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Fichamento Polanyi

POLANYI, Karl. Capítulo 4 – Sociedades e sistemas econômicos. In: A Grande


Transformação: as origens da nossa época. 2a ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000 [1944].
p. 62-75.

Preambulo
Sobre o autor: foi um filósofo social, historiador da economia, antropólogo econômico,
sociólogo e economista político húngaro (teórico social), conhecido por sua oposição ao
pensamento econômico tradicional, inserindo-se na chamada vertente heterodoxa.
Eventualmente, considera-se que as teses institucionalistas se aproximam do
substantivismo, abordagem desenvolvida por Polanyi. Sua principal obra é A Grande
Transformação, de 1944.
Livro
 Escreveu o livro durante a guerra, num momento que vários teóricos tentavam
explicar o que estava acontecendo no mundo e pra onde iríamos. Para Polanyi, o
advento da primeira e segunda guerra mostrou que estávamos deixando para trás
a economia de mercado, onde a sociedade estava buscando formas de reagir a
ele, uma vez que mercado deixado a si mesmo leva a extinção da humanidade,
pois não é uma forma social natural ou viável.
 Nesse contexto, surgiram algumas obras contemporâneas a de Polanyi, que
buscavam traçar os possíveis rumos para a economia mundial, como a Dialética
do Esclarecimento – T. Adorno – que previa um regime político de caráter
fascista; e Capitalismo, Socialismo e Democracia - Joseph Schumpeter – que
acreditava que estaríamos caminhando rumo ao regime socialista;
 Ou seja, diante da catástrofe das guerras, a sociedade reagiria ao mercado de
duas maneiras: pelo fascismo (se acentuam relações nacionais) ou pelo
socialismo (reação “racional”, através do planejamento). Onde, segundo Polanyi,
o fascismo é autoritário e o socialismo pode ter uma versão democrática.
 Para Polanyi, a característica “livre” do mercado o faz parecer natural, uma vez
que ninguém é obrigado a comprar ou a vender, e o autor nesse livro se esforça
para mostrar o contrário, que o mercado na verdade é fruto de uma imposição do
Estado (critica a Adam Smith, que falava da "propensão do homem de
barganhar, permutar e trocar uma coisa pela outra"). Uma vez que essa
propensão a barganha só iria se manifestar de forma considerável séculos depois,
influenciando inclusive as buscas “políticas, intelectuais e espirituais”. “Uma
análise equivocada do passado nunca foi tão profética do futuro”
 E o capítulo 4 é dedicado a essa discursão: mostrar que o mercado não é uma
relação social natural.
 Apesar da instituição do mercado existir desde sempre, não há precedentes antes
da nossa época de alguma economia que existiu, mesmo em princípio, que fosse
controlada e regulada por mercados
 Então o autor traz ao longo do capítulo alguns exemplos de sistemas econômicos
para ratificar seu posicionamento. Ao passo que também alerta sobre o erro de
prender o homem “primitivo” a uma psicologia capitalista ou a uma psicologia
comunista.
 E por isso ela faz uma crítica aos economistas clássicos, pois estes, uma vez que
descartaram a inclinação do homem dito primitivo à permuta, também
descartaram o interesse de estudar a propensão natural do homem como fator
relevante para compreender os problemas da nossa era.
 Para Polanyi esse descaso levou a exageros ao traçar diferenças entre esses
povos “não civilizados” e o homem moderno, visto que a história mostra que até
pouco tempo atras os principais progressos ocorridos na Europa Ocidental e
central foram no âmbito político, intelectual e espiritual; No que diz respeito as
conquistas tecnológicas, ou seja, na indústria, desde o aparecimento do arado, os
métodos de agricultura permaneceram substancialmente inalterados.
 Dessa forma Max Weber teria sido o primeiro a considerar as economias
primitivas como relevantes para a questão das motivações e mecanismos das
sociedades civilizadas
 Posteriormente a antropologia social viria a confirmar sua hipótese, mostrando
que nos estudos recentes das sociedades primitivas, fica claro que não há uma
modificação do homem como ser social, onde seus “dotes naturais” são
constância nas sociedades de todos os tempos e lugares e as precondições
necessárias para a sobrevivência da sociedade humana parecem ser as mesmas,
sem mutações.
 Em suma, a economia do homem, via de regra, estaria submersa em suas
relações sociais. Então a valorização dos bens materiais é dada na medida em
que eles servem a seus propósitos. Nem o processo de produção, nem o de
distribuição está ligado a interesses econômicos específicos relativos à posse de
bens. O que me lembra Dobb, quando fala sobre as transformações psicológicas
trazidas com a expansão do comercio.
 sistema econômico será dirigido por motivações não-econômicas.
 Para ilustrar seu ponto, que pelo menos até o fim do medievo haviam sociedades
em que o sistema econômico era dirigido por motivações não-econômicas,
Polanyi traz o exemplo de uma tribo da Melanésia Ocidental, onde há uma
preocupação pela manutenção dos laços sociais através de códigos de honra ou
generosidade. Nesse caso, todas as obrigações sociais seriam recíprocas, e seu
cumprimento serviria melhor aos interesses individuais de dar-e-receber.
 Então há uma pressão contínua sobre a população no sentido de eliminar do seu
consciente o auto interesse econômico, visto que “o prêmio estipulado para a
generosidade é tão importante, quando medido em termos de prestígio social,
que não compensa ter outro comportamento senão o de esquecimento próprio”.
Mas o autor ressalta que caráter pessoal nada tem a ver com o assunto.
 Na sequencia Polanyi entra no ponto alto da sua tese: tendo em vista que essas
sociedades, a exemplo da Melanésia Ocidental, possuem a cultura do trabalho
comunal, onde os grupos estão unidos por obrigações mútuas, como se garante a
ordem na produção e distribuição, já que há a ausência da motivação de lucro;
de trabalhar por uma remuneração; ou de alguma instituição separada e distinta
baseada em motivações econômicas?
 A resposta é fornecida, em sua maior parte, por dois princípios de
comportamento não associados basicamente à economia: reciprocidade e
redistribuição.
 O princípio da reciprocidade, no caso do exemplo anterior, atuará na
esfera familiar, individual, através das obrigações de subsistência da família,
onde os atos de virtude cívica resultarão de maneira indireta numa compensação
econômica.
 Já a redistribuição possui um caráter mais coletivo, territorial, e pesa
principalmente nas relações de troca entre as comunidades. Uma parte
substancial de toda a produção da ilha é entregue pelo chefe da aldeia ao chefe
geral, que a armazena para distribuir em ocasiões de confraternizações entre
aldeias, por exemplo. Do ponto de vista econômico, é parte essencial do sistema
a divisão do trabalho.
 Contudo, a reciprocidade e redistribuição só são capazes de sustentar um sistema
econômico sem a ajuda de todo um aparato burocrático porque a organização da
sociedade em questão possui um padrão institucional de simetria e centralidade.
 Se não fosse a constância do padrão simétrico nas subdivisões da tribo e nas
relações intertribais, seria impraticável uma ampla reciprocidade baseada na
atuação de atitudes independentes de dar-e-tomar.
 Nesse ponto do texto acho que já fica claro (pelo menos segundo o meu
entendimento) onde o autor quer chegar: mostrar como o sistema econômico é
resultado da organização social, onde esta ultima é responsável por pressionar a
manutenção, ou não, do formato econômico vigente.
 Já o padrão institucional da centralidade, que está presente, de alguma forma em
todos os grupos humanos, fornece um conduto para a coleta, armazenagem e
redistribuição de bens e serviços.
 Polananyi também alerta que de “forma alguma deve-se concluir que os
princípios socioeconômicos desse tipo são restritos a produtores primitivos ou
pequenas comunidades, e que uma economia sem lucro e sem mercado deve ser
simples, necessariamente”. O principio da reciprocidade, no caso da economia
Kula, envolve um intrincado sistema que envolve centenas de milhas, décadas e
pessoas, numa relação eficiente de trocas que dispensam registros ou
administração, e também sem qualquer motivação de lucro ou permuta. Sendo
um grande feito organizacional na área econômica.
 A redistribuição não é menos complexa e eficiente, estando também presentes
em sistemas econômicos que utilizavam trocas monetárias, como na antiga
China, no império dos Incas, nos reinos da Índia e na Babilônia ou até no
sistema feudal.
 “Uma vez que as relações do grupo dominante com os dominados são diferentes,
de acordo com os fundamentos em que repousa o poder político, o princípio da
redistribuição envolverá motivações individuais diferentes”.
 O autor traz ainda um terceiro princípio: o da domesticidade, ou seja, na
produção para uso próprio. Essa prática de prover as necessidades domésticas
próprias é um um aspecto da vida econômica fruta da evolução da agricultura e
nada tinha em comum com a motivação do ganho, nem com a instituição de
mercados. O princípio era produzir e armazenar para a satisfação das
necessidades da pessoa ou grupo e sua aplicação é tão ampla e livre de
necessidade de mercado quanto os princípios de reciprocidade ou redistribuição.
 Segundo Polanyi, Aristóteles, no capítulo introdutório da sua política, também
insiste na produção para uso, contra a produção visando lucro, como essência da
domesticidade propriamente dita. Para Aristóteles, a produção para o mercado (a
venda do excedentes) não precisaria destruir a autossuficiência doméstica (a
base da domesticidade).
 Ou seja, enquanto os mercados e o dinheiro fossem “meros acessórios” de uma
situação doméstica autossuficiente, o princípio da produção para uso próprio
poderia funcionar. Nesse sentido, Polanyi acredita que o filósofo grego estava
certo, mas o por não considerar o peso da existência dos mercados, numa época
em que a economia grega tinha se tornado dependente do comércio atacadista e
do capital de empréstimos.
 “Ao denunciar o princípio da produção visando lucro "como não natural ao
homem", por ser infinito e ilimitado, Aristóteles estava apontando, na verdade,
para o seu ponto crucial, a saber, a separação de uma motivação econômica
isolada das relações sociais nas quais as limitações eram inerentes”.
 Ao fim e ao cabo, a proposição de Polanyi sustenta que todos os sistemas
econômicos conhecidos por nós, até o fim do feudalismo na Europa Ocidental,
estariam organizados conforme os princípios de reciprocidade ou redistribuição,
ou domesticidade, ou alguma combinação dos três. Esses princípios seriam
institucionalizados com a ajuda de uma organização social, fazendo uso dos
padrões de simetria, centralidade e autarquia. Dentro dessa estrutura, por sua
vez, a produção ordenada e a distribuição dos bens era garantida através de uma
grande variedade de motivações individuais, disciplinadas por princípios gerais
de comportamento. Contudo, entre essas motivações, o lucro não ocuparia uma
lugar proeminente. Para o autor, is costumes, a lei, a magia e a religião
cooperavam para induzir o indivíduo a cumprir as regras de comportamento, as
quais, eventualmente, garantiam o seu funcionamento no sistema econômico.
 E mesmo a parti do século XVI, quando os mercados passaram a ser mais
numerosos e importantes, ainda estava ausente a ideia de um mercado
autorregulável.

“O estado é uma associação que se caracterizar por deter o monopólio legitimo do uso
da força – Weber”

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