencia, as diferenças tambem entre os capitais produtivos consis-
tentes nas condições de existência dessas mercadorias, as:
próprias formas
particulares dos capitais produtivos -, em correspondênci~, ·a mais-valia
que o capital produz, o· dinheiro excedente que se toma ou que'é, aparece
em taxa definida, mensurada pela própría ma!Witude da soma de ·dinheiro.
A juros de 5%, 100 de capital se tornam 105. Eis aí a forma tangível con-
sumada do valor que se acresce ou do dinheiro que gera dinheiro. Ao mesmo
tempo, a forma vazía de todo sentido. Inconcebível, mistificada. Na exposi-
ção sobre o capital partimos da fórmula D · M - D', da qual D - D' era apenas
o resultado.i-'1 Agora encontramos D-D' no papel de sujeito. Como o
crescimento é próprio da árvore, a geração de dinheiro é própria do capital
nessa sua forma pura de capital-dinheiro. A fonna ·'iníntelígível'encontrada
na superfície e donde por isso partimos em nossa análise, de novo achamos
como o resultado do processo em que a figura do capital, de maneira pro·
gressiva, cada vez mais se aliena e se desliga de sua natureza intrínseca.

171. Marx 1efere-se aí às PP- 1-6 do caderno Ido manuscri1o de 1861 ·1863
(seção "A transformação do dinheiro em capital, subseção D-M-D. A forma mais geral
do capital"). Ver O Capital, ed. DIFEL, lt11ro 1, vol. 1, pp. 165-175.

1506
O dinheiro como a forma transmutada da mercadoria foi o nosso
ponto de partida. E foi ao dinheiro que chegamos como a forma transmu-
tada do capital, tal como percebêramos que a mercadoria é precondição
e resultado do processo de produção do capital.
Nessa figura mais fantãstiea. e ao mesmo tempo mais próxima da
representação mais popular, o capital é a "forma fundamental" dos eco-
nomistas vulgares e, além disso, o alvo mais ao alcance do. ataque de uma
crítica superficial; é a forma desses economistas seja porque aí o nexo
causal se manifesta o menos possível e o capital se patenteia numa forma
que lhe dá a aparência de fonte autônoma do valor, seja porque nessa
forma se dissimula e se apaga po1 completo séu caráter contraditório,
desaparecendo a oposição ao trabalho. E aquele ataque decorre de ser a
forma em que o capital atinge o máximo de irracionalidade e constituí
o alvo mais fácil para os socialistas vulgares, .
A investida da crítica dos economistas burgueses no século XVII
(Child, · Culpeper e outros) contra .o juro como forma independente da
mais-valia é apenas a Juta da burguesia industrial emergente contra os
i.::suáríos anacrôrúcos, então monopolizadores dos recursos pecuniários.
Aí o .capital produtor de juros ainda é forma antediluviana do capital, a
qual de inicio tem de se subordinar ao capítal industrial e deste se tomar
dependente, posição que tem de ocupar, teórica e praticamente, na base
da produção capitalista. A burguesia não hesitou em recorrer à ajuda do
Estado neste caso,_ como o tem feito em qualquer outro em que lhe impor-
tasse adequar às suas as relações tradicionais de produção encontradas.
É claro que outra repartíçâ'o do lucro entre as diferentes espécies
de capitalístas, isto é, elevação do lucro industrial mediante redução da
taxa de juro e vice-versa, de modo nenhum atinge a essência da produção
capitalista. O socialismo dirigido contra o capital produtor de juros como a
"forma fundamental" do capital não está apenas tolhído por completo
pelo horizonte capitalista. Quando sua investida nã'o é ataque e crítica
errôneos, de motivações obscuras e dirigidos contra o próprio capital - iden·
tificando·o, porém, com forma dele derivada -, nada mais é que afã, sob
disfarce socialista, de desenvolvimento do c1édito burguês, e por isso
expressa apenas o subdesenvolvimento das condiçõe_s do país onde essa
investida que adota feição socialista não passa de sintoma teórico do desen-
volvimento capitalísta, embora essa ambição burguesa possa assumir formas

1507
horripilantes, como por exemplo a do "crédito gratwto•• 172 • ~ o caso do
saint ·Simonísmo com sua glorificação do sistema bancário. (Mais tarde,
Crédít mobilier 113 .)

2. Capital produtor de juros e capital comercial em relação ao


capital industrial. Fonnas antigas. Formas derivadas

. As formas - o capital comercial e o capital gerador de juros - são


mais antigas que a oriunda da produção capitalista, o capital industrial, a
forma fundamental das relações ~e capital regentes da sociedade burguesa
e com referencia à qual as outras formas se revelam derivadas ou secundá·
ria.o;; derivadas como o capital produtor de juros; secundárias, isto é, como
capital numa função especial (pertencente ao processo de circulação), caso
do capital comercial. E é por isso que o capital industrial, no processo de seu
nascimento, tem primeiro de subjugar aquelas formas e convertê~las em
funções derivadas ou especiais de si mesmo. Encontra, ap ·formar-se e ao
nascer, aquelas formas mais antigas. Encontra-as como cond~ções prévias;
mas não são precondíções por ele mesmo determinadas, nerri for,mas de seu
próprio processo vítal. Do mesmo modo, na origem, encontra ámercadoria,
mas não como seu próprio produto, e a circulação de dinheiro, mas não
. •'

172. Proudhon desenvolveu a teoria do crédito gratuito na obra "Gratuité du


crêdit. Discussion entre M. Fr. Bastiat et M. Proudhon", Paris, 1850. Marx critica essa
idéia de Proudhon no caderno XV do manuscrito de 1861·1863 (ver pp. 512-516, e
também O Capíta/, ed. DIFEL, livro 3, vol. 5, p. 696).
173. Crédit mobilier {Société générale de crédit mobilier), banco francês eorn
eapital em ações, fundado pelos innãos Pereira, e com e.statuto aprovado por decreto
de 18 de novembro de 1852. O objetivo principal do banco eia mobilizai recu1sos para
a fundação de empresas industriais. O banco participou amplamente na construção de
ferrovias na França, Áustria, Hungria, Suiça, Espanha e Rússía. Sua maior fonte de
receita era a espeeulação em bolsa com títulos das sociedades por ações por ele funda-
das. Com as ações que enútia, garantidas apenas pelos títulos de que dispunha, de
outras empresns, recebia recursos que empregava na compra de ações de sociedades
de toda espécie. O banco fruía a proteção do governo de, Napoleão lll, ao qual estava
estreitamente ligado. Faliu cm 1867 e fui liquidado em 1871. Marx analisou a verda·
deira natureza do Crédit mobilier numa série de artigos publicados no New- York Daily
1'1-ibune (vêr MEW, vol. 12, pp. 20-36, 202-209 e 289·292),

1508
como elemento de sua própria reprodução. Onde a produçã'o capitali5ta
se desenvolveu na amplitude de suas formas e se tornou o modo dominante
de produção, o capital produtor de juros está sob o domínio do capital
industrial, e o capital comercial é apenas uma figura do capital industrial.
derivada do processo de circulação. Ambos têm de ser antes destruídos
como formas autônomas e submetidos ao capital .industrial. Emprega-se
a força (o E-stado) contra o capital produtor de juros, reduzindo-se -pela
coerção a taxa de juro, de modo que esse capital não po:úia ditar mais as
condições ao capital industrial. Mas este é um estilo que pertence aos está·
dios menos desenvolvidos da produção capitalista. O verdadeiro meio do
capital industrial para subjugar o capital produtor de juros é a criação de
uma forma que lhe é peculiar - o sistema de crédito. A redução da ta.Xa
de juro pela força é um meio que o próprio capital industrial ainda toma
de empréstimo aos métodos de um modo de produção anterior e que
rejeita por inútil e inadequado logo que se fortalece e conquista seu am-
biente. O sistema de crédito é sua própria criação, e mesmo uma forma
do capital industrial, que se ínicia com a manufatura e prossegue desen-
volvendo-se com a indústria em grande escala. Na origem, o sistema de
crédito é fonna polêmica assumida pelo combate aos usurários anacrônicos
(ourives na Inglaterra, judeus, lombardos etc.). As publicações em que se
expõem seus primeiros segredos no século XVII tomam todas essa fonna
polêmica.
O capital comercial se subordina em diferentes formas ao capital
industrial ou, o que dá no mesmo, toma-se função deste, é capital industrial
numa função especial. O comerciante, em vez de mercadorias, compra
trabalho assalariado côm que produz mercadorias destinadas à venda no
mercado. Mas, por isso, o próprio capital comercial perde a fonna fixa
que tinha em face da produção. Com isso, as corporações medievais foram
combatidas pela _manufatura, e o artesanato se confinou a uma área menor.
Na Idade Média, o comerciante (excetuados os pontos esporâdicos onde se
desenvolve a manufatura, na Itália, Espanha etc.) era mero distribuidor
das mercadorias produzidas pelas corporações urbanas ou pelos camponeses.
E-ssa transmutação do comerciante em capitalista industrial é ao
mesmo tempo a conversao do capital comercial em mera fonna do indus-
trial, Em contrapartida, o produtor se toma comerciante. O produtor de
panos, por exemplo, em vez de receber seu material pouco a pouco, em
pequenas porções, do comerciante e para este trabalhar, compra ele mesmo
o material na proporção de seu capital etc. As condições de produção
entram no processo como mercadorias que ele mesmo comprou. E em vez

1509
de produzir para o comerciante individual ou determinados clientes, produz
agora para o comércio.
Na primeira forma, - o comerciante domina a produção, e o capital
comercial, a indústria artesanal e a doméstica rural que põe em movimento.
Os ofícios lhe são subalternos. Na segunda, a produção se transmuta em capita-
lista. O próprio produtor é comerciante; o capital comercial tão-só agencia
o processo de circulação, executa determinada função no processo de
reprodução do capital. Estas são as duas formas. O comerciante corno tal
toma-se produtor, industrial. O industrial, o produtor, torna~se com.erciante.
Na origem, o comércio é a precondiçKo para se converter em capita-
lista a produção feudal, corporativa, doméstico-rural e agrícola. Faz o
produto toma1·se mercadoria seja por gerar para ele um mercado, seja por
lhe proporcionar novos equivalentes em mercadorias., seja por f omecer à
produção novos materiais e assim iniciar formas de produção que, de início,
se apoiam no comércio, tanto na produção para o mercado q_uanto nos
elementos da produção proveniente5: do mercado mundial.
logo que adquire forças suficientes, e isto vige ainda mais para a
indústria em grande escala, a manufatura gera por sua vez o mercado,
conquista-o em parte pela força, abre mercados de que, porém,- se apodera
por meio de suas próprias mercadorias. Daí para frente, o c.omércío é apenas
servo da produção industrial; para esta, a expansão continua_ do mercado
se tomou condição vital, pois a produção em massa cada vez maior, que
não é limitada pelos marcos do comércio (enquanto este exprêssa apenas a
procura existente), mas apenas pela magnitude"do capital disponível e pela
produtívidade desenvolvida dos trabalhadores, inunda de contínuo o mer-
cado existente e assim busca sempre dilatar e remover suas fronteiras. Então,
o comércio, sei:vo do capital industrial, desempenha função decorrente das
condi.ções desse capítaL
O capital industrial, nos primeiros estâdios de desenvolvimento,
procura assegurar-se pela força de um mercado e de mercados, por meio do
sistema colonial (em conjunto com o proibicionismo). O capitalista indus-
trial tem diante de si Q mercado mundial; por isso compara e tem sempre
de comparar preços de custo próprios com os do mercado interno e ainda
com os de todo o mercado mundial. Sempre produz considerando isso. No
período anterior, essa comparação cabia apenas à classe dos comerciantes,
garantindo assim ao capital mercantil domínio sobre o produtivo.

** *
O juro nada mais é que a parte do lucro (e este, por sua vez, nada mais

1510
é que mais -valia, trabalho n[o pago), a qual o capitalista industrial paga
ao proprietário do capital de empréstimo com que "trabalha" exclusiva
ou parcialmente. É parte do lucro - da mais-valia - parte que, fixada
numa categoria especial, com nome especial, se dissocia do lucro total;
d_issociação que de maneira nenhuma se liga à sua origem, mas apenas
ao modo como a pagam ou dela se apropriam. o capitalista industrial,
em vez de se apropriar dela - embora seja a pessoa que de imediato detém
a mais-valia toda, não importa como ela se reparta entre ele e outras pessoas
sob a denominaçã"o de renda fundiária, lucro industrial e juro - deduz essa
parte do lucro de sua própria renda (revenue) ·e a entrega em pagamento
ao propríetário do capital.
Dada a taXa de lucro, a magnitude relativa· da taxa de juro depende
da proporção em que o lucro se reparte em juro e lucro industrial; dada
a proporção da repartição, a magnitude absoluta da taxa de juro (isto é,
a relação do juro com o capital) depende da taxa de lucro. Aqui não cabe
investigar como é determínada essa proporção da repartição. Essa matéria
pertence à pesquisa do movimento real do capital, isto ê, dos capitais, e
aqui estamos tratando das formas gerais do capital.
A formação do capital produtor de juros, sua dissociação do capital
industrial, é produto necessârio do desenvolvimento do capital industrial,
do próprio modo de produção capitalista. O dinheiro (soma de valor,
sempre convérsível nas condições de produção) ou as condições de produ-
ção em que é conversível em qualquer tempo e das quais é apenas a forma
transmutada; o dinheiro, empregado como capital, comanda certa quanti·
dade de trabalho, mais trabalho do· que ele mesmo contém. Ao trocar-se
por trabalho não sô· conserva seu valor, mas o expande, gera mais-valia. O
valor do dinheiro ou das mercadorias como capital não é determinado pelo
valor que possuem como dinheiro ou como mercadorias, mas pela quanti-
dade de mais-valia que "produzem" para seus donos. O produto do capital
é o lucro. Na base da produção capitalista desembolsar o dinheiro como
dinheiro ou como capital é apenas variar a maneira de empregá-lo. Dinheiro
(mercadoria), na base da produção capitalista, é em si capital (do mesmo
modo que a força de trabalho em si é trabalho), pois (1) pode converter-se
nas condições de produção e, tal qual é, expressa-as de maneira puramente
abstrata, sendo a existência delas como valor, e (2) os elementos materiais
da riqueza possuem em si a propríedade de ser capital porque seu oposto,
o trabalho assalariado, o que os transmuta em capital, está disponível como
base da .produção socíaL
Renda ftmdiária também não passa de nome de um segmento da maili-

1511
valia o qual o capitalista industrial tem de transferir a outrem, do mesmo
modo que ;uro é outro segmento da mais.valia o qual ele percebe (como a
renda fundiária), mas tem de entregar em pagamento a outra pessoa. Mas
há aí grande diferença a considerar: por meio da propriedade da terra, o
dono impede o capital de igualar os valores dos produtos· agrícolas a seus
preços de custo 174 • A tanto capacifa·o o monopólio da propriedade da
terra. Capacita-o a embolsar a diferença entre valor e preço de custo. Além
disso - desde que se trata de renda diferencial - permite-lhe cobrar o
excedente do valor de mercado sobre o valor individual do produto de
determinada terra, ao invés de essa diferença, confonne sé vê nos outros
ramos, ir como lucro suplementar para o bolso dos capitalistas que operam
em condições mais favoráveis que as condições médias, que satisfazem
a procura global, determinam o grosso da produção e por isso regulam o
valor de mercado de cada ramo particular de produção.
A propriedade da terra é um meio de surripiar parte da mais-valia
produzída pelo capital índustrial. Ao revés, o capital de empréstimo -)
até o ponto em que o capitalista opera com capital emprestado - é ele
mesmo o meio de produzir a maí,s-valia toda. A circunstância de se poder
emprestar dinheiro (mercadoria) como capital significa apenas que o
dinheiro em si é capital. A abolição da propriedade da .teria no sentido
ricardiano, isto é, sua converslío em propriedade do Estado, de modo
que a este seja paga a renda fundiária, cm vez de o ser ao .dóno da terra,
constitui o ideal, o desejo ardente que brota da essência mais ·íntima do
capital. O capital n:io pode abolir a propriedade da terra. Mas, por meio
de sua conversão em renda (rent) que se paga aó Estado, os capitalistas
como ckzsse apropriam-se dela para custear seus dispêndios na esfera esta-
tal, e assim mediante um rodeio apoderam-se do que não podem reter de
maneira direta. Em contraposição, abolição do juro e do capítal produ-
tor de jwos é abolição do capital e da própria produção capitalista. En·
quanto o dinheiro (mercadoria) puder servir de capital, poderá ser ven·
dido corno capital. Os utopistas pequeno-burgues'es ostentam, portanto,
coerência perfeita ao defenderem a mercadoria, mas não o dinheiro, o
capital industrial, mas não o capital produtor de juros, o lucro, mas não o
juro.
Não são dois capitais diferentes, o produtor de juro e o de lucro,
mas o mesmo capital que funciona no processo como capital, gera um lucro,

174. Aí preço de custo =e+ v+ lucro médio. Ver p. 1069 deste volume, nota 6.

1512
se reparte entre dois capitalistas diferentes: o que está fora do processo
e como proprietário representa o capital em si (mas é condição essencial
deste ser representado por um proprietário privado; sem ela, não se toma
capital em oposiçã'o ao trabalho assalariado), e o que representa o capital
operante, o capital que está no processo de produção.

3. Divisão da mais-valia em partes individualizadas e configu-


radas em rendas diferentes. Relação entre juro e lucro
industrial. lrraciona1idade das fonnas f etichizadas da renda

A circunstància posterior de ..ossificar-se" ou auton<mizar-se. a


repartição do lucro predomina de tal modo que o lucro de qU11/quer capital
- em conseqüência também o lucro médio baseado no nivelamento- dos
capitai$ - decompõe-se ou dissocia-se em dois componentes, independentes
e autônomos entre si: juro e lucro industrial que hoje se designa às vezes de
lucro apenas ou recebe novos nomes, como salário de trabalho de superin·
tendênd'a etc. Se a taxa de lucro (lucro médio) = 15% e a taxa de juro
(que sempre se fixa de forma geral) = 5% (o mercado de dinheiro cota
sempre essa taxa geral como "valor" ou "preço" do dinheiro), o capitalista
- embora seja proprietário do capital e nenhuma parte dele tenha tomado
de empréstimo, não tendo o lucro de se repartir entre dois capitalístas
- achará que, desses 15%, 5% representam o juro de seu capital, e 10%
apenas o lucro que ·faz mediante o emprego produtivo do capital. Como
"capitalista industrial" deve os 5% de juro a si"mesmo como "proprietário
do capital"; pertence a seu capital em si, por isso a ele como proprietário
do capital em si (o que ao mesmo tempo é a existência do capital para si
ou a existência do capítal como capítalista, como propriedade que de si
exclui as outras pessoas), ao capital, abstraindo-se do processo de produção,
em oposição ao capital operante, ao capital no processo de produção e ao
..capitalista industrial" como representante desse capital que funciona,
"trabalha". O ·~uro .. é o fruto do capital enquanto este não "trabalha"
e o lucro é o fruto do capital que "trabalha'', funciona. Existe aí analogia
com o capitalista fazendeiro - que ao mesmo tempo é proprietário da
terra, dono do solo que explora segundo o sistema capitalista; a parte de
seu lucro a qual constitui a renda, esse lucro sup1emeritar, não cabe a ele
na qualidade de capitalista, mas na qualidade de dono da terra, não cabe ao

1513
capital, mas à propriedade da terra, de modo que o capítalista deve a si
mesmo, como dono da terra, a "renda fundiária". Assim, o capital numa
determinação enfrenta a si mesmo noutra determinaçã'o com tanta rigjdez
como a observada na oposição entre propriedade da terra e capital; ambos
na realidade constituem títulos de apropriação do trabalho alheio, funda-
mentados em dois meios de produção diversos na essência.
Se 5 sócios dirigem uma fiação de algodão que representa um capital
de 100000 libras e dá lucro de 10%, isto é, l 0000 libras, receberá cada
um deles 1/5 do lucro ou 2000 libras. Mas, se um só capitalista investiu .o
mesmo capital numa fiação e obtém o mesmo lucro de 10000 libras, não
achará que recebe 2000 libras de lucro como sócio e 8000 de lucro refe.
rente à associação émpresaríal, pelos 4 sócios inexistentes. Por conseguinte,
em si, mera divisão do lucro por diferentes capitalistas que têm títulos
jurídícos :dístintos ao mesmo capital, e que de uma fonna ou de outra são
co-proprietários do mesmo capital, de modo nenhum justifica categorias
distintas para as porçõ'es resultantes. Por que teria então esse efeito a divisão .
acidental entre prestamísta e prestatário do capital?
Logo se vé que se trata apenas de repartição do lucro onde existem
apenas dois donos do capital com díreítos distintos - logo se vê um aspecto
jurídico e não econômico. De per si, tanto faz que um capitálista produza
com capital próprio oú alheio OU que empregue est.a OU aquela proporção
de capital próprio e alheio. Como é que dessa repartição do lucrq em lucro
industrial e juro não se revela uma repartiçlfo acidental, dep'endente do
evento de o capitalista ter na realidade de fazer ou não essa divisão com
outro, ou da casualidade de estar operando com capitarpróprio ou alheio,
mas, pelo contrário, mesmo quando produza apenas com capital próprio,
o capitalista, seja como for, se decompõe em mero proprietário do capital
e em empregador do capital, em capital fora do processo de produção
e capital dentro do processo, em capital que de per si dá juros e capital
que, no processo de produção, dá lucro?
Aí está subjacente uma razão real. O dinheiro (como express«o do
valor das mercadorias em geral) só se apropria da mais-valia no processo
de produção - não importa a denominação que ela tome ou as partes
em que se divida - porque já se pressupõe que é capital antes do processo
de produção. No processo, mantém-se, produz e reproduz-se como capital
e em escala sempre ampliada. Mas já antes do processo de produçã:o - dado
o modo de produção capitalista e suposto que o trabalho se efetue na sua
base e dentro das relações sociais que lhe correspondem, sem se tratar por-
tanto do processo de formação do capital - o dinheiro existe como capital

1514
em si, de acordo com a própria natureza que só se realiza no processo e,
em suma, só adquire sua realidade no próprio processo. Se nele não entrasse
como capital, dele não sairia corno capital, isto é, como dinheiro que gera
lucro, como valor que se acresce, como valor que engendra mais-valia.
Ocorrência semelhante com o dinheiro. A moeda metálica, por exem-
plo, nada mais é que um pedaço de metal. Só é dinheiro em virtude de sua
função no processo de circulação, Mas, uma vez pressuposto o processo
de circulação das mercadorias, a moeda metálica, além de exercer a função
de dinheiro, ê como tal, em cada caso particular, precondição do processo
de circulação antes de entrar nele. O capital é não só resultado mas também
pressuposto da produção capitalista. Por isso, dinheiro e mercadorias são
em si capital latente, capital potencial; todas as ·mercadorias desde que
conversíveis em dinheiro, e dinheiro desde que conversível nas mercadorias
que constituem os elementos do processo capitalista de produção. O
"dinheiro portanto - como expressão pura das mercadorias e das condições
de trabalho - é em si, como capital, precondição da produção capitalista.
Que é o capital considerado não como resultado, mas como pressuposto
do processo? Que é que o toma capital antes de entrar no processo, de
modo que este desenvolve apenas o caráter imanente dele? A determinação
social em que existe. A circunstância de opor-se ao trabalho vivo o trabalho
pretérito; à atividade, o produto; ao ser humano, a coisa; ao trabalho,
suas próprias condições materiais como personificações, sujeitos estranhos,
autônomos, auto-suficientes, em suma, como propriedade alheia e nessa
forma "empregadores" e "comandantes" do próp~trabalho de que se
apropriam, em vez de o trabalho se apropriar deles. A circunstância de o
valor - exista como· dínheiro ou como mercadoria - e de as condições de
trabalho depois desenvolvidas, como propriedade alheia e como proprietá-
rios de si mesmos, enfrentarem o trabalhador, sigfiifica apenas que o enfren-
tam como a propriedade do não trabalhador ou, pelo menos, que a figura
do capitalista está perante eles não como trabalhador, mas como proprietá·
rio do valor etc., como o sujeito onde reside a própria vontade dessas coisas,
onde elas pertencem a si mesmas e se personificam como forças independen-
tes. O capital como precondição da produção, o capital não como saí do
processo de produção mas como é antes de entrar nele, é a contradição em
que o trabalho na qualidade de trabalho alheio, o defronta, e ele mesmo
. como propriedade alheia defronta o trabalho. É a determinação social
contraditória que nele se manifesta e que, separada do próprio processo
de produção, se expressa na propriedade do capital como tal.

1515
Esse momento 175 , separado do próprio processo de produção de que.
é resultado constante e, como esse resultado constante, precondição cons·
tante, expressa-se no fato de dinheiro e mercadoria serem em si capital
latente, de poderem ser vendidos como capital, de representiuem nessa
fonna a mera propriedade do capital, o capitalista na qualidade de mero
proprietário, abstraindo-se de sua função capitalista: dinheiro e mercadoria
considerados em si são comando sobre trabalho alheio, por isso valor que se
expande e direito de apropriar-se de trabalho alheio.
Aí também se patenteia claramente que o título e o meio para o
capitalista apropriar·se de trabalho alheio é essa relaçiio e não um trabalho
ou equivalente qualquer que ele dê.
O juro, por isso, aparece como a mais-valia que é devida ao capital
como capital, à mera propriedade do capital, e que este extrai do processo
de produção por entrar nele como capital; assim, o juro cabe ao capital
como tal, setp dependência do processo de produção, embora só se tome
real no proce'Sso de produção, e é poitanto mais-valia que o capital virtual-
mente já contém em si como capital; o lucro industrial, ao revés, aparece
como a parte de mais-valia que cape ao capitalista não por ser proprietário
do capital, mas proprietário operante, personificando o capital em função.
Tudo nesse modo de produção se configrua às avessas, coriÍo por· fim a
inversão final na relação do juro com o lucro, de modo que·parte dissociada
do lucro, sob o título especial de juro, se apresenta ao revés cQffio o produto
que pertence intrinsecamente ao capital' e o lucro indust!'ial, como simples
apêndice nele enxertado.
Uma vez que o capitalista prestamista na realidade sô percebe sua
parte na mais-valia, na qualidade de proprietário do capital, enquanto ele
mesmo pennanece fora do processo de p1odução; uma vez que o preço
do capital, isto é, do mero título de propriedade do capital, é indicado pela
taxa de juro do mercado de dinheiro como se cota outra mercadoria ao
preço de mercado; uma vez que a participação que o capital em si, a mera
propriedade do capital extrai da maís-valia é uma gi:andeza dada, enquanto
a taxa de lucro flutua, a todo momento varia nos diferentes ramos e no
mesmo ramo difere entre os diversos capitalistas, seja por produzirem em
condições mais, ou menos, favoráveis, seja por 1ealizarem a exploraçllo
capitalista do trabalho com maior ou menor grau de circunspecção e energia,
seja por enganarem, com maior ou menor dose de sorte e de astúcia, com-
pradores ou vendedores de mercadorias (lucro de .expropriação, de aliena·

175. Verp.1143,nota 36.

1516
ção ), parece-lhes natural, sejam ou não proprietâríos do capital operante
no processo de produção, que o furo seja devido ao capita! como tal, à
propriedade do capital, ao proprietário do capital, pertença este a eles
mesmos ou a outrem; o lucro industrial, ao revés, parece-lhes produto de
seu trabalho. Como capitalístas operantes - agentes reais da produçá'o
capitalista ···· confrontam consigo mesmos ou com outros no papel de mera
existência inativa do capital, e por isso como trabalhadores confJontam
consigo mesmos ou com os outros na posição de proprietdrios. E por serem
trabalhadores, são na realidade trabalhadores assalariados~ e em virtude
de sua excelência peculiar sã'o simplesmente trabalhadores melhor remu-
nerados, o que em parte devem à circunstância de seu saiârio ser pago por
eles mesmos. .
Por isso, enquanto o juro e o capital produtor de juros expressam
tão-só a contradição da riqueza material com o trabalho e, em conseqüên-
cia, sua existência como capital, esse fato se inverte na percepção justamente
porque o fenômeno à prhneira vista não mostra o capitalísta prestamista
em relação alguma com o trabalhadoJ assalariado, mas apenas em relação
com outros capitalistas, enquanto esses outros capitalistas, em vez de
estarem aí em oposição ao trabalho assalariado, pelo contrário, estão como
trabalhadores em oposição a si mesmos ou a outros capitalistas na qualidade
de representantes da mera existência do capital, de meros proprietários
dele. Acresce que o capitalista índívídual pode emprestar seu dinheiro
como capital ou empregá-lo ele mesmo como capital. Enquanto dele percebe
juro, recebe apenas o preço que receberia se rrao "funcionasse", se não
"trabalhasse" como capitaUsta. Está portanto claro que o que ele a bem
dizer extrai da produção, enquanto for apenas juro, deve somente ao capital
e não ao próprio processo de produção nem a si mesmo como representante
do capital em operação.
Daí o fraseado vazio de alguns economistas vulgares: O capitalista
industrial, se não tirasse lucro além do juro, poria seu capital a juros e viveria
como rentier. Desse modo, todos os capitalistas cessaríam de produzir e
todo capital, de .fun~ionar como capital, mas apesar disso poder-se-ia
viver de seus juros. Turgot 176 já dizia em sentido semelhante: Se o capita-
lista não obtivesse lucro, compraria terra (renda fundiãria capitalizada) e
viveria da renda do solo. Mas, uma vez que para os fisiocratas a renda da

176. Turgot, Réflexicns sur la fonnation et la distribution des richesres (1766),


§§ 73,85. .
terra representa a verdadeíra mais -valia, o juro aí deriva por certo da mais,
valia. Enquanto a concepção vulgar inverte as coisas.
Outra circunstãncia a observar: para o capitalista industrial que
tomou dinheiro emprestado, o juro entra nos custos, custos no sentido
de valor adiantado. Por exemplo, o capital de 1000 libras não entra no
processo capitalista de produção como mercadoria no valor de 1000 libras,
mas como capital, isto é, se o capital de l 000 libras rende por ano 10%
de juro, entrará no. produto anual com o valor de 1100. Aí portanto paten·
teia-se claro que .a soma de valores (e as mercadorias onde se configura) não
se toma capital no processo de produção, mas que, como capital, constitui
precondição do processo de produção, e por isso já encarna a maís-valia
que lhe cabe na mera qualidade de capital. Para o industrial que trabalha
com capital de empréstimo entra nos seus custos o juro ou o capital como
capital - este s6 é capital enquanto render mais-valia (assim, por exemplo,
se vale l 000 corno mercadoria, valerá 1100 como capital, isto é, 1000 +
l 000/I o, e + e/x). Se o produto só der o juro, este será decerto um
excedente sobre o valor do capital adiantado considerado mera mercadoria,
mas não sobre o valor da mercadqria considerada capital; o industrial terá
de desembolsar essa mais-valia, pois é parte integrante dos adiantamentos,
das despesas que fez para produzir a mercadoria. , .
Mas o industrial que trabalha com capital próprio tem de pagar a si
mesmo o juro do capital e considera este como se fosse adiantado. Na
realidade, o que adiantou não foi apenas, digamos, um capital n'o valor de
l 000 libras, mas o valor de l 000 na qualídade de' capital, e esse valor
é de 1050 libras se o juro = 5%. Também para ele, issotião é uma reflexão
ociosa. Pois as 1000 libras na qualidade de capital lhe proporcionariam
1050 se as emprestasse em vez de empregá-las produtivamente. Por conse-
guinte, ao adiantar a si mesmo l 000 libras na qualidade de capital, adianta
a si mesmo 1050 libras. ll faut bien se rattraper sur quelqu'un et fusse+il
sur lui-même ! 177
O valor de 1000 libras em mercadoàas é, na qualidade de capítal,
1050 libras. Isto é, o capital não é um núme.ro simples; não ê uma simples
mercadoria e sim mercadoria potenciada; não é uma grandeza simples, mas
uma proporção: como principal, um valor dado, se relaciona consigo mesmo
como mais-valia. O valor de C é C (1 + l/x) l (para 1 ano) ou C + C/x.
Com as operações elementares de cálculo não é possfvel compreender e

117. t mister desfornu-se de alguém, nem que seja. de si mesmo !

1518
achar x na equação aX = n, e tampouco a mercadoria potenciada, o dí~
nheiro potenciado, o capital.
No caso do juro, parte do lucro, da mais-valia produzida pelo capital,
parece ter sido adiantada pelo capitalista, como se observa na produção
agrícola com relaçã'o a outra parte - a renda da terra. Esta configura irracio-
nalidade menos contundente porque a renda (rent)-aí aparece como preço
anual da terra, que assim entra na produção come mercadoria. No "preço
da terra,,. reside por certo irracionalidade maior que no preço do capital,
mas não na própria forma, porque aí a terra aparece como valor de uso de
uma mercadoria, e a renda da terra como seu preço. (A irracionalidade
está em que a _terra, que nãú é produto do trabalho, tenha preço, isto é,
valor expresso em dinheiro, valor portanto, e por isso deve ser considerada
trabalho social materializado.) Pela forma em que se exterioriza, a terra,
com O" toda mercadoria, tem dois aspectos, o valor de uso e o valor de troca,
e o valor de troca é expresso idealmente. como preço, como algo que a
mercadoria como valor de uso absolutamente não é. Ao revés, na expressão
1000 libras = 1 050 líbras, ou SO libras é o preço anual de 1000 libras,
relaciona-se uma coisa com ela mesma, valor de troca. com valor de troca,
e o valor de troca deve ser seu próprio preço como algo diferente de si
mesmo, isto é, o próprio valor de troca se expressa em dinheíro.
Assim, 2 fonnas de mais-valia, juro e renda fundiária, resultàdos da
produção capitalistas, nesta entram como precondições, como adiantamen-
tos que o próprio capitalista faz e que para ele, portanto, de modo nenhum
representam mais-valia, 'excedente sobre o valor. dos adiantamentos feitos.
Nessas formas de mais-valia, ao próprio capitalista individual parece que
a produção de mais-valia figura entre os custos de produção da produção
capitalísta, e que a apropriação de trabalho alheio e do excedente sobre
o valor das mercadorias consumidas no processo (entrem elas no capital
constante ou no variável) é uma condição dominante desse modo de pro-
dução. De certo, isso também se patenteia até o ponto em que o lucro
médio constitui um elemento do preço de custo da mercadoria, portanto
uma condição da oferta, da geração da maís-valia. Mas, apesar disso, o
capitalista industrial com razão considera esse excedente, essa parte da
maís-valia - embora ela constitua um elemento da própria produção -
sobra acima de seus custos e nã'o algo pertencente a seus adiantamentos,
como ocorre com juro e renda da terra. Em momentos críticos, também
o lucro de fato se contrapõe como condição de produção ao próprio capi·
talista, ·a ponto de este contrair ou parar a· produção em virtude de uma
queda de preço que absorve o lucro ou o reduz de maneira contundente.

1519
Daí os disparates daqueles que consideram como simples formas de distri··
buição as diferentes formas da mais-valia. Estas são por igual formas de
produção.

* * *
Na trindad~ terra-renda, capital-lucro (juro) e trabalho-salário pode-
ria parecer que o terceiro membro é o mais racional. Pelo menos diz a
fonte don~ flui o salário. Mas o terceiro é, pelo contrário, o mais irracional
e é o fundamento dos dois outros, do mesmo modo que o trabalho assala-
riado em geral pressupõe a terra como propriedade fundiária e o produto
como capital. O trabalho só é trabalho assala~iado quando as condições de
trabalho o enfrentam nessa forma. Como trabalho assalariado expressa-se na
fórmula trabalho-salário. Uma vez que o salário aí parece ser o produto
específico do trabalho, o único produto dele (e na realidade é o único
produto do trnbalho para o trabalhador assalariado), do mesmo modo
parecem fluir de outras fontes específicas as outras partes do valor - renda
da terra, lucro Uuro); do valor do produto, a parte que se reduz a salário
deve ser considerada produto específico do trabalho, e do lI!esmo modo
as partes do valor as quais se decompõem em renda da terr_a é lucro têm de
ser entendidas como decorrências específicas dos fatores para os quais
existem e aos quais revertem, isto é, como frutos da terra·- e <;to capital
respectivamente. · '

4. Como as formas transmutadas da mais-valia se separam


cada vez mais da essência dela, o trabalho excedente. O
lucro industrial considerado usalário do Capitalista".

Observemos o camínho que o capital percorre ante~ de aparecer na·


forma de capital produtor de juros.
No processo imediato de produção, a coísa ainda é simples. A mais-
valia ainda não tomou nenhuma forma particular, excetuada a própria
forma que apenas a distingue do valor do produto no sentido de equiva-
lente ao valor reproduzido no produto. Como o valor em geral se reduz
a trabalho, a mais-valia se reduz a trabalho excedente, a trabalho não pago.
Por isso, s6 se mede a mais-valia pela parte do capital a qual altera de fato

1520
o valor dele - o capital variável, a parte áo capital despendida em salário.
O capital constante se revela apenas condição que permite a operação da
parte variável do capital. Se com 100 libras que representam o trabalho de
1O homens se compra o trabalho de 20 (isto é, mercadorias que encerram
o trabalho de 20), a conclusão elementar é que o valor do produto = 200
libras, e que a mais-valia de l 00 libras é o trabalho nlio pago de 1O homens.
~ como se fossem pagos apenas 10 homens e outros 10 trabalhassem de
graça para o capitalista.
Aí, nesse estado embrionário, a relação ainda é bem compreensível,
ou melhor, não pode ser ignorada. A dificuldade consiste apenas em desco·
brir como essa apropriação de trabalho sem a contraprestação equivalente
provém da lei da troca de mercadorias - pela qual as mercadorias se trocam
na proporção do tempo de trabalho nelas contido ···· e antes de tudo não
contradiz essa lei.
O processo de circulação já eclipsa, obscure~e a conexão. Uma ve:z que
o montante de mais-valia também é determinado pelo tempo de circulação
do capital, parece introdu7jr-se aí um elemento estranho ao tempo de
trabalho.
Por fim, no capital pronto e acabado, que aparece como um todo,
como unidade do processo de circulação e de produção, como expressão
do processo de reprodução - como dada soma de dinheiro que produz
determinado lucro (mais·valia) num determinado período, em determinado
segmento dá circulação -, dessa configuração, processo de produção e
processo de circulação s6 existem como reminiscência e como momentos
que determinam .por igual a mais-valia, o que mascara sua natureza simples.
A mais-valia assume àgora a forma de lucro: (1) esse lucro se refere a deter-
minado segmento da circulação do capital, e esse segmento difere do tempo
de trabalho; (2) a mais-valia não é calculada sobre parte do capítal da qual
decorre diretamente, nem com ela se relaciona, servindo o capital total
sem dístinções para esse cálculo e relacionamento; assim. oculta-se por
completo a fonte da mais-valia. (3) embora, nessa primeira forma do lucro,
o montante deste ainda coincida quantitativamente com o da mais-valia
produzida pelo capital particular, a taxa de lucro, de princípio, difere da
taxa de mais-valia, pois a taxa de mais-valia = m/v, e a taxa de lucro
= m/c +v. (4) supondo-se dada a taxa de mais-valia, a taxa de lucro
pode subir ou cair, e mesmo em direção oposta à da taxa de mais-valia.
A~im, a mais-valia já possui, na primeira configuração do lucro, wna
fonna ·que, além de não pennitir a percepçã'o direta da identidade dele com
a mais-valia, com o trabalho excedente, parece contradizer este de imediato.

1521
Ademais, com a transformação do lucro em lucro médio, com a ·
formação da taxa geral de lucro e a conversão dos valores - vinculada
com essa formação ou por ela determinada - em preços de custo, o lucro
do capítal particular se toma diferente da própria mais-valia produzida pelo
capitalista particular em seu ramo particular de produção, tanto no modo
de expressão - diferença entre taxa de lucro e taxa de mais-valia - como
na substância, o que aqui significa diferente na quantidade. Agora, o lucro
não só parece diferente da mais-valia, mas o é de fato, consídere-se o capital
individual ou a totalidade do capital num ramo particular. Capitais de
igual magnitude fornecem lucros iguais, ou o lucro é proporcionàl à magni-
tude do capital. Ou o lucro é determinado pelo valor do capital adiantado.
Em todas essas expressões apaga-se por completo e não é mais reconhecível
a relaçã'o do lucro com a composição orgânica do capital. Pelo contrário,
fica imediatamente palpãvel que capitais de igual magnitude que põem em
movimento quantidades bem diversas de trabalho, comandam por isso
quantidades bem díversas de trabalho excedente e em conseqüência produ-
zem quantidades bem diversas de mais-valia, dã'o lucro de magnitude igual.
E mais: com a transformação dos ,valores em preços de custo parece ter
ruído a própria base - a determinação do valor das mercadorias pelo tempo
de trabalho nelas contido. .·
E nessa forma de lucro por completo alienada, e na medida em que a
figura do lucro esconde a substância intrínseca, o capital, assume _cada vez
mais uma forma reíficada, deixa de ser uma relação para se tomar Úma coisa,
mas coisa que encarna, que absorveu a relação social, cois~ que, possuindo
vida e independência fictícias, se relaciona consigo mesma, ser material
e imaterial; e nessa fonna de capital e lucro aparece na supei:fície como
precondição pronta e acabada. li a forma de sua realidade ou, antes, é
sua forma real de existência. E é nessa forma que vive na consciência e se
reflete nas idéias de seus representantes, os capitalistas.
Essa fonna fixa e ossificada (metamorfoseada) do lucro (e por conse-
guinte do capital como seu gerador, pois capital é fundamento; lucro,
conseqüência; capital é causa; lucro, efeito; capital é substância; lucro,
acidente; capital só é capital se produz lucro, se é valor que gera lucro,
valor adicional) e por isso do capital como sua causa, o capital que se
mantém como capital e se multiplica pelo lucro - consolida ainda maís
sua exterioridade com a circunstância de o mesmo processo de nivelamento
do capital, o qual dá ao lucro a forma de lucro médio, separar dele uma
parte sob a forma de renda fundiftria como algo independente e que me·
drasse em virtude de outro fundamento, a terra. Sem dúvida, a renda na

1522
origem se revela parte do lucro, parte que e arrendatârio paga ao dono da
terra. Mas, uma vez que o arrendatário não embolsa esse lucro suplementar,
nem o capital que emprega de modo nenhum se distingue como capital de
outro capital (por não lhe advir o lucro suplementar do capital como capital,
transfere-o em pagamento ao dono da terra), a própria terra aparece como
a fonte dessa parte do valor da mercadoria (sua mais~valia) e o dono parece
ter apenas a função de representar a terra como ente jurídico.
Se se calcula a renda da terra sobre o capítal adianta:do, resta ainda
um fio que lembra sua origem como parte destacada do lucro, isto ê, da
mais-valia em geral. (A situação é de certo diferente num estádio social
onde a propriedade da terra explora diretamente o trabalho. Então não é
a
difícil perceber origem da riqueza excedente.) Mas a renda é paga por
detenninada área de terra; capitaliza-se no valor da terra; esse valor sobe
ou desce na razfo da alta ou queda da renda; a renda sobe ou desce em
relação à área inalterada da terra (enquanto o capital nela operante é gran·
deza variável); a diferença dos tipos de solo revela-se no nível da renda que
se tem !!e pagar por dada quantidade de metros quadrados; para detenninar
a média da renda paga, digamos, por metro quadrado, divide-se a renda
total pela área total do solo; a renda, como todo fenômeno da produção
capitalísta por este gerado, revela-se ao mesmo tempo precondição flxa,
dada, presente a qualquer momento e assim com existência independente
em relação a todo indivíduo. O arrendatário tem de pagar renda, tanto
por unidade de área, de acordo com a qualidade do solo. Se esta melhora
ou decai, sobe ou desce a renda que tem de pagar por tantos acres, pela
terra, abstraíndo-se do capital que nela emprega, como acontece com os
juros que tem de pagar; não importa o lucro que obtenha.
O cálculo da renda fundiária sobre. o capital industrial é ainda uma
fórmula crítica da economia política, fónnula que mantém a conexão
íntima da renda com o lucro, o fundamento dela. Mas, na realidade, essa
conexão não aparece; pelo contrário, mede-se a renda fundiária pela área
real do solo - e com isso elimina-se de todo a mediação 178 e completa-se

178. "Tanto os hegelianos como os marxistas - embora por motivos diversos


- tendem a afumar que a idéia de mediação permite expressiu as "relações concretas"
e não simplesmente as "relações abstratas" (com.o sucede com a idéia de mediação na
lógica clássica)" (Dicionário de Filosofia, de José Ferrat<rr Mora, veroetc "mediacfon").
Trecho do Dicionário Filorsófico, de V.A. Altman e outros, sobre mediação: "Definição
de uma coisa (de um conceito) evidenciando suas relações com outra coisa (conceito).
As propriedades das coisas se revelam em suas interconexões com as outras coisas. Só
por meio'de sua relação com outra coisa, pode ser o que é, pode ser detenninadacom
a coisa concreta dada".

1523
a figura autônoma, exteriorizada da renda. Só é figura independente nessa
exteriorização, ao desprender-se por completo de sua mediação. Tantos
metros quadrados de terra produzem tanto de renda. Nessa expressão em
que parte da mais-valia - a renda (rent) - se apresenta em relação com um
elemento natural particular, independente da vontade humana, não só se
apaga por inteiro a natureza da mais-valia por se eliminar o valor, mas
o próprío lucro - assim como a renda (rent) se afigura proveniente da terra
- parece proceder do capital como elemento particular reif"wado da produ-
ção. A terra é elemento da natureza e produz renda (rent). O capital consiste
em produtos, e estes produzem lucro. Que um valor de uso produzido
dê lucro e outro que não é produzido dê renda são apenas duas formas
diferentes em que coisas geram valor, uma tão inteligível e tão ininteligível
como a outra.
Logo que a mais-valia seja atribuída a elementos diversos, particulares
da produção - como natureza, produtos, trabalho -, se relacione apenas
com elementos da produção materlu.lmente diversos e em geral assuma
formas peculiares, com independêncía recíproca, reguladas por leis diferen-
tes, é claro que sua unidade comiµn - o valor excedente -, e em conse-
qüência a natu1eza dessa unidade 'comum, toma·se cada vez mais irreco-
nhecível, deixa de aparecer e tem de ser descoberta como recôndito misté-
rio. Essa autonomízação da configuração das partes particulares - a contra-
posição entre estas como fonnas autônomas - completa-se com a redução
de cada uma dessas partes a um elemento particular como sua' Í1ledida e
sua fonte própria, ou com a configuração de cada parte da mais-valia como
efeito de uma causa especial, como acidente de uma substância específica.
Em virtude disso, lucro -capital, renda-terra, salário ·trabalho.
E sfo essas relações e formas já elaboradas que aparecem como.pre·
condições da produção real, pois o modo capitalista de produção rnove-se
dentro das configurações que ele mesmo criou, e estas, dele resultantes,
· com ele se defrontam no processo de reprodução como precondlções
prontas e acabadas. Como tais determinam, na prática, a conduta dos
capitalistas individuais etc .. proporcionam-lhes os motivos de ação, refle-
tindo-se como tais na consciência deles. A economia >'Ulgar nada mais
faz que expressar em fonna doutrínáría essa consciência que de acordo
com sua motivação e suas idéias está prisioneira da aparência do modo de
produção capitalista. E quanto mais trivialmente se apega à superfícíe
e apenas se toma o eco dessa aparência numa certa ordem, tanto mais
se convence de estar "de acordo com a natureza" e dístante de toda sofis-
ticaria abstrata.

1524
No tocante ao processo de circulaçífo de que tratamos acima179 obser-
var ainda que as defmições que têm origem no processo de circulação crista·
lizam-se como atributos de espécies detennínadas de capital, fixo, circulante
etc., e assim aparecem como qualidades dadas que materialmente pertencem
a determinadas mercadorias.
Na configuração final onde o lucro aparece na produção capitalista
como pi:econdíçlio estabelecida, as diversas transformações e estádios
intennediários por que ele passa, e em conseqüência a própria natureza do
capital, apagam-se e são irreconhedveis; e essa configuração ainda mais
enrijece porque o mesmo processo que lhe dá o último retoque contrapõe
ao lucro parte dele como renda (rent), tornando-o formapa:rticular de mais-
valia, inteiramente vinculada ao capital como instrumento material especí-
fico de produção, do mesmo modo que a renda (rent) se relaciona com a
terra. Nessas condições, essa configuração, separada de sua substância
íntima por ficar invisível uma massa de elos intermediários, assume uma
forma ainda mais exteriorizada, ou antes a forma da exteriorização absoluta
no capital produtor de juros, no fato de o juro dissociar -se do lucro, no
capital produtor de juros, como a forma simples do capital, a configuração
onde o capital é precondição de seu próprio processo de reprodução. Nela
se expressa a fórmula absoluta do capital: D· D', valor que se expande.
E desaparece o elo intennediário M, que ainda existe no capital comercial
puro: D · M - D'. Hâ apenas a relação de D consigo mesmo, medido por
si mesmo. É o capital claramente afastado, separado, fora do processo,
como a respectiva precondição, embora dele resulte, e só nele e por meio
dele seja capital.
(Não se considerou aí que o juro pode ser mera transferência e não
precisa representar verdadeira mais-valia, como no caso de se emprestar
dinheiro a um "dissipador''. isto é, para consumo. O mesmo pode ocorrer
quando se toma empréstimo· destinado a pagamentos. Nos dois casos em·
presta-se dinheiro e não capital, mas para o possuidor torna-se capital pelo
simples ato de emprestá-lo. No segundo caso, tratando-se de descontos
ou de empréstimos sobre mercadorias que não são vendíveis temporaria·
mente, pode o dinheiro relacionar-se com o processo de circulação do capi-
tal, com a conversão necessária do capital -mercadoria em capital -dinheiro.
Enquanto a aceleração desse processo de conversão - como no crédito con-
soante sua característica geral - apressa a reproduçlío e portanto a produção
de mais-valia, o dinheiro emprestado é capital. Ao revés, enquanto só serve

179. Verp.1521 deste volume.

1525
para pagar dívidas sem acelerar o processo de reprodução, talvez o restrin-.
gindo ou impossibilítando, é para o prestatário mero meio de pagamento,
dinheiro apenas, e para o- prestamista é de fato capital independente do
processo do capital. Nesse caso, ojuro, como o lucro de expropriação 180 ,
é wn fato independente da produção capíta1istà como tal, da geraçã'o de
mais-valia. São estas duas formas do dinheiro - a de meio de compra
de merc.adorias para consumi-las e a de meio de pagamento de dívidas
- que fazem o juro asswnir feição que, como o lucro de expropriação,
embora se reproduza no processo capitalista de produção, dele não depende
e pertence a modos de produção anteriores. Mas é da natureza da produção
capitalista possa o dinheiro (ou mercadorias) fora do proêesso de produção
ser capital, vender-se como capital, e que isso também seja possív~l nas
formas antigas, formas em que não se converte em capital e apenas serve
de dinheiro.
A terceira das formas antigas do capital produtor de juros assenta
na circunstância de não existir ainda a produção capitalista, e de o lucro
esconder-se aí na forma de juro, aparecendo o capitalista unicamente
nas vestes do usurário. Então está implícito que: (1) o produtor ainda
trabalha de maneira independente :com seus meios de produção, ao ,invés
de estes operarem com ele (os escravos, mesmo quando façam parte desses
meíos de produção como o gado de tração, não constituem categoria econô-
mica especial; há aí no máximo uma diferença materiai - instrumentos
mudos e instrumentos que sentem, falam); (2) os meios. de p_ródução só
pertencem ao produtor nominalmente, ou seja,~ incapaz, em virtude desta
ou daquela eventualidade, de reproduzi·los por meio da venda de suas
mercadorias. Assim, em todas as fonnações sociais onde existam circulação
de mercadorias e de dinheiro, seja nelas predominante o trabalho escravo,
a servidlio ou o trabalho livre, encontram-se essas formas do capital produ-
tor de juros. Na última forma observada, o que o produtor dá em pagamento
ao capitalista é seu trabalho excedente na forma de juÍo, que por isso
inclui lucro. Temos aí toda a produção capitalista sem as vantagens que
oferece, sem o desenvolvimento das fonnas sociais do trabalho e da produ·
tívidade do trabalho delas oriunda. É uma fmma predominante em popula-
ções camponesas que já têm de comprar, na forma de mercadoria, parte dos
meios de subsistência e dos instrumentos de produçã"o, junto às quais
portanto já existe separada uma indústria urbana, e que além disso têm
de pagar tributos, renda da terra em dinheiro etc.)

180. Ver nota 7, p. 1071 deste volume.

1526
O capital produtor de juros só prova sua eficácia como tal enquanto
o dinheiro emprestado se converte realmente em capital e produz um
excedente do qual o juro constitui parte. Mas ísso não elU:nina o fato de o
juro e a geração de juro se terem tornado atributos que lhe pertencem,
independentemente do processo de produção. Tampouco o valor de uso
do algodão como algodão se anula pela circunstância de o algodão ter de
ser fiado ou de algum modo consumido para demonstrar suas propriedades
úteis. E assim o capital só comprova sua força de produzir"juro entrando
no processo de produção. Mas a força de trabalho também só demonstra
sua capacidade de gerar valor quando atua, se realiza no processo de pro-
duçlio como trab_al.ho. Isso nâ'o excluí que em si, como capacidade, seja a
atividade criadora de valor e que venha a ser tal não por meio do processo
de produção, mas antes o precedendo. Como tal é comprada. Podem tam-
bém comprá-la, sem que a ponham a trabalhar (por exemplo, um empresá-
rio de teatro pode contratar um ator não para este repr~sentar, mas para
privar de seu desempenho um teatro concorrente). Se a pessoa que compra
a força de trabalho emprega ou não a propriedade que paga, a propriedade
de criar valor, é uma alternativa que não importa ao vendedor nem à merca-
doria vendida, nem interessa aí a alternativa de a pessoa compradora do
capital empregá-lo ou não como capital, isto é, acionar ou não no processo
de produção a propriedade que lhe é própria de criar valor. O que o compra·
dor paga em ambos os casos é a mais-valia em si e a capacidade de manter
o próprio valor - potencialmente, consoante a natureza da mercadoria
vendida - embutidas seja na força de trabalho seja no capital. Por isso,
também o capitalista que opera com capital próprio considera parte da
mais-valia como juro, isto é, como mais-valia que brota do processo de
produçao porque o capital nele a introduziu sem dele depender.
A renda da terra, e a relação terra-renda, pode revelar-se forma
muito mais misteriosa que a forma do juro e a relação capital-juro. Mas
o irracional na fonna da renda da terra não está articulado e formulado
de modo a expressar uma relação com o prôprio capital Uma vez que a
própria terra é produtíva (de valor de uso) e é uma força produtiva viva
(de valor de uso ou destinada a elaborar valores de uso), pode a supersti-
ção confundir valor de uso com valor de troca, a coisa com uma forma
social específica do trabalho contido no produto; a irracíonalidade aí
acha sua razão em si mesma, pois a renda da terra, por ser sui generis,
nada tem que ver com o processo capitalista como tal; ou pode a econo·
mia "esclarecida" negar em geral que a renda da terra seja uma forma de
mais-valia por não estar vinculada ao trabalho nem ao capital, e qualificá-

1527
la de mero preço adicional que o monopólio da propriedade capacita o.
dono da terra a ímpor. .
A situação muda com o capital produtor de juros. Neste não se trata
de uma relação estranha ao capital, mas da própria relação do capital, de
uma relação emergente da produção capitalista, especúica dessa produçfo
e que expressa a essência do próprio capital; trata-se de uma configuração
do capital na quaJ este aparece como capital. O lucro ainda está ligado.ao
capital operante, ao pr<lcesso em que se produz a mais-vaJia (e o próprio
lucro). O que sucede com o capital produtor de juros não é o que se dá com
o lucro; neste, a flgllra da mais-valia alíenou~se, tomou-se estranha, sem
deixar ver de ímediato sua forma simples, em conseqüência, a substância
e a fonte de origem; no juro, ao contrário, é de maneira patente que essa.
figura alienada se estabelece, está presente e se expressa como o essencial
É forma independente, ossificada, em oposição à natureza real da mais-
valia. No capital produtor de juros desaparece a relação do capital com
o trabalho. Na realidade, o juro supõe o lucro, do qual é apenas uma parte,
e ao trabalhador assalariado de fato não importa absolutamente como a
mais-valia se reparta em juro e lucro por espécies diferentes de Câpitalistas.
o
Qualifica-se explicitamente juro de rebento do capital, dissociado,
independente, excluído do próprio processo capitalista. Pertence ao capital
como capital. Entra no processo de produção e por isso dele sai. De juro
está grávido o capitaJ. Este não o retira do processo dê produção, mas o
insere nele. O excedente do lucro sobre o juro, a única quantídadé de mais-
vaJia que o capital deve ao processo de produção e produz como capital
operante, assume por isso uma forma particular - em·contraste com o
juro, que se considera vaJor gerado pelo capital em si, pelo capital pata si,
pelo capital como capital -, a de mero industrial (lucro de empresário,
industrial ou comercial, conforme se acentue o processo de produção
ou o de circulação). Assim, mesmo a última fonna de mais-valia, que até
certo ponto lembra sua origem, se particulariza e se expressa como forma
alienada e ainda em oposição direta a sua origem; em conseqüência, atin-
ge-se por fim a mistificação completa da natureza do capital e da mais-
valia e também da produção capitalista em geral.
O lucro industrial, em contraste com o juro, representa o capital
no processo em oposição ao capital fora do processo, o capital como proces·
so em oposição ao capital como propriedade~ em conseqüência, o capita~
lista como capitalista em atividade, representante do capital operante,
em oposiçã'o ao capitalista mera personificação do capital, mero proprie-
tãrio do capital. Assim, o primeiro aparece como capitalista que trabalha

1528
contrapondo-se a si mesmo como capitalista e a seguir como trabalhador
que se opõe a si mesmo como simples proprietário. Por isso, embora uma
relação entre a mais-valia e o processo ainda se i;nantenha, apareça, isso
ocorre justamente na forma em que se nega a noção genuína da mais-valia.
O lucro industrial reduz-se a trabalho, mas não a trabalho alheio, não pago,
mas a trabalho assalariado, a salário para o capitalista, que desse modo se
insere com o trabalhador assalariado numa categoria única e passa a ser
apenas uma espécie melhor paga de .trabalhador assalariádo, consoante
as grandes variações do salário em geral.
Na realidade, o dinheiro não se converte em capital em virtude de
se trocar pelas condições materiais de produção da mercadoria e em virtude
de essas condiçõés - matéria-prima, meios de trabalho e trabalho - entra-
rem em transformação no processo de trabalho, agirem umas sobre as
outras, combinarem-se, passarem por um processo químico e formarem
a mercadoria como cristal desse processo. Nunca surgiria daí capital nem
mais-valia. Ao revés, essa forma abstrata do processo de trabalho é comum
a todos ,os modos de produção, seja qual for sua forma social ou sua caracte·
rização histórica. Esse processo só se toma processo capítalista, o dinheiro
só se converte em capital (1) se a produção de mercadorias. a produção do
produto como mercadoria, é a forma geral da produção; (2) se se troca
mercadoria (dinheiro) por força de trabalho (isto é, de fato por trabalho)
como mercaáoria, e por isso o trabalho é trabalho assalariado; (3) mas
isso só ocorre se as condições objetivas, isto é (considerando·se o processo
global de produção), os produtos, defrontam o próprio trabalho como
poderes independen_tes, n[o como propriedade dele, mas como propriedade
alheia e segundo a forma portanto como capital.
O trabalho como trabalho assalariado e as condições do trabalho
como capital - estas por isso propriedade do capitalista: são proprietárias
de si mesmas na figura do capitalista em que se personificam, e representam
a propriedade dele sobre elas e a propriedade delas sobre si mesmas perante
o trabalhador - expressam a mesma relação, só que vistas de pólos opostos.
Essa condição da produção capitalista é seu resultado constante. É pressu-
posto dessa produçã'o, estabelecido por ela mesma; a produção capitalista
pressupõe a si mesma e se estabelece com suas condições logo que se tenha
formado e funcione em circunstâncias que lhe são apropriadas. O processo
de produção capitalista, porém, não é pura e simplesmente processo de
produção: a determinação social contraditória de seus eleqientos só se
desenvolve, só se rea1iza no próprio processo, que caracteriza por inteiro
e converte nesse modo de produção socialmente determinado, o processo
de produção capitalista.

1529
Na fase em que se constitui o capital - não um capital particular,.
mas o capital em geral - seu processo de fonnação é o processo de disso-
lução, o produto da decomposição do anterior modo de produção social.
É assim processo histôríco, processo pertencente a determinado período
histórico. É o período de sua gênese histórica. (Do mesmo modo, a existên-
cia do homem é o resultado de um processo anterior que a vida or.gânica
percorreu. Só em certo ponto passa a existir o ser humano. Mas, dada sua
existêncía, o homem, como precondíção permanente da história 'humana,
também é produto e resultado permanente dela, e só é precondição como
produto e resultado de si mesmo.) Só aí tem o trabalho de desprender-se
das condições de trabalho em sua forma anterior, quando se identificava
com elas. Só assim se torna trabalho livre, e só assim essas condições se
transformam em capital, contrapondo-se a ele. O processo de transforma-
ção do capital em capital ou de seu desenvolvimento antes do próprio
processo capitalista de produção e sua realização neste processo pertencem
a dois períodos históricos diversos. No segundo é preestabelecido, pressu·
põe-se sua existência como elemento que atua por si mesmo. No primeiro
é o resu1tado do processo de dis~olução de outra formação social. t o
produto de outra reprodução, e nii'o de sua própria como ocorre depois.
A produção capitalista opera apoiada no trabalho assalariadtY, a base exis-
tente, ao _mesmo tempo reproduzida por ela de contínuo. Por isso, também
opera apoiada no capital, a forma que as condições de tra~alho tomam
como pressuposto dado dessa produção, pressuposto que, do mesmo modo
que o trabalho assalariado, é sua precondíção. constante e seu produto
constante.
Apoiado nessa base, o dinheiro por exemplo é em si capital, porque
as condições de produção em si assumem forma alienada em oposição ao
trabaJho, defrontam-no como propriedade alheia e como tal o dominam.
Então o capital pode também ser vendido como mercadoria que tem o
atributo de poder ser vendida como capital, como no empréstimo de capital
a juros.
Mas, ao estabelecer se assim o momento da determinação especifica·
4

e
mente social do capital da protlução capitalista - determiriação especifica-
mente social que se expressa jurídicamente no capital como propriedade, na
propriedade do capital como forma particular da propriedade -, e ao
aparecer o juro, por isso, como o segmento da mais-valia produzido pelo
capital nessa determinação, dissociada da detenninação enquanto deter-
minação do processo em geral, é evidente que o outro segmento da maís-
valia, aquilo em que o lucro excede o juro, lucro industrial, tem de apresen-

1530
tar-se como valor que não provém do capital como capital, mas do processo
de produção dissociado de sua detenninação social, que já assumiu na
expressão capital-juro seu modo especial de existir. Mas, dissociado do
capital, o processo de produção é processo de trabalho em geral. O capita-
lista industrial, considerado diferente de si mesmo como capitalista, o
industrial em cantraposiçãb a si mesmo como capitalista, proprietário do
capital, não passa portanto de simples funcionário do processo de trabalho;
em vez de personificar capital operante, é funcionário, abstraindo-se do
capital, é portanto representante especial do processo de trabalho em
geral, trabalhador. Assim, o 1ucro industrial transforma-se por felicidade
em salário e identifica-se com o s~ário comum, do qual só se distingue
quantitativamente e pela forma peculiar de pagamento: o capitalista paga-o
a si mesmo em vez de recebê-lo em pagamento.
Nessa última divis1fo do lucro em juro e lucro industrial, a natureza
da mais-valia (e em conseqüência do capital), além de eclipsar-se, configura-
se explicitamente em algo de todo diverso.
O juro expressa parte da mais-valia; mera porção do lucro, destacada
sob denominação especial; a porção que cabe ao mero proprietário do
capital e de que ele se apodera, Mas, essa mera divjsão quantitativa conver-
te-se em qualitativa que dá a ambas as porções uma fonna transmutada
onde mais parece restar de sua essência original. Antes de mais nada, isso
se confinna com a circunstância de o juro não surgir como uma porção
que nada significa para a produção e que só ocorre "na ocasi:to" em que
o industrial opera com capital alheio. Mesmo quando trabalha com capital
próprio, seu lucro· se .biparte em juro e lucro industrial; por isso, a mera
divisão quantitativa já se revela qualitativa, independente da circunstância
eventual de o industrial ser ou não proprietário do capital em seu poder;
estabelece -se divisão qualitativa oriunda da natureza do capital e da própria
produçiro capitalista. Trata-se nlfo só de duas porções do lucro repartidas
por pessoas: diferentes, mas de duas categorias distintas de. lucro que se
relacionam de maneira diversa com o capital, isto é, com detertninações
diferentes do capital. Omitindo-se os argumentos antes expostos, essa
autonomização consolida-se tanto mais facilmente quanto é certo que o
capital produtor tk juros aparece como forma histórica antes do capital
industrial e ao lado deste continua a existir em sua forma antiga, e que o
capital industrial, só no curso de seu desenvolvimento, o subsume à produ-
ção capitalista, convertendo-o em forma especial de si mesmo.
Assim, a mera repartição quantitativa toma-se dissociação qualita-
tiva. O próprio capital se dissocia. Na medida em que é pressuposto da

1531
produção capitalista, que expressa a fotma alienada das condições de tra-.
balho, uma rei.ação especificamente social, realiza-se no juro. Neste realiza
seu caráter de capital. Mas, ao funcionar no processo, esse processo se revela
cindido de seu caráter específicamente capítalista, de sua determinação
específicamente social, patenteia-se mero processo de trabalho em geral.
Enquanto intervém nele, o capitalista não intervém como capitalista - pois
recebe esse caráter com o juro - , mas como funcionárío do processo de
trabalho em geral, como trabalhador, e seu salário se configura no lucro
industrial. É uma espécie particular de trabalho - o trabalho de direção
-, mas as espécies de trabalho em geral diferem entre si.
Nessas duas formas de mais-valia portanto, a natureza desta, a essência
do capital e o caráter da produção capitalista, além de desaparecerem por
completo, convertem-se no oposto de si mesmos. E o caráter e a figura
do capital estão prontos e acabados quando a subjetivação das coisas, a
reificação dos sujeitos, a inversão de causa e efeito, o qüiproqu6 religioso,
a mera forma D - D' do capital, apresentam -se e expressam-se, vazios de
sentido, sem mediação alguma. Do mesmo modo, a ossificação das relações,
sua apresentaçã'o como relações d9s seres humanos com as coisas dotadas
de determinado caráter social, encontram-se aí elaboradas de maneira
inteiramente' diversa da observada na mistificação simples diÍ mercadoria
e na já de maior complexidade, a do dinheiro. Consuma-s~ a transubstan-
ciação, o fetichismo.
Assim, o juro em si expressa como capital justamente a· éxistêncía
das condições de trabalho, na contradição social e na metamorfose delas
em forças pessoais que se contrapõem ao trabalho e o dominam. Sintetiza
o caráter alienado das condições de traba1ho em relação com a atividade do
sujeito. Representa a propriedade do capital ou a simples propriedade do
capital como meio de o capitalista se apropriar do capital, como domítúo
sobre trabalho alheio. Mas representa esse caráter do capital como algo que
lhe pertence fora do próprio processo de produção e de modo nenhum
resulta da detennfoação específica desse processo de· produção. Representa
o capital nã'.o em oposiçã:o ao trabalho, mas, ao contrário, desprovido de
relação com o trabalho e como simples relação de um ·capítaUsta com
outro; portanto como uma categoria extrínseca à relação do capital com o
trabalho e sem significação para ela. Ao trabalhador como tal não interessa a
divisão do lucro entre os capitalistas. Por conseguinte, o juro, a forma de
lucro em que o caráter contraditório do capital se manifesta de modo
especial, assume expressãô onde essa contradição desaparece de todo e é
explicitamente posta de lado. Além tle configurar a capacidade d.o dinheíro,

1532
das mercadorias etc., de expandir o próprio valor, o juro, ao representar
a mais-valia como algo deles oriundo, como fruto natural deles, exprime
pura e simplesmente a mistificação do capital na fonna mais extrema;
no papel de representar uma relação social como tal, expressa mera relação
entre capitalistas e de modo nenhum entre capital e trabalho.
Ademais, a fonna de juro dá à outra parte do lucro a forma qualita-
tiva de lucro industrial, de salário pelo trabalho do capitalista industrial,
não com.o capitalista, mas corno trabalhador (industrial). As funções parti-
culares que o capitalista como tal tem de exercer no processo de trabalho
e que lhe cabem justamente por se distinguir do trabalhador, são conside-
radas meras funções de trabalho. Cria mais-valia nã'o por trabalhar como
capitalísta, mas porque ele, o capitalista, também 'trabalha. É como supor
que um rei, que tem como rei o comando nominal do exército, se encarre·
gasse de comandá-lo não por lhe ser atribuído o comando, a chefia, como
titular da coroa, mas que fosse rei por comandttr, por exercer a função de
chefe do exército. Se um segmento da mais-valia, a juro, fica assim de todo
separado. do processo de exploração, o outro segmento, o lucro industrial,
é considerado seu oposto direto, não apropriação de trabalho alheio, mas
criação de valor pelo próprio trabalho. Assim, este segmento da mais·valía
já não é mais-valia, mas o oposto, a contraprestação equivalente ao trabalho
realizado. Uma vez que o caráter alienado do capital, sua oposição ao traba·
lho, se situa fora do processo de exploração, da ação efetiva dessa alienação,
elimina-se todo caráter contraditório do próprio processo. Por isso, a
exploração real, o domínio onde o caráter contraditório se efetiva e primeiro
se manifesta de fato, _revela-se o oposto de si mesma, uma espécie objetiva-
mente diversa de traballio, mas pertencente à mesma detennínação social do
trabalho - o trabalho assalariado. Pertencente à mesma categoria de traba-
llio. O trabalho de explorar identif1ca~se aí com o trabalho que é explorado.
Essa conversão de uma parte do lucro em lucro industrial decorre,
coino vemos, da conversão da outra parte em juro. À última parte cabe
a forma social do capital - o fato de ser propriedade; à primeira, a função
econômica do capital, sua função no processo de trabalho, dissociada da
fonna social de que se abstrai, a fonna contraditória em que o capital é
essa função. Como se continua a justificar isso com argumentos inflados
de sapiência, ver em pormenor ao tratar da interpretação apologética do
lucro como originárío do trabalho de superintendência. Então identifica·se
o capitalista com seu gerente, conforme Smith já observara. 181

181. Adam Smith tnta dessa questão no capitulo rexto, livro I de sua obra
An Jnquíry ínto the nature and causes of the wealtll ofnations.

1533
Por certo (quando o gerente não recebe salário), o lucro industríal.
encerra uma parte que é salário. No processo de produção, o capital se
patenteia diretor, coma~dante do trabalho (capitão de indústria) e assim
desempenha papel ativo no prõpóo processo de trabalho. Mas, enquanto
essas funções decorrem da forma especffica da produção capitalista - isto
é, do domínio do capital sobre o trabalho como seu trabalho e em conse·
qüência sobre os trabalhadores como seus instrumentos; da natureza do
capital, que se revela: a unídade social, o sujeito da forma social do trabalho
nele personíficada como domínio sobre o trabalho -, esse trabalho vincu-
lado à. exploração (transferível a um administrador) é um trabalho que sem
dúvida entra no valor do produto como o do traba:lhador assalariado, tal
como na escravatura o trabalho do feitor tem de ser pago do mesmo modo
que o do próprio trabalhador. O ser humano, se autonomiza em forma
religiosa seu relacíonamento com sua própria natureza, corri a natureza
exterior e com os outros homens, e assim fica sob o domínio dessas idéias,
precisará dos sacerdotes e de seu trabalho. Ao desaparecerem a forma
religiosa da consciência e esse.· relacionamento, deixa o trabalho do sacer-
dote de entrar no processo social, de produção. Finda com o sacerdote
o trabalho do sacerdote e, do mesmo modo, com o capitalista o trabalho
que executa como capitalista ou faz outra pessoa executar .por' ele. (Desen-
volver com citações o exemplo da escravatura. 1112 )
Aliás, a apologia destinada a reduzir o lucro a salário .cómo salário
do trabalho de superintendência volta-se contra os próprios ap'ologistas,
conforme llies retrucaram com razã'o socialistas ingleses: Muito bem,
no futuro recebereis apenas o salário regular de gerente. Vosso lucro indus-
trial deve reduzir-se a salário de superintendencia ou de direção do trabalho,
não nominalmente, mas de fato.
( Ê por certo impossível díssecar aquele desacerto e saco de parlapa-
tices em todas as suas contradições. Por exemplo, o lucro industrial sobe e
desce na razão inversa do juro ou da renda fundiária. A superintendência
do trabalho, a quantidade determinada de trabalhó que o capitalista na
realidade executa, nada tem que ver com isso nem com a queda do sa/án·o.
A espécie de salário do trabalho de superintendência tem a peculiaridade
de baixar e subir na razão inversa do salário real (na medida em que a taxa
de lucro é detenninada pela taxa de mais-valia, a qual a determina com
exclusividade desde que invariáveis todas as condições de produção). Mas
essas "pequenas contradições" não destroem a identidade entre ambos,

182. Ver O Capital, ed. DIFEL, liVro 3, vol. S, pp. 442-444.

1534
reinante na mente dos economistas vulgares. O trabalho que o capitafüta
executa permanece absolutamente o mesmo, pague ele muito ou pouco
salário, proporcione aos trabalhadores salários alto~ ou baixos. Ao lado
disso, o salárfo pago por uma jornada de trabalho não altera a própria
quantidade de trabalho. Com uma restrição, pois o trabalhador trabalha
mais intensamente com melhor salário. Ao revés, o trabalho do capitalista
é a matéria definida, é determinado quantitativa e qualitativamente pela
quantidade de trabalho que o capitalista tem de dirigir e não pelo salário
dessa quantidade. A possibilidade de ele intensificar seu trabalho é a mesma
que tem o trabalhador de transformar mais algodã'o que o disponível na
fábríca.) · - -
E prosseguem ; o ofício de direção, o trabalho de ~uperin tendência,
183

como qualquer outra força de trabalho, pode-se adquirir no mercado,


produzir relativamente barato e em conseqüência comprar. A própria
produção capitalista chegou ao ponto de tomar ampla a disponibilidade
do trabalho de direção, por completo dissociact<.> da propriedade do capital,
seja próprio ou alheio. O desempenho pelo capitalista desse trabalho de
direção tomou-se uma inutilidade. Esse trabalho existe de fato separado
do capit<tl, não naquela pretensa separação entre capitalista industrial e
capitalista prestamista, e sim na real entre gerentes industriais etc. e toda
espécie de capitalista. A melhor prova disso são as fábricas cooperativas
instaladas pelos próprios trabalhadores. Demonstram que o capitalista na
qualidade de funcionário da produção ·.se tomou para os trabalhadores tão
supérfluo quanto se lhe afigura a função do proprietário da terra para a
produção burguesa. Segundo: Desde que esse trabalho exercido pelo capita-
lista não resulte do processo de produção como processo capitalista, desa-
pareça portanto por si mesmo com o capital, e não seja mero nome da
função de explorar trabalho alheio; desde que resulte da forma social
do trabalho, da cooperação, da divisão do trabalho etc., é de todo inde-
pendente do capital como aquela própria forma ao libertar-se do invólucro
capitalista. Dízer que esse trabalho é necessário como trabalho capitalista,
como função do capitalista, equivale a afirmar que o economista vulgar
não pode conceber a força produtiva social e o caráter social do trabalho
que se desenvolvem no regaço do capital, separados dessa forma capitalista,
da forma de alienação, da oposição e da contr2dição de seus aspectos.

18'.L Os socíalistns ingleses.

1535
não pode concebê ·los separados de sua ínverSão e qüiproquó. Exatamen~e
o que afirmamos.

* *-*
(O lucro real do capítalista é em grande parte lucro de expropria·
ção, e o "trabalho individual" do capitalista tem notável amplitude nesse
domínio onde não se trata de gerar mais-valia e sim de repartir o lucro
agregado de toda a classe capitalista por seus membros individuais na esfera
mercantil. Esse aspecto não nos interessa aqui. Nessa ·esfera aparecem
apenas certas espécies de lucro, por exemplo, as baseadas na especulação.
Examiná-las é portanto tarefa de todo excluída aqui. A estupidez bovina
da economia vulgar se evidencia quando ela mistura isso com o lucro
enquanto este deriva da criação da mais-valia, sobretudo para dar ao l~cro
a figura de "salário". Ver, por exemplo, o egrégioRm;;cher. É por isso muito
natural que esses asnos, ao se verem envolvidos com a repartição do lucro
agregado de toda a classe capitalista, misturem os itens das contas e as
razões de compensaç:To dos capitalistas nas díferentes esferas, com razões
para os capitalistas explorarem os trabalhadores, com razões, por assim
dizer, da gênese do lucro como tal.)

5. Diferença essencial entre a economia dáss'ica e a vulgar.


Juro e renda fundiária, elementos constitutivos do preço
de mercado da mercadoria. Os economistas vulgares tentam
dar aparência racional âs formas irracionais do juro e da
renda fundiária

No capital produtor de juros - na divisão do lucro em juro e lucro


industrial - tem o capital sua figura mais reificada, forma pura de fetiche,
e a naturez.a da mais-valia chega a uma configuração em que se evadiu
de si mesma. O capital - como coisa - aparece então como fonte inde-
pendente de valor; criador de valor, da mesma maneira que a terra gera
renda, e o trabalho, salário (parte, salário propriamente, e parte, lucro
industrial). O preço da mercadoria, sem dúvida, tem sempre de pagar salário,
juro e renda fWldiâria, mas paga-os porque a terra que entra na mercadoria
gera a renda, o capital que nela se investe, o juro, e o trabalho que nela

1536
se insere, o salário; porque esses elementos geram essas porções de valor
que afluem para os respectivos propietários ou representantes, o proprie-
tário, o capitalista e o trabalhador (o trabalhador assalariado e o empresário
industrial). Segundo esse prisma·portanto, o fato de o preço da mercadoria,
por um lado, determinar o salário, a renda fundiária e o juro, e de o preço
do juro, da renda fundiária e do salário, por outro, determinarem o preço
da mercadoria, não constitui uma contradição no domfuío da teoria ou, se
constituí, é ao mesmo tempo uma contradiçã'o, um círculo vicioso do
movimento efetivo.
Por certo oscila a taxa de juro, mas do mesmo modo que o preço
de mercado de qualquer outra mercadoria, consoante a relação entre a
oferta e a procura. Isso não extingue o prisma de ser o juro imanente ao
capital, como as flutuações dos preços das mercadorias não extinguem
· os preços como determinações a elas inerentes.
Assim, terra, capital e trabalho aparecem - enquanto são as fontes
de renda, juro e salário, e estes, os elementos constitutivos dos preços das
mercadorias - como fatores que geram valor; além disso, enquanto são
atribuídos ao detentor de cada um desses instrumentos de produção do
valor, proporcionando-lhe a porção de valor por eles criada, aparecem
como fontes de renda (revenue), e as fonnas de renda fundiária, juro e
salário, como fonnas de distribuição. (Conforme veremos mais tarde, a
conseqüência da estupidez é que os economistas vulgares, em oposíção
à economia crítica, consideram de fato as formas de distribuição meras
fonnas de produçã'o sob outro aspecto, enquanto os economistas críticos
as separam e perdem 4e vista essa identidade.)
No capital produtor de juros, o capital aparece como fonte indepen·
denté de valor ou de mais-valia que possui como dinheiro ou mercadoria.
E sem dúvida o capital é essa fonte para si, na figlira de coisa. Tem por
certo de entrar no processo de ·produção para reaJizar esse atributo;
n1as·o mesmo se dá com a terra e com o trabalho.
Por isso é compreensível porque a economia vulgar prefere a forma
terra-renda, capital -juro, trabalho-salário, à forma de Smith e de outros
para os elementos do preço (ou antes, para as partes em que se decompõe),
na qual figura capital-lucro, e nessa forma os economistas clássicos expres-
sam em geral a relação de capital corno tal. No lucro ainda se contém a
relação incômoda com o processo de produção, e nele ainda é mais ou
men0$ reconhecível a verdadeira natureza, e-0ntrastante com a aparênda,
da mais-valia e da produção capitalista. Isso desaparece quando o juro se
apresenta como o produto genuíno do capital e, em conseqüência, a outra

1537
parte da mais-valia, o lucro industrial, se eclipsa de todo e caí na categori~
de salário.
A economia clássíca procura pela análise reduzir as diferentes formas
de riqueza, fixas e estranhas entre- si, à unidade intrínseca delas, despojá-las
da configuração em que existem lado a lado, independentes umas das
outras; quer apreender a conexã:o interna que se contrapõe à diversidade
das fom1as da aparência. Por isso, reduz a lucro suplementar a renda fundiá-
ria, que cessa com isso de ser forma especial, independente e se dissocia
de sua fonte aparente, a terra. Do mesmo modo despe o juro de sua forma
autônoma e evidencia que é parte do lucro. Reduziu assim à forma única
do lucro todas as formas de renda (revenue) e todas as figuras independentes
que constituem os títulos sob os quais os não-trabalhadores participam do
valor da mercadoria. E o lucro se reduz a mais-valia, uma vez que o valor
na mercadoria inteira se reduz a trabalho; a quantidade de trabalho pago
contida na mercadoria se reduz a salário; em conseqüência, o que ultrapassa
essa quantidade representa trabalho não pago, objeto de apropriação grátis
a diferentes títulos, trabalho ex.cedente que o capital suscita. Nessa análise
a economia clássica se contradiz em certos pontos; com freqüência de
maneira direita, sem elos intennediários, tenta empreender es~a redução
e demonstrar que as diferentes formas têm a mesma fonte. Mas -isso é
conseqüência necessária do método analítico com que a :crítica e a com·
preensão têm de iniciar-se. A economia clássica não tem interesse em
analisar como nascem as diferentes formas, mas em cofl.vertê-Ias, pela
análise, à unidade delas, pois parte dessas form~s como pressupostos dados.
Mas a análise é o requisito indispensável para se revelar a gênese, para se
compreender o processo real de formaçã:o nas diferentes fases. Por fJm,
a economia clássica é falha e carente ao conceber a forma básica do capital
- a produção destinada a se apropriar de trabalho alheio - não como fonna
histórica e sim como forma natural da produçã"o social, e sua própria análise
abre caminho para que se destrua essa concepção.
~ diferente o que se passa com a economia vulgar, que só se s:mpavona
quando a própria economia clássica, com sua análise, desagregou e tornou
cambaleantes os próprios pressupostos, e em conseqüência a oposição à
economia política já existe em forma mais ou menos econômica, utópica,
crítíca e revolucionária. É que o desenvolvimento da economia política e
da oposição que ela mesma gerou marcha no mesmo ritmo do desenvolvi·
menta real das contradições sociais e das lutas de classe imanentes à produ-
ção capitalista. Só depois que a economia atinge certa arnplirude de desen-
volvimento - após Smith portanto -- e apresenta formas consistentes, dela

1538
se separa o elemento que nela é mera reprodução dos fenômenos guindada
a conceito deles; o elemento vulgar considerado concepção especifica da
economia. Assim, Say separa as idéias vulgares que aparecem na obra de
Smith e fixa-as como cristalização independente. Depois, Ricardo e o
desenvolvimento posterior da economia iniciado por ele também provêem
com novos suprimentos o economista vulgar (este nad.a produz do próprio),
e quanto mais a economia se aperfeiçoa, se aprofunda e se desenvolve como
sistema contraditório, com tanto mais independência se lhe contrapõe
seu próprio elemento vulgar, enriquecido com material que apronta a seu
modo até encontrar por fim sua melhor expressão em compilações que
são produtos de um sincretismo erudito e de um ecletismo sem princípios.
A economià, ã medida que se aprofunda, apresenta ela mesma contra-
dições, e a ela se contrapõe sua contradição como tal, junto com o desen-
volvimento das contradições reais da vida econômica da sociedade. Na
mesma medida, a economia vulgar se torna, de maneira consciente, mais
apologética e procura, à força de charlas, exocízar as idéias que encerram
as contradições. Por encontzar em Smith as contradições relativamente
pouco desenvolvidas, Say ainda parece assumir uma posição crítica e inde-
pendente em face, por exemplo, de Bastiat, o harmonizador e apologista
de ofípio, que de certo encontrou as contradições do interior da economia
elaboradas na economia ricardiana e as contradições em elaboração no
socialismo e nas lutas econômicas da época. Ademais, a economia vulgar
nas fases preliminares ainda não encontra o material plenamente elabo-
rado, e assim ela mesma colabora até certo ponto na solução dos problemas
econômicos à luz da economia, como faz Say, por exemplo, enquanto
um Bastiat só tem de produzir plágios e exconjugar a parte desagradável
da economia clássica. ·
Mas Bastiat ainda não representa a fase finaL Ainda se distingue por
carência de saber e por conhecimento de todo superficial da ciêncía que
.embeleza no interesse da classe dominante. E a apologética o empolga e
constituí sua verdadeira tarefa, pois toma dos outros o conteúdo da econo-
mia conforme convém a seu propósito. A última forma é a fonna catedrá·
tim, que se conduz "em tennos históricos" e com moderaçã'o sãbia seleciona
"o melhor" onde quer que esteja e, ao fazê -lo, o que importa não são as
contradições mas a abrangência etc. Suprime o caráter de todos os sistemas,
priva -os da originalidade marcante e pacificamente os põe juntos em coletâ-
neas. Modera-se aí o calor da apologética com a erudição, que se digna a
olhar com benevolência os exageros dos pensadores econômicos, exageros
que faz sobrenadar em seu mingau insosso como elementos esdníxulos.

1539
Esses trabalhos, uma vez que só surgem depois que o alcance da economia
política como ciência chegou a seu fim, são ao mesmo tempo o tümulo
dessa ciência. (Não é mister observar que os catedráticos olham, com a
mesma superioridade as fantasias dos socialistas.) Com as coletâneas, o
verdadeiro pensamento de Smith, Ricardo e outros - e nlfo apenas o que
neles existe de vulgar -· aparece vazio de essência e convertido em triviali·
dade. O mestre dessa espécie é o professor Roscher. que se proclamou, com
modéstia, o Tucídides da economia políticaY14 Sua identificação com
Tucídides talvez se baseie no juízo que dele faz, a saber; que Tucídides
teria constantemente confundido causa e efeito.
Na forma de capital produtor de jW'Qs salta à vista que o. capital
sem trabalho apropria-se dos frutos do trabalho alheio. Aparece -então
numa forma em que está dissociado do processo de produção como
processo~ Mas, nessa forma, só consegue essa apropriaç§'.o sem trabalho
porque na realidade -entra por si mesmo, sem trabalho, no processo
de trabalho, como um elemento que gera valor para si mesmo, é fonte
de valor. Quando, sem trabalho se apropria de parte do \falor do pro~
duto. também a gerou sem traj:>alho, por si mesmo, com as
-próprias
entranhas.
Enquanto os economistas clássicos e portanto _críticos Jidam com
a forma de alienação e procuram dissolvê-la com a análise, a economía
wlgar, ao contrário, sente-se por inteiro em e.asa justamente ·com a estra·
nheza em que se defrontam as diferentes partes do valor; a felicidade de
um escolástico com Deus-Pai, Deus-Filho e Deus-Espírito Santo é a mesma
do economista vulgar com terra-renda, capital-juro e'trabalho-salário. t
que essa é a fonna em que estas relações, na aparência, se apresentam
diretamente interligadas e assim existem nas idéias e na consciência dos
agentes da produção capitalistas, desta prisioneiros. O economista vulgar
se considera tanto mais claro, tanto mais Mtural, mais útil à sociedade
e tanto mais distante de toda sofisticaria, quanto mais se limite, na reali·
dade, a traduzir as noções comuns numa linguagem doutrinária. Por isso,
quanto mais alienada a fonna em que concebe as fonnaçõesr da produção
capitalísta, tanto mais sé aproxima da base das noções comims, tanto mais se
acha no seu elemento.
Além dísso, daí resultam excelentes servíços para a apologética. É

184. Essa referência de Roscher a Tucídides encontra-se no prefácio de seu


liv:ro Die Grondlngen der Nationalokonomie. . .

1540
que, por exemplo, em terra-renda, capital-juro e trabalho-salário, as dife·
rentes formas da mais-valia e configurações da produção capitalista se
defrontam não como formas adversas umas das outras, mas como fonnas
entre si estranhas e independentes, sem antagonismos. As diferentes rendas
fluem de fontes inte,iramente diversas: uma provém da terra, a outra, do
capital, e a terceira, do trabalho. Assim, nã'o há entre elas relacionamento
hostil por nã"o haver entre elas uma conexão interna. Contudo, se atuam
juntas na produção, a atuação é harmônica, expressa hannooia corno, por
exemplo, o camponês, o boi, o arado e a terra na agricultura, no processo
real de trabalho, trabalham juntos em harmonia, apesar de sua diversidade.
Ao surgir uma contradição entre elas, provém apenas da conconincia em
que se decide qual dos agentes se apropriará mais do produto, do valor
que criaram juntos; e, se aí ocorrem brigas ocasionais, o resultado final
dessa concorrência entre terra, capital e trabalho revela apesar de tudo
que, enquanto luta\lam entre si nessa divisão, aumentaram por sua emulação,
tanto o valor do produto, que cada um obtém um pedaço maior, e desse
modo ~ própria concorrência se patenteia. manifestação estimulante d.e sua
hallilonia.
Arnd, por exemplo, ao criticar Rau. diz;

"Do mesmo mod-0, o autor, induzido por aJguns de seus antecessores,


ac1escenta um quarto elemento, o lucro do emp1esário, a-Os três elemen·
tos da riqueza nacional (o salário, a renda d-0 capital e a renda da terra);
com isso destrói-se por completo a base, construída com tanta circuns·
pecção por A. Smith, para a oontinuidade de todo desenvolvimento
de noua ciência(!)> por isso, na obra em exame, está de todo excluído
esse desenvolvímento" (K.axl A.md, Die. naturgemiisse Vokswitthschaft,
gegenüber dem MonopoJiengeiste u.nd dem Communitmus, mit eínem
Rtíckblicke auf die einschlangende Literatur, Hanau, 1845, p. 477).

Arnd entende por "renda do capitalº o juro (1.c., p. 123). Acreditar-


se -ia então que A. Smíth reduz a riqueza nacional a juro do capital, renda
da terra e salário, quando, ao revés, designa expressamente de lucro o
resultado do emprego do capital, e reiteradas vezes observa de maneira
terminante que o juro - desde que represente mais·valia -. é apenas urna
forma derivada do lucro. Assim, o economista vulgar empresta ao que lê
em suas fontes o sentído oposto. Onde Smith escreve "lucro", Arnd lê
"juro". Que significado terá atribuído ao '1uro" de A. Smith? Esse propul-
sor "círcunspecto" de "nossa ciência" faz a curiosa descoberta seguinte:

1541
"No curso natural da produção de bens só há um fenómeno que - nos
países onde as terras estão inteiramente cultivadas - parece destinado
a xegulaI de a!g1.·im modo a taxa de juro: é a proporção em que acresce
anualmente a quantidade de madein das florestas· euwpéias. Esse cres-
cimento, que absolutamente rufo depende do valor de troca dela&, s.e dá
na proporção de 3 a 4%" (engraçadas essas áivores que crescem sem
ligar para o valor de troca). "Não é poís: de esperar" (uma vez que o
crescimento das árvores absolutamente não depende do \'alo1 de troca
delas, por mais que este dependa daquele) "uma queda abaixo do nível
em que" (a tllX.a de ju.tos) "está atualmente nos países mais ricos" (Lc.,
pp. 124, 125).

Essa descoberta bem merece o nome de "taxa de juro de origem


silvestre". e o inventor, na obra citada, ainda sobressai em "nossa ciência"
o
como filósofo do "imposto sobre cães" (pp. 420, 421). · .
( O lucro (inclusive o lucro industrial) está na razão da magnitude
do capital adiantado; ao revés, o salário que o capitalista industrial percebe
está na razão inversa da magnitude do capital: para pequeno capital é
substancioso (pois o capitalista aí ê um híbrido que explora o trabalho
alheio e ao mesmo tempo vive do próprio trabalho); para o grande capital;
insignificante ou de todo separadp dele no caso de um gerente 185 • Parte do
trabalho de direçã"o origina-se da contradição antagônica entre capital e
trabalho, da natureza antagônica da produção capitalista;· pertence aos
falsos custos (faux frais) de produção, como 9/10 do trábalho que o pro·
cesso de circulação ocasiona. Um regente não prec;isa ser proprietário dos
instrumentos da orquestra. Nem faz parte da funçifo de regente-preocupar-se
com os custos de subsistência dos membros da orquestra ou ter em suma
alguma coisa que ver com o "salário" deles. Admira que· economistas como
John Stuart Mill, que se atêm às formas de ''juro", de "lucro industrial"
para converter o "lucro industrial" em salário por superintendência de
trabalho, admítam, de acõrdo com Smith, Ricardo e com todos os econo-
mistas dignos de menção, que a taxa média de juro seja determinada pela
taxa média de lucro, que segundo Mill está na razão inversa da taxa de
salário, e portanto é apenas trabalho ntío pago, trabalho excedente.
O salário de superintendência não entra absolutamente na taxa média
de lucro, e a melhor prova disso são estes 2 fatos: ,
(1) A taxa de lucro não está abaixo mas acima da taxa média de
lucro, nas fábricas cooperativas, onde o gerente geral é pago como em
e
qualquer outra fábrica, exerce todo o trabalho de direção; os próprios
cartazes são simples trabalhadores;

185. Isto é, de um gerente que é emp1egado.

1542
(2) lucros muito acima da taxa média de lucro em ramos de negócíos
individuais, não monopolizados, de pequenos negociantes, agricultores
etc., o que os economistas. com acerto, explicam pela circunstância de
esses empresários pagarem seus próprios salários. Quando o dono trabalha
sozinho, seu lucro consist.e: (a) no juro de seu pequeno capital; (b) no salá·
rio.; (e) na P.arte do tempo excedente que seu capit~ lhe permite trabalhar
para si mesmo e não para outrem, parte que já não está expressa no juro.
Se, porém, emprega trabalhadores, agrega-se aí o trabalho excedente destes.
O ímponente'· Senior (Nas.sau), sem dúvida, também transforma o
lucro industrial em salário de superintendência. Mas põe de lado esse em-
buste quando chega a hora não de frases doutrinárias, mas de lutas práticas
entre trabalhadores e fabricantes. Opõe-se entã"o ã limitação da jornada de
tn:Ibalho porque em 11 l/2 horas, por exemplo, os trabalhadores só traba·
lhariam 1 hora para o capitalista, e o lucro deste consistiria no produto
dessa hora (fora a do juro; para este trabalham também 1 hora, segundo
as contas de Senior). De súbito, portanto, o lucro industrial aí não é mais
igual ao valor que o trabalho do capitalista no processo de produção adi·
cíona à mercadoria, e sim ígual ao valor que o tempo de trabalho não pago
dos taibalh.adores lhe acrescenta. Se o lucro industrial fosse o produto
do trabalho pessoal do capitalista, Senior não deveria ter-se queixado de
os trabalhadores só trabalharem grátis 1 hora, em vez de duas, e muito
menos deveria t.er ·dito que, se .só trabalhassem 10 1/2 horas em vez de
11 1/2, niio haveria lucro de nenhuma espécie. Deveria ter dito que, se os
trabaJhadores só trabalhassem 10 Ii2 horas em vez de 11 1/2, o capitalista,
em vez de salário de superintendência por 11 li2 horas, só receberia salário
de superintendência. por lO 1/2 horas, perderia portanto 1 hora de salário de
superintendência. Os trabalhadores então lhe teriam respondido que, se lhes
satisfaz salário comum por 10 1/2 horas, deve bastar para o capitalista
salário superior por 10 1/2 horas.
É inconcebível que economistas como John Stuart MiU, ricardianos
- que expressam o princípio de ser o lucro simplesmente igual à mais-valia,
a trabaJho excedente, dizendo mesmo que a taxa de lucro e salário estão
reciprocamente em razão inversa, e a tax.a de salário determina a taxa de
lucro (o que, posto nessa forma, é incorreto) convertam de súbito o lucro
industrial no trabalho pessoal do capitalista, em vez de convertê~lo no
trabalho excedente do trabalhador, a menos que qualificassem de trabalho
a função de explorar trabalho alheio, daí resultando de fato que o salário
deste tr~balho é exatamente igual à quantidade de trabalho alheio extraído
ou depende diretamente do grau de exploração e não do grau de esforço

1543
que e~a ex.ploração custa ao capitalista. (Essa função de explorar trabalho,
no sentido em que requer trabalho real na produção capitalista, ex.pressa-se
no salário dos gerentes gerais.) Dígo .que é inconcebível que, depois de·
terem reduzido o lucro (como iicardianos) a seu verdadeiro elemento, se
deixam enganar pela oposição entre juro e lucro industrial, que é apenas
f omw. disfarçada de lucro e que, visto dessa maneira independente, tem
por base a ignorância da natureza do lucro. Uma parte do lucro só se confi-
gura em lucro industrial, lucro oriundo da atividade exercida no processo (o
processo operativo propriamente, que inclui também a atividade do capita-
lista que nele funciona), razõ,o para considerá-lo devido ao trabalho do
capitalista, porque a outra parte, o juro' considera -se devida ao capital como
coisa, coísa que atua e cria por si mesma, prescindindo do processo. E em
conseqüência porque o capital e a mais-valia deste originária sob o nome de
juro são proclamados mistério. Esse modo de ver que flui apenas das repre-
sentações que a fonna mais externa do capital põe em evidência na super-
fície, -está em oposição frontal à concepção de Ricardo e contradiz por
completo sua teoria do valor. Como valor, o capital tem seu valor detenni-
nado pelo trabalho nele contido a,ntes de entrar no processo de 'produção.
Ao entrar no processo como coisa, nele entra como valor de uso, e, como
tal, seja qual for seu emprego, nunca pode gerar valor de ~roca. Vê-se que
é deliciosa a maneira como os ricarc:lianos entendem seu 'próprio mestre.
Em face do capitalista prestamista, o capitalista industrial, que é o tapítal
operante e portanto extrai de fato trabalho excedente, tem nàturalmente
o
toda a razão para embolsar parte desse excedente. Para capitalista presta-
místa, é trabalhador, mas trabalhador na qualidade de' capitalista, isto é,
explorador de trabalho alhe1'o. Ao revés, para os trabalhadores, é cômico
argumentar que a exploração de seu trabalho custa trabalho ao capitalista
e que por isso têm de lhe pagar por essa exploração; o argumento do feitor
para o escravo.)
Toda precondiçã:o do processo social de produção é ao mesmo tempo
seu resultado, e cada um de seus resultados reveia-se ao mesmo tempo
precondição. Todas as relações de produção em que se move o processo
são por isso tanto produto quanto condições dele. Ao nos deter no exame
de sua. figura em sua efetiva manifestação fenomênica, vemos que o pro-
cesso, na última fonna, cada vez mais se fortifica, de modo que essas condi-
ções parecem ser independentes dele e determiná-lo, e as relações próprias
. dos concorrentes no processo afiguram-se-lhes condições materiais, forças
objetivas, determinações de coisas, tanto maís que, no processo capitalista,
todo elemento, mesmo o mais snnples, a mercadoria, por exemplo., já é

1544
uma inversão e faz que relações entre pessoas apareçam como propriedade
de coisas e como relações das pessoas com os atributos sociais dessas coisas.

("Juro - 1emuneraçifo do emprego produtivo de poupanças; o lucio


no verdadeuo sentido da palavra é a .remune.ração da atívidade de superin-
tendência durantf;I esse emprego produtivo" (Westminster Review, janeiro
1826' pp. 107, 108).

Aí, portanto, juro é a remuneração do emprego do dinheiro etc. como


capital; deriva assim do capital como tai, que é remunerado por sua quali-
dade de capital. Em contraposição, o lucro industrial é a remune-ração da
função do capit'1.l ou do capitalista "durante esse emprego produtivo"' isto
é, no próprio processo de produção.) _
O juro é apenas a parte do lucro paga ao proprietário do capital pelo
capitalista industrial, operante. Este, uma vez que só pode apropriar-se de
trabalho excedente por intermédio do capital (dinheiro, mercadoria) etc.,
entrega uma parte do lucro a quem lhe proporcionou esse meio. E o presta-
místa, que quer fruir o dinheiro como capital sem o fazer operar como
capital, só pode conseguir isso contentando-se com parte do lucro. Ambos
sro de fato associados: wn é o dono jurídico, o outro, o dono econômico
do capital enquanto o emprega. Mas, uma vez que o lucro só provém do
processo de produção, é apenas re$Ultado dele e tem de ser produzido
antes, o juro, na realidade, é mero direito a segmento do trabalho excedente
a ser ainda executado, título sobre trabalho futuro, direito a parte do valor
de mercadorias ainda inexistentes; por conseguinte, apenas resultado de
um processo de produção operante durante período em cujo término
se vence o juro.
O capital é comprado (isto é, emprestado a juros) antes de ser pago.
O dinheiro serve aí de meio de pagamento, conto sucede no tocante à força
de trabalho etc. Por isso, o preço do capítal - o juro - entra no adianta·
mento do industrial (e no adiantamento que faz a si mesmo quando trabalha
com capital próprio) do mesmo modo que o preço do algodão, que, por
exemplo, se compra hoje para se pagar, digamos, 6 semanas depois. As
oscilações na taxa de juro - o preço de mercado do dinheiro nro se
alteram aí de maneira diferente das oscilações nos preços de mercado de
out1as mercadorias. Ao contrário. -O preço de mercado do dinheiro - o
nome do capital produtor de juros- como capital-dinheíro -- determína-se
no mercado de dinheiro pela competição entre compradores e vendedores,
pela oferta e procura, como o preço de qualquer outra mercadoria. Essa

1545
luta entre capitalistas prestamistas e capitalistas industriais gira apenas em
tomo da repartição do lucro, da porção que caberá a cada um dos dois
setores ao se efetuar a repartição. A própria relação (oferta e procura),
como cada um de seus doís extremos, é resultado do processo de produção
ou, para nos expressannos em linguagem comum, é determinada pela
situação eventual dos negócios, pelo estado em que se acham no momento
o processo de reprodução e seus elementos. Mas, consoante a forma e o
fenômeno, tal luta determina o preço do capital (o juro) antes de o capital
entrar na ·reprodução. E sem dúvida essa detennínação ocorre fora do
processo efetivo de produção, rege-se por condições dele independentes;
essa detenninaç.ão do preço afigura-se antes uma das condições em que o
processo tem de suceder. Assim, a luta parece não só estabelecer o tf.tulo
de propriedade sobre porção detenninada do lucro futuro, como fazer
essa poÍção nã"o provir como resultado do processo de produção e siro
entrar nele como precondição, como preço do capital, do mesmo modo
que nele entra, como precondição, o preço da mercadoria ou o salário,
embora, no processo de reprodução, essa porção dele decorra na realidade
e de continuo. Cada elemento dçi preço da mercadoria, ao aparecer como
adiantamento - ao entrar no preço de produção como preço já existente
de mercadoria -, cessa de representar, para o capitalista. industrial, mais-
valia, valor excedente. Do lucro a parte que, por isso. etrtra no processo
como preço do capital computa-se entre os custos de adiantamento, e assim
não mais se patenteia excedente, e de um produto· do processo converte ·se
numa de suas precondições dadas, condição de produção que, como tal,
entra de forma autônoma no processo e determina seu~resultado. (Se, por
exemplo, cair a taxa de juro e se as condições de mercado impuserem
redução dos preços das mercadorias abaixo dos preç-os de custo, poderá
o industrial diminuir o preço da mercadoria sem deprimir a taxa do lucro
industrial; poderá mesmo baixá·lo e obter lucro industrial maior, o que
sem dúvida, para quero só trabalha com capital próprio, constituiria queda
da taxa de lucro, do lucro global. Tudo o que se revela condição de produ-
çffíJ dada, como preço das mercadorias do salário, do capítal -- os preços
de mercado desses elementos -. repercute de maneira decisiva sobre o
eventual preço de mercado da mercadoria, e o preço de custo real da merca-
doria isolada só se estabelece dentro das oscilações dos preços de mercado;
é apenas autonivelamento desses preços de mercado, do mesmo modo que
os valores das mercadorias só se impõem no nivelamento dos preços de
custo das diferentes mercadorias em sua totalidade. Assim, o círculo vicioso
do observador vulgar (a saber, os preços das mercadorias determinam

1546
salário, juro, lucro e renda fundiária, enquanto, ao revés, os preços do
trabalho, do juro, do lucro e da renda fundiária detenninam os preços
das mercadorias), teorizador da consciência capitalista ou capitalista prático,
apenas expressa o movimento circuku em que as leis gerais de maneira
contraditória se realizam no movimento real e em sua manifestação reno-
mênica.)
Parte da mais-valia, o juro, aparece desse modo como preço de mer-
cado do capital que entra no processo, e por isso não se considera esse
preço mais-valia e sim condição de produção. Assim, o fato de participarem
da mais-valia duas classes de capitalistas, a que está fora e a que está dentro
do processo, apresenta-se de modo que uma parte da mais-valia cabe
ao capital fora elo processo e a outra ao capital dentro dele. o estabeleci-
mento prévio dessa repartição configura independência de uma parte em
relação à outra; independência de uma parte em relação ao próprio pro-
~esro; por fim, atributo imanente de uma coisa, de dinheiro, mercadoria,
mas dessas coi'>as como capital, o que de novo aparece não como expressão
de uma relação e sim de maneira que esse dinheiro, essa mercadoria ficam
tecnologicamente destinados ao processo de trabalho; tomam-se capital
em virtude dessa destinação; assím definidos. são os elementos símples do
próprio processo de trabalho, e portanto como tais sã:o capital.
Parte do valor da mercadoria se reduz ao valor das mercadorias nela
contidas, parte, ao valor do trabalho, isto é, ao trabalho pago, parte ao
trabalho não pago, mas apesar disso trabalho VéndáveJ, e a parte do vaJor
dela formada por trabalho não pago, a mais-valia, se reduz por sua vez a
juro, lucro industrial e renda fundiária, isto é, o açambarcador imediato
e "produtor" dessa maís-valia global tem de entregar porções dela, uma ao
dono da terra, outra ao proprietário do capital, e assim a terceira, que a si
destína, reserva-a para si apenas sob a designação .de lucro industría1, nome
que a distingue de juro e renda fundiária, e mesmo de mais-valia e lucro.
E nada disso constitui mistério. A decomposição da maís-vaJia, isto é,
de uma parte do valor das mercadorias, nessas rubricas ou categorias espe-
ciais é bem fácil de compreender e de maneira nenhuma contradiz a própria
lei do valor. Entretanto, mistifica-se o conjunto em virtude da forma autô·
noma que assumem essas partes distintas da maís-valía, em virtude das
pessoas diferentes para as quais fluem, dos elementos diferentes em que
se baseia o díreíto a elas, por fim, em virtude da autonomia com que diversas
delas, como condições, enfrentam o processo. De partes em que o valor se
pode decompor, convertem-se em elementos independentes que o consti·
tuem, tomam-se elementos constitutivos. É o que são para o preço de

1547
mercado. Tornam-se na realidade seus elementos constitutivos. O mode
como a independência aparente dessas partes como condições do processo
é por sua vez regulada pela lei interna, só sendo elas independentes na
aparência, não se manifesta em momento algum no processo de produção,
nem exerce a função de motivo determinante. consciente. Ao contrádo.
Essa aparência que tem o resultado de condição independente pode assumir
a maior consisténcía quando partes da mais-valia - como preços de condi-
ções de produção - entram no preço.
É o que se dá com o juro e a renda fundiária. Figuram entre os adian-
tamentos do capitalista industrial e do arrendatário. Aí não expressam ma:is
trabalho excedente não pago e sim trabalho excedente pago, portanto,
trabalho excedente por que se paga um equivalente no processo de produ-
ção, não ao trabalhador que forneceu o trabalho excedente, mas a outras
pe-ssoas - os donos do capital e da terra. São trabalho excedente no tocante
ao trabalhador, mas equivalentes no tocante ao capítalísta e ao proprietário
da tena, aos quais têm de ser pagos. Por isso, não se revelam aí excedentes
e menos ainda trabalho excedente, e sim preços da mercadoria "capital" e
"terraº, pois só são pagos ao capitalista e ao dono da terra como possuidores
de mercadorias, como possuidores e vendedores dessas mercadorias. Do
valor da mercadoria a parte que se converte em juro aparece por isso como
reprodução do preço pago pelo capital, e a parte que 8e reduz a renda
fundíária., como reprodução do preço pago pela terra. Esses p.reÇos portanto
representam partes constitutivas do valor global. Para o ca_pitalistá industrial
existe mais que essa aparência, para ele, o juro e a renda fundíária consti-
tuem na realidade porção de seus adiantamentos e se(por um lado, são
determinados pelo preço de mercado de sua mercadoria - preço de mer·
cado, uma detenninação da mercadoria na qual um processo social ou o
resultado dele aparece como detenninação que cabe â mercadoria, e os altos
e baixos desse processo, seu movimento, como flutuações próprias do
preço das mercadorias --, o preço de mercado, por outro lado, é determi-
nado por eles, do mesmo modo que o preço de mercado do algodão deter·
mina o preço de mercado do fio e, em contrapartida, o preço de mercado
do fio, a procura de algodão e, em conseqüência, o preço de mercado
do algodão.
Partes da mais-valia, juro e renda fundiária, uma vez que entram
no proeesso de produção como preços de mercadorias - da mercadoria
terra e da mereadoria capital, existem numa forma que, além de ocultar,
repele sua verdadeira origem.
O trabalho excedente, trabalhó não pago, é elemento tão essencial no

1548
processo de produção capitalista quanto trabalho pago, o que aí se revela
na necessidade de serem pagos elementos da produção diferentes do tra·
balho -- terra e capital - ou no fato de entrarem no preço custos diferentes
do preço das mercadorias adiantadas e do sa1ário. Partes da mais-valia - juro
e renda - asswnem aí a feição de custos, de adiantamentos do capitalista
em sua exploração.
O lucro médio entra nos preços de produção das mercadorias como
fator detemúnante, e aí a mais-valia já toma o aspecto de condição e não de
resultado; não de parte a que o valor da mercadoria se reduza e sim de ele-
mento constitutívo de seu preço. Mas o "lucro médio, como o próprio preço
de produção, é mais um elemento ideal determinante e ao mesmo tempo
e
aparece como eicedente sobre os adiantamentos Como preço diferente do
preço de custo propriamente- dito. A circunstância de se obter ou não o
lucro médio, ou de o lucro médio ser menor ou maior que o lucro decorren·
te do preço de mercado - isto é, o decorrente do resultado imediato do
processo de produção-, determina a reprodução ou antes a escala da repro-
dução;_ de qual dos ramos se retira ou em qual se emprega mais dos capitais
existentes; determina ainda em que proporções os novos capitais acumulados
afluem para esses ramos particulares e, por fim, em que grau esses ramos
particulares desempenham o papel de compradores no mercado de dinheiro.
Em contraposição, no juro e na renda fundiária, as partes da mais-valia apa-
recem individualizadas, em forma bem definida, como precondição do preço
de produçã"o particularizado, e se desembolsam na forma de adiantamentos.
(Pode -se chamar de custos os adiantamento.~. isto é, o que o capita-
lista paga. Em concordância, o lucro aparece como excedente sobre esses
custos. Isso com relaçã"o aos preços individuais de produção. E assim os
preços determinados pelos adiantamentos podem ser chamados de preços
de custo.
Os preços determinados pelo lucro médio podem ser chamados de
custo de produçã'o - isto é, o preço do capita! adiantado + o lucro médio,
uma vez que esse lucro é a condição da reprodução. uma condição que
regula a oferta e a repartição dos capitais nos diferentes ramos. Esses preços
são preços de produção.
Por fim, a verdadeira quantidade de trabalho (materializado e ime-
diato) que custa produzir a mercadoria, é o valor desta. Constitui o custo
de produção real da mercadoria. E o preço que llie corresponde é apenas
o valor expresso em dinheiro. O termo "custos de produção" possui alter-
nativamente todos os três sentidos.)
Se não se reproduzisse mais-valia, com a mais-valia acabaria a parte

1549
dela que se chama juro e a parte que se chama renda fundiária; em conse·
qüência cessaria também a antecipação dessa mais-valia ou a entrada dela
nos custos de produção configurados em preços de mercadorias. O valor
existente que entra na produçfo de modo nenhum dela sairia como capital
nem poderia portanto entrar no processo de reprodução como capital ou
ser emprestado como capital. Assim, a reprodução contínua das mesmas
relações - relações que tornam necessária a produção capitalista - as faz
aparecer como formas e resultados sociais desse processo e ao mesmo tempo
como seus· pressupostos permanentes. Mas sã'o tais apenas como pressupos·
tos de contínuo estabelecidos, criados, produz.idos pelo próprio processo.
Mas essa reproduçã'o não ê consciente e, ao contrário, só se parenteia na
existência permanente dessas relações corno pres.supostos e como condições
que dominam o processo de produçã"o. De partes em que se pode decompor
o valor da mercadoria, por exemplo, convertem-se em suas partes constitl.f.·
tivas que se contrapõem independentes umas das outras e por isso como
partes independentes em relação à sua unidade, que se apresenta ao contrá·
rio como iustaposição delas. O burguês vê que o produto sempre se toma
eondição de produç§'.o. Mas não yê que as próprias relações de produção,
as formas sociais em que produz e que se lhe afiguram rel~es: dadas,
naturais, são o produto constante - e só por isso o pressupostO permanente
- desse modo de produção social específico. As diversas relações e momen·
tos 186 tomam-se independentes, seguem modos de existência heterogêneos,
na aparência independentes uns dos outros, e ainda configµram propriedades
imedíatas de coisas: assumem feição reíficada.
Assim, os agentes da produção capitalista vivem num mundo enfeití·
çado, e suas próprias relações afiguram -se-lhes atributos das coisas, dos
elementos materiais da produção. É porém nas últimas formas, nas mais
mediatizadas - formas onde a mediação já se tomou invisível e ao mesmo
tempo se expressa diretamente o oposto· - que aparecem as figuras do
capital como verdadeiros agentes e representantes imediatos da produção.
O capital produtor de juros personifica-se no capitalista prestamista, o
industrial no capitalista índustrlal, o capital produtor de renda fundiária
no senhorio como proprietário da terra, e por fim o trabalho no trabalhador
assalariado. Entram na concorrência e no processo real de produção sob
essas formas fixas. personíficadas em protagonistas independentes que
ao mesmo tempo assumem a figura de meros representantes de coisas
persorúficadas. A eoncorrência pressupõe essa exterjorização. São as formas

186. Ver nota 36, p. 1143 deste volume.

1550
existentes de acordo com a natureza e a evolução natural da concorrência,
e esta mesma, em sua aparência na superfície, é apenas o-movimento desse
mundo invertido. O nexo causal, na medida em que se impõe, aparece como
uma lei misteriosa. A melhor prova é a própria economia política, urna
ciência que se ocupa em redescobrir a cooexiro oculta. Tudo entra na
concorrência na forma última, a mais extrínseca .. Por exemplo, o preço
de mercado faz o papel de fator dominante, do mesmo modo que a taxa
de juro, a renda fundiária, o salário, o lucro industrial aparecem como os
elementos constitutivos do valor, e o preço da terra e o preço do capital
como dados com que se administra.
Vimos como A. Smith, primeiro, reduz o valor a salário, a lucro
Guro), renda fundiária, e depois, ao inverso, os àpresenta como elementos
independentes constitutivos dos preços das mercadorias. 187 Na primeira
posição expressa a conexão oculta e na segunda, o fenômeno.
· Indo-se ainda mais para a superfície do fenômeno, podem ser repre-
sentados como elementos constitutivos dos preços das mercadorias (isto é,
dos pr~ços de mercado), além da taxa média de lucro, o juro e mesmo a
renda fundiária. O juro, de maneira imediata e direta, pois entra no preço
de custo. A renda fundiária, como preço da terra, pode não detenninar
diretamente o preço do produto, mas determina o método de produção,
a saber, se se concentra muito capital numa pequena área ou se se aplica
pouco capital numa grande área, se se produz este ou aquele tipo de produto
- gado ou trigo - cujo preço de mercado cubra melhor o preço da renda
fundiária, pois esta tem de ser paga dentro do prazo fixado no contrato.
Para ela não constituir dedução alguma do lucro industrial, transforma-se
pastagem em lavoura, e lavoura em pastagem etc. Assim, a renda fundiária
determina o preço de mercado do produto individualízado não de maneira
direta, mas indireta, ao distribuir as proporções das espécies dos produtos
de modo que a oferta e a procura engendrem para cada um o preço mais
vantajoso que permita pagamento de renda fundiária. E se assim a renda
fundiária nã'o determina de maneira direta, por exemplo, o preço de mer-
cado do trigo, determina diretamente o preço de mercado do gado etc.,
em suma, dos ramos onde o preço de mercado do próprio produto nã'o
regula a renda, mas a taxa da renda proporcíonada pela terra de cultura
do trigo regula o preço de mercado. Em países industrialmente desenvol-
vidos, a carne por exemplo é sempre cara demais, isto é, seu preço ultra-
passa de muito o preço de produção e também o valor. E que seu preço

187. Ver volume 1,pp. 72-76.

1551
tem de pagar, além dos custos de produção, a renda que o solo proporcio-·
naria se nele se cultivasse trigo. Se não fora assim, a carne da pecuária
em grande escala - onde· a composição orgânica do capital está muito
mais próxima da composição do capital na indústria se não tem preponde-
rância ainda maior do capital constante· sobre o variável - só poderia pagar
renda absoluta ínfima ou mesmo nenhuma. A renda que paga e que entra
diretamente em seu preço é porém determinada pela renda absoluta + a
renda diferencial que o solo pagaria como terra arável. Na maioria dos casos
não existe aí esS?- renda diferencial. A melhor prova é a circunstância de. a
carne pagar e o trigo não pagar renda na mesma espécie de terra.
Se o lucro, portanto, entra como fator determinante no preço de
produção, pode-se dizer que salário, juro e até certo ponto renda fundiária
entram como fatores determinantes no preço de mercado .e sem dúvida no
preço de produção. No conjunto. o movimento _do juro é determinado
pelo lucro; a renda fundiária do trigo, tanto pela taxa de lucro, quanto
pelo valor do produto e pelo nivelamento dos diferentes valores produzidos .
em solos diversos, ao valor de mercado; a taxa de lucro, porém, tanto pelo
salário quanto pela produtivi~ade ;do trabalho nos ramos de produção que
produzem capital constante, em última instância portanto, p!'lo nível do
salário e produtividade do trabalho; o salário, por sua véz, se reduz a
equivalente de uma parte da mercadoria (isto é, equivale à segmento dado
do trabalho, o pago, encerrado na mercadoria, e o lucro ê igual âo, segmento
não pago nela contido), e por fim a produtividade do .trabalho só pode
influir no preço da mercadoria, de dois modos, no valor e na mais~valia,
elevando esta e rebaixando aquele. Naturalmente, de todo esse divertimento
resulta, por fim, que o tempo de trabalho detennina o valor. O preço de
custo é apenas o valor dos capitais adiantados+ mais-valia que produzem,
dividida pelos diferentes ramos de acordo com a cota que cada um deles
representa da totalidade do capital. O preço de custo se reduz a valor
quando se considera não o ramo isolado, mas a totalidade do capital. Em
contrapartida, os preços de mercado em cada ramo, em virtude da concor·
rência entre os capitais dos diferentes ramos, se reduzem de contínuo a
preço de custo. A concorrência entre os capitalistas em cada ramo parti·
cular procura reduzir o preço de mercado da mercadoria a seu valor de
mercado. A concorrência entre os capitalistas dos diversos ramos reduz
os valores de mercado a preços de custo comuns.
Ricardo contesta a idéia de Smith, de o valor ser constituído pelas
partes do valor determinadas por ele mesmo. Mas não é coerente. Se o
fosse, não lhe teria sido possível discutir com Smith para decidir se lucro,

1552
salário e renda fundiária ou, como diz, apenas lucro e salário entram no
preçq, isto é, entram como elementos constitutivos. Analiticamente entram
nele quando são pagos. Deveria antes ter dito: o preço de toda mercadoria
é redutível a lucro e salário, o preço de várias mercadorias (e de muitas,
indiretamente) é redutível a lucro, renda fundiária e salário. Mas estes não
constituem preço de mercadoria alguma, uma vez_ que não compõem o
valor das mercadorias na qualidade de fatores de magnitude dada, indepen·
dentes, atuantes em virtude de fontes próprias; entretantb, o preço pode
decompor-se nessas partes em proporções bem diversas, se é dado o valor.
Não são fatores dados - lucro, salário e renda - cuja adiçfo ou justaposiçã'o
determina a magnitude do valor, mas é a mesma magnitude de valor, dada
quantidade de valor que se reduz a salário, lucio, renda fundiária, e de
acordo com circunstâncías diversas se reparte de maneiras bem diferentes
por essas 3 categorias.
· Admitamos que o processo de produção se repita sempre nas mesmas
condições, isto é, a reprodução ocorra nas mesmas condições da produçã'o,
o que_ pressupõe produtividade invariável do trabalho ou, pelo menos,
que as variações na produtividade não alterem as relações entre os fatores
de produção; assim, mesmo que os valores das mercadorias subam ou des-
çam em virtude de variações da produtividade, permanecerá a mesma a
repartíçâ'o do valor das mercadorias entre os fatores de produção. Nesse
caso não será teoricamente exato dizer que as diferentes partes do valor
detennínam o valor ou preço do produto todo, mas seria prático e correto
dizer que constituem o valor, desde que se entenda.. por constituíra fonna-
ção do todo por adição das partes. O valor se repartiria de maneira unifor·
me, contínua, em valor do capítal adiantado e mais-valia; de maneira
uniforme, o novo valor criado se reduziria a salirió e lucro, e este, a juro,
lucro industrial e renda fundiária. Poder-se-ia então dizer: P, o preço da
mercadoria, reduz-se a salário, lucro Ouro) e renda fundiária; salário, lucro
(juro) e renda fundiária, ao revés, constituem o valor ou antes o preço.
Não· ocorre essa uniformidade ou igualdade da reprodução - a repar·
tição da produção nas mesmas condições. A produtividade se modifica e
altera as condições. As condições por sua vez modificam a produtividade.
Mas os desvios ora se revelam em oscilações superficiais que se nivelam em
pouco tempo, ora numa acumulação progressiva em que esses desvios
(divergências), ou conduzem a uma crise, a uma restauração violenta e
aparente das relações antigas, ou s6 pouco a pouco são reconhecidos e se
impõem como alteração das condições.
Nas fonnas em que a mais-valia se antecipa, a do juro e a da renda

1553
fundiária, supõe-se que o caráter geral da reprodução permanece o mesmo.
E é o que se dá enquanto prosseguir o modo capitalistâ de produção. Ade-
mais, supõe-se mesmo qile durante detenninado tempo não variam as
relações típicas desse modo de produção, o que mais ou menos ocorre.
Assim, o resultado da produçfa se cristaliza em condição permanente dela,
portanto prévia, e precisamente em apanágio indefectível das condições
materiais de produção. São as crises que põem tenno a essa autonomia
aparente dos diversos elementos em que o processo de produçã'o sempre se
decompõe e que este sempre restitui.
(O fator primacial do movimento todo para o verdadeiro economista
é o valor, e para o capitalista prático, o preço de mercado.)
O capital produtor . de juros encontra no crédito a forma peculiar
e correspondente à produção capitalista. O crédito é forma criada pelo
próprio modo capitalista de produção (a subsunção do capital comercial
ao modo capitalista de produçã'o não exige de fato essa nova criação, uma
vez que mercadoria e dinheiro, circulação de mercadoria e de dinheiro
continuam a ser os pressupostos elementares da produçio capitalista e
apenas se convertem em pressupostos absolutos; o capital ~omercial, por
um lado, é portanto a fonna geral do capital; por outro; até onde repre·
senta capital em determinada função, capital que apenas opera,no processo
de circulação, sua fonna em nada se altera por ser detenninadopelo capital
produtivo.)
O nivelamento dos valores a preços de custo só se dá porque o capital
indivídual funciona como alíquota da totalidade do capital da classe e aínda
porque a totalidade do capital da cJasse se reparte pelos diferentes ramos
particulares segundo as necessidades da produção. O veículo é o crédito.
O crédito possibilita e facilíta esse nivelamento, e além disso uma parte
do capital - sob a fonna de capital-dinheiro - revela-se na realidade um
material comum com que opera a classe toda. Este, um significado do
crédito. O outro é a tentativa incessante do capital de encurtar as metamor-
foses por que tem de passar no processo de circulação; de antecipar o
tempo de circulação, sua conversão em dinheiro etc., e assim compensar
suas próprias limitações. Por fun, a função de acumular, desde que não
seja conversão de renda (revenue) em capital, mas oferta de mais-valia
na forma de capital, em parte incumbe a uma claSse especial, e em parte
tudo o que a sociedade acumula nesse sentido toma-se acumulação de

1554
capital e se põe à disposição dos capitalist~ industriais. Essa operação que
se efetua dispersa por inumeráveis pontos ,da sociedade, concentra-se e
congrega-se em certos reservatórios. O dinheiro, enquanto mercadoria
petrificada na metamorfose, fica ocioso e assim se converte em capital.

* * *
Terra-renda, capital-juro sã'o expressões irracionais no sentido de
qualificar a renda fundiária de preço da terra, e o juro de preço do capital.
Nas formas de capital produtor de juros, capital produtor de renda fundiá-
ria, capital produtor de lucro, ainda é reconhecível a origem comum, pois
em geral o capital abrange o apropriar-se de trabalho excedente, e portanto
essas diferentes formas apenas expressam que esse trabalho excedente
produzido pelo capital, no tocante i;i.o capital em geral, se reparte entre
duàs espécies de capitalistas, e no tocante ao capital agrícola, entre capita-
lista e dono da terra.
A renda fundiária, preço (anual) da terra, e o juro, preço do capital
são tã'o irracionais quanto ../-3. Esta expressã"o contradiz o número em
suas formas simples, elementares, do mesmo modo que aquelas expressões,
o capital em sua forma simples de mercadoria e ·dinheiro. São irracionais
de maneira inversa. Terra-renda, a renda (rent) preço da terra, expressão
que apresenta a terra como mercadoria, valor de uso que tem um valor cuja
expressão monetária é seu preço. Mas um valor de uso que nã'o é produto
do trabalho, não pode ter valor, isto é, nã'o pode configurar-se em materia-
lização de certa quantidade de trabalho social, em expressão social de certa
quantidade de trabalho. Não é nada disso. O valor de uso, para se apresentar
como valor de troca, ser mercadoria, tem de ser o produto de trabalho
concreto. Só nessa condição esse trabalho concreto pode por sua vez expres-
sar-se em trabalho social, em valor. Terra e preço são magnitudes incomen-
suráveis, e não obstante se supõe haver uma relaçâ'o entre ambos. Aí uma
coísa que nã:o tem valor tem preço.
Em contraste, o juro, preço do capital, expressa a irracionalidade
inversa. Uma mercadoria aí tem valor duplo, primeíro um valor e depois
wn preç<> que difere desse valor, sem ter valor de uso. Ê que o capital,
antes de mais nada, é apenas uma soma de dinheiro ou uma quantidade
de mercadoria igual a certa soma de dinheiro. A mercadoria, se se empresta
como capital, é apenas fonna disfarçada de uma soma de dinheiro. Pois
o que se empresta como capital não é tantas libras de algodão, mas certa
quantídade de dinheiro cujo valor existe no algodão. O preço do capital

1555
por isso refere-se a ele apenas como existência de uma soma de dinheiro, .
isto é, de uma soma de valor figurada em dinheiro e disponível na fonna
de valor de troca. Como pode. uma soma de valor ter um preço que n!Io
seja o preço que se expressa em sua própria forma de dinheiro? Preço é,
sem dúvida, o valor da mercadoria, contraposto a seu valor de uso. Preço
como coisa diversa do valor da mercadoria, preço como· valor de uma soma
de dinheiro (uma vez que o preço é mera expressão do valor em dinheiro)
é portanto uma contradiçã'o em tennos.
Essa irracionalidade da expressão (a irracionalidade da própria coisa
decorre: (1) no juro, de o capital como precondição aparecer separado
de seu próprio processo em que se converte em capital, em valor que se
expande portanto, e (2) de o capital produtor de renda fundiária só
proporcionar renda fundiária como capital agrícola, como capital de um
setor particular, e aparecer nessa founa que se transpõe dele para o elemento
que o distingue em geral do capital industrial), essa irracionalidade sente-a
tão bem o economista vulgar que desfigura ambas as expressões para as
tomar racionais. Sustenta que se paga juro sobre capital até onde este é
valor de uso, e por isso fala da utilidp.de que produtos ou meios de produção
têm como tais para a reproduçito, e que o capital tem materialmente como
elemento do processo de trabalho. ,
Mas essa utilidade, esse vaior de uso, já existe em: sua forma de
mercadoria e sem ela não sena mercadoria nem teria valor. Como dinheiro,
o capital expressa o valor das mercadorias e nelas é conversível na proporção
do próprio valor delas. Mas, se converto dinheiro.em máquina, algodão etc,,
converto-o em valores de uso do mesmo valor. A convefsão diz respeito
apenas à forma de valor. Como dinheiro, o capital tem o valor de uso de
ser conversível à forma de qualquer mercadoria, mas em mercadoria de
igual valor. Por meio dessa mutação de forma, o valor do dinheiro não se
altera, como não se altera o da mercadoria quando esta se converte em
dinheiro. O valor de uso das mercadorias em que posso converter o dinheiro
não dá a este, além de seu valor, um preço diferente desse valor. Mas, se
pressuponho a conversão e afirmo que o preço é pago pelo valor de uso das
mercadorias, de modo nenhum será pago o valor de uso das mercadorias ou
só será pago o que corresponda a seu valor de troca. A maneira como se absorYe
o valor de uso da mercadoria, seja no consumo individual ou industrial,
em nada altera seu valor de troca. Diferencia apenas quem a compra, se o
capitalista industrial ou o consumidor imediato. A .utilidade produtiva da
mercadoria pode portanto ser raziiO para ela ter um valor, pois, para ser
pago o trabalho contido nas mercadorias, é mister que elas tenham valor de

1556
uso. Do contrário, não são mercadorias, o que só são como unidades de
valor de uso e valor de troca. Mas esse valor de uso não pode.absolutamente
justificar que a mercadoria, como valor de troca ou como preço, ainda tenha
um preço diferente desse preço.
Vemos como o economista vulgar pretende fugir à dificuldade, procu-
rando converter o capital - isto é, o dinheiro ou a mercadoria enquanto
possuem' uma determinação especificamente diversa de si mesmos como
dinheiro ou mercadoria - em mera mercadoria, ou seja, omitindo justa-
mente a diferença específica que é mister explicar. Não quer ele dizer que
capital é meio de exploração de trabalho excedente, por isso de valor maior
que o valor nele contido. Ao invés disso, diz: capital tem mais valor que seu
valor por ser umá mercadoria ordinária como qualql.íer outra, ou seja, possui
valor de uso. Identifica-se aí capital com mercadoria, quando é preciso
justamente explicar como a mercadoria pode exercer o papel de capital.
· No tocante à terra, o economista vulgar procede ao inverso,· quando
não macaqueia os fisiocratas. Antes, transforma o capital em mercadoria,
para explicar a diferença entre capital e mercadoria, a conversão de merca-
doria em capital. Agora transfonna terra em capital porque a relação de
capital em si ajusta-se a suas idéias melhor que o preço da terra. A renda
fundiária pode ser assimilada a juro do capital. Se a renda fundiária, por
exemplo, é 20, e a taxa de juro 5, pode-se dizer que esses 20 são juro de
400 de capital. E a terra se vende por 400, o que é simplesmente vender
a renda fundiária por 20 anos. Esse pagamento da renda fundiária anteci·
pada de duas décadas é então o preço da terra. Com isso transmuta-se a
terra em capital. Os 20 por ano são apenas 5% de juro do capital, o que se
paga pela terra. E assim a terra-renda se converte em capital·juro, que
por sua vez se fantasia de pagamento do valor de uso das mercadorias,
isto é, de relação valor de uso-valor de troca.
Os economistas vulgares que recorrem mais à análise percebem que
preço da terra serve tão -só para exprimir a capitalizaçã"o da renda; na
realidade, o preço de compra da renda fundiária por uma série de anos,
a qual se regula pela taxa vigente de juro. Compreendem que essa capita·
lização da renda fundiária pressupõe a renda fundiária e que, ao revés, não
se pode explicar a renda fundiária por sua própria capitalização. Por isso,
rejeitam a existência da própria renda fundíária, qualificando-a de juro do
capital incoiporado à terra. Isso não os impede de convir que terra a que
não se incorpora capital dá renda, nem os tolhe de admitir que porções
iguais de capítaJ em terras de fertilidade diversa proporcionam rendas
fundíárias desiguais, ou que porções desiguais de capital em terras de fertilí-

1557
dade desigual porporcionam rendas fundiárias iguais.. Também admitem que
o capital incorporado à terra - se tem de explicar a renda fundiária paga -
propicia juro 5 vezes maior, ísto é, uma renda fundiária 5 vezes maior que
o furo que se obtêm do mesmo montante do capital na indústria, empregado
na forma de capital fixo.
Vê-se aí que se remove sempre a dificuldade abstraindo-se. dela e
pondo-se no lugar da diferença específica que tem de ser explicada, uma
relação que expressa o oposto dessa diferença e portanto não a expressa
de maneira humana.

6. Proudhon combate o juro e não compreende o nexo causal


entre juro e sistema de trabalho assalariado

A polêmica de Proudhon com Bastiat sobre a quest!o do juro é típica


da maneira como o economista Vtilgar defende as categorias da economia
política e também da maneira como as ataca o soeialismo superficial (a
polêmica de Proudhon quase não merece esse qualificativo). Voltaremos
ao assunto no capítulo referente aos economistas vulgares.1lí8 Agora, apenas
algumas observações preliminares.
Proudhon nifo deveria ter-se chocado com o movimento. de volta
do dinheiro como algo estranho se tivesse alguma compreensão do movi·
mento do capital. Nem estranharia o valor excedente da quantia que
retoma. ~ o que caracteriza a produção capitalista.
(Para ele, porém, como veremos, o excedente é sobrecarga. Em sua
crítica não ultrapassa o nível de principiante e não chega a dominar os
primeiros elementos da ciência que pretende criticar. Assim, nunca entendeu
ser o dinheiro forma necessária da mercadoria (ver a prll):leira parte 189 ).
Aí confunde até dínheíro com capital porque o capital de empréstimo
como capital-dínheiro aparece na forma de dinheiro.)·

188. No plano da parte Ill de "O Capital" figura como penúltimo capítulo,
o 11., intitulado "A economia vulgar". O plano está no vol. l, p. 408, e foi fíx:ado em
janeiro de 1863, mês e meio a dois meses depois da redaç:iO da seção "A renda e :ruas
fontes. A economia vulgar", no caderno XV do manuscrito. Marx:, porém, não chegou
a e~cr1wer um capítulo e-special sobre os economistas vulgares.
189. Ver MEW, vol. 13, pp. 41, 68 e 69.

1558
O que podia espantá-lo não era o excedente por que não se pagou
um equivalente, pois mais-valia - e nela assenta a produção capitalísta - é
valor que não custou equivalente algum. Isso não constituí característica
do capítal produtor de juros. Caracteriza a este apenas - desde que consíde·
remos a forma do movimento - o primeiro momento, justamente o oposto·
do que vê Proudhon, isto é, o prestamísta cede o-dinheiro sem receber
em troca desde logo um equivalente, e o retomo do capital com juro,
até onde vai a transação entre prestarnista e prestatário, não se envolve
com as metamorfoses que o capital percorre e que se revelam, desde que
meras mutações da forma econômica, na sucessão de trocas, conversão
de mercadoria en.i dinheiro, conversão de dinheiro em mercadoria; desde
que sejam metamorfoses reais ou elementos do processo de produção,
coincidem com o consumo industrial. Aí, o próprio consumo constitui
um momento do movímento da forma econômica.
Nas mãos do prestatário - que na realidade o emprega como capital
-, o dinheiro faz o que não faz nas mãos do pre1;tamista. Efetua nas mlios
do pres-"...atário o movimento-real como capital Para ele reflui como dinheiro
+lucro, dinheiro + l/x dinheiro. O movimento entre prestamísta e presta-
tário só expressa o ponto inicial e o final do capital. Este é dinl)eiro que vai
das mifos de A para as de B. Nas mãos de B vira capital e como tal retorna
com lucro, depois de certa rotação. Esse interlúdio, o processo real que
abrange o processo de circulàção e o de produção, não importa à transação
entre prestatário e prestamista. Esta só recomeça depois de o dinheiro se ter
realízado como capital. O dinheiro volta então às mãos do prestamista,
com um excedente., isto é, só com parte do excedente realizado pelo presta-
tário. O equivalente que este recebeu é o lucro industrial, a parte que sobra
do excedente e de que só se .apropriou por meio do dinheiro emprestado.
Nada disso é visível na transação entre ele e o prestamíst.a. Esta limita-se
a dois atos. Transferência das ma:os de A para as de B. Intervalo em que o
dinheiro fica nas mãos de B. Após o intervalo, retomo do dinheiro com
juros às mãos de A.
Se se observa apenas essa forma - a transação entre A e B -, tem-se
a fonna pura e simples do capital, vista sem a mecliação: dinheiro, a quantia
d cedida e a quantia d + l /x d que volta em dado período, sem ter havido
nenhuma mediação exceto o tempo que decorre entre o fluxo da quantia
d e o refluxo, a soma d + 1 /x d.
E nessa fonna conceitualmente vazia, nessa fonna que sem dúvida
efetua movimento independente ao lado do movimento real do capital,
iniciando-o e encerrando-o, vê Proudhon a questão pertinente, e então

1559
tudo para ele tem de ficar incompreensível. Se cessasse · essa forma de·
emprestar em ve.z da de comprar e.vender. opina ele, acabaria o ex.cedente.
Só acabaria a divisão do excedente entre duas espécies de capitalistas.
Mas essa divisão pode e tem sempre de se reproduzir logo que mercadoria
ou dinheiro se pode transformar em capital, o que é sempre possível na base
do trabalho assalariado. Para que mercadoria e dinheiro não possam tornar-
se capital e por isso na'o possam ser emprestados como capital potencial,
impõe-se que nã'o enfrentem o trabalho assalariado. Assim, querer que não
o enfrentem como mercadoria e dinheiro e que o próprio trabalho portanto
não se tome mercadoria, equivale apenas a querer que o trabalho volte
a modos de produção anteriores à produção capitalista, onde não se con·
verte em mercadoria. e ainda aparece em regra como trabalho seivil ou
trabalho escravo. Isso só é possível na base do trabalho livre se este for
proprietário das condições de produção. O trabalho livre se desenvolve
dentro da produção capitalista na qualidade de trabalho social. Ser ele
proprietário das condições de produção significa portanto que estas perten·
cem aos trabalhadores associados, que estes produzem nessa condição e
subsumem a si a própria produção como produção socializada. Mas querer
resguardar o trabalho assalariado e com ele a base do capital,. como
Proudhon, e ao mesmo tempo eliminar os ';embaraços" por meio da supres-
são de urna forma derivada do capital, é coisa de principiante.
Graduité du Crédit. Discussion entre M. Fr. Bastiat et M. .froudhon,
Paris, 1850.
Emprestar afigura-se-lhe prejudicial porque não é vender.
/

Emprestar a juros "é a faculdade de repetir sempre a !'t!!nàa do mesmo


obfeto e de sempre receber de cada vez o cortesponde.nte preço, sem
jamais transferir a propriedade do que se vende" (l.c., p. 9). (Premiire
lettre de Chevé, um dosn::datores de La Voix d11.Peiiple,)

O que o confunde é a circunstância de o "objeto""(dinheíro ou casa,


por exemplo) não troe.ar de proprietário como na compra e venda. Mas
não vê que, ao ser entregue o dinheíro, não se recebe de volta equivalente
algum; ao revés, no processo real de produção, na forma e na base das
trocas, recebe-se o equivalente e ainda um excedente não pago; ao ocorrer
permuta, troca de objetos, n:Io se dá mudança de valores, a mesma pessoa
continua como dantes "proprietária" do mesmo valor, e ao ocorrer exce-
dente, n!fo se dá troca. Logo que as trocas de mercadoria e dinheiro recome·
çam, o excedente já está inserido na mercadoria. Proudhon não entende

1560
como o lucro, nem portanto como o juro, provém da lei da troca de valores.
"Casé, "dinheiro" etc. nlro devem por isso -ser trocados na qualidade de
"capital" mas na de "mercadoria... ao preço de custo" (pp. 43, 44).

"Com efeito, o chapeleiro, quando vende os chapéus ..., recebe em troca


o valor, nem maís nem menos. Mas o capitalista que empresta. .. não
recupera apenas a totalidade de seu capital; recebe mais que o capital,
mais que o que põe na troca; além do capital recebe juro" (p. 69).

Os chapeleiros de M. Proudhon não parecem ser capitalistas, mas


principiantes, aprendizes do oficio.

"Uma vez que no comércio o juro se adiciona ao salário do trabalhador


para formar o preço da mercadoria, é impossível que o traba!hador possa
Ii'!:$@Jl.tl!! o produto do próprio trabalho. Sob o regime do juro, viver
do prÓp1io trabalho é um princípio que encerra contradíçao" (p. 105).

Na carta IX (pp. 144-152), o bizarro Proudhon confunde dinheiro


no papel de meio de círculaçã'o com dinheiro no papel de capital e por isso
conclui que o "capital" existente na França rende 160% (isto é, 1600
milhões de juros anuais decorrentes da dívida pública, hipotecas etc. para
um capital de um bilhão "a soma de numerário.,, circulante na França").
E mais:

"Em ·virtude da acumulação dos juros, o capital-dinheiro, de troea em


troca, volta sempre à sua fonte, e daí resulta que a repetição dos emprés·
timos é sempre feita pela mesma mão e é sempre vantajosa para a mesma
pessoa"-(p. 154).

Por ser o capital emprestado na fonna de dinheiro, acredita que o


capital-dinheiro, isto é, o numerário, possui essa propriedade específica.
Tudo deve ser vendido, e nada emprestado. Noutras '(>alavras: queria que
a· mercadoria exíst.isse, mas não que se tomasse ..dinheiro", e agoia quer
que existam mercadoria, dinheiro, mas impedidos de se desenvolver para
conversão em capital. Tirando-se as fonnas fantásticas, isso significa apenas
que não se .deve passar da acanhada produção pequeno-burguesa-camponesa
e artesanal para a indústria moderna.

"Uma vez que o valor é apenas uma proporção e que todos os produtos
são necessariamente proporcionais entre si, segue-se que, do ponto de
vista social, ps produtos s!o sempre valores e valores prontos e acabados.
Pii.ra a sociedade não existe a diferença entre produto e capital. Essa
diferença é subjetiva, só exi$te para os indivíduos" (p. 250).

1561
..-----~-~-~------.--·----·

Que desgraça, quando essas expressões germano-filosóficas como.


"subjetivo" se desvirtuam nas mãos de um Proudhon. Para ele, as formas
sociais burguesas sã:o "subjétivas". E a abstração subjetiv3: e ademais errônea
- o valor de troca da mercadoria, por expressar uma proporção entre
mercadorias, exprime qualquer proporção entre mercadorias e não um
terceiro elemento a que as mercadorias slfo proporcionais essa falsa
abstração "subjetiva" é o ponto de vista social pelo qual sa:o idênticos
mereadoria e dinheiro, e ainda mercadoria, dinheiro e capital. Assím, desse
"ponto de vista social", decerto todos os gatos são pardos.
Pqr fim, o excedente na forma de preceito moral:

"Todo trabalho deve dar um excedente" (p. 200).

Com esse mandamento, o excedente encontra sem dúvida uma defi-


;1 nição maravilhosa.
u.
tt
il
:i
!l 7. Lutero supera Proudhon no combate ao juro.- As idéias
.!! sobre juro mudam com o desenvolvimento· das relações
'il capitalistas
lf·
l
1,
ttj<
Vivendo no período em que a sociedade cívil medieval se decompõe
H nos elementos da sociedade moderna - processo que o eomércio mundial
il e as descobertas das minas de ouro aceleram -, Lutero só conhece o
capital em duas fonnas antediluvianas, a de capital prndutor de juros e a de
11·
capital comercial. Na sua fase .infantil, a produção capitaíista já fortalecida
li procura à força subordinar o capital produtor de juros ao capital industrial,
subordinação que na realidade se efetivou de início da Holanda - onde
r pela primeira vez a produção capitalista floresceu na forma de manufatura
1
e de comércio em grande escala - e que na Inglaterra, no século XVII, foi
!· proclamada, com expressões em parte bem ingênuas, condição primacial
i,, da produção capitalista; ao revés., na transição para essa produção, o pri-
1
.,.,, meiro passo é reconhecer na "usura", na forma arcaica do capital produtor
lI'i de juros, uma condição de produção, uma relação necessária de produção;
depois, num comportamento similar, o capital industrial, 1ogo que tenha
1\
j:

·~ l562
submetido a si mesmo o capital produtor de juros (século XVIII, Ben-
tham 190 ), reconhece a raz.a:o de ser dele, considera-o carne de sua carne.
Lutero wpera Proudhon. Não o confunde a diferença entre emprés-
timo e venda. Em ambos reconhece por igual a usura. Em sua polêmica, o
mais impressionante é fazer de alvo principal de seus ataques o fato de o
juro ser unha com carne para o capital.
l. Livros sobre comércio e usura, de 1524. Parte VI das Obras de
Lutero, Wittenberg, 1589. (Escritos na época ou na véspera· da Guerra dos
Camponeses.)
Comércio (capital comercial):

"Os comerciantes agora se derramam em queixas contra os nobres ou


ladrões (vê-se porque os comerciantes eram contra os camponeses e
cavaleiros, e a favor dos príncipes), apontando os graves perigos que
têm de enfrentar no comércio e como são ainda presos, espancados,
extorquidos e roubados etc. Os comerciantes seriam verdadeiros santos
se $ofressem tudo isso por amor à justiça... Se no mundo inteiro os
comerciantes praticam ttro grandes injustiças, logres e roubalheiras nada
cristtros, mesmo entre si, por que nos admirarmos se Deus faz que esses
grandes haveres injustamente ganhos por sua vez se peream, sejam rouba-
dos, e que os prôptios comerciantes, além disso, sejam golpeados na
cabeça ou presos? ... E os príncipes devem com energia adequada punir
esse comércío iníqüo e evitar que os súditos sejam tão vergonhosamente
esfolados pelos comerciantes. Mas, omitem-se: Deus então se serve dos
cavaleiros e dos salteadores, que têm de ser seus demônios, para punir
as iníqüidades dos comerciantes, como o fez na teua do Egito e com todo
o mundo, atormentando com demônios ou anuinando com inimigos.
Castiga um patife com outro, e ntío precisa dar a entender que salteadores
sa:o menos ladrões que os comerciantes, pois estes roubam o mundo
inteiro todos os dias, enquanto aqueles uma ou duas vezes por ano
despojam uma ou duas pessoas" (p. 296).
"Atentai à palavra de Isaías: teus princípes se associll!'aID aos ladrões.
Mandam enforcar os que furtam um florim ou metade, mas traficam
com os que roubam todo o mundo e com mais ~gurança que os demais
ladrões, confirmando-se a verdade do proYérbio: os grandes ladrões
enforcam os pequenos ladrões. Ou como dizia Catiro, senador romano:
os ladrões de pouco jazem acorrentados nas mas.morras, mas os ladrões
públicos ostentam ouro e seda. Mas qual será a palavra final de Deus?
Ele fará o que falou pelA boea de Ezequiel: fundirá, como chumbo e
cobre, príncipes e ladrões, ladrões com ladrões, num incêndio capaz de
consumir uma cidade inteira e que extinguirã todos os príncipes e comer-
ciantes, o que receio estar próximo" (p. 296 a).

Usura. Capital produtor de juro//:


190. Marx refere-se à obra de Bcntham Defence of usury. .. , publicada em
l.Qndres, ·em 1787 (a segunda e a terceira edição apareceram respectivamente em
1790 e 1816).

1563
"Ouço dizer que em cada uma das feiras anua.lmente realizadas em.
Leipzig ~e tomam 10 florins, ou sejam, por ano 30 para cada 100 191 ;
alguns acrescentam a feira de Neuenburg, e assim chegamos a 40 para
cada 100: se é mais, não sel. Com os diabos, onde íremos parar seguindo
esse caminho? ... Quem possuí agora em Leipzig 100 florins, extrai por
ano 40, o que significa devorar num ano um camponês ou um burguês.
Se possuí 1000, extraí por ano 400, o que equivale a devo1ar num ano
um cavalheiro ou um nob1e rico. Quem dispõe de 10000 extraí por ano
4000, o que é devorar num ano um conde Iioo. Se tem 100000, o que
deve ser o caso dos grandes comerciantes, extraí por ano 40000, o que
significa devorar num ano um grande príncipe endinheirado. Se tiver
1 milhão, extrairá por ano 400000, o que é devorar nuin ano um grande
1ei. Não se expõe por isso a perigo algum, nem pua o corpo nem para o
patrimônio, não trabalha, senta -se junto à lareira e assa maçã's: assim
um ladrã'o comodamente íustalado em casa poderia devorar o mundo
ínteíro em 10 anos" 192 (pp. 312, 313).

(II. Eyn Sermon auf das Evangelion von dem reichen Mann und
armen Lazaro etc., Wittenberg, 1555. (Sermão sobre a parábola do homem
rico e do mendigo Lázaro etc.).

"Não devemos conside~ar o homem rico de acordo com a conduta exte·


Iior, pois usa roupas de pele de <:ameiro e sua vida resplandece e parece
primo1osa, dissimulando rnagisttalrnente o lobo. Pois o Evangelho não
o acusa de tez cometido adultédo, homícídio, rou,bo, sac1ilégio ou
qualquer coisa que o mundo ou a razão pudesse reprovar. De certo
foi em sua vida tão homado como aquele fariseu que jejuava duas vezes
porsemanaenãoeracomoosoutroshomens,") , _- _.·'

Lutero diz-nos ai o que gera o capital usu;ário: ruína de burgueses1 !> 3


(pequenos burgue5es camponeses), de cavaleiros, nobres e príncipes. Por
um lado, flui para esse capital o trabalho excedente e ainda as condições
de trabalho de plebeus, de camponeses e de artífices das corporações, em
suma, dos pequenos produtores de mercadorias que precisam de dinheiro,
por exemplo, para pagar antes de converterem sua mercadoria em dinheiro

191. Alusão a um empréstimo de 100 florins, com jÚtos pagos em cotas de


10 florins em cada uma das três feiras realizadas por ano eln Leipzíg; no Ano Novo, na
Páscoa e na festa de São.Miguel. Os juros atingiam, assim, 30 florins ou 30% por ano.
192. Esta citação mio foi tirada dos livros sobre comé.rcio e usuca (Von Kau_(.
handlung und Wucher, 1524), mas do trabalho posterior de Lutero An drePfarrherm
wider den Wucher zu predigen (1540), que Marx menciona mais adiante, no item III,
e que e.stá inserido na parte IV das obras de Lutero.
193. Burgueses no sentido medieval; os indivíduos situados na camada inter-
mediária entre a nobreza e os servos.

1564
e já compram algumas de suas condições de trabalho. Por outro lado,
o fluxo vem dos proprietários da renda fundiária, da qual o capital usurário
se apropria, isto é, vem da classe rica pródiga, amiga de deleites. A usura
é um meio potente para produzir as precondições do capital industrial,
um agente poderoso para despojar o produtor das condições de produção,
desde que exerça dois efeitos, primeiro, o de formar l}Jna fortuna monetária
independente e, segundo, o de se apropriar das condições de trabalho, isto é,
de arruinar os donos das antigas condições de trabalho. Tal como o comer-
ciante. E é comum a ambos constituírem fortuna monetária independente,
isto é, amontoarem em suas mãos, na forma de créditos, porção do trabalho
excedente anual, das condições de trabalho e da acumulação do trabalho
anuaL O dinheiro realmente disponível em suas· mãos representa apenas
pequena parte quer do entesouramento anuat e do anualmente acumulado,
quer do capital circulante. Constituireru/ortuna monetária significa que lhes
cabe parte considerável da produção anual e das rendas (revenues) anuais,
pagáveis não em produtos, mas em forma transmutada, a do dinheiro.
Por isso, o dinheiro, desde que nã"o circule ativamente como numerário
(currency), n.ão se encontre em movimento, acumula-se em suas mãos,
e o mesmo sucede com parte das reservas do dinheiro circulante; em escala
ainda maíor detêm e acumulam os títulos referentes .à produção, mas como
títulos que dão direito à mercadoria transformada em dinheiro, títulos
reembolsáveis em dinheiro. A usura arruína a riqueza e a propriedade
feudais; ademais, arruína a produção pequeno-burguesa e pequeno-campo·
nesa, em suma, todas as formas em que o produtor ainda é proprietário
dos meios de produção.
Na produção capitalista, o trabalhador níio é propn'etârip das condi·
ções de produção; nem da terra que lavra, nem do instrumento com que
trabalha. Mas aí, a essa alienação das condições de produção corresponde
mudança real no modo de produçã:o. O instrumento se toma máquina;
ô trabalhador trabalha na oficina etc. O próprio modo de produção não
penníte mais a dispersão, ligada à pequena propriedade, dos instrumentos
de produção, nem a dispersão dos próprios trabalhadores. Na produção
capitalista, a usura não pode mais dissociar dos trabalhadores, dos produ-
tores, as condições de produção, porque delas já foram despojados.
A usura só centraliza riqueza, especialmente na fonna de riqueza
em dinheiro, quando os meios de produção estão dispersos, quando o
trabalha.dor, portanto, trabalha de maneira mais ou menos independente,
como pequeno agricultor (camponês), membro de uma corporação
(pequeno comerciante) etc. Como camponês pode ser servo ou não, e como

1565
artesão, membro ou não de uma corporação. A usura se apropria aí da.
parte do trabalho excedente da qual dispõe o próprio servo, ou de todo
o trabalho excedente no caso do camponês livre etc., e ainda dos instru-
mentos de produção, cujo proprietário nominal contínua a ser o camponês
etc., e em relação aos quais este se comporta na própria produção como
proprietário. Essa usura assenta nessa base, nesse modo de produção que
não modifica, mas nele se instala como parasita e o exaure. Suga·o, esgota-o
e faz a reprodução operar-se em condições cada vez mais abonúnáveís.
Daí o ódio popular contra a usura, sobretudo nas condições do mundo
antigo onde esta especificidade da produção - a propriedade das condições
de produção nas mãos do produtor - é ao mesmo tempo base das relações
políticas, da independência do cidadão. lsso acaba quando o trabalhador
não é mais proprietário de condições da produção. E então cessa também
o poder da usura. Ademais, se domina a escravatura ou se o senhor feudal
e seus lacaios consomem o trabalho excedente, o modo de produção n:ro
se alterará se caírem sob o jugo da usura; apenas se torna mais cruel. O
dono de escravos ou o senhor feudal, endívidados, depenam mais porque ·
são depenados. Ou, por fim, cedein a posição ao usurário... que se toma ele
mesmo proprietário da terra etc.,'tal como o cavaleiro (eques)_na Roma
antíga. Vm arrivista rude e ávido de dinheiro entra no _lugàr do ántigo
exploradot, cuja exploração era até certo ponto meio de ~poder político.
Mas o.próprio modo de produção nlfo se altera.
Em todos os modos de produçiro precapitalistas, o usuá,rió só atua
revolucionariamente no sentido político, ao destruir e arruinar as formas
de propriedade, sobre cuja base estável, isto é, a reprodução constante delas
na mesma forma, repousa a estrutura política. O usurário atua também no
sentido da centralízaçll'.o, mas apenas na base do antigo modo de produção,
e assim, tirando·se os escravos, sezvos etc. e os novos senhores, a sociedade
se reduz à ralé. Em formas asiáticas de sociedade; a usura pode perdurar
por muíto tempo sem causar nada mais que decadência econômica e corrup-
ção política, mas sem provocar na realidade uma desintegração. Só numa
época em que existem as demais condições da produção capitalista -
trabalho livre, mercado -mundial,· dissolução dos velhos vínculos sociais,
certo nível de desenvolvimento do trabalho, desenvolvimento das ciências
etc. -, revela-se a usura um dos meios de formaçã'o do novo modo de pro-
dução; ao mesmo tempo, anuína tanto o senhor feudal, esteio do reduto
antiburguês, como a pequena indústria, a pequena agricultura etc., em suma,
é o meio de centralização das condições de trabalho como capital.
Possuírem ós usurários, comerciantes etc. a "fortuna monetária"

1566
significa apenas que a riqueza nacional que está na forma de dinheiro e
mercadoria, concentra-se em suas mãos. A produção capitalista, na origem,
tem de lutar contra a usura até onde o próprio usurário nã'o se torna pro-
dutor. Estabelecida a produção capitalista, está já extinto o domínio da
usura sobre o trabalho excedente, domínio que estava vinculado à perma·
ní:ncia do antigo modo de produção. O capitalista mdustrial embolsa de
imediato o excedente a título de lucro; também já se apoderou de parte
das condições de produção e apropria-se diretamente de parte de acumu-
lação anual. A partir desse momento, sobretudo quando se desenvolve
a riqueza industrial e comercial, o usurário, isto é, o prestamista a juros
é uma pessoa separada do capitalista industrial apenas pela divisão do
trabalho, mas subordinada ao capital indústrial.
Ill. An die Pfarherm ·wider den Wucher zu predigen etc. (Aos pasto·
res, pa:ra pregarem contra a usura etc.), Wittenberg, 1540 (sem paginação).
Comerciar (comprar, vender) e emprestar. (Lutero não se deixa enga·
nar, como Proudhon, por essa diferença de forma.}

"Há q~inze anos tenho esctito contra a usura, uma vez que já se propa·
gan tão poderosamente que eu não podia esperar melhora. Desde então
tomou-se tão importante que não quer mitis ser vício, pecado, opróbio,
mas pavoneia-se de virtude e honra puras, como se praticas!lll caridade
e prestasse seJViços cristãos. Quem nos ajudará e nos aconselhará, se o
opróbio se converteu em honra, e o vício em virtude? Sêneca fala à
luz da xazã"o natural: Não há remédio onde se toma costume o que se
considerava vício (Deest remedi locus, ubi, quae vitia fuerunt, mores
fiunt). A Alemanha ehegou aonde tinha de chegaI: a avareza e a usura
execráveis corrompe;ram-na até à medula... ·
Primeiro; o.que diz re9peíto a emprestar e tomar empre:;tado. Emprestar
dinheiro e exigir ou tomar em troea mais ou·algo melhor é usura, conde-
nada por todas as leis. Por isso, quem que1 que tome cinco, seis ou mais
sobre cem de dinheiro emprestado é usurário e sabe que se comporta
oomo tal e se qualifica de servo ídóll!.tra da c-0biça e do dinheiro ... Por
conseguinte, no tocanre ao trigo, à cevada e a outras mercadorias, o
mesmo se deve dizer: eXÍgir em troe.a mais ou algo melhor é usura,
é furto e roubo de bens. Pois emprcstu significa confiar a alguém meu
dinheiro, bens ou utensílios, para utilizá-los pelo prazo que lhe é necessá-
rio ou que lhe pO$SO ou quero conceder, e os restituí no prazo, no mesmo
estado em que lhe emprestei." "Assim, transformam também o comércio
em u&ura. Mas essa transformação agora é grande demais para se enfrentar
com uma só cajadada. Temos em mira agora tratar do usurário prestamis·
ta, depois de o ter prevenido do que o espera (após o Dia do Juízo),
passaremos de certo a repreender a u~nz no comércio."
"Assim fala a usura com fidalguia: Meu caro, como estão as coisas
presto ao meu próximo um grande servíço, ao emprestar-lhe cem a cinco,
seis, dez. E agradece-me esse empréstimo como favor extraordinário.
Pede-me empréstimo com insistência, prontifica-se ele mesmo espontâ-

1567
nea e livremente. a presentear-me com cinco, seis, dez florins por cem.
Que me impediria em sã consciência de aceitá-los?... Nfo importam as
vanglórias, os adornos e os atavios ... quem toma mais ou algo melhor do
que dá pratica ú.sura e nilo presta seYlliço, ma.~ causa prejuízo a seu pró-
ximo como se tivesse "furtado ou roubado. Nem tudo que se chama de
servíço e favor é serviço e favor ao próximo. Um adúltero e uma adúltera
se prestam reciprocamente grande serviço e se dão mútuo prazer. Um
ca\<aleiro presta um grande serviço ao incendiário e assassino, ajudando· o
a roubar nas estradas, a pilhar terras· e gente. Os papistas prestam aos
nossos um grande serviÇQ quando em ve:i- de afogar, queimar, assassinar
todos, ou põ- los a apodrecerem nas prisões, deixam alguns vivereni,
desterrando-os ou despojando-os de seus haveres.· O próprio Diabo
presta a seus seguidoxes grande, inestimável serviço... Em resumo, está
o mundo cheio de serviços e favores consideráveis, excelentes e diários ...
Os poetas falam do cíclope Polifemo que prometeu a Ulisses um favor
de amigo: devoraria primeiro seus companheiros e por último Ulisses.
Eis aí também um serviço e um fa'VOr sutil. Esmeram ·se nesses serviços
e benefícios, executam-nos nobres e plebeus, camponeses e burgueses
que açambarcam mercadorias, 1etêm estoques, geram carestias, encarecem
o txigo, a cevada e tudo de que re precisa, e depois limpam a boca e
dizem: Sem dúvida, a gente tem de ter o que tem de ter; ponho meus
bens a serviço das pessoas, embo.ra tivesse condições e desejo de retê-los;
e assim procura-se enganar e bular Deus ... Os seres humanos se tomaram
tão honestos ... De$SC modo, ninguém hoje é mais capaz de praticar a
usura, a avare:i-a, nem ser mau; o mundo respira santidade pura, todos
servem ao pró;dmo, ninguém prejudica ninguém ... Se àquilo é presw
um serviço é prestá-lo ao repugnante Satã', ainda que um homem pobre,
neces.sitado, careça desse $erviÇO e tenha de aceitar por serviÇQ ou bem:·
fício, o fato de nio ser de todo devorado ... O pobr~. ·homem te faz e
tem de fazer um favor" (pagar juros ao usurário) "se ·quiser obter
dinheiro." · ·

(Do que se diz acima vê-se que. no tempo de LuteIO, a usura cresceu
muito e já era louvada como "serviço" (Say, Bastiat194 ). Já existia a fórmula
da concorrência ou da harmonia: "todos servem ao próximo".
No melllor período do mundo antigo, proibida a usura (isto é, não
se permitiam juros). Mais tarde, legal, predominando muito. Na teoria pre·
valeceu sempre o ponto de vista (sustentado por Aristótelesl115 ) de a usura
serem si má.
Na idade média cristã é "pecado" e proibida pelo "direito canônico ...

194. Ve.r vol. l, p. 398.


195. Aristóteles sustenta que o juro é contra a natureza, em sua obra De Repu·
blica, livro I, capítulo X. Marx dta essa idéia de Aristóteles eru O Capital (ver O Capi-
tal, ed. DIFEl., livro 1, vol. 1, pp. 184 e 185).

1568
. Era moderna. Lutero. Ainda a .concepçio cat6llco-pagã. A usura se
propaga muito (seja por causa das necessidades de dinheiro do governo,
seja em virtude do desenvolvimento do comércio e da manufatura, ou pelo
imperativo da conversão dos produtos em dinheiro). Mas já vence a legitima-
ção burguesa.
Holanda. Prhneira apologia da usura. Modernizada primeiro aí, subor·
dinada ao capital produtivo ou comercial.
Jngkzterra. Século XVII. Não se combate mais a usura em sí, mas
a magnitude do juro, o predomínio dela na relayão com o crédito. Pressão
para se criar a forma do crédito. Prescrições coercitivas.
Século XVIII Bentham. Reconhece-se que a usura livre é elemento
da produção capitalista. ) ·
Mais alguns extratos da obra de Lutero, An die Pfmherrn wider
den Wucher zu predigen.
·Juro como ressarcimento.

"Então, em termos mundanos e jurídicos (temos de deixa.r a teologia


para depois), tu, Baltazar, me deves, ·além dos cem florins, tudo o que
.lhes fot ac.tes cido pelo ressarcimento com todos os custos."

(Por custos entende despesas judiciais etc. que oneram o prestamista,


resultantes da circunstância de ficar ele mesmo impossibilitado de pagar.)

" •.. Por isso é justo - e também está de acordo com a razão e com o
direito natural - que tu me restituas tudo, pagando o principal e também
O! prejuizo8... Os tratados de díreito dão a esse ressareimento a desi!,'!18·
ção Iatin a de fntere~se ...
E esse ressarcimento ainda pode acrescer. Se tu, Baltazar, não me resti·
toes os cem florins no dia de Síio Miguel, e me apareee um negócio, a
oportunidade de cornpm urna horta, um terreno, uma casa ou qualquer
outro bem de que possa tirar grande proveito ou sustento para mim ou
para meu filho, terei de perder essa oportunidade, e tu me prejudicarás
e eSt:QrV3IáS com teu atraso e tua Inércia, de tal maneira que nunca mais
poder'eí fazer esse negócio etc. Mas, por ter-te emprestado 100 florins,
deves ressarcir-me de duplo dano, pois n(lo posso pagar t1(/ui, nem com·
prar ali, e assim sou necessariamente prejudicado de dois Jados, vale dizer
duplex interase, damni emergentis et lucri cenanti$ 196 •..
Depois de saberem que João prejudicou-se duplamente por ter empres-
tado cem florins e e'ltige a justa reparação, vão tratando rudemente de
acrescentar a qualquer :oma de cem florins esse duplo ren;arcimento,
a saber, pelas despesas decorrentes da falta de pagamento e pela impossi-
bilidade de cornpxar a horta, como se estív~se naturalmente illserido na

196. ~ssarcimcnto duplo, por danos emergentes e lucros ces.iantes.

1569
quantia de cem flCJrins; e basta disporem de cem florins para empres:
tá-los onerados desses dois prejuízos que ntfo tiveram ... •
Por isso, és um usutário, tu que com c:í dillheíro de teu próximo te inde-
nizas de prejufr.o -apenas imagüuldo, que ninguém te causou e nito podes
demonstrar nem CtJlculiir. -E$se prejuízo é -na palavra dos juristas, non
verum sed phantasticum interesse. Perdas que qualquer um inventa ...
Nã'a é lícito dizer que os prejuízos poderão ocorrer por nli'.o podei eu
J'llgar nem comprar. Se o fosse, ex contingente neceuanum, toma-se a
que não existe coisa que tem de existir; faz.-se de a1go incerto coisa
inteiramente certa. A usur:a dessa maneha ameaça devorar o mundo
_em poucos anos ...
Se a desgraça que sucede ao prestamista é fortuita e não depende de sua
vontade, é místex que seja ressarcido. Mas o que se dá na prátiea é o
inverso, é tudo ao contrário: procura e imag-ina danos para lançar nas
costas do p1óximo necessitado, quer comer e enriquecer-&e 11S$im; fol-
gado e ocioso, quer levar vida dissoluta e espkndente às custas do traba-
lho. dos cuidados, dos ricos e prejuízos dos outros. Assim, sentar-me
junto à lareira e deixar meus cem florins arrecadar recim1os para mim
por todo o pais, com certeza guardando-os na minha bolsa, sem riscos
nem cuidados, pois é dinheiro emprestado; quem não gostaria disso,
meu caro?
E o que se disse do dinhei10 emprestado estende-se ao trigo, ao vinho
e às mercadorias do gênero, quando emprestados, pois entio é possível
que ocoaam aqueles dois' prejuízos. Mas tal dano duplo mfo é algo que
se acrescente naturalmente à mercadoria, mas pode ocorrer por acaso,
e por isso nio pode ser computado como prejuízo mtes--de ter áconte-
cido e de se ter provado etc ...
Tem de existiI a usura, mas ai dos usurários ...
Também todos 0$ pagãos sábios e sensatos tachavam a. ruura de extre·
mamente má. Em PoUtica, Aristóteles diz ser a usura contra" a Mtureza
porque toma sempre mais do que dá. Com isso elimina-se o meio e
padr!o de toda virtude, o que se chama de igual por igual, igualdade
aritmética etc. .. . '·
Qualifica-se de vergonhosa a vida dos que se suste<ntam usurpando,
furtando, roubando coisas alheias, e são chamados. se permitem, de
la.cá.pios e la.drões que se costuma pendurar na forca; um usurário,
entretanto, é um larápio e um Jadrã'o suntuoso-e senta·se numa cadeira:
daí sei chamado de ladrão que rouba de cadeira...
Os pagãos puderam à luz da razão concluir que um usurário é um ladrao
quatro veres e um a5sassino. Mas nós c.rist!o~ os temos em tã'.o honrosa
conta que quase os adoramos por causa de seu dinheiro ... Quem extrai,
rouba e furta o alimento de outro é moralme-nte um homicida como o
que mata uma pessoa de fome ou a faz perecer. E é o que faz o usurário.
Entretanto, senta-se uanqtiílamente em sua cadeira, quando com justiça
deveria estar suspenso na forca e ser devorado por tantos corvos quantos
fossem os florins por ele roubados, desde que tive$.SC tanta carne que
tantos contos pudessem perfura-la e 1eparti·la entre sí ...
Os traficantes e usurários bradarão que é mister cumprir a obrigação que
se assume por eserito. Os juristas deram a isso resposta imediata e bas-
tante: ln maris promistis 1rn, dizem os teólogos, nada valem os compro-

197. Em promessas viciosas.

1570
missos escritos corno os que alguns dão ao Diabo, mesmo quando escritos
e selados com smgue. Pois é nulo o que é contia Deus, cQntra o díreito
e a natureza. Por conseguinte, que um príncipe que o possa fazer, inter·
fira aí de pIOnto, rasgue o compromisso escrito. nio leve em conta etc ...
Não .há sobre a terra maior inimigo do ser humano depois do demônio,
do que um avarento, um usurário, pois quer ser Deus dominando todos
os homens. Os turcos, os guerreiros, os tiranos slo também homens
maus, todavia têm de deixar os outros viverem e confessam que sã'.o
maus e inímígos; podem e às vezes têm de se apiedar de algufli. Mas
um usurário, a avaren empaturrada de bens, deseja que tod_o o mundo
pe1eça de fome e de sede, de luto e de miséria, o que faria se pudesse,
de modo que possuísse tudo para si mesmo e todos recorressem a ele
como a um deu:r e f osaem eternamente seus servos. Eis aí o que alegra
seu coração, o que lhe ·refresca o sangue. E ao mesmo tempo ostenta
Jl1311tos de marta, correntes de ouro, anéis, vestimentas, cuida de apare·
cer limpo, quer que o eonsiderem e o glorifiquem como homem esti·
rnado 'e piedoso, mais misericordioso que o próprio Deus, mais bondoso
que a mfe de Deus e ainda todos os santos ...
E lembremos do que escreveram sob1e os giandes feitos de Hércules,
de como venceu tantos monstros, horrqres incríveis., para salvar à terra
e a gente. Pois a usura é um monstro gigantesco, horrendo, um lobo
insaciável que devasta tudo, pio1 que Caco, Gerião ou Anteu etc. E
adorna-se e quer passar por piedoso a fim de que não se veja para onde
vão os bois (que leva para seu esconderijo, fazendo·os andar in arre·
cua.r)."

(Delicioso quadro, ajusta-se ao capitalista em geral, que se comporta


como se dele proviesse o elemento alheio que recolheu em sua caverna, e
por fazê-lo mover-se às arrecuas, dá-lhe a aparência de ter saido dela.)

"Mas Hézcules ouvirá o grito dos bois e dos prisioneiros, e procurará


Caco mesmo -nos rochedos e penhascos e libertará os bois do pe[Verso.
Pois caco significa um perverso, é a figura de um wurririo piedoso· que
furta, rouba e devora tudo. E pretende não ter feito nada e pensa que
nínguém o descobrirá porque os bois, puxados pela cauda pua seu
esconderijo, deixam um rastro como se dele tivessem aa(do. Do mesmo
modo, o usurálio quer devotar o mundo como se fosse útil ao mundo e
lhe desse bois, quando os toma todo$ para si mesmo e 03 come...
Por isso, um usurário, um avaro, nil'.o é realmente um verdadeiro ser
humano, não peca num ~entido humano, por natureza causa mais des·
graças que todos os titános, assassinos e ladrões, quase tão perverso
quanto o próprio demónio, e senta-se não como inimigo, mas eomo
amigo e cidadão, com segurança pública. e em paz, e nfo obstante rnuba
e mata mais terrivelmente que qualquer inimigo ou incendário. E uma
vez que rodamos e decapitamos os assaltantes de estrada, os assassinos
ou lad1ões, eom mais razio deveríamos rodar e matar todoi os usurários,
enxotar, amaldiçoar e decapitar todos os avaros.,."

Visão bem pítoresca e ao mesmo tempo contundente tanto da natu·

1571
reza da usura antiquada quanto da do capital em geral, com o "dano imagi.
nário" ("interesse phantasticum"), o "ressarcimento por natureza acres-
cido" ao dinheiro e à mercadoria, achada geral sobre a utilidade da usura, o
ar "piedoso" do usurário, que não é "como os outros homens" e que
parece dar enquanto toma, e soltar enquanto recolhe etc.!

***
-"A gxande vantagem ligada à posse de ouro e prata, 1esultante do poder
de escolhei os momentos favoráveis de compra, faz constituir-se pouco
a pouco o negócío de bt111queiro•.• O banqueiro distingue-se do velho
usurário... , por emprestar ao rico e raramente ou nunca llD pobre. Por
isso, empresta a menor risco e pode fa.tê·lo a custo mais banto; e pelas
duas razões evita o ódio popular que atingia o usuário" (F. W. Neuman,
Leáures on Pol. E<Xm, Loridres, 1_851, p. 44).

A alienação involuntária da propriedade feudal da terra progride com


o desenvolvimento da usura e do dinheiro.

"A introdução do dínheiie, que compra todas as coisas e em conseqüên-


cia o favor que se deve aos credores que emprestam dinheiro ao dono da
teua, acarreta a necessidade da alienação legal paia pagamento do que
assim se emprestou" (John Dalrymple,An essay towar,d a ge11eral history
ofFeud. Prop. in Great Brit., 4~ ed., Londres, 1759, p. 124).
"Segundo Thomas Culpeper (1641), Josias Chlld (1670), Paterson
(1694), a riqueza depende da reçiução que se con.segu~ impot na uxa de
juro do ouro e da prata. f. o que vigorou na lnglatima durante quase
dois séculos" (Ganilh, [)es systemes d'dconornfe politique ... , 2\i ed.,
tomo primeiro, Paris, 1821, pp. 58, 59). ·,· -

Quando Rume, em oposição a Locke; explicou que a taxa de lucro


determina a taxa de juro, já tinha em vista desenvolvimento bem superior
do capital, como em grau ainda maior Bentham quando defendeu a usura
em fins do século XVIII.
De Henrique VIH até Anna, redução legal da taXa de juro.

Na Idade Média, em nenhum país existia taxa geral de ju;o. Antes de ~ais
nada, os padres enm severos na proibição do juro. Precária a garantia que
as disposições legais daviun aos empréstimos. Por isso, muito alta a taxa
de juro em casos isolados. EscaSSll a circulação monetária, necessidade de
efetuar em numerário a muiaT parte do11 pagamentos, pois ainda não
estava desenvolvido o negócío de letras de câmbio. Assim variavam muito
os jmos e o conceíto de uSUta. No tempo de Carlos Magno consíderava-se
usura emprestar a 100%. F.~m 1344, em Líndau, no lago de Constança,
burgueses locais cobtavam 216 2/3%. Em Zurich, o Conselho fixou o juro

1572
legal em 43 1/3%. Na Itália às vezes era obrigatório pagar 40%, embota
do g1foulo XII ao XIV, a taxa costumeiia não ultrapasse 20%. Verona
estabeleceu 12 1/2% corno juro legal: F1ederico II, em sua ordenação,
10%, mat apenas para os judeus. Quanto aos cristãos, nada quis dizei.
Já no século XIII, 10% era o habitual na Alemanha renana (Húllrn3Iln,
II. Teil, Geschichte des Stadtewesens etc., pp. 55-57).

Na Idade Média, os enormes juros {quando não ·cobrados da nobreza


feudal etc.) nas cidades fundamentavam-se de ordinário nos desmedidos
lucros de alienação (profits upon alienatíon) que os comerciantes e os
artesãos urbanos extraiam, recorrendo ao logro, dos moradores do campo.
Em Roma como em todo o mundo antigo, excetuadas as cidades
mercantis com extraordinário desenvolvimento industrial e comercial como
Atenas etc., o juro era, para os grandes proprietários de terras, meio para
expropriarem os pequenos proprletáríos, os plebeus, e ainda para se apro-
priarem da pessoa deles.

No início a U!ltlra era livre em Roma. A lei das Do:z.e Tábuas (303 a.
U.C. 198 ) "fixou o juro do dinheiro em 1% ao ano" (1{)% segundo Nie·
buhr). "Logo violaram a lei. Duillius (398 a. U.C.) rebaiXou o juro do
dinheiro para o nível anterior de 1%, unciario foenore. Em 408, reduzido
a 1/2%; em 413, proibição absoluta do empréstimo a juro por um
plebiscito de iniciativa do tribuno Genucius. Não admira que numa repÚ·
blica· onde se proibiam a indústria, o comércio a grosso e a retalho, se
vedasse também o eomércio de dinheiro" (Dureau de la Malle,Éçonomie
Politíque des Romains, t. II, pp. 2.59·261). "lsso durou 300 anos, indo
até à queda de Cartago. F..ntão 12% por lei, mas a taxa usual de juro por
ano era. 6%" (l.c., p. 261).
"Justiniano fixou a taxa· de juro em 4%; no tempo de Trajano, usurn
quincunx,juro de 5% legalmente estabelecido. No Egito, 146 anos antes
de Cristo, o jilro comercial era de 12%.. (pp. 262, 263).

** *
Sobre o juro diz Gilbert (J. W.) em The History and Principies of
Banking, Londres, 1834:

'"! um princípio evidente de justiça natural que quem toma dinheiro


emprestado com a intenção de utilizá-lo para. obter lucro, deve dar ao
p.restamista parte do lucIO. Consegue-se em regn lucro po.r meio do
comércio. Mas na Idade Média a população e.ra pu:ramente agrícola.

, 198. A. U.C. "' anno urbis conditae (no ano da fundação da Qdade). A
fundação de Roma serve de ponto de partida para a contagem dos anos.

1573
Nessas condições e sob o governo feudal,. o comé.rcío e po1 conseguinte
o lucro só podiam ser pequenos. Daí se justificarem as leis contra a
usura na Idade Média. Além disso, num país agrícola é raro uma pessoa
chegar à situação de tomar dinheiro emprestado, a não ser quando um
infortúnio a reduz à pobreza e à· miséria" (p. 163 ).
••Henrique V1II limitou o juro a 10%, Jaime la B, Carlos li a 6, e Anna
a 5% (pp. 164, 165). ''Naquela época os prestamistas dispunham de
monopólio, se não juridicamente, pelo menos de fato, sendo mister
fixar-Uies restrições como a outros detentores de monopólio" (l.c.,
p. 165 ). "Em nossa época a taxa de lucro regula a taxa de juro~ naquela,
a taxa-de juro regulava a taxa de lucro. O comerciante, se era sobrecam:-
gado pelo prestamista com elevada taxa de juro, tinha de acrescentu
às mercadorias taxa de lucro mais alta. Assírn gxande soma de dinheiio
saía da bolSa dos compradores para entrar na dos prestamistas. Esse
acréscfmo a~ preço das mercadorias reduzia o poder e a vontade do
público, de coinprá-las" (p. 165).

Josias Chi/d•.. no século XVII, na obra Traités sur le commerce et


sur Jes tJJ1antages qui rêsultent de la réduction de l'intérêt de l'argent
(escrita em 1669 e traduzida qo inglês), Amsterdam e Berlim, 1754, como
também Thomas Culpeper em Tnrité contn: l'usure, 1621, 199 combate
Thomas Manley (aufor do trabalhó Interest ofMoney mistoken20CI), a quem
chama de "apóstolo dos usurários". O ponto de partida, n:aturalrilente,
como o de todos os argumentos desenvolvidós pelos economistas ingleses
do século XVII, foi a riqueza da Holanda, onde a taia de juro era -baixa.
Para Child, essa taxa baixa de juro é a causa da riqueza;, para Manley, é
apenas a conseqüência.

"Para ·'Wt; saber se um pais é pobre ou não, basta resolver esta questão;
qual.a taxa de juro que nele vigora?~ (l.c., p. 74).
"Apóstolo da quadrilha velhaca e tlimula dos usurários, instala sua bate•
ria principal no ponto que considerei o mais frágil ... Nega justamente
que a taxa reduzida do juro seja a causa da riqueza e afirma que é apenas
conseqllência dela" (p. 120).
"Quando se reduz o juro, os que retomam o dinhelro que empi:estaram
têm de comprar tenas" (cujo preço sobe com o número de compradozes)
"ou de empregá-lo no comércio" (p. 133).
"Enquanto o juro está a 6%, ninguém se e"porá a.corier o rlsco do
comércio marítimo, para ganhar apen115 B a 9%, lucro bastante satisfa-
tório para os holandeses, que têm de pagar o dinheiro a 4 e 3%" (p. 134).

199. Trait' contre l'uwre de Culpeper foi publicado pela primeira vez em
Londres em 16~1; a partir de 1668, essa brochura apareceu adicionada ao livro de
Oúld Traités_ .sur le commerce et IUf' les aJJSntages qui rlsultent de la réduction de
l'fntérêt de l'argent.,
200. Não foi possível comprovar que Tuom11S M.anley é o autor do livro anô-
n'mtolntert!$t ofm.oney mistaken, aparecido em Londres, em 1668.

1574
"O juro baixo e o alto pieço das tenas forçam o comerciante a perma·
necer no comércio" (p. 140).
"A reduçio da taxa de juro induz a nação à poupança" (p. 144 ).
"Se o que enriquece um país é o comércio e se a redução da taxa de juro
aumenta o comércio, baixa do juro ou restrição da usura é causa primária
e principal das riquezas de uma nação. Não é absolutamente insensato
dizer que ao mesmo tempo a mesma coisa pode em certas circunstâncias
ser causa, e nouuas,efeíto" (p. 155).
"A -galinha vem do ovo, e o ovo vem da plinha. O aumento da riqueza
pode vil da redução do juro, e redução ainda maior do juro pode vir do
aumento da riqueza. Mas obtém-se melhor a primeua redução por meio
de boas leis" (p. 156).
"Luto a favor da índústria, e meu adve.rsário defende a preguiça, a ociosi-
dade" (p. 179).

Sem rodeio& revela-se aí o paladino do capital industrial e comercial.

1575
Adendos
·Tabela de pesos, medidas e moedas
ingleses*

PESOS

tonelada = 20 quintafa
(hundredweights) = 1016,05 kg
quintal
(hundiedweight) .. 112 libras = S0,8023kg
libra "' 16 onças = 453,592 g

MEDIDAS

acre = 4 roods = 4046,7 m2


jarda = 3 pés ',: 91,439 cm
quarter (medida de capacidade) = 8 bushels = 291 S! aproximadamente
bushel = 8 galões = 36,360 ~
galão = 8 quartilhos (pints) = 4,545 f
quartilho (pint) = l /8 de galão = 0,568 fl

MOEDAS

libra (esterlina) = 20 xelins


xelim = 12 penee
pêní = 4 farthings
farthing = 1/4 de pêni
guinéu = 21 xelins
CQtoa = 5 xelins

• Na tabela não se levam em conta as adaptações atuais ao sistema métrico.

1579
Índice onomástico

ABRAHAM A SANTA CLARA, ver MEGERLE, Hans Ulrich


ANDERSON,James 109411081116
ANNA (Stuart) 1572 1574
ARISTÓTELES 1568 1570
ARND, Karl 1541

BAILEY, Samuel 1082 1083 11421166 1180 1188 1191-1195 1197-1220


1222 1230 1239 1308 1343
BANFIELD, Thomas Charles 1370
BARTON, John 1292
BASTIAT, Frédéric 1147 1539 1558 1560 1568
BENTIIAM, Jeremy 1563 1569 1572
BERNIER, François 1475
BRAY, John Francis 1365-1370
BUCHANAN, David 1444
BÜSCH, Johann Georg 1292

CAIRNES, John Elliot 1292


CAREY, Henry Charles 1235 1304
CARLOS II 1574
CARLOS MAGNO 1572
CATÃO (Marcus Portius Cato) 1563
CAZENOVE, John 1067 1070 1072-1073·1079 1085 1086 1088-1092
1222
CHALMERS, Thomas 1111 1357
CHA~E, Honoré-Joseph 1343
CHERBULIEZ, Antoine-EUsée 1405-1408 1412-1421 1423 1424 1436·
1438
CHEV:S, Charles-François 1560
CHILD, Sir Josi.ah 1507 1572 1575
CONSTANCIO, Francisco Solano 1160
CORBET, Thomas i:.\33 1334 1400
CULPEPER, Sir Thomas 1507 1572 1574
CUSTODI, Pietro 1315

DALRYMPLE HAMILTON MAGILL, Sir John 1572

1580
DARWIN, Charles Robert 1341
DE QUINCEY, Thomas 1179
DES'IDTT DE TRACY, Antoine-L-Ouis-Claude, .conde de 1233
DUJLIUS, Marcus 1573
DUREAU DE LA MALLE, Adolphe-Jules-César-Auguste 1573

FAIRBAIRN, Sir William 1481


FOURlER, François-Marie-Charles 1287

GALIANI, Ferdinando 1315


GANILH, Charles 1572
GARNIER, Germain, conde de 1082
GENUCIUS,Luciusl573
GI~ERT, James William 1573
GODWIN, William 1116

HENRIQUE VIII 1572 1574


HODGSKIN, Thomas 1312-1318 1322-1326 1328 1334-1345 1348-
1353 1356 1359-1365 1484
HOPKINS, Thomas 1313 1444
HORÁCIO (Quintus Horatius Flaccus) 1078
HÜLLMANN, Karl Dietrich 1573
HUME, David 1572

JAIMEI 1574
JONES, Richard 1439-1479 1482-1489
JUSTINIANO 1 1573

KING, Gregory 1370

LAlNG, Samuel 1339


LALOR,Jolm 13121334
LOCKE, John 1572
LUTERO, Martinho 1562-15641567-1571

MALTIIUS, Thomas Robert 1067-1097 11011103-11081111-11191126


1127, 1132 1134 1135 1138 1147 11511164 11651172 11751180
1203 1208 1209 1222-1224 1228 1230 123712911308 13151346
1353 1362 1375 1397 1454 1468

1581
MANLEY, Thomas l 574
McCULLOCH,John Ramsay 1084 1123 11421147 1158 1221•1232 1234-
1239 1288 1316
MEGERLE. Hans Ulrich 1107
MILL, James 1084 1085 1113 1120 1131 1139-1159 1218-1221 1225
1226 1230-123212341236 1237 1315 1325 1376 1437
MILL, John Stuart 1138 1160 1239 1243-1261 1263 1267 1270 1271
1273·1275 1277 1284 1285 1542 1543
MORTON, John Chalmers 1484
MULLION, Mordecai, ver Wilson, John

NEWMAN, Francis William 1572


NIEBUHR, B~old Georg 1573

OWEN, Robert 1110 1287 1310

PARISOT, Jacques-Théodore 1144 114811521154 1155


PATERSON,William1572
PEEL, Sir Robert 1271
PfNDARO 1323
PRÉVOST, Guillaume 1158 -1164 1238
PRÉVOST, Pierre 1117
PRlCE, Richard 1290
PROUDHON, Pierre ·Joseph 1558-1562 1567

RAMSAY, Sir George 1371-1377 1379-1384 13871391-1403 1406-1408


1413 1467 1468
RAU, Karl Heínrich 1541
RAVENSTONE, Píercy 1306 1307 1309-1311 1314 1355 1356
RICARDO, David 1067-1072 1075 1078 1080 1084-1089 1106-1111
1122 1124-1127 1129 1130 11341135 11391Í401142-1154 1158·
1162 1164-1166 116911701174-1176 1179-1181118611921193
1200-1203 1206-120812131217-12191221·1225 1227·1239 1242-
1244 1246 1252·1254 1258 1263 1275 1277 1285-12941302 1303
1305·1309 1312-1316 1322 1358 1359 1377 1378 1383 1395-1397
1436-1439 1442-1444 1446 1448 1450 1468 1469 1481 1487 1495
1539 1540 15421544 1552
RODBERTUS, Johnn Karl 1351
ROSCHER, Wilhelm Georg Friedrich í224 1234 1237 1396 1540

1582
ROTHSCHILD, James, barão de 1488
ROSSEAU, Jean-Jacques, 1118

SAINT·SIMON 1287 1508


SAY, Jean·Baptiste 1134 1147 1149 1160 1173 1174 1176-1178 1225
1232-1237130115391568
S~NECA (Lucius Annaeus Seneca) 1567
SENIOR. Nassau William 1085 1396 1543
SISMONDI, Jean-Charles Léonard Símonde de 1097 1106-1108 1110
1111 1116 1139 1308 1310 1335 1405 1423 1436 1438 1444 1464
SMITH, Adam 1068 1069 1071 1075 1078-1082 1084 1087 1094 1095
1107 1116 1120 1124 1125 lt29 Ú37 116(U65 117411751178
1225 1226 1233 1234 1238 1240 1253 1288 13021303 1312 1315
1318 1330 1359 1380 1383 1396 1425 1451 1454 1466 1.471 1481
1485 1495 1533 1538-1542 1551 1552
SPENCE, Thomas 1116
STEUART (STEWART), Sir James 12471292 1439
STIRLING, Patrick James 1241 1242
STORCH, Heínrích Fríedrich von 1398

TUCfDIDES 123 7 1540


TORR.ENS, Robert 1078 1113 ll24 1127-1135 11511218 1219 1230
1239 127112721307 1315
TOWNSEND, Joseph 1094 1108 1116
TRAJANO (Marcus illpius Trajanus) 1573
TURGOT, Anne-Robert-Jacques, barão de l'AuJne 1318 14731517

URE, Andrew 1482

WAK.EFIELD, Edward Gibbon 1150 1240 13021336


WARWICK, Richard Neville, conde de 1457
WEST, Sir Edward 1353_
WILSON, John 12371238

1583
Índice analítico

AÇÕES 1336
ACUMULAÇÃO DO CAPITAL 1299 1300
conversão de renda (revenuc) em capital 1()94
forma capitalista da reprodução ampliada 1320-1322 1361 1379
1380 1422 1423
lei da produção capitalista 1461
e acumulação em modos de produção pré-capitalistas 1460-1462
1465
crescimento da população, base da - 1290 1291
limite qualitativo da - 129 l
e acumulação do trabalho 1130
e salário 1293 1460 1461
e produtividade do trabalho 1174-1176 1389
e divisão dó trabalho 1318- 13 21
e comércío extetjor 1485
e concentração do capital 1161
e a composição orgânica do capital 1292 1293
e consumo 13 82
e crédito 1554 1555
e crises 1421 1422
e situação da classe trabalhadora 1379 138,0 1395 1396 1480 1481
e lucro 1094 1348 1349 1461 1485-1488 , -
Smithea-138014211481
idéias vulgares sobre - 1320-1322
ver fundó de acumulação
ACUMULAÇÃO PRIMITIVA DO CAPITAL 1300 1320 1357 1360 1361
1459
ADIANTAMENTOS DE CAPITAL 1130 1134 1135 1430 1431 1518
1519 1549 1550
AGRICULTURA
produtividade do trabalho na - 1348
pré-capitalista 1462 1463 1485
desenvolvimento do capitalismo na - 1153 1154 1442 1443
atraso da agricultura em relação à indústria no capitalismo 1347
lucro suplementar na - 1170 1171 1430 1440 1442 1443 1453
na Inglaterra 1446 1450 1451
ver fertilidade do solo, produtos agrícolas, trabalhador agrícola

1584
AGROQU{MICA 1336
verquimica
ALIENAÇÃO (ENFREMDUNG) 1308 1313 1319 1320 1340 1342 1343
1360 1361 1506 1522 1528 1530-1533 1535 1536 1540 1565
AMORTIZAÇÃO DO CAPITAL FIXO
e procura de trabalho 1123
ver fundo de amortização
ANTAGONISMO DE CLASSES
no capitalismo 1117 1152
ANTIGÜIDADE 1350 1456 1457 15661568 1573
APOLOGÉTICA 1221122212241225 1493-1495 1534-15361539 1540
ARRENDATÁRIÓS
capitalistas 1336
ARTESÃOS
trabalho por encomenda 1333
ÁSIA
modo pré-capitalista de produção n<. 1455-1457 1468 1471 1483
1484
fo~as prê-capitalistas de renda na - 1440-1442
propriedade da terra na - 1461 1475
trabalho artesanal e manufatureiro na - 1474 1475

BANQUEIRO 1122
BURGUESIA
posição da - em face do Estado 1488 1507 1569

CAMPO
mercado das mercadorias urbanas na Idade Média 1318
C,AMPONESES
produto excedente dos - 1413
CAPITAL
relação de produção 1285 1313 1314 1318 1373 1454 1461-1467
valor que acresce a si mesmo 1186 1192 1464
mercadoria 1496 -1499 1505 1506 1530
dinheiro 11921506151115121514:1516 1525 15261530
precondíção da produção capitalista 1515 1516
trabalho assalariado, base da existência do - 1373 1467 1468
oposição entre - e traballio assalariado 1110 111113191320 1368
1369 1458 1459 1515 1516

1585
papel do - no processo de produção e de reprodução 1520 1521 1529
1530
razão histórica do - 1469 1470
papel revolucionário do - '1466 1467 1484
e desenvolvimento da produtividade do trabalho 1466 1467
-caráterdefetichedo-131413421493-14961505 15061532
1536
fictíeio 1165 1166
individual, parte do capital global da sociedade 1136
global de toda a elasse eapitalista 1505
- e renda (revenue) 1388-1390
consuffiido e empregado 1414-1416
fonnas do - em modos de produção pré-capitalistas 1507·lS1 O
1526 1531 1562-1567
circulante
ausência do - -* ou do fixo em certos ramos industriais 1429
1433 1434
rotação do - - 1433
constante 1276 1277
elementos do - - 1243
e capital variável 13711372 1406-1408
reprodução do - - 1299
valor e valor de uso do - - 1230 1231 1267
e processo de fonnação do valor 1230 1.231 1261
influência da variação do valor do - - sobre a mais-valia, taxa de
lucro e salário 1267-1277 12811282139113921425
desvalorização do - .:.... oriunda da produtividade crescente do
trabalho 1267
fixo
rotação do - - 1429 1430
e valor da mercadoria 1429
e taxa de lucro 1429 1430
rentabílidade da aplicação do ·- - 1478 1479
queda do valor do - - 1429 1430

*Quando se usam dois travessões seguídos (- -), seIVem eles.para representar


epígrafe que possuí um travessão, ou, quapdo a epígrafe não tem travessão e depende
de título anterior, serve o primeiro travessão para representar esse título, e o segundo,
aquela.

1586
ausência do - - e do circulante em certos ramos industriais 1429
1433 1434
ver amortização do capital fixo
industrial
forma fundamental das relações de capital 1467 1508 1509
formas derivadas e secundárias do - - 1508 .
e capítal produtor de juros 1507-1509 1513 1530-1532 1562
1563 1568 1569
e sistema de crédito 1509
e mercado 1510
produtivo l 506 1569
produtor de juros
produto necessário do modo capitalista de produção 1511-1513
fetichismo do - - 1493-1497 1501 1502 1506 1516 1517 1528
1529 1536 1540
ísolamento do - - do processo de produção 1501 1525 1540 .
. e a propriedade jurídica dissociada da econômica no capítal 1502
1512-15141528 1529 1545
capital global da classe capitalista 1505
mercadoria 1496-1498 1505 1506 1530
concentração do - - 1SOS
fonnas pré-capitalistas do - - 1507 1526 1531 1562-1567
e capital industrial 1507-1509 1513 1531 1532 1562 1563 1569
e lucro industrial 1530 1531
e crédito 1.554 1555
ejuro 1527153115321545 1546 1555-1558
combate do socialismo pequeno-burguês ao - - 1497 1507
1508 1558-1562
ver crédito, capital usuário, juro
Vfiriável 1340
e capital constante 1371 1372 1406-1408
decréscimo absoluto e relativo do - - 1284 1424 1425 1459
e fundo dos meios de subsistência 1291 1292 1413 1414
composição do -
segundo o valor; variação do valor dos componentes do capital
1425-1430
técnica 1424-1427
orgânica 1424-1430
barômetro do desenvolvimento da produção capitalista 1406-1408

1587
reflete o estádio da produtívidade do trabalho 1347 1356 1407,
1415 1416 1425 .
em distintos ramos de produção 1552
e os economistas burgueses 1170 1316 1343 1344 1371·1373 1466
1467
ver acumulação do capital, adiantamentos de capítal, amortização do
capital fi::w, capital comercial, capital mercantil, centralização do
capital, concentração do capital, produtividade do capital, rotação
do capital
CAPITAL COMERCIAL
e capital industrial. 1508-1510 1562 1563
transformação dos comerciantes em capitalistas industriais 15091510
ver capital mercantil
ÇAPITAL-DINHEIRO 1423
CAPITAL MERCANTIL
lucro do - 1435 1461
ver capital comercial
CAPITAL USUÁRIO 1509 1562-1,575
forma pré-capitalista do capital que rende juros(= produtor dejuros)
1507 1526 1531 1562-1567 .· .
subordinação do - ao capital industrial 1567 I 5n,
e juros compostos 1350
Bentham, defensor da usura 1562 1563 1569 1572
e Lutero 1562-1572
CAPITALISTA
capital personificado 1320 1342 1343 14011550
agente de produção 1361 1533 1534
apropria-se da mais-valia 1442 1461 1511 1512
pequenos - 1400
expropriação dos - ·--· 1357 1361 1487
os - tornam-se supérfluos 1361
nas concepções de economistas burgueses 1361,1494 15241540 1541
CAPITAL-MERCADORIA I 330
CATEGORIAS DIALÉTICAS
conteúdo e forma 1506 1507
essência e fenômeno 1124 1127 l 166 1183 1184 1193 1194 1201
149'.3-1495 1506 1507, 1537-1541
CATEGORIAS ECONÔMICAS 1142 1143 1217 1526
CENTRALIZAÇÃO Dú CAPITAL 1357 1361

1588
CHINA 1472-1474
CIDADE
na Idade Média 1318 1457 1473 1474
na Ásia 1474 1475
. CI™CIA
a serviço da produção material 1483 ,
e progresso das forças produtivas 1479 1480 1485
CIRCULAÇÃO
fa5e intermediária entre produção e consumo 1329
reservatórios da - 1328-1337
e reprodução 1317
processo de - e processo de produção 1521
ver circulaçlio do dinheiro, circulação de mercadorias
CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS 1167 1420
· e troca de capital por tiabaJho assalariado 1337
e circulação do dinheiro 1185 1186
CIRCUi,AÇÃO DO DINHEIRO
e circulação de mercadÓrias 1185 1186
ponto de partida de produção capitalista 1167
CIRCULAÇÃO MONETÁRIA
ver circulação do dinheiro
CLASSES
na sociedade capitalista 1107 1117 1118
e repartição da mais-valia 1141
produtivas e P:nprodutivas l 076 1077 1107 1175
improdutívasl 106
ver burguesia,.classe trabalhadora
CLASSE TRABALHADORA 1395 1565
condições de existência da - 1379 1380 1395 1396
participação da - na população total, no capitalismo 1118
participação da - no valor do produto 1147-1149
e Malthus 111 7 1118
COLÔNIAS
mercado para o capital industrial 151 O
COMERCIO
ponto de partída da produção capitalista 1167 1510
COMÉRCIO EXTERIOR
precondição e resultado da produção capitalista 1302 1303 1562
e desenvolvimento do trabaJho abstrato 1302 1303

1589
e lei do valor 1160
e dinheiro mundial 1302 1303
fator de acumulayão 1485 .
e produto excedente 1291-1293 1301 1302 ,
e artigos de luxo J 294 1295
COMPRA E VENDA
das mercadorias 1186
da força de trabalho 1168
contradição entre - 1110 1143 1174 1175
coincidem na troca imediata 1175
consideradas idênticas na economia política burguesa 1143 117 5
mais-valia e lucro explicados pela venda das mercadorias acima do
valor 1071 1132 1133
COMUNISMO
resultado do desenvolvimento das contradições da produção capitalis-
ta 1313 1314 1463 1468 1469
bases materiais 1463 1468
relações de produção 13211462 1463 1560
produção no - 1173 '
produção e satisfação das necessidades no - 1173
trabalho no - 1560
tempo de trabaJho e laur no - 1305 1306
e divisão do trabalho 1321 '
reproduçã'o ampliada no - 1382 1395
fundo de seguros no - 1401
CONCENTRAÇÃO DO CAPITAL 1318 131913611487 1505
CONCENTRAÇÃO DA PRODUÇÃO 1318-1320 1465 1466
CONCOR!leNCIA
entre distintos ramos de produção 1124 1125 1138 J140 1141
dentro de um ramo de produção 1348 1512
entre os capitalistas 1399
entre os trabalhadores 1355
e formação da taxa geral de lucro e dos preços de produção 1124
1125 1137 1138 1503 1504
e formação do valor de mercado e do preço de mercado 1347 1512
configuração invertida das relações econônúcas na - 1087 1550 1551
CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO
ver condições de trabalho

1590
CONDIÇÕES DE TRABALHO
unidade de trabalhador e - 1462 1463
fonna das - em face do trabalhador 1455
dissociadas dos produtores no capitalismo 1319 1320 1395 1396
1462 1463 1531-1533 1565
os produtores dissociados das -, pressuposto e condíçã'o fundamental
da produção capitalista 1144 1319 1'320
e propriedade do capital 1319 1320 1340 1395 1396
CONSERTOS
ver trabalhos de reparação
CONSTRUÇÃO E FABRICAÇÃO DE MÁQUINAS 14211422
CONSTRUÇÕES
ver indústria de construções
CONSUMO
· indi\'idual e produtivo (industrial) 1322 1325·1327 1559
dos trabaJhadores 1393
d~ mercadoria força de trabaJho 1145
e produção 111 O 1175 1329 1334 1335 1339 1340.
contradição entre produção e - no capitalismo 111 O
e reprodução 1330 1331
e acumulação 1382
e valor do uso f339 1478
serviços empregados no - do produto 1298 1299
no comunismo 1173
Malthus advoga o - improdutivo 1077 1078 1096 1097 1105-1107
1294
CONTABILIDADE
capitalista 1265 1267
CONTEúDO E FORMA 1506
CONTRADIÇÕES
unidade doscontrários 1142 1143 1155
do modo capitalista de produção 1110 1111 1138 1139 1152 1175
1218 1307-1310 1361 1403 1404 1463 1468 1469 1515 1516
15321533 1535-1539
solução das - no capitalismo 1078 1553 15 54
entre produção e· consumo no capitalismo 1110
ver oposi.ção, antagonimio de classes
COOPERAÇÃO 13.18 1319
CORPORAÇÕES 1457 1509
CORVÉIA 1441

1591
CRÉDITO
resultado e condição da produção capitalista 1488 l 509 1554
funções do - no modo capitalista de produção 1554 1555
meio para acelerar o processo de reprodução 1525
e acumulação do capital l 5 54 15 5 5
e crises econômicas 11 76 11 77
ver sistema de crédito
CREDORES E DEVEDORES 1498-1505 15591560
CRISES ECONÔMICAS
resultado da produção capitalista 1109-1111 1138 1175-1177
processo violento de ajustar contradições existentes 1175 1553
e crédito 1176 1177
e acwnulação do capital 1421 1422
periodicidade das - 1111
concepções burguesas das - 1105-1107 1110 1111 1155 11 76 1177
ver superprodução
CUSTO DE PRODUÇÃO 112511261129113011341135 15191549
diferentes conceitos de - 11~4-1137 1218 1245 1246 1549 1550
causas de redução do - 1266 1267
e produção de mais-valia 1519 1520 ,"

e força de trabalho 1202 1203 1276


falsos custos (faux frais) 1399 1542
no sentido de valor 1255-1257 1267 1273 1276 ·
imanente da mercadoria 1135 1136 1549 .
no sentido de preço de produção 1119 1134 1135 1549 1550
no sentido capitalista 1135 1136
e lei do valor 1136 1137 1220 1221
ver preço de produção
CUSTOS ACES~ÓRIOS
ver falsos custos
CUSTOS IMPRODUTNOS, MAS NECESSÁRIOS
ver falsos custos

DARWINISMO 1341
DINHEIRO
equivalente uruversal 1190 1191 1506
expressão do traballio social geral 1191 1199
fonna autônoma do valor de troca 1185 1186 119111921413
valor, pressuposto do - 1214·1216

1592
precondição do modo capitalista de produção 1554
caráter de fetiche do dinheiro 1342 1532
capital potencial 1512 1514-1516 1525 1526 tS30
funções do -
medida dos valores 1095 1096 1188 1189 1191; estai ão de preços
1215 .
meio de círculação, meio de compra 1525
meio de pagamento 1168 1215 1216 1525 1526 1545
meio de entesouramento 1216 1329
dinheiro mundial 1302 1303
na economia política burguesa 1109 1191 • 1193
DIREITO . .
situação econômica e direitos civis dos trabalhadores 1471
forma jurídica da venda da força de trabalho 1168 1169
DISTRIBUIÇÃO
relações de produção e de - 1111 1138 1139 1519 1520 1537
do trabalho e do capital entre os ramos de produção 1504
da mais·valia 1141 1142 1400
DfVIDA PÚBLICA 1355
DIVIDENDOS 1136
DIVISÃO DO TRABALHO 1393
na sociedade 1317 -1319
na empresa 1316-1319
no comunísmo 1321
e cooperação 1318 1319
e combinação de ramos de produção 1266 1267 1326-1328
e produção de mercadorias 1317 1318 1335-1337
e produção em massa 1318 1319
e densidade da população 1318
Smith 1120

ECONOMIA POLÍTICA
ciência 1540 1551
história da-11641307 1308 1538-1541
burguesa 1201 1307 1308 1313 1314 1316 1323 1324 1468 1469
caráter apologético da - - 1221 1222 1224 1225 1493 1494
1534 1539
· modo de ver não histórico 1109 1288 1308 1313-1315 1320-
1324 1342 1368 1406 1442 1456 1529; sentido da diferença

1593
histórica entre os modos de produção em Jones e outros 1403
1439 1442 1454 1455 14641466-1470
métodos errôneos·de abstração 1141-1143
empirismo e escolasticismo da"""" - 1084
fetichismo da - - 1184 1185 1201 1316 1322 1324 1467 1493·
1495 1501 1502
e sistema monetário 1071
clássica 1468 1469 14941495 1537·1540
opõe.se à economia vulgar 1494 1495 1538 1539
desenvolve a teoria do valor segundo o trabalho 1307 1308 1469
ver economia vulgar, escola ricardiano., fisiocratas, malthusianismo,
mercantilismo, método da economia política burguesa, Ricardo,
sistema monetário ( metalismo) Smith. socialistas, ricardianos
ECONOMIA VULGAR 1193-1195 1199 1200 1221 1222 1224-1226
t239 1316 1322 1502 1524 1537-1542 .
em oposição à economia política clássica 1494 1495 1537-1540
caráter de plagiâria da- 1069 1081 1082 1107110812261235 1237-
1239 1539
dissimula a relação entre capital e trabalho assalariado 1143-1151
nega a teoria do valor pelo trabalho 1208-1210 1214.1217
identifica valor de uso com valor, oferta com procúra, compra com
venda, produção com consumo 1120 1155 1156 11'.75 1236 1237
e as relações entre salário e preço 1150 ,
e renda fundiária 1493-1495 15271528 1555-1558
e crises 1155 1156 11761177 '
e lucro 107110721075-1078 1227 1228 1232
ver apologética, malthusianismo
ENTESOURAMENTO 13221324
dinheiro, meio de - 1216 1328 1329
ESCOLA RICARDIANA
il vulgarização da teoria econômica de Ricardo 1221 1222 1224 1225
q 1234 1235 1237 1254 1543 1544
i' solução escolástica das contradições da teoria de Ricardo 1084 1127 ·
l
l
1129 1139-1142 1146 1147 1150 1151 1179 1248 1249 1251-

ll 1253
método de investigação da - 1084 1127 1129 1137 1139 1142
1143 1146 1147 1151 1155 1175 1176 1179 1244 1247-1249
1284 1285 1419 1420 1538 1539
e fonnas de produç!o e de distribuiçã:o 1138 1139
l
1
1
ll'
Vi 1594
considera a produção burguesa forma absoluta da produção 1138
1139 1152 1469
e as relações entre capital e trabalho assalariado 1077 1078 1114
1143-1149 1152 1153 1222 1223 1284 1285 1293 1294
nega o efeito da lei do valor no capitalismo 1128 1129 1137 1150
1228 1229 1285
identifica. valor de uso a valor 1237
determina o valor da mercadoria pelo valor do capital 1130 1131
1137
identifica mais-valia a lucro 1140-1142 1244 1249 1257 1258
1270 12711285
idéias vulgares sobre lucro 1132-1134 1252-1254 1543 1544
e renda fundiária e propriedade da terra 1106 1107 1439-1453
1469 1512
polemiza -com o malthusianismo 1077 1078 1114 1115
dissolução da - 1084 1139 1140 1142 1143 1146 1147 1150 1165
. 1221 1224 1225 1234 1237 1285
ESCRAVIDÃO
fonna do trabaho excedente na -1440 1441
e preço do trabalho escravo 1147
feitor de escravos 1534 1544
e relações capitalistas 1292 1459
ESSnNClA E FENÔMENO 1124 1127 1128 1166 1182-1184 1193 1194
12011493-1495 1506 15071537-1541
ESTADO
mstrumento da burguesía 1488 1507 1569
e nacionalização da terra I 512
proprietário da terra na Ásia 1461 1475
ESTADOS UNIDOS U 70 1292 1334 1458 1480
ESTATÍSTICA 1370
ESTOQUE DE MERCADORIAS
necessídade de - 1324 1335
decréscúno relativo do - com produção crescente 1332-1334
e desenvolvimento dos meios de transporte 1332 1335
e esfera de circulaçlo 1328-1330
EXPLORAÇÃO
dos trabalhadores assalariados pelo capital 1349 1352 1354-1356
. 1395 1532-1534
EXPORTAÇÃO DE CAPITAL 1177

1595
FÁBRICAS
cooperativas dos trabalhadores 1399 1535 1542
FALSOS CUSTOS (FAUX FRAlS) 1399 1542
FERTILIDADE DO SOLO
e renda fundiária 1430
e mais-valia relativa e absoluta 1489
FETICHISMO
das mercadorias 1185 1192 13421532 1544 1545
do dinheiro 1342 1532
do capital 131413421493-14961505-150715321536
do capital produtoc de juros 1493-1497 1500-1502 1505-1507
1516 1517 1528 1536 1540 1541
dos economistas burgueses 1184 1185 1201 1316 1322 1324 1467
1493-1495 1502
FISIOCRATAS
papel dos - na história da economia política 1170
concepções dos - sobre mais-valia 1170 1488
renda fundiária, única fom;ia de mais· valia 1S17 1518
ejuro 1517 1518
idéias dos - em economistas posteriores 1235
FORÇA DE TRABALHO
mercadoria 1144 1145 1165 1168 1169 1319 1337
valor de uso d~ -1145 1231
valor da -1218
custos de produção e reprodução dela 1202 12031276
pagamento abaixo do valor dela 1393
condições de compra e venda da- 1168 1169
a economia política burguesa confunde - com trabalho 1080 1144
ver condições de trabalho, divisão do trabalho, jornada de trabalho;
processo de trabalho, produtividade do trabalho, tempo de traba-
lho, trabalho, trabalho assalllriado, trabalho excedente
FORÇAS PRODUTIVAS
do trabalho social cómo - do capital 1170
e relações de produção no capitalismo 1110 1111 1469 1470
FORMA MERCADORIA DOS PRODUTOS 1129 1167 1168 1335-1340
FORMAS DE PRODUÇÃO .
e formas de repartição 1110 1111 1138 1520 1537
FUNDO DE ACUMULAÇÃO 1113 1123
FUNDO DE AMORTIZAÇÃO 1113 1123

1596
FUNDO DE CONSUMO 1298 1299 .
FUNDO DE TRABALHO 1291 1454-1457 1462 1464 1465 1470

GUERRA 1106

HOLANDA 1562 15691574


HOMEM
e natureza 1341
pressuposto e resllltado da história da humanidade 1530
proprietário e trabalhador 1420
na sociedade burguesa 1488

IDADE MÉDIA
capital usurário 1562-1565 1567 1568 1572 1573
corporações: 1457 1509
ver feudalimw
IGREJA 1357 1467
IMPOSTOS
conversão de pagamentos com produtos em pagamentos com dinheiro
1336
INDÚSTRIA
e agricultura 1347
extrativa ver mineração
INDÚSTRIA E CONSTRUÇÕES
tempo de produção na -1431 1432
INDÚSTRIA DOM~STICA 1463 1485
INDÚSTRIA DE TRANSPORTES
ramo da produção material 1371
ausência de matérias-primama - 1433 1434
e progresso das forças produtivas 1480
e redução do processü de reprodução 1332-1334
e volume do estoque de mercadorias 1333 1334
INGLATERRA 1455
população 1369-1370
classes 1397 1456 1457
situação dos trabalhadores 1308
comércio exterior 1271
dinheiro e crédito 1397 1398
indústria 1334

1597
fábricas, cooperativas dos traballiadores 1399 1535 1542
leis dos cereais 1068
agricultura e condiçõesag1árias 1446 1450 1451
superprodução e crises 1177
subordinação do capital produtor de juros ao capital industrial 1562
1563 1569
INTENSIDADE DO TRABALHO 1353 -1356 1535

JORNADA-DE TRABALHO
limites físicos e sociais da - 1347 1354
e força de trabalho 1203 1355
e mais-valia absoluta 1277 1306 1307
global, limite da acumulação de capital 1291
prolongamento da - 1203 1277
JURO
forma secundária da mais-valia 1500 1510 1511 1525-1527 1530
1531 .
e taxa de lucro 1487 1511 1572 1573
founafetichizadadocapital ÍSOI 15021527-15291531-1533 _
valor da mera propriedade do capital 1500· 1502 1516 /
preço do capital 1545 1546 1555-1558 .
do capitalista que emprega o próprio capítal 1514 151-51517 1518
1531 ,•
componente dos custos de produção do.-capítalista índustríal 1138
1518-1520 1546 1549 -
e capitalização da renda da terra 1557 1558
nos diferentes modos de produção 1526 1527 1572-1574_
combate ao juro corno forma autônoma da mais-vai.ia 1496 1497
1507 1508 1512 1558-1562
e fisiocratas 1517-1518

LEI
da população no capitalismo J107
tendência a cair da taxa de lucro
e desenvolvimento da composição orgâníca do capital 1266 1348
1357
fatores que se opõem a essa tendência 1357 Ü58
e exploração dos trabalhadores-1348 1357
e concentração do capital 1487

1598
no sistema de Ricardo 1359
os ricardianos radicais explícam a - pelos juros compostos 1290
1359
segundo Smith 1359
LEI DA POPULAÇÃO NO CAPIT AUSMO 1107
LEI DO VALOR 1521
e troca de equivalentes 1181-1185 1189 Íl90 1193 1194 1201
1204-1206 1419 1420
vigência da - no capitalismo 1125-1130 1136 1137 1217 1218
1221
e troca entre capital e trabalho assalariado 1069 1071 1074-1076
11441147 1148 14191420, is20, 1s21-
sua vigência em diferentes países 1160
LEIS DOS CEREAIS NA INGLATERRA 1068
LUCRO
fonte do - 1074-107611361175 1228 1402
forma transmutada da mais-valia 1140 1244 1499 1500 1521 1522
1525 I 528
objetivo imediato da produção capitalista 1073 1137 1138 1175
1177
mistificação da relação de capital 1499 1500 1521-15241528 1530-
1534
e acumulação do capital 1094 1348 1349 1461 · 1485 -1488
taxa e montante do --1093 109412841356
relações entre -, renda fundiária e juro 1519
médio J 1381397-14021443 1483 1513-1518
modificação da mais-valia 1140 1244 1499 1500 1521 1522 1525
1528
e preço de produção 1549
e lei do valor 1126
suplementar 1170 1171 1430 1440 1442
na indústria 1430
na agricultura 1170 1171 1403 1404 1430 1440 1442 1443 1453
industrial
seu papel regulador 1153 1154 1161 _1162
renda fundiária e juro corno ramificações do - - J402
concepções de - da economia polftica burguesa
mais -valia identificada com lucro 1092 1141 1142 1244 125 8
1271 1285 1303 1419

1599
concepções apologéticas 1071 1072 1074· 1081 1087 1088
1092 1096 1101 1102 1118 1119 1132 1227 J228 123~
12421517.1530153115331543 1545 1546
explicaç(fo do lucro pela venda da mercadoria acíma do valor
1070 1071 1132
e Ramsay 1398 1402
segundo Smith e Ricardo 1153 1154 1164 1541
ver taxa de lucro
LUCRO COMERCIAL
e taxá geral de lucro 1435
em modos de produção pré-capitalistas 1461

MAGNITIJDE DO VALOR· 1183 1185 1186


MAIS-VALIA 1070 1071 1244 1288 1289 1303 1306 1307 1520 1521
origem dá-- 1069-1071111811191519 1520
e produtividade do traba1ho 1377 1488 1489
e produto excedente 1413
absoluta 1277 1307 1488 1489
fertilidade natural do solo 'base da - - 1489
relativa 1307 1488 1489
apoia-se no desenvolvimento da produtividade dO trabalho 1307
1314 1489
taxa de -1277-1281 ..
fatores que influenciam. seu nível 1425-.1427
e taxa de lucro 1244 1249 1262 1263 1268--1269 1277·1280
magnitude da - 1278 -1281
fatores que a determinam 1244 1377-1378
e salário 1203
e capital variável 1520 1521
formas particulares da - 1303 1304 1520 1521 1524
lucro, fonna transmutada da - 1140 1244 1499 1500 1521 1522
1524 1525 1528
apropriação imedi.ata da - pelos capitalistas participantes diretos da
produção 1442 1461 1511
repartição da - 1141 1400 1401
concepções da economia política burguesa sobre a-mais-valia
· confu.são da mais-valia com suas formas transmutadas 1141 1142
1244 1258 12711285 1303 1419
os mercantílístas explicam-na pela troca 1071 1132

1600
fisiocratas e - 1170 1488
Ramsay e - 1373-1377
Ricardo e -1069-1072 1088 1089 1125 1140 1203 1213 1244 1253
1288 1303 1383
Smith e - 1288
economistas vulgares e - 1071 1132
MALTHUSIANISMO
característica geral do -
hostil ao povo 1116 1118
retrocesso na economia política 1071 1079 1083 ·
Malthus, plagiário 1069 1082 1108 1111 1116
teoria da população 1091 1096 1308 1346 1347
defesa de grupos parasitários 1069 1076-1078 1106 1107 1112
1116-111811751291
apologia da miséria dos produtores 1107 l 112 1116
e trabalho produtivo e improdutivo 1090
advoga o consumo improdutivo 1077 1078 1096 1097 1104-
1107 1294
e as contradições da sociedade capitalista 1069 1084 I 112
e a troca entre trabalho assai ariado e capítaJ 1070· l 073
teoria vulgar do valor no - 1071 1072 1078·1083 1085·1087 1094-
1096 1101 1102 1106 1134 1353
crítíca da teoria do valor de Ricardo 1068-1070 1074 1075 1084-
1086 1107 1118 1126 1224 1229 1230
explicação vulgar do lucro 107_1 1072 1074-1076 1078-1081 1087
1088 1093 1094 1096 1101 110211191132
"remédios,, do - contra as crises 1104-1106
MANUFATURA
forma de divisão. do trabalho 1319
trabalho por encomenda 1333
na Idade Média 1509
MÁQUINAS/MAQUINARIA
valor e produtividade das - 140814091480-1482
e valor da mercadoria 1119 1409 1410
influência da variação de valor das ·- na composição orgânica do
capital e na taxa de lucro 1391
e ·produtividade do trabalho 1408 1409
e acréscimo da populaçao 1294

1601
repercussões do emprego capitalista das - na classe trabalhadora
1120 1121 12921408 1480 1481
ver constrnção e fabricação de máquinas
·MATEMÁTICA 1142 1198 12141518 1519 1555
MA TERIAS-PRIMAS
processo de produção das- 1410 1411
procura de - 1271 •1273
influência da variação do valor das - sobre a taxa de lucro 1268-
1274 1410 1411
MEIOS DE PRODUÇÃO
e trabalhadores 11 70
MEIOS DE SUBSISTBNCIA
forma mercadoria dos - no capitalismo 1337 -1340
capita] variável 1291 1340 1413 1414
MERCADO
fase de círculação da mercadoria 1329 1330
condição de existência da produçã'o capitalista 1S1 O
magnitude e expansã'o do - .1317 1318 1335 ·
saturação do - 1329 1330
e flutuações de preços 1331 1332
de mercadorias e de trabalho 1266
ver comércio. preço de mercado, valor de mercado
MERCADO DE DINHEIRO 1504 1505
MERCADO DE MERCADORIAS 1266
MERCADO DE TRABAIBO 1266 ,
MERCADO MUNDIAL 12921302 1303 1510 1566
MERCADORIA 1167 1168
precondição e resultado da produção capitalista 1129 1167 1220
1221 1420 1507 1554
duplo caráter da - 1143 1155-1157 1185 1186 1556 1557
e dinheiro 1110 1111 1143 1175
condições de produção e realização da - no capitalismo 1072 1073
1138
caráter de fetiche da - 1185 1191 1192 1342. 1532 1544 1545
ver estoque de mercadorias, forma mercadoria dos produtos, produção
de mercadorias. troca de mercadorias
MERCANTILISMO
explica a mais-valia pela troca 1071 1132
de economistas posteriores e Steuart 113 2 1224

1602
METAMORFOSE DA MERCADORIA 1109 l 143 1278 1317 1318 1326·
1331 1497 1498 1554
METAMORFOSE DO CAPITAL 1497 1498 1554 1559
Ml!TODO DA ECONOMIA POLffICA BURGUESA
método de investigação de Smith e Ricardo 1069 1124 1125 1179
método dos economistas da escola ricardiana -1084 1127·1129 1139
1141·1143 1146 1147 1151 1155 1176 1179 1244 1247·1249
1285 1419 1420 1538 1539
método da economia vulgar 1188 1189 1193 1194 1199 1200 1239
1493 1494 15241525 1537·1540
M1NERAÇÃO
não se emprega matéria·prima na -1429
MODO DE PRODUÇÃO
e modo de apropriação do produto 1455 1456
e modo de acumu:lação 1460-1462
modos de produção pré-capitalistas 1167 1461 1507 1526 1531
1562-1567
capitalista
característica geral 1107 HIO 1111 1173 1181 1307 1308 1420
1464-1466 1483 1484 1526 1527
caráter cosmopolita do - - 1488
pressupostos e condições fundamentais do - - 1319 1320 1529
15301553 15541566
forma mercadoria dos produt~ base do - 1129 1167 1168
1335-1337
contradições do - - lllO 1111 1139 1152 1175 1305-1310
1361 1403 '1404 1463 1468 1469 1515 15161532 1535 1536
1538 1539 1553 1554
limita o livre desenvolvimento das forças produtivas 1110 1111
1138113911711174 1177
como se desenvolve na agricultura 1153 1154 14421443
e a dupla qualificação dos camponeses e artesãos 1464
caráter hlstórlco transitório do - - 1361
preparação material para o comunismo 1314 1463 1468 1469
a economia política burguesa, expressão teórica do - - 1307 1308
1314 1323 1324
forma única e eterna para os economistas burgueses 1110 1288
1308 1314 1322 1442 1456
ver comunismo, escravidão, feudalismo, sociedade primitiva

1603
MONOPÓLIO
da propriedade fundiária 1512
monopolização de forças.da natureza 1234
ver preço de monopólio

NACIONALIZAÇÃO DA TERRA 1512


NATUREZA .
condições naturais de produção 1141 1230
e o homem 1341
desenvolvimento dos animais e plantas 1341
forças naturai.s e modo capitalista de produçfo 1234 1235. 1347
1355 1356
NECESSIDADES
e nível da produtividade do trabalho 1488 1489
do trabalhador 1339
satisfação das - 1335 1336
no comunismo 1173
'
OFERTA E PROCURA 1120 1149-1151 1155·1158 1358 1545 1546
ver procura
OPOSIÇÃO
entre valor de uso e valor 1156 1157 1182 1183 1185 .
entre trabalho concreto e trabalho abstrato 1185 1186 n 90 1191
entre trabalho privado e trabalho social 1190-1192 ·
entre trabalho vivo e trabalho materializado 1324 ,
OURO (E PRATA) 1188-1190 1562

PAUPERJSMO 1308 1352


PAUPERIZAÇÃO
result~do necessárió do capitalismo 1112 1,181 1307 1308 1352
e sobrecarga de trabalho 1352
e acumulação do capital 1380 1395 1396
ver exploração, pauperismo, superpopulação relativa
PECUÁRIA 1221 1335 1421 1431 1551 1552
PERfODO DE PRODUÇÃO
ver tempo de produção
PBR.fODO DE TRABALHO
ver tempo de trabalho

1604
POPULAÇÃO
global e classe trabalhadora na sociedade burguesa 1118
crescimento da - e produtívidade do trabalho 1293 1294
e acumulação de capítal 1290 .
ver lei da populaÇão no capitalismo, wperpopulação relativa, teoria
da população
PRATA
ver ouro
PREÇO
expressão monetária do vafor 1215
e valor 11851186 1551·1553
elementos do - 1547-1549·1551·1553
flutuações de -1166 1331 1332
dos produtos agrícolas 1159 1160 1347 1446
PREÇO DA TERRA
renda fundiária capitalizada 1519 1555-1557
PREÇODEMERCADO 1505150615451546
e· preço de produção 1546 1551 1552
e valor de mercado 1552
PREÇO DE MONOPÓLIO
dos produtos agrícolas 1347 1348
e renda fundiária 1444 1445
PREÇO DE PRODUÇÃO (PREÇO DE CUSTO, PREÇO ~ÉDIO)
resultado da concorrência entre os ramos de produção 1124 1125
1137 1138 1504
conseqüência e resultado do desenvolvimento da produção capitalista
1221
e valor 1135-1137 1220 12211419 15221546 1551-1553
e preço de mercado 1546 15 51 1552
e renda fundíária 1154
e flutuações do salário 1377 1378
valor identificado com - na economia política burguesa 1084 1087
1125 1134 1213 1217 1231
ver custo de produção
PREÇO DO SOLO
ver preço da terra
PROCESSO DE FORMAÇÃO DO VALOR
e processo de trabalho 1166 1261 1415 1416

1605
PROCESSO DE TRABALHO
e processo de fonnação do valor 1166 1261 1415 1416
PROCURA
de força de trabalho 1122 1123
de matérias- primas 1271 -1273
ver oferta e procura
PRODUÇÃO
e consumo 111011111175 1329133413351339 1340
e reprodução 1333
material 1371 1372 1471 1472 1483
intelectual 1471 1472
em massa 133 5
no comunismo 1173
capitalista
objetivo determinante da - - 1089 1308 1519
e lei do valor 1129 1130
e desenvolvimento das forças produtivas 1307 1466 1467 1526
ver custo de produção, meios de produção, superprodução, tempo de
produção '
PRODUÇÃO DE MERCADORIAS 1185 1192
no capitalismo 1335 1336 1359
e divisão do trabalho 1317 1318 1335-1337
e circulação das mercadorias 1337
em modos pré-capitalistas de produção 1167 1335 ·
PRODUTIVIDADE DO CAPITAL ,
expressã'o capitalista da produtividade do trabalho 1312-1314
e meios de subsistência da população trabalhadora 1293 1294
e produção dos valores de uso 1312 1313
PRODtITIVIDADE DO TRABALHO
conceítuação capitalista 1171
no capitalismo 1110 1111 1138 1290 1293 1312-1314 1347 1368
1466 1467 1469 1470 1473
influência da - sobre a quantidade de produtos 1173
e mais-valia 1314 1377 1488 1489
aumento da -; fatores que a elevam 1293 1294 1314
e composição orgânica do capital 1347 1356 1357 1407 1415 1416
14241425
e acumulação do capital 11 75 1389
e emprego de mâquinas 1408 1409

1606
e situação dos trabalhadores 1119 1120
na agricultura 1348
na indústria 1171
PRODUTO
total da sociedade
valor do - - 1167 1168 1298 l 299
forma natural do - - 1300 1301
repartição do - - 1298 1299
forma mercadoria dos produtos no capitalismo 1129 1167 1168
1335-1337
PRODUTO EXCEDENTE 1413 1488 1489
e trabalho nífo pago 1100 11O1
e comércio exterior 1291-1293 1301 1302
Ricardo e - 1288
PRODUTO-VALOR 1167 1168 1299
PRODUTOSAGR1COLAS
fonnação de preços dos - 1428
alta relativa do valor dos - 1450
PROPRIEDADE
das condições de trabalho (dos meios de produção) 1340 1462
1463
capitalista 1395 1465 1466 1500 1502 1512-1516 1528 1529 1545
o homem como proprietário 14 20
PROPRIEDADE DA TERRA
e modo de produção capitalista 1336 1403 1440
rerufa fundiária, fonna econômica da -1443 1512
e formação de valor na agricultura 1347
negação da - na economia política burguesa 1106 1139 1140 1225
1437 1438 1469 1512
ver nacionalização da terra
PROPRIEDADE PRIVADA
ver propriedade, propriedade da terra
PROPRIETÃRIOS DA TERRA
caráter improdutivo dos - no capitalismo 1105 1106
apropriam-se do lucro suplementar da agricultura 1403 1404
PROTECIONISMO 1510
PROUDHONISMO 1497 1507 1508 15121558-1562

QUlMICA
papel da -- na produção 1332 1432 1433

1607
influência dos processos químicos no tempo de produção 1230
1278 1332 1433

RELAÇÕES DE PRODUÇÃO l l 10 1307 1308 1313 1314 1469 1470


1544 1545
e relações de distribuição 1110 1111 1138 1519 1520 1537
no comunismo 1321 1463 1560
capitalistas 1184-1186 1191 1192 1323 1324 1342 1343 1493-1495
1501-1503 1520-1523 1528 1529 1531-1533 1544 1545 1550
relacionamento entre compradores e vendedores 1226 1227
economísta.<1 burgueses e - - 1143 -1151 1294
RELIGIÃO
raciocínio limitado pela - 1324 1534
cristianismo 1488
ver igreja
RENDA (REVENDE, INCOME)
e capital 1295-1300 1388-1390
e fetichismo da produção capitalista 1493-1495
Ricardo e - 1306
RENDADA TERRA
produto necessário da produção capitalista 1402 144.2 1453
forma do lucro suplementar 1171 1440 1442 1443 1453
fonna econômica da propriedade da terra 1443 1512 ·
capitalização da - 1519 1555-1558 .
formas pré .. capitalistas da - 1336 1440-1442 /
condições diversas em que aparece a - 1453
cálculo da - 1523 1524
primordial e derivada 1S51
e juros 1557 1558
absoluta 1154 1444 1445
expressão da propriedade privada da terra 1 S12
condições de existência da - - 1512
nas minas de ouro 14441445
fisiocratas e -1517 1518
Ricardo e - 1153 11541442-14441511
concepções vulgares da-1493-1495 152715281555-1558
ver renda diferencial, arrendatários
RENDA DIFERENCIAL
montante e taxa 1446 1447

1608
na transição de melhores para piores solos e vice-versa 1159
e preço dos produtos agrícolas 1159
e produtividade diferente dos trabalhadores agrícolas 1404
RENDA DIFERENCIAL 1 ,
e diferenças de fertilidade dos solos cultivados 1446 1447
e extensão dos solos cultivados 1159 1160
RENDA DIFERENCIAL II
fo.crnação da - 1445 1446
RENDA FUNDIÁRIA
ver renda da terra
RENDA NACIONAL
ver renda (revenu.e, income)
RENTIERS139714021403
REPARTIÇÃO
ver distribuição
REPRODUÇÃO
unidade de produção e drculação 1317
das relações de produção capitalistas 1320 1361 1550
abrange reposição do valor e reposição material dos produtos 1156
1300 1301 1331 1334 1381 1382 1388 1389
tempode-123212331431-14331476-1479
problemas da realizaçifo do processo de - 1478 1479 1548 1549
e consumo 1329-1331
simples 1422
e processo de reposição do capital 1296-1299
e acumulaçã'.o 1422 1423
ampliada 1299 1407 1422 1423
acumulação do capital, forma capitalista da - - 1320-1322
1380 1422 1423
no comunísmo 1382 1395
REVOLUÇÃO FRANCESA
posição de Malthus contra a - 1116
REVOLUÇÃO SOCIALISTA 1320 1403 1463
RICARDO
papel de - na história da economia política 1088 1307 1308
critico de Adam Smith 1080 1552 1553
representante do capital industrial 1109 111 O 1139 1170
característica geral do sistema de - 1106 1107 1139 1140 1288
1303~1306 130813091312-1315 1437 1438 14691512

1609
contradições na teoria 1069 1070 1075 1084 1139 1229 1230
1308 1309 1312
modo de ver nã:o histórico 1109 111 O 1170 1181 1288
carências no métodode investigação 1069 1070 1179
probidade científica de - 1106 1107 1306
teoria do valor de - 1302
coerêncía na determinação do valor pelo tempo de t1abalho 1129
1223 1228 1233 1307
falhas na - - 1084 1149 1150 1179 1186 11921193 1212 1213
1222 1223 1224 1229 1230 '
variações "dos valores relativos" das mercadorias 1084 1126
confusão do trabalho concreto com o abstrato 1192 1193
teoriadamais-valiade -1069-107110881089 1288
mais-valia identificada com lucro 1069 1125 1140 1203 1212
1213 1244 1253 1303 1383
relações entre capital e trabalho assa1ariado 1146 -1148 1150 1153
1165 1202 1308
teorüi do salário de - 1088 J089 1378
confusão de trabalho com força de trabalho 1144
valor do trabalho e salário 1088 1089
relações entte salário e valor da mercadoJia 1126 1149
teoria do lucro (teoria do lucro médio e dos preços de produção) de -
1154 1164 . ,
taxa geral de lucro 1125
queda da taxa de lucro 1359 ,-
razão inversa entre lucro e salário 1149 1161 1202 1203 1206
1207
valor identificado com preço de produção 1084 1087 1125 1126
1134 1213 121? 1218 1231
conjeturas sobre diferenças entre preço de produção e valor da
mercadoria 1126 1217 1218
influência das :flutuações de salário sobre os preços de produção
1126 1140 1377 1378
teoria da rendo de - 1153 1154 1442-1444
capital segundo -
natureza do capital 11 70
produtividade do capital 1312
pesquisa das formas de capital na circulação 1140
acumulação do capital 1421

1610
concepções de - sobre a produtividade do trabalho 1305 1306 1314
comércio exterior 1302
renda (revenue) bruta e renda líquida 1306
nega a superproduçfo ·1109 1112
critica das idéias de - por economistas burgueses 1165 1180 1181
1202 1212 1213 1217 1218 1228 1229
ver escola ricardiana
RIQUEZA
conceituação da - burguesa 1109-1111 1468 1469
oposição entre - e trabalho no-capitalismo 1111 1308 1309
material 1184 1185
ROTAÇÃO Dô CAPITAL
e mais-valia 1430-143'6
e lucro 1126 1430-1436
circulante l 433

SAL.\.RIO
fonna do valor da força de trabalho 1099
aparência de preço do trabalho 1520
aparência de adiantamento do capitalista ao trabalhador 1147 1148
1168 1169 1382 1464 1465
e mais-valia 1203
e lucro 1267
e preço de produção 1377 1378
por peça 1168
Ricardo 10881089 1126 1140 1149 1377 1378
e preço segundo os economistas vulgares 1083
SEGUROS 1400 1401
sociedades de - 1400
SERVIÇOS 1144-11511299 1339
SISTEMADECRÉDlTO 117611771509
SISTEMA DE MÁQUINAS 1409 1482
SISTEMA MONETÁRIO (METALISMO)
explica a mais-valia pela troca 1071
idéias do - em economistas posteriores 1071
SMITH
característica geral do sistema de -
contradições teóricas 107 5

1611
dicotomia do método de investigação de - (exotérico e esotérico)
11241125
elementos teóricos vulgares 1539 154-0
teorias do valor dé - ·
definições diferentes do valor 1079 1080 1125 1551
negação da. vigência da.lei do valor no capitalismo 1129
redução do valor do produto anual a renda (revenue) 1383
teoria da mais-valia e do lucro de -
valor qualificado de trabalho, e mais-valia, de trabalho excedente
1288
compreensão científica do lucro 1541
queda da taxa de lucro 1359
valor identificado com preço de produção 1087
teoria do trabalho produtivo de -
distinção entre trabalho produtivo e improdutivo 1454 1466 1471
e acumulação do capital 1380 1421 1481
e divisão do trabalho 1120
idéias smithianas, fonte de qonfusões para os sucessores l 075
SOCIALISMO PEQUENO-BURGUES
natureza do - 1512 1559-1562
raízes históricas do 1507 1508
combate o capital produtor de juros 1497 1507 1508 1558-1561
SOCIALISTAS RICARDIANOS "
defensores dos interesses do proletariado industrial 1288 1289. 1292
1303 1308-1310 .
fundamento burguês de suas idéias 1288 1303 1308-1310 1314
1322
não compreendem a contradiç!o entre capital e trabalho 1309 1342
1343
adversários da economia política burguesa ·1287 1288 1303 1306·
1310 1314-1316 1322 1363-1365 1538
e trabalho excedente e mais-valia 1288 1289 1303-1307 1314 1315
e a natureza do capital 1343 1344
tese da improdutividade do capital 1312-1315
e acumulação do capital e queda da taxa de lucro 1290 1344-1359
1362 1363
e o caráter social do trabalho 1359 1360
e sigoificaç!o de tempo disponível 1304-1306

1612
SOLO
ver te"a
SOCIEDADE PRIMITIVA 1462 1463
SUBSTÂNCIA DO VALOR 1095 1182 1183 1189 1190 1209 1216 1381
SUPERPOPULAÇÃO RELA TlVA 1107 13S2 1407
conseqüência do emprego capitalista das máquinas 1294
e produtividade do trabalho 1393 ·
SUPERPRODUÇÃO
no capitalismo 1177
fenômeno fundamental das crises 1176 1177
e saturaçã'o do mercado 1329 1330
e acumulação 1421
relativa 11 OS 1138 1139
Ricardo nega a - 1109 1112
e a "terapêutica" de economistas burgueses 11 OS -1107
impossibilidade de ...:_ no comunismo 1173
ver crises econômicas

TAXADEJURO 1345·13471397139814871502·15061S451546
e taxa de lucro 1487151115721573
redução da - pelo Estado 1509 1569 1572·1574
TAXA DE LUCRO 1244 1261 1277 1278 1280-128.2 1346-1348 1412
fatores que influenciam o nível da - 1262 1263 1268 1269 1505
1506 1516
e valor dos diversos componentes do capital índividual 1269 1270
1274-1276 1282 1387 1388 1391 1392 1411 1412 1425 1429-
1431 1458
e taxa de maís-valia 1249 1262 1263 1268 1269 .1277 -1280
e nível da taxa de juro 1487 1511 1572 1573
média 1124 1282 1283
origem da - -1129 1138 1443 1483
existe apenas como tendência 1503 1504
ver lei da - , tendência a cair da taxa de lucro
TEMPO DE PRODUÇÃO
' e tempo de trabalho 11411278 1431 1432
em diferentes ramos 143 1
influência dos processos químicos no - 1230 1278 1332 1432 1433
TEMPO DE TRABALHO
e tempo de produção 1431 1432
por peça 1168
no comunismo 1305 1306

1613
TEORIA DA ABSTINENCIA 1322
TEORIA DA POPULAÇÃO
de Malthus 1091 1096 1308 1346
TERRA
força produtiva 1527
cultivo exaustivo da - no capitalismo 1347 1355 1356
valor da - e renda fundiária.1165
nacionalização da - 1512
ver fertilidade do solo, preço da terra, propriedade da terra, propn'e-
tários da terra, renda da terra
TfiULO DE PROPRIEDADE 1500 1501
TfTULOS 13 36
TRABALHADOR AGRfCOLA 1404
TRABALHADORES
compradores de mercadorias 1074-1076
e condições de trabalho 1319 1320 1455 1456
e meios de.produção 1170
TRABALHO
atividade útil 1312 -1314
substância do valor 1095 11'82 1183 1189 1190 1216 l:>8J
subordinação do traballio ao capital 1473
pago e não pago llOO 1101
simples e complexo 121813291354
abstrato
fonna de trabalho social 1185 1186 1190 1191 1302 1303 1487
e trabalho concreto '1185 1186 1190 1191 1193 1303
intelectual e - manual
na produção material 1472
social
forma específica do - - no capitalismo 1308 1360
formas do trabalho socialmente desenvolvido no capitalismo
11851308131313611465
fonna social do trabalho no comunismo 1560
trabalho concreto, condição do - - 1555
e trabalho privado 1190· 1192
concreto
e abstrato 1185 11861190 11911193
vivo e materializado 1130 1135 1144 1212 1323 1324 1326 1327
1372 1373 1418 1422
decréscimo relativo do trabalho vivo em confronto com o materia·
zado 1418

1614
necessário
socialmente 1168
da classe trabalhadora inteira 1295
privo de.•
trabalho abstrato, oposto do - - 1190 1191
e trabalho social 1I90 -1192
supressão do - - pela produção capitalista 1465 1466
produtivo
conceituação acessória de - - 1471
no capitalismo 1466
teorias sobre - produtivo e - improdutivo
distinçã'o de Smith entre trabalho produtivo e improdutivo 1454
1466 1471
Malthus e o trabalho produtivo e o improdutivo 1090
de superintendência 1125 1398-1400 1532-1535 1542-1544
ver condições de trabalho, divisão do trabalho, força de trabalho,
intensidade do trabalho, jornada de trabalho, processo de traba-
lho, produtMdade do trabalho, tempo de trabalho. trabalho assa·
lariado, trabalho excedente
TRABALHO ASSALARIADO
naturezado-13081319 1320 1441 1471
pressupostos do - 1520
base da produção capitalista 1336 1511 1529 1530
e desenvolvimento da produção de mercadorias 1337
TRABAUIOEXCEDENTE
na escravidão 1440 1441
e produtividade do trabalho 1488 1489
de toda a classe trabaJhadora 1295
na agricultura e na indústria 1428
TRAPAÇA 1076
TROCA
entre capital e trabalho assalariado 1069-1075 1144 1146-1148
1150 1151 1223 1224 1285 1419 1420 1520 1521
de renda por capital 1295 -1300
fonte da mais-valia segundo economistas burgueses (mercantilistas,
monetaristas, Steuart) 1070-1072 1132
TROCA DE EQUNALENTES 1181-1187 1189 1190 1194 1201 1204
1205 1420
TROCA DE MERCADORIAS 1181-1186 1328-1135

1615
TROCADEPRODUTOS 1175

VALOR 1155-1157 1173 1175 1180-1183 1332 1343


relaçlio social 1184 1185 1201123312~4
base da produção capitalista 1303
capital, valor que se expande a si mesmo 1186 l 192 1464
individual e de mercado 1119
relativo e absoluto 1187 1188
e preço 1166 Í 185 1I86 155;3
realização do - 1182 1183
ídentificado
. com valor de uso na economia política burguesa 1527 1)
busca de med1da invaríável do - na economia política burguesa 1068
1069 1188-1190 1199 1200 1209 .
economístas vulgares e - o 1208 • 12 I O 1214 1215
Malthus e o -, ver em malthusianismo '
Ricardo e o - , ver em Ricardo
Smith e o -, ver em Smith
ver lei do valor, magnitude do valor, mais-valia, processo de forma· \\
ção do valor. substância do valor, valor de troca, ·valor de uso \i,,,,I
VALORDEMERCADO 1347 13481512 - 1
e valor índivi\iual 1119 t
e preço de mercado 1551 1552 l
e renda diferenc.ial 1512
VAWRDETROCA 1180-118413321343
base e objetivo da produção capitalista 1089.l109
forma fenomêníca do valor.1180-1182
dinheiro, autonomização do -1185 1186 1191 1192
e preço 1185 1186
VALOR DE USO 1155-115711741180-1184133213361343
importância econômica do - 1300 1301 ,
veículo material do valor de troca 1332
e produtividade do trabalho 1173
no proeesso de produção 1312 13 13
e consumo 1339 1478
do capital 1478 1479 ;,..

VAL;:i;;~~do··~~ás_b--~d'~. ~C1,~·
ver mais-val ORIG:rM ./!;~~ ,M _ ,/ rfo'f. j.i'1?.;]
tmoQftftl) r65!?9 X/ftf 1 t -· ............ -

~
f\,., "'I~
1616 -· \..láHi t:i1 t:
k.
.-
I"',, fl'
....--,
,/} r
,,
í '
L I , ff')
, e
0 f} .f}3.._.:...,ff...J"-..---ijf)---;,
-;-'? CJ !} fJ5.,
.:2........ -·
, Prnça ~:·:!.:!.::; 41 .~·~·&"..~:::.:::.:.:·.:~ -;-·-
:•1· .,,,.._

Você também pode gostar