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Paulo Rogério da Silva

DELINEAMENTOS FILOSÓFICOS ACERCA DA ÉTICA DOS VALORES E SUA


FUNDAMENTAÇÃO NO CONCEITO DE VALORAÇÃO SEGUNDO O ENFOQUE
INTERSUBJETIVO, LINGUÍSTICO E EXISTENCIAL

Trabalho final requerido pela


disciplina de Ética I, realizada
como disciplina do curso de
Filosofia.

Brusque
2005
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INTRODUÇÃO

Refletir sobre valores éticos ou axiologia é uma tarefa um tanto complexa,


pois neste único objetivo proposto juntam-se três horizontes extensos de pesquisa:
primeiramente, o tema “ética” em suas mais variadas conceituações e correntes; em
segundo lugar a reflexão sobre valores em seu delicado debate acerca da
objetividade ou subjetividade da sua natureza axiológica; por fim, em terceiro lugar,
a análise sobre o exercício do valor, isto é, da valoração, em sua intrínseca ligação
como o homo socialis e as formas institucionais de vida em sociedade, em especial
naquelas ligadas à atividade ético-educacional.
No entanto, antes de pontuar especificamente sobre os conceitos e
finalidades destes três temas, é preciso reconhecer que dentro do horizonte da
modernidade há indícios e sintomas próprios de uma sociedade que sofre uma
profunda crise axiológica. É evidente que defender o horizonte moderno como
cenário ou palco para a ética dos valores não pressupõe cerrar os olhos aos
inúmeros contrassensos que irrompem na sociedade contemporânea e afrontam o
campo semântico da racionalidade comunicativa, dos quais os ditos pós-modernos
souberam denunciar muito bem, falhando, todavia, no intuito de propor soluções e
argumentações cabíveis.
Desta forma, o trabalho está organizado da seguinte maneira: o primeiro
tópico tratará de alguns problemas e contra-valores decorrentes da sociedade em
geral que obstaculizam uma reflexão mais aprimorada sobre Ética dos valores. No
segundo tópico será realizado o esforço de apresentar a importância da Ética para a
construção de uma reflexão para valores. Enfim, no terceiro tópico será realizada,
num primeiro momento, uma reflexão mais voltada para os valores (ou axiologia) e,
posteriormente, uma conceituação sobre a prática da valoração, porém, não
reduzida ao tão dissidente discurso polarizador de valores objetivos ou subjetivos,
mas sim dentro do horizonte da guinada lingüístico-pragmática, sob o enfoque de
um paradigma da intersubjetividade comunicativa.
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1. CRISE DE VALORES DA SOCIEDADE MODERNA: DEGENERAÇÃO DO


CONCEITO DE ESFERA PÚBLICA COMO CAUSA DA REAFIRMAÇÃO DE UMA
CULTURA CONSUMISTA E HEDONISTA

“O homem é aquele animal para o qual o


supérfluo é necessário”.
(ORTEGA Y GASSET, 1963, p. 21-22)

“Tem-se a impressão de que a própria


essência de ser é ter: de que se alguém
nada tem, não é”.
(FROMM, 1980, p. 35)

É evidente que o contexto social atual passa por uma crise séria de valores
em todas as suas instâncias. Nestas últimas três décadas, a sociedade
contemporânea sofreu inúmeras mudanças. Dentre tantas, a economia e a política
inculcaram uma marca instrumental e estratégica profunda na sociedade, deixando
de se basear essencialmente no diálogo político, para fundamentarem-se na rápida
circulação do dinheiro e na corrida pelo poder. Em Direito e Democracia, Habermas
reafirma o critério de uma sociedade construída não somente sob as bases do
entendimento:

Sociedades modernas são integradas não somente através de


valores, normas e processos de entendimento, mas também
sistematicamente, através de mercados e do poder administrativo.
Dinheiro e poder administrativo constituem mecanismos da
integração social, formadores de sistema, que coordenam ações de
forma objetiva, como que por trás das costas dos participantes da
interação, portanto não necessariamente através da sua consciência
intencional ou comunicativa (HABERMAS, 1997a, p. 61).

Com isso, houve não só o abafamento como também a colonização do


mundo da vida em suas instâncias simbólicas e reflexivas da ciência, da moral e da
arte, a partir das regras capitalistas do mundo sistêmico. Desta maneira, no contexto
social em que se vive, o poder e o dinheiro possibilitam com que a reflexão crítica e
o diálogo fiquem cada vez mais esquecidas e condicionadas às suas lógicas
internas. A conseqüência disto é que as relações na sociedade tornaram-se
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puramente funcionais, pois a política e a economia renderam-se às exigências da


política do capital. Num jogo de interesses deste tipo, a política e a economia vêem-
se fadadas a reduzir seus princípios ao poder e ao dinheiro. Que sentido tem então
o saber político nestas condições? Não há mais a necessidade de política, mas
apenas de administração, da técnica e instrumentalização cega e mecânica. A
sociedade vem fechando o cerco com relação ao diálogo. Com isso, a reflexão
passa a ser cada vez mais técnica e funcional e menos reflexiva e dialogada.
Ao observar uma extrema e gradual carência de valores culturais,
econômicos e políticos da sociedade, em meados da década de 80, Francis
Fukuyama apresenta uma teoria que pressupõe um sentido de história que se
encaminha para o fim, para destruição. Segundo ele, não há mais possibilidade de
uma continuidade histórica além dos limites destrutivos da lógica capitalista. Por
isso, a sociedade e o homem estão fadados à catástrofe (F UKUYAMA, 1992).
Será mesmo que a história está no fim? Não há mais possibilidade de recriar
valores? Este pessimismo histórico condicionou tantos outros fatores e acabou
gerando uma perda de valores em muitos aspectos: no campo social, moral,
pedagógico, familiar, religioso, cultural etc. Levando em consideração este fato,
atualmente pode-se indagar: qual será, realmente, a potencialidade do
questionamento público? Qual a sua validade? Como criticar publicamente se os
espaços da esfera pública já estão condicionados pela lógica do poder? Sobre este
assunto Habermas faz uma séria crítica em sua obra Mudança Estrutural da Esfera
Pública, para a qual o autor resgata o antigo conceito de esfera pública burguesa,
antes mesmo de ele ser degenerado pelos interesses econômicos.
Segundo Habermas, a antiga esfera pública burguesa, por volta do séc.
XVIII1, formada originalmente de pessoas privadas, não tinha interesses econômicos
e políticos diretamente vinculados ao dinheiro e ao poder, mas era na realidade um
espaço de discussão pública ante o poder absoluto do Estado político. Em outras
palavras, “ela situava-se fora do Estado absolutista e funcionava como instrumento
de discussão pública, criticando as estruturas do poder até então” (OLIVEIRA, 2008,
p. 169). Sobre esta idéia, o próprio Habermas afirma em sua obra:

1
Mais informações sobre a conceituação do setor privado e público no processo de formação da
esfera pública burguesa, cf. HABERMAS, 2003c, p. 45-46.
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Uma esfera pública funcionando politicamente aparece primeiro na


Inglaterra na virada para o século XVIII. Forças que querem então
passar a ter influência sobre as decisões do poder estatal apelam
para o público pensante a fim de legitimar reivindicação ante esse
novo fórum (HABERMAS, 2003c, p. 75).

Logo, a antiga esfera burguesa não tinha interesses ideológicos com


finalidades literalmente econômicas. Tratava-se de uma esfera legítima de diálogo e
argumentação intersubjetiva em vista dos interesses da sociedade: “a cultura
burguesa não era mera ideologia. Porque o raciocínio das pessoas privadas nos
salões, clubes e associações de leitura não estava subordinado de modo imediato
ao ciclo da produção e do consumo, ao ditame da necessidade existencial”
(HABERMAS, 2003c, p. 190).
Sendo assim, um questionamento se faz presente: se a esfera burguesa era
originalmente um espaço comunicativo perante o poder absoluto do Estado, o que
aconteceu ao longo dos anos para que se tornasse tão condicionada pelo fator
mercantil do capital, como se conhece atualmente? O que aconteceu foi uma
degeneração do próprio interesse da esfera pública burguesa: dentro da esfera de
discussão pública da burguesia os interesses particulares começaram a ganhar mais
destaque do que os interesses do próprio grupo, que deveria discutir maneiras de
preservar o bem da sociedade.
Com isso, Habermas observa que “o espaço social das decisões privadas é
prejudicado por fatores objetivos como o poder de compra e a participação em
grupos, sobretudo pelo status sócio-econômico” (HABERMAS, 2003c, p. 209). Ou seja,
observa-se que os “interesses econômicos começaram a dominar a esfera pública:
poder e dinheiro constituíam-se como forças maiores do que os discursos racionais
e argumentativos, havendo, além disso, privatização do espaço público de
discussão” (OLIVEIRA, 2008, p. 169). Não discutiam mais formas de intermediar os
interesses da sociedade e do Estado, mas em como ganhar mais lucro. Não havia
mais diferença entre o que era negócio particular de âmbito familiar e o que deveria
ser tratado como interesse público na esfera burguesa: definitivamente, “a
concorrência dos interesses privados organizados penetra na esfera pública”
(HABERMAS, 2003c, p. 211). Assim, os interesses particulares se tornaram públicos,
agora sob o enfoque econômico e consumista:
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A identificação do proprietário com a pessoa natural, com o homem


puro e simplesmente, pressupõe, dentro do setor privado, uma
separação entre, por um lado, negócios que as pessoas privadas,
cada uma para si, perseguem no interesse da reprodução individual
de sua vida, e, por outro lado, aquela sociabilidade que liga as
pessoas privadas enquanto público. Mas exatamente essa linha
fronteiriça é apagada assim que e à medida que a esfera pública
literária avança no âmbito do consumo (HABERMAS, 2003c, p. 190).

Esta idéia torna-se importantíssima para a concepção de mudança da esfera


pública, confirmando cada vez mais a colonização dos fatores político-econômicos
sobre os sócio-culturais. O setor público se tornou celeiro de ‘terceiras intenções’
privadas. O espaço que deveria ser fonte de discussão e argumentação
intersubjetiva e argumentativa rende-se e dissolve-se ante a força deformadora do
consumo:

Se a leis do mercado, que dominam a esfera do intercâmbio de


mercadorias e do trabalho social, também penetram na esfera
reservada às pessoas privadas enquanto público, o raciocínio tende
a se converter em consumo e o contexto da comunicação pública se
dissolve nos atos estereotipados da recepção isolada (HABERMAS,
2003c, p. 190-191).

Enfim, a conclusão não pode ser outra senão aquela que Habermas
apresenta ainda na obra citada, isto é, “na passagem do público que pensa a cultura
para o público que consome a cultura” (HABERMAS, 2003c, p. 207), que não só
modificou a esfera pública burguesa dos séculos XIX e XX, mas que também dita o
ritmo e as formas de socialização da esfera pública atual, amplamente baseada na
ideologia consumista e hedonista.
Logo, dentro deste contexto de mudança apresentado, observou-se com
razão um aspecto interessante: com a transformação dos interesses da esfera
pública, ao mesmo tempo, também foi se diluindo o ‘humano’ (como categoria
axiológica) e favorecendo uma extrema reviravolta nos valores antropológicos: o ser,
ou seja, a essência humana, se assim é possível dizer, passou a ser condicionada
pelo ter. Isso leva a crer, em outras palavras, como afirma Erich Fromm, que o
homem contemporâneo é a partir do patrimônio econômico e do status social que
ele ‘tem’:
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A alternativa ter contra ser não fala imediatamente ao senso comum.


Ao que tudo indica, ter é uma função normal de nossa visa: a fim de
viver nós devemos ter coisas. Além do mais, devemos ter coisas a
fim de desfrutá-las. Numa cultura em que a meta suprema é ter – e
ter cada vez mais – e na qual se pode falar de alguém como ‘valendo
um milhão de dólares’, como poderá haver alternativa entre ter e ser?
Pelo contrário, tem-se a impressão de que a própria essência de ser
é ter: de que se alguém nada tem, não é (FROMM, 1980, p. 35)

Esta reviravolta fez com que o transitório ganhasse força e tomasse o lugar
do essencial; que os valores periféricos tomassem o lugar daqueles valores centrais.
Não é por acaso que Ortega y Gasset (1963, p. 21-22) chega a afirmar que “o
homem é aquele animal para o qual o supérfluo é necessário”.
Neste horizonte de reflexão situam-se as teorias de Jean Baudrillard acerca
da lógica do signo e da propagando do consumo. Para entender a lógica do
consumo é preciso primeiramente entender a lógica do símbolo. Segundo
Baudrillard, a pessoa está tão submergida no universo do símbolo, que ela não
sente mais o real; tudo o que ela percebe é signo. Em outras palavras, trata-se do
desaparecimento dos modos de percepção de um real transformado puramente em
simbólico, formando o que o autor chama de hiper-realidade: “a simulação não é a
de um território, de um ser referencial, de uma substância. Ela é a geração pelos
modelos de um real sem origem, nem realidade: hiper-real” (Baudrillard apud MELO,
1988, p. 68).
Desta maneira, seu objetivo foi demonstrar como as coisas passaram do
paradigma da representação para o paradigma da total simulação do signo. Para
isso, Baudrillard fala em três ordens do simulacro, isto é, da realidade transformada
em símbolo: a primeira ordem do simulacro, representado pelo horizonte clássico até
a Revolução Industrial, é a da contrafação, isto é, da pura cópia ou falsificação; a
segunda ordem, representado pelo advento da era industrial, é a da produção de
coisas; já a terceira e mais acabada ordem é a da simulação da era pós-industrial,
cuja finalidade é absorver a distância existente entre o real e o imaginário (MELO,
1988, p. 33-34).
Logo, nesta lógica simbólica, para Baudrillard, o ‘ser’ não chega nem a ser
substituído pelo ‘ter’, mas pelo ‘simular’ ou ‘significar’: “dissimular é fingir não ter
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aquilo que se tem. Simular é fingir ter aquilo que não se tem” (Baudrillard apud
MELO, 1988, p. 59). Ou seja, para Baudrillard, tudo passou a ser absorvido pelo
hiper-real. O que isso quer dizer? Que as ficções se tornaram mais importantes que
a própria realidade, constituindo assim um sistema em que o virtual é capaz de
envolver e interferir no real com sua simulação e significação: “o real que se tornou
nossa verdadeira utopia – mas uma utopia que não é mais da ordem do possível,
uma utopia com a qual só podemos sonhar enquanto objeto perdido” (Baudrillard
apud MELO, 1988, p. 34). É justamente este sistema que governa o consumo: as
pessoas consomem não em vista do que a coisa ‘é’, mas pelo que ela representa ou
significa: “no modo específico do consumo, já não existe transcendência, nem
sequer a transcendência feiticista [fetichista] da mercadoria; reina apenas a
imanência à ordem dos signos” (BAUDRILLARD, 1995, p. 206).
Essa idéia do símbolo e do hiper-real, radicalizada em Baudrillard, com
razão, deu força e justificação para o marketing e para a propaganda do consumo na
sociedade atual. Com finalidade específica para o consumo, a propaganda cria uma
mentalidade do uso, uma simulação, estabelecendo necessidades que impelem o
indivíduo a comprar cada vez mais: “a nossa sociedade pensa-se e fala-se como
sociedade de consumo. Pelo menos, na medida em que consome, consome-se
enquanto sociedade de consumo em idéia. A publicidade é o hino triunfal desta
idéia” (BAUDRILLARD, 1995, p. 208). Assim, são constituídos os mecanismos de
manipulação dos desejos e das vontades através da propaganda do consumo de
coisas, que segundo Baudrillard, só se tornou possível devido à substituição das
pessoas, realizada pelo indivíduo consumidor, pela alucinada e exagerada
aproximação com a imagem da coisa ou objeto de consumo. Esta é a idéia inicial da
obra A Sociedade do Consumo:

À nossa volta, existe hoje uma espécie de evidência fantástica do


consumo e da abundância, criada pela multiplicação dos objectos,
dos serviços, dos bens materiais, originando como que uma
categoria de mutação fundamental na ecologia da espécie humana.
Para falar com propriedade, os homens da opulência não se
encontram rodeados, como sempre acontecera, por outros homens,
mas mais por objectos. [...] no fundo, começamos a viver menos na
proximidade dos outros homens, na sua presença e no seu discurso;
e mais sob o olhar mudo dos objectos obedientes e alucinantes que
nos repetem o mesmo discurso – isto é, o do nosso poder
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medusado, da nossa abundância virtual, da ausência mútua de uns


aos outros (BAUDRILLARD, 1995, p. 15).

De fato, a propaganda condiciona de tal modo o consumo que a pessoa não


pensa em mais nada a não ser objetivar sua vontade através da compra de bens. A
mídia cria simulacros nos quais uma realidade fantasiosa mascara a legítima
realidade, isto é, não se compra um produto em vista de seu valor real, mas pela
identidade que este símbolo cria nas classes sociais e pelos valores que estão
vinculados pela exposição propagandística de status social:

Tudo foi reassumido por esta lógica, não apenas no sentido de que
todas as funções, todas as necessidades se encontram objectivadas
e manipuladas em termos de lucro, mas ainda no sentido mais
profundo de que tudo é espectacularizado, quer dizer, evocado,
provocado, orquestrado em imagens, em signos, em modelos
consumíveis (BAUDRILLARD, 1995, p. 205).

Trata-se, na realidade, de uma nova condição social: “a abundância e o


consumo, não dos bens materiais, dos produtos e dos serviços, mas a imagem
consumida do consumo é que constitui a nova mitologia tribal – a moral da
modernidade” (BAUDRILLARD, 1995, p. 208). E a conseqüência mais óbvia disto é
iminente ‘funcionalização’ ou ‘coisificação’ dos indivíduos, alienando-se cada vez
mais pela objetivação simuladora do consumo: “como a criança-lobo se torna lobo à
força de com eles viver, também nós, pouco a pouco, nos tornamos funcionais”
(BAUDRILLARD, 1995, p. 15).
No último capítulo da obra A Sociedade do Consumo é interessante uma
análise realizada por Baudrillard acerca das relações de consumo a partir de um
filme da década de 30, chamado O Estudante de Praga. O filme relata a história de
um estudante pobre, porém ambicioso, que no impulso de aproveitar mais os
prazeres do dinheiro, vende sua imagem refletida no espelho ao Diabo em troca de
“um montão de ouro” (BAUDRILLARD, 1995, p. 201). Passado algum tempo, o
estudante consegue o sucesso almejado, mas chega-lhe também um grande
infortúnio: sua imagem vendida, que agora cria corpo e força por si própria,
“ressuscitado e posta em circulação”, persegue-o dia após dia, “como que para se
vingar de ter sido vendida” (BAUDRILLARD, 1995, p. 202). Com isso, a vida social do
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estudante tornou-se praticamente impossível, devido uma série de outros infortúnios


causados pela sua idêntica imagem ressuscitada.
Desta maneira, em seu gradual desespero, o estudante concluiu que não
havia outra solução a não ser “o projecto de matar a sua própria imagem”
(BAUDRILLARD, 1995, p. 202). E assim o fez, matou sua própria imagem. Porém, ao
fazer isso, ao mesmo tempo o estudante cai e também morre, pois “matando a
própria imagem, mata-se a si mesmo, já que insensivelmente fora ela que em seu
lugar se tornara viva e real”2 (BAUDRILLARD, 1995, p. 202).
Trata-se de uma história dramática, pela qual Baudrillard quis representar a
lógica determinista da imagem que se produz do consumo como simulacro do real:
“a imagem especular representa aqui simbolicamente o sentido dos nossos actos,
que formam em redor de nós um mundo à nossa imagem” (BAUDRILLARD, 1995, p.
202). Interessante imaginar que o consumo, realmente, é uma imagem que ganha
mais vida do que o próprio produto vendido. E que, assim como o estudante de
Praga não conseguiu mais sobreviver sem a imagem criada, não seria exagero, a
partir desta analogia de Baudrillard, afirmar que muitos indivíduos estão em tamanha
dependência com a imagem criada pela lógica do consumo, que não saberiam mais
viver com a simples ausência do signo criado. Em outras palavras, perderiam sua
identidade e sua razão de ser:

Simbolicamente portanto, no caso de a imagem nos vir a faltar, é


sinal de que o mundo se torna opaco e os nosso actos nos fogem –
encontrando-nos então nós sem perspectiva sobre nós mesmos.
Sem esta caução [garantia], deixa de haver identidade possível:
torno-me outro em relação a mim próprio, estou alienado
(BAUDRILLARD, 1995, p. 202).

Sendo assim, é lógico afirmar o consumismo como um grande contravalor


apregoado pelo neoliberalismo instrumentalizado. Com ele não só ocorre uma
alienação e massificação de sociabilidades, como também uma paulatina perda de
identidade do indivíduo, dificultando gravemente a construção de um projeto de vida
duradouro:

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Uma página adiante, Baudrillard fará outro semelhante paralelo da lógica do consumo com a ficção
literária de Adelbert Von Chamisso: Peter Schlemihl, o Homem que Perdeu a sua Sombra. As
conclusões sobre as duas histórias se complementam.
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É legítimo, portanto, afirmar que a era do consumo, em virtude de


constituir o remate histórico de todo os processo de produtividade
acelerada sob o signo do capital, surge igualmente como a era da
alienação radical. Generalizou-se a lógica da mercadoria, que regula
hoje não só os processos de trabalho e os produtos materiais, mas a
cultura inteira, a sexualidade, as relações humanas e os próprios
fantasmas e pulsões individuais (BAUDRILLARD, 1995, p. 205).

Com relação à emergente crise de identidade que a sociedade atual passa


em seus mais diversos campos (família, empregabilidade, religião, política), são
contundentes as considerações de Claude Dubar em sua obra A Crise das
Identidades. A obra, na realidade, trata-se de uma grande análise das
transformações culturais da sociedade francesa ao longo dos seus últimos trinta
anos, como também na hipótese de como tais mudanças influenciaram na
construção de inúmeras crises pessoais.
Segundo Dubar, a depressão tornou-se o exemplo mais comum das crises
de identidade pessoal. Retomando Alain Ehrenberg, o autor apresenta a hipótese de
um vínculo estreito entre manifestações depressivas e mudança de modelo cultural.
O modelo cultural de ‘ser si mesmo’, de ‘se realizar’ e ‘se superar’ a todo custo,
exige da pessoa um modelo de identidade que nem sempre é capaz de realizar:

Ehrenberg [...] apresenta argumentos acerca da hipótese de um


vínculo estreito entre essas manifestações dolorosas e a mudança
de modelo cultural com o qual se confrontam as mulheres e os
homens de hoje. O imperativo de ser si mesmo, de ‘se realizar’, de
‘construir sua identidade pessoal’, de ‘superar-se’, de ser
performativo, engendra essa ‘doença identitária às vezes crônica’,
tratada com freqüência por meio de psicotrópicos cada vez mais
sofisticados (DUBAR, 2009, p. 195).

Com isso, o que se observa é gradual um enfraquecimento do Ego e


desmoronamento da auto-estima, até mesmo porque tais rupturas existentes estão
em contraste direto com o antigo modelo de estabilidade e continuidade retilínea da
vida adulta: cada vez mais as pessoas adultas são obrigadas a mudarem de
projetos, abandonarem antigos papéis e grupos e inserirem-se em outros. É aí que,
segundo Dubar, se encontra a crise contemporânea: a não capacidade de aprender
de novo e recomeçar do ‘zero’ (DUBAR, 2009, p. 195-196).
Desta maneira, a conseqüência mais certa é o próprio recolhimento do
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sujeito que, ao mesmo tempo em que não consegue ser mais aquilo que era, ou
seja, ter aquela identidade “que acaba de ser negada, destruída, invalidada ‘por
outrem’” (DUBAR, 2009, p. 198), também não consegue ser nada de diferente. Logo,
vive-se apenas um amargo presente de pura miséria devido a um passado roubado
e de futuro fracassado: “um vazio, aquele em que, literalmente, ‘o eu não é mais
nada’. É nesse entre-dois que o sujeito corre o risco de uma queda, de uma
depressão, um suicídio, uma crise aguda” (DUBAR, 2009, p. 203)
Todavia, para Dubar, as crises não são essencialmente negativas. Logo, o
que o autor tenta provar, na realidade, é “esclarecer o significado da expressão
‘construção da identidade pessoal’, e a defender a tese de que as crises estão no
cerne dessa construção, sempre frágil e inacabada” (D UBAR, 2009, p. 192). Assim, a
crise, para Dubar, é pressuposto para a construção da identidade pessoal, pois
“nada seria mais inquietante que um sujeito que não atravessa crise alguma”
(DUBAR, 2009, p. 254). O interesse pela crise é analisar se o sujeito será capaz ou
não de superá-la através de um vínculo societário maduro e flexível. Em suas
últimas palavras do livro, o autor não teme em afirmar que é “a crise que revela o
sujeito a si mesmo, obriga-o a refletir, a mudar, a lutar para ‘libertar-se’ e se inventar
a si mesmo, com os outros. A identidade pessoal não se constrói de outra forma”
(DUBAR, 2009, p. 255)
Posição singular com relação aspecto hedonista do consumo da sociedade,
principalmente no que concerne aos valores que perpassam as relações humanas, é
a realizada por Zygmunt Bauman. Segundo o autor, a idéia de consumo já
ultrapassou o limite do útil, ou seja, não se compra mais com o objetivo de adquirir
determinadas coisas, mas pelo simples fato de comprar, mesmo em situações no
qual os bens comprados não são necessários. Em outras palavras, o que marca um
consumidor não é tanto o volume de suas compras, mas a rotatividade de seus bens
comprados. Aqueles que ficam presos somente a alguns bens e, por isso, não
possuem capital para a consecução de outros bens, são considerados consumidores
falhos e fracassados, pois não são capazes de participar da ideologia consumista:

O caracteriza o consumismo não é acumular bens (quem o faz deve


também estar preparado para suportar malas pesadas e casas
entulhadas), mas usá-los e descartá-los em seguida a fim de abrir
espaço para outros bens e usos. A vida consumista favorece a
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leveza e a velocidade. E também a novidade e a variedade que elas


promovem e facilitam. É a rotatividade, não o volume de compras,
que mede o sucesso na vida do homo consumens (BAUMAN, 2004, p.
67-68).

Para Bauman, a característica principal do momento em que a sociedade


passa é definida como uma fluidez semelhante ao que acontece com os líquidos.
Assim como o líquido, a sociedade, os valores, as relações, as instituições etc.,
todas elas, também são instáveis e fluidas. Em sua obra Modernidade Líquida
Bauman justifica esta analogia:

O que todas essas características dos fluidos mostram, em


linguagem simples, é que os líquidos, diferentemente dos sólidos,
não mantêm sua forma com facilidade. Os fluidos, por assim dizer,
não fixam o espaço nem prendem o tempo. Enquanto os sólidos têm
dimensões espaciais claras, mas neutralizam o impacto e, portanto,
diminuem a significação do tempo (resistem efetivamente a seu fluxo
ou o tornam irrelevante), os fluidos não se atêm muito a qualquer
forma e estão constantemente prontos (e propensos) a mudá-la;
assim, para eles, o que conta é o tempo, mais do que o espaço que
lhes toca ocupar; espaço que, afinal, preenchem apenas ‘por um
momento’ (Bauman, 2001, p. 8)

A idéia da fluidez nas relações ataca aquilo que deveria ser uma marca
singular do ser humano: sua capacidade de construir projetos em longo prazo. Isso
não só justifica a idéia de consumo que caracteriza a sociedade atual, como também
toda uma cultura do prazer passageiro, da rotatividade de emoções e relações, da
aversão a compromissos duradouros, do relativismo dos valores. Sobre isso escreve
Bauman em sua obra Amor Líquido:

E assim é numa cultura consumista como a nossa, que favorece o


produto para uso imediato, o prazer passageiro, a satisfação
instantânea, resultados que não exijam esforços prolongados,
receitas testadas, garantias de seguro total e devolução do dinheiro
(BAUMAN, 2004, p. 21-22)

Com toda essa idéia de fundo, logicamente, é perceptível a fragilidade dos


valores humanos interpessoais. Tudo leva a crer que a idéia de compra e venda de
bens e serviços também entrou para a questão do relacionamento entre sujeitos.
Tudo pode ser negociável, inclusive as relações entre pessoas; caso não esteja de
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acordo com o exigido, substitui-se por outra. É o que Bauman apresenta em seu
livro como ‘relacionamentos de bolso’: “as relações de bolso, explica Catherine
Jarvie [...], são assim chamadas porque você as guarda no bolso de modo a poder
lançar mão delas quando for preciso” (BAUMAN, 2004, p. 36).
Impactante também é a idéia da virtualidade das relações, que nestes
últimos anos tem aumentado drasticamente. Mais que encontros pessoais,
indivíduos hoje anseiam encontros virtuais. Esta situação traduz não só uma
negação daquilo que o ser humano tem de característico, isto é, sua sociabilidade,
como demonstra uma negativa e radical convicção na idéia de fragmentação e
fluidez:

Diferentemente dos ‘relacionamentos reais’, é fácil entrar e sair dos


‘relacionamentos virtuais’. Em comparação com a ‘coisa autêntica’,
pesada, lenta e confusa, eles parecem inteligentes e limpos, fáceis
de usar, compreender e manusear. [...] um jovem de 28 anos da
Universidade de Bath apontou uma vantagem decisiva da relação
eletrônica: ‘Sempre se pode apertar a tecla deletar’ (BAUMAN, 2004,
p. 12-13).

Essa concepção chega próxima da já apresentada por Adous Huxley na


década de 30 em sua obra Admirável Mundo Novo. Na história, o autor retrata os
embates de gerações na sociedade: uma jovem pertencente a uma sociedade
formada por pessoas pré-programadas que se encontra com um selvagem que vive
num mundo repleto dos antigos costumes e valores. Trata-se de crítica à
substituição da mão de obra humana pela informatizada, no qual as pessoas não
têm mais vontades nem sentimentos próprios, mas somente sensações pré-
determinadas e condicionadas pela técnica e sua ideologia de consumo. A idéia de
fundo é a padronização do não-valor como valor (Cf. HUXLEY, 1969).
Uma ferrenha crítica também se encontra em Heidegger, na sua famosa
Carta sobre o Humanismo. Segundo ele, para refletir de maneira correta sobre a
existência humana também é preciso libertar-se da pré-determinação provocada
pela técnica, vista aqui não no sentido de Huxley, como técnica informatizada e
externa ao homem, mas como técnica do pensamento lógico pré-determinado,
interno ao próprio raciocínio humano (HEIDEGGER, 1991, p. 2-3). Para tanto, o
homem é dotado de uma capacidade de ‘ser’ infinitamente maior que o poder
14

definidor da técnica lógica, conceitual e gramatical. Logo, para Heidegger, toda e


qualquer idéia de humanismo já é por si mesma um conceito comprometedor, pois
parte do pressuposto da definição limitada de homem, embasada numa metafísica
tradicional e delimitadora:

Todo humanismo se funda, ou numa Metafísica ou ele mesmo se


postula como fundamento de uma tal metafísica. Toda a
determinação da essência do homem que já pressupõe a
interpretação do ente, sem a questão da verdade do ser, e o faz
sabendo ou não sabendo, é Metafísica. Por isso, mostra-se, e isto no
tocante ao modo como é determinada a essência do homem, o
elemento mais próprio de toda a Metafísica, no fato de ser
‘humanística’ (HEIDEGGER, 1991, p. 8)

Desta forma, para que o humanismo não seja um reducionismo, a idéia de


‘ser’ do homem não deve estar limitada a nenhuma forma de definição técnica ou
conceitual. O ser é muito mais do que aquele apregoado pela metafísica clássica.
Com isso, é destruindo a metafísica clássica que se chegará às verdadeiras e
originárias formas de ser do homem, como assim afirma Heidegger em Ser e
Tempo:

Entendemos essa tarefa como destruição do acervo da antiga


ontologia, legado pela tradição. Deve-se efetuar essa destruição
seguindo-se o fio condutor da questão do ser até chegar às
experiências originárias em que foram obtidas as primeiras
determinações do ser que, desde então, tornaram-se decisivas (p.
HEIDEGGER, 1988, p. 51).

A partir das reflexões até então realizadas, é possível identificar alguns


sinais da crise axiológica na sociedade contemporânea, que erroneamente muitos
acreditam ser a justificação de uma pós-modernidade em detrimento de uma
modernidade falida. É lógico que o interesse desta pesquisa não é fundamentar uma
pós-modernidade insuficiente e ausente de autocrítica, mas resgatar o conceito
habermasiano de Modernidade a partir da inauguração da racionalidade
comunicativa. Todavia, também é evidente que alguns traços do discurso pós-
moderno existem na sociedade enquanto sintomas de uma séria crise de valores
que interferem, como já visto acima, nas formas de relações do indivíduo na
sociedade, porém, sem com isso, afirmar a morte da modernidade.
15

Segundo Gastaldi (1994, p. 30), os traços principais daquilo que


inconseqüentemente ele chama de pós-modernidade são: a) desconfiança da razão
e desencanto frente aos ideais; b) extinção dos dogmas e princípios fixos; c)
abolição e fragmentação dos grandes relatos determinadores; d) dissolução do
sentido de história; e) pluralidade ideológica e cultural; f) distância crescente entre as
gerações; g) crise aguda da ética através do individualismo, hedonismo,
permissividade; h) ateísmo prático e fragmentação religiosa.
Já para Castilho (2002, p. 86-92), o contexto sócio-cultural atual pode ser
definido a partir de alguns elementos como: a) descrença das cosmovisões com
pretensões totalitárias; b) negação e fragmentação do sujeito, incapaz de unificar
suas experiências; c) ruptura com a metafísica, concebendo a racionalidade como
efêmera e limitada; d) transitoriedade dos critérios morais válidos e ruptura com a
normatividade heterônoma; e) a ruptura com a religiosa institucionalizada, com os
dogmas, com a teologia e com o sagrado.
Todavia, Teixeira (2000, p. 106-107) acredita que tais características podem
ser potencializadas para uma adaptação benéfica no contexto sócio-cultural. Com
isso, organiza cinco eixos essenciais dos quais orbitam algumas atitudes que
poderão fazer frente aos contravalores emergentes: a) personalização do indivíduo,
digna de singularidade própria; b) afirmação das diferenças e respeito pela
alteridade; c) autonomia e pluralismo não preso a regras unilaterais e pré-
estabelecidas; d) primado do emocional sobre o racional, no qual a racionalidade
técnica cede lugar a outras formas de expressões; e) vasta atmosfera religiosa.
Mas será possível alguma mudança neste quadro cultural tão crítico?
Usando aqui um vocabulário habermasiano, enquanto o mundo sistêmico estiver
colonizando o mundo da vida, do qual a escola faz parte, não haverá espaço para
mudança. Para tanto, é preciso que a educação forme consciências capazes de
forçar, na própria esfera pública, um espaço adequado para que a ciência, moral e
arte possam se manifestar, e, assim, aos poucos, a lógica imposta pelo Estado e
pela Economia possa ser substituída pelas reflexões simbólicas provocadas por
estas esferas culturais: pela veracidade objetiva da ciência, pela normatividade
social da moral e pela expressividade subjetiva da arte, obviamente, organizadas
para fins não teleológicos, mas para fins comunicativos e intersubjetivos.
16

Com toda certeza, isso só será possível através de uma educação para
cidadania, democracia e diálogo. Neste sentido é significativo um trecho da obra
Concepção Dialética de História de Gramsci: não há transformação desarraigada do
conhecer, do possibilitar e do querer. Primeiramente, só é transformado aquilo que
anteriormente é conhecido. Mas para transformar não basta apenas conhecer; é
preciso, em segundo lugar, também possibilitar, isto é, criar possibilidades reais para
que a transformação aconteça livremente. Porém, somente conhecer e possibilitar
não garante transformação alguma se não houver também o querer como vontade
de um indivíduo ou grupo capaz de possibilitar na prática aquilo que conhece em
vista da exigência da transformação. Confira as palavras do próprio Gramsci (1978,
p. 47):

A possibilidade não é a realidade, mas é, também ela, uma


realidade: que o homem possa ou não fazer uma determinada coisa,
isto tem importância na valorização daquilo que realmente se faz.
Possibilidade quer dizer ‘liberdade’. A medida de liberdade entra na
definição do homem. Que existam as possibilidades objetivas de não
se morrer de fome e que, mesmo assim, se morra de fome, é algo
importante, ao que parece. Mas a existência de condições objetivas -
ou possibilidade, ou liberdade - ainda não é suficiente: é necessário
‘conhecê-las’ e saber utilizá-las. Querer utilizá-las.
17

2. ORGANIZAÇÃO, DIVISÃO E IMPORTÂNCIA DA ÉTICA PARA A


CONSTRUÇÃO DE UMA AXIOLOGIA

“Ethica est ars bonum faciens operatum et


operantem”3
(Autor desconhecido apud MARCHIONNI,
1999, p. 33)

Etimologicamente proveniente do grego ëthos ou éthos4 (ciência relativa ao


caráter e aos costumes), ética é o domínio da filosofia que tem por objetivo o juízo
de apreciação que distingue o bem e o mal, o comportamento correto e o incorreto,
em suas mais diversas linhas e correntes.
Segundo Vázquez (1995, p. 12), “ética é a ciência do comportamento moral
dos homens em sociedade. Ou seja, é a ciência de uma forma específica de
comportamento humano”. Para Vaz (1999, p. 61), ética é “uma ciência dos costumes
transmitidos na sociedade, dos estilos permanentes do agir dos indivíduos (hábitos),
bem como da comprovação crítica dos novos valores que a evolução da sociedade
faz surgir”. No esforço de definição da ética, é significativa a seguinte frase de um
autor desconhecido da Idade Média: “ética é a arte que torna bom àquilo que é feito
e quem o faz”5. Ou seja, complementa Marchionni (1999, p. 33), “é a arte do Bom.
Ciência do Bom. A ética é uma arte, hábito (ethos), esforço repetido até alcançar a
excelência no agir”.
Pode ser considerada uma ciência pelo fato de ter, segundo Menezes (2010,
p. 10), um objeto formal próprio, como também um método de uso apropriado às
suas atribuições (sintético-indutivo e analítico-dedutivo). Com relação ao objeto
3
“Ética é a arte que torna bom àquilo que é feito e quem o faz” (Autor desconhecido apud
MARCHIONNI, 1999, p. 33).
4
O termo “Ética”, em sua origem grega, pode ser designado a partir de duas palavras: Ëthos ou
Éthos. No entanto, os significados são muito próximos: “Ethos (Ëthos): termo grego que significa
morada, residência, lugar onde se habita, e, figurativamente, também pode significar caráter,
personalidade. Éthos, contudo, tem um significado mais usual de costume, hábito, uso. Esses termos
estão relacionados entre si, uma vez que um [Ëthos] é o ponto de partida para algumas normas de
comportamento, enquanto o outro [Éthos] é o resultado de comportamentos que se transformaram em
costumes. Um produz o outro que, por sua vez, é fonte do outro” (MENEZES, 2010, p. 6).
5
“Ethica est ars bonum faciens operatum et operantem”. Frase de autor desconhecido, provavelmente
datada por volta do ano de 1050, que ficou muito conhecida na Idade Média, citada na íntegra por
Antônio Marchionni em seu capítulo “A ética e seus Fundamentos”. Cf. MARCHIONNI, 1999, p. 33.
18

formal da ética, Menezes (2010, p. 10) o identifica de maneira clara com os atos
humanos6: “podemos afirmar que o objeto formal da Ética é o estudo dos atos
humanos baseados no que há neles de bom ou de mau, ou seja, baseado na sua
moralidade”. No entanto, não se pode deixar de citar também a clássica a definição
de Máynez:

O objeto que a ética, enquanto disciplina filosófica, se propõe definir


e explicar, é a moralidade positiva, ou seja, o conjunto de regras de
comportamento e formas de vida através das quais tende o homem a
realizar um dos valores fundamentais da existência7 (MÁYNEZ, 1944,
p. 14)

Aí reside a importância da ética: os princípios éticos constituem-se enquanto


diretrizes, pelas quais o homem rege o seu comportamento, tendo em vista uma
filosofia moral dignificante. Portanto, a importância da ética confunde-se com sua
função: é a parte da filosofia que se dedica a pensar os atos humanos e os seus
fundamentos (MENEZES, 2010).

2.1 IMPORTÂNCIA DA ÉTICA PARA A CONSTRUÇÃO DE VALORES (AXIOLOGIA)

Para entender um pouco mais a importância da ética, o convite é recorrer ao


que Aristóteles disse sobre o assunto. Aristóteles foi um dos primeiros filósofos a
pensar e fundamentar o pensamento ético. Viveu na Grécia, no século IV a.C, e em
uma de suas obras, Ética à Nicômaco, fez uma análise do agir humano que marcou
decisivamente o modo de pensar ocidental: ele ensinava que todo conhecimento e
todo trabalho visa a algum bem. O bem é a finalidade de toda ação. A busca do bem
é o que difere a ação humana da de todos os outros animais: “toda arte e toda

6
Segundo Menezes, não pode confundir os atos humanos, considerados como o objeto formal da
ética, com os atos do homem; portanto, trata-se de duas coisas distintas: “atos humanos são aqueles
realizados com base em uma deliberação racional. Quando uma pessoa realiza atos verdadeiramente
humanos, ela tem consciência do que faz e é responsável pelo que faz” (MENEZES, 2010, p. 10). Já os
atos do homem, “são atos que não são livres, porque são involuntários ou decorrem da falta de
conhecimento. Também pertencem a esta categoria os atos derivados da fisiologia do homem, que
são processos sobre os quais o homem não tem nenhum controle” (MENEZES, 2010, p. 10).
7
“El objeto que la ética, en cuanto disciplina filosófica, se propone definir y explicar, es la moralidad
positiva, o sea, el conjunto de reglas de comportamiento y formas de vida a través de las cuales
tiende el hombre a realizar uno de los valores fundamentales de la existência” (MÁYNEZ, 1944, p. 14).
19

indagação, assim como toda ação e todo propósito visam a algum bem; por isso foi
dito acertadamente que o bem é aquilo que todas as coisas visam” (ARISTÓTELES,
1991, p. 17). Em seguida fez a seguinte pergunta: Mas qual é o mais alto de todos
os bens que podem alcançar pela ação? Não hesitou em responder claramente: “[...]
a felicidade, mais que qualquer outro bem, é tida como [...] bem supremo”
(ARISTÓTELES, 1991, p. 23).
Essa resposta formulada pelo filósofo encontra eco até nossos dias. Tanto o
homem do cotidiano como todos os grandes pensadores estão de acordo que a
finalidade da vida é ser feliz. Identifica-se o bem viver e o bem agir com o ser feliz
(GALLO, 1998, p. 54). Mas há aqui uma intrigante questão: nota Aristóteles que a
pergunta sobre o que é a felicidade não é respondida igualmente por todos. Logo,
cada um responde esta pergunta de uma forma singular. E é justamente pelo fato
desta resposta ser singular e própria ao sujeito, que ela necessita ser partilhada por
outros indivíduos com os quais ele convive: “o homem é naturalmente um animal
político, destinado a viver em sociedade” (ARISTÓTELES, 1995, p. 14). Portanto, no
processo de educação familiar, cultural, social, religiosa e escolar o sujeito aprende
a identificar o ser feliz com os valores que sustentam as suas ações (GALLO, 1998, p.
55).
Outro elemento que Aristóteles utiliza para classificar o ser humano é a
racionalidade, pois ele é o único ser capaz de planejar suas ações, de realizar
escolhas e julgá-las, determinando seu valor. Existe, porém, para a realização de
qualquer ação do homem duas bases fundamentais, a intelectual e a moral: “[...] a
sabedoria, a inteligência e o discernimento, por exemplo, são formas de excelência
intelectual, a liberdade e a moderação, [...] são formas de excelência moral”
(ARISTÓTELES, 1991, p. 33).
Ainda com Aristóteles podem-se identificar três coisas que controlam a ação:
sensação, razão e desejo8. A ação é um movimento deliberativo, isto é, a origem da
ação é a escolha: “A origem da ação [...] é a escolha, e a da escolha é o desejo e o
raciocínio com um fim em vista” (Aristóteles, 1991, p. 126). Os homens diferem dos
animais porque são capazes de realizar escolhas: “com efeito, tanto as crianças
como os animais inferiores participam da ação voluntária, porém não da escolha; e,
8
“A virtude de uma coisa é relativa ao seu funcionamento apropriado. Ora, na alma existem três
coisas que controlam a ação e a verdade: sensação, razão e desejo” (ARISTÓTELES, 1991, p. 124).
20

embora chamemos voluntários os atos praticados sob o impulso do momento, não


dizemos que foram escolhidos” (ARISTÓTELES, 1991, p. 49).
Com isso, percebe-se que é a ação voluntária, o desejo, que está na raiz
desta escolha, mas, é a razão que é o seu guia. Só o desejo não elege uma escolha;
a escolha só é plenamente efetivada com a razão: “de qualquer forma, a escolha
envolve um princípio racional e o pensamento. Seu próprio nome parece sugerir que
ela é aquilo que colocamos diante de outras coisas” (ARISTÓTELES, 1991, p. 53). Ou
seja, para Aristóteles, o desejo é a força motriz, o impulso gerador de todas as
nossas ações; mas essa força motriz deve seguir o curso traçado pela razão. A
razão guia, conduz o desejo ao encontro de seu objeto:

A origem da ação – sua causa eficiente, não final – é a escolha, e a


da escolha é o desejo e o raciocínio com um fim em vista. Eis aí por
que a escolha não pode existir nem sem razão e intelecto, nem sem
uma disposição moral; pois a boa ação e o seu contrário não podem
existir sem uma combinação de intelecto e de caráter (ARISTÓTELES,
1991, p. 126).

Mas se realizar escolhas é eleger objetos para o desejo, como saber se tais
escolhas para o desejo não excedem a moralidade de uma ação? Como já dito, o
desejo encontra um objeto, mas é a razão que guia. Assim, por mais diversos que
sejam os objetos de desejo, o critério das escolhas sempre será racional e destinado
a encontrar a virtude do meio termo:

A virtude é, pois, uma disposição de caráter relacionada com a


escolha e consistente numa mediania, isto é, a mediania relativa a
nós, a qual é determinada por um princípio racional próprio do
homem dotado de sabedoria prática. E é um meio-termo entre dois
vícios, um por excesso e outro por falta; pois que, enquanto os vícios
ou vão muito longe ou ficam aquém do que é conveniente no tocante
às ações e paixões, a virtude encontra e escolhe o meio-termo. E
assim, no que toca à sua substância e à definição que lhe estabelece
a essência, a virtude é uma mediania; com referência ao sumo bem e
ao mais justo, é, porém, um extremo (ARISTÓTELES, 1991, p. 39).

Outro aspecto interessante é que a capacidade racional de realizar escolhas


permite ao homem exercer sua condição de liberdade. O exercício da liberdade é a
capacidade de escolher. Nisso os humanos podem se desviar do determinismo que
rege o mundo da natureza: os animais jamais podem escolher, pois suas ações são
21

determinadas pelo padrão genético de suas espécies (GALLO, 1998, p. 55).


É a escolha que define o caráter de um ser humano. Suas virtudes se
manifestam nas escolhas que realiza no curso de sua condição mortal. Aqui se
apresentam algumas questões éticas de grande relevância: quais os critérios que
norteiam as escolhas que um homem faz em sua vida? Quais são os valores que
pautam suas ações? Quais objetivos que pretende atingir e com quais meios
efetivará sua realização? Afirma-se que toda ação deve ser justa e boa. Mas o que
determina a justiça e a bondade? O que é ser justo? O que é ser bom? (GALLO,
1998, p. 55).
A ação humana voluntária, que nasce da autodeterminação do agente, é
uma ação pela qual o próprio agente responde. Trata-se de uma responsabilidade
do sujeito como fonte da ação, anterior a toda qualificação moral, mas indispensável,
para que a ação possa ser passível de uma valoração ética. Somente pode-se falar
de responsabilidade quando o ser humano é livre para agir, ou seja, a
responsabilidade supõe a liberdade. Entende-se por liberdade a adesão subjetiva
voluntária ao bem, fundada na espontaneidade do sujeito que, agindo de acordo
com seu ser e sua consciência, em harmonia com suas aspirações e desejos mais
profundos, faz o que quer. A experiência da liberdade é a experiência da plena
realização do ser, quando se vive intensa, firme e definitivamente a ação que nos
realiza como humanos (GALLO, 1998, p. 56).
A qualificação fundamental da ação humana não é a conformidade com a
natureza e muito menos com a lei, qualquer que seja ela. A ação humana tem uma
qualificação fundamental, que lhe é intrínseca e que consiste na autodefinição ética
do sujeito, em relação aos valores e aos outros. Assim, o que qualifica
intrinsecamente a ação humana como tal, e que constitui o parâmetro fundamental
do critério da moralidade, é o espírito que brota do sujeito em tensão com os valores
que o inspiram, em relação aos outros, diante de quem o sujeito se autoposiciona
concreta e historicamente, por intermédio de sua ação (GALLO, 1998, p. 56).
Portanto, por tudo o que foi dito, não há como não perceber a importância e
validade da ética para a construção de valores e critérios para a sociabilidade. Mais
do que nunca, torna-se urgente uma educação ética voltada para o resgate de
elementos axiológicos na escola, na família e na sociedade em geral, em
22

contraposição a uma cultura que impõe a ausência de valor como regra a ser
obedecida, implicando assim numa carência de valores éticos tomados não apenas
como uma mera conseqüência ocasional, mas como ideologia cultuada, pensada e
repensada em vista dos interesses particulares e instrumentais.
Assim, numa sociedade em que diviniza a liberdade pessoal como único bem e
única fonte de valores, a educação ética não deve se cansar de proclamar que a
liberdade desvinculada da criticidade e dos valores éticos se corrompe e acaba
levando a uma explosão de egoísmo pessoal e coletivo que destrói a dignidade
social e humana. Sem o referencial ético e axiológico a vida social acaba caindo nas
armadilhas de um relativismo total. Então, tudo passará a ser convencional,
negociável e parcial.

2.2 ORGANIZAÇÃO E DIVISÃO DA ÉTICA

Segundo alguns autores (DURANT, 2003; BORGES, DALL’AGNOL e DUTRA,


2002; PALMER, 2002; NERI, 2004), no panorama do desenvolvimento da Ética como
questionamento, sistema e prática, a reflexão ética foi ganhando novas formas e
especialidades, formando com isso algumas correntes fundamentais que indicam a
predominância de um determinado tipo de Ética. Com isso, tais autores, de modo
geral e com algumas pequenas diferenças conceituais, costumam identificar três
campos principais do estudo da Ética, com suas mais importantes subdivisões:
1) Metaética: pode ser subdividida em Naturalismo Ético, Não-naturalismo
Ético e Não-cognitivismo Ético.
2) Ética Normativa: esta modalidade dividida em dois grandes campos: a)
Teorias Éticas Teleológicas: egoísmo psicológico, egoísmo ético e utilitarismo; b)
Teorias Éticas Deontológicas: a) intuicionismo moral; b) contratualismo moral; c)
imperativo categórico kantiano.
3) Ética Aplicada: pode ser subdividida em Bioética, Ética Ambiental e Ética
Profissional.
Desta forma, passemos então para uma visão geral do modo como a Ética é
entendida e organizada segundo estes autores.
23

2.2.1 Metaética e sua função de Análise do Sentido da linguagem ética

Segundo Durant (2003, p. 73), a metaética serve justamente “para


diferenciar a análise teórica dos conceitos fundamentais dos pressupostos
epistemológicos, independente de toda concepção de ética particular”. Com isso, é
comum entender a metaética como o campo que se ocupa em estudar a significação
dos termos morais (ou seja, a lógica entre os termos morais). Não é por acaso, por
exemplo, que Durant (2003, p. 73) afirma que a metaética “às vezes é identificada à
epistemologia ou à lógica”. Borges, Dall’Agnol e Dutra (2002, p. 7), por sua vez,
afirmam que a metaética não tem a pretensão de dizer o que fazer, mas apenas em
investigar a natureza dos princípios morais. Já para Palmer (2002, p. 16), a
metaética nada mais seria do que “uma análise filosófica do sentido e do caráter da
linguagem ética”.
Desta maneira, o autor afirma que, no processo de compreensão dos termos
e das sentenças éticas, a metaética diferencia três tipos de teorias metodológicas:
a) Naturalismo ético: tem como característica fundamental não basear-se
em entidades sobrenaturais ou que não decorrem da experimentação da natureza
(NERI, 2004, p. 71). É neste sentido que Palmer (2002, p. 211) afirma que “todas as
afirmações éticas transformam-se em afirmações não-éticas, mais especificamente
em afirmações factuais verificáveis”.
b) Não-naturalismo ético: tem como característica fundamental afirmar que
a linguagem ética jamais pode ser reduzida a afirmações factuais, não sendo, com
isso, possível afirmar a verdade ou a falsidade dos enunciados éticos apenas com
base em indícios observáveis (PALMER, 2002, p. 213). É por isso que, segundo
Moore (apud PALMER, 2002, 214), a única saída é desenvolver outro método de
verificação da verdade ou falsidade dos enunciados éticos: a intuição moral. Com tal
método, é possível conceber aquelas qualidades únicas e indefiníveis que, mesmo
não podendo ser analisadas factualmente, é possível perceber se o indivíduo as
possui ou não.
c) Não-cognitivismo ético: tem como característica fundamental afirmar
24

radicalmente que os enunciados ético são, na realidade, não-cognitivos, ou seja, não


transmitem nenhum conhecimento (PALMER, 2002, p. 215). Desta forma, segundo o
não-cognitivismo ético, tais enunciados não contêm nada possa ser interpretado
como verdadeiro ou falso, possuindo assim apenas uma função emotiva, como
assim afirma Ayer, servindo apenas...

[...] para expressar os sentimentos e emoções dos que as empregam


– e, nessa circunstância, parecem mais gritos, gemidos ou grunhidos
de prazer – ou para despertar sentimento nos outros, ou ainda para
estimular ações, principalmente por meio de ordens (Ayer apud
PALMER, 2002, p. 215).

2.2.2 Ética Normativa e sua função de estabelecimento de normas referenciais


para o agir moral

Como se pôde notar, para fazer com que a metaética infira questões
filosóficas sobre o sentido e o caráter da linguagem ética, ela deve recorrer a
princípios que orientam as escolhas e as decisões. É neste sentido que há a
necessidade de uma Ética Normativa, que tem a função de determinar o modo como
é decidido por um dentre vários princípios, como também a escolha de qual deles é
o mais adequado.
Beauchamp e Childrens (2002, p. 18), identificam a Ética Normativa como
aquele estudo que vida responder alguns questionamentos, como: “quais normas
gerais para a orientação e avaliação da conduta devem ser moralmente aceitas e
por quê razões?”. Para Borges, Dall’Agnol e Dutra (2002, p. 7) também apresentam
a Ética Normativa como aquela reflexão que visa responder perguntas como: “o que
devemos fazer? [...] Qual a melhor forma de viver bem”. Já para Palmer (2002, p.
18), a Ética Normativa serve justamente para tentar estabelecer padrões ou regras
que auxiliem o indivíduo em distinguir ações certas de ações erradas (ou pessoas
boas de pessoas más).
Enfim, como é possível perceber, todas estas definições e esclarecimento
sobre a Ética Normativa possuem um elemento comum: as respostas de todas estas
questões tendem a recorrer à determinação da ação ou da regra correta, ou então, à
25

determinação mais abrangente de um caráter moral.


Assim, pelo fato de ser um questionamento amplo, Palmer (2002) afirma que
a Ética Normativa pode ser dividida em duas grandes categorias: a) Teorias Éticas
Teleológicas; b) Teorias Éticas Deontológicas. Vejamos em consiste cada uma
destas categorias.

2.2.2.1 Teorias Éticas Teleológicas

A ética teleológica é uma modalidade ética regida de acordo com uma


finalidade que se queira atingir. Palmer (2002, p. 18) irá enfatizar que a ética
teleológica é aquela que afirma que os julgamentos morais deve se basear
inteiramente nos efeitos produzidos por uma ação.
Trata-se, portanto, da ética dos fins tão combatida pelo imperativo categórico
de Kant. Com isso, para esta modalidade de ética (voltada para fins), não é aceitável
princípios absolutos e rígidos, acreditando que a moral não deve ser orientada
unicamente para a fidelidade aos deveres e levando em conta o seu impacto na vida
prática e as conseqüências das ações. É por este motivo que Neri, numa posição
mais esclarecedora, afirma que a ética teleológica não deixa de ser também uma
ética consequencialista:

Para essas éticas [teleológicas], uma ação não é justa em si ou pelas


intenções das quais deriva, mas se torna justa com base nas
conseqüências concretas que produz. Tais conseqüências são
avaliadas com base na doutrina axiológica preferida e, portanto,
existem tantos tipos de éticas teleológicas quantas são as
organizações axiológicas possíveis, as quais podem ser monísticas
ou pluralistas, ou seja, conforme prevêem uma só coisa como
intrinsecamente boa, ou uma pluralidade de bens (NERI, 2004, p. 50).

Segundo Palmer (2002), nas teorias éticas teleológicas é possível perceber


três formas bem caracterizadas de éticas voltadas para fins:
a) Egoísmo psicológico: baseia-se em uma teoria psicológica do
comportamento humano que declara que o ser humano é psicologicamente incapaz
de fazer qualquer coisa que não seja vantajoso ao seu próprio interesse. Segundo
26

Palmer (2002, p. 27), a grande crítica ao egoísmo psicológico é que, de fato, não se
trata de uma doutrina ética e sim de uma teoria motivacional do ser humano, pois ela
não sugere normas e atitudes (como é próprio de uma Ética Normativa), mas
apenas informa como os seres humanos são como agem.
b) Egoísmo ético: baseia-se não num egocentrismo injustificado e
psicológico, mas na crença cada coisa boa realizada ao outro deve ser convertida
anteriormente como uma ação benéfica para si mesmo e para servir aos seus
próprios interesses, efetivando com isso, um mundo mais feliz também para si
mesmo. Assim, segundo Palmer (2002, p. 30) as ações morais, como por exemplo,
ser honesto, não roubar, ajudar o próximo etc., não são aceitas porque são boas em
si mesmas, mas por que produzem benefícios para quem as faz. No entanto, o
egoísmo ético enquanto fecha o valor da norma moral apenas para o benefício
próprio, acaba criando sérias contradições. É Palmer que mais uma vez faz as
seguintes críticas:

Uma crítica importante é que ele tem uma contradição interna: alegar
que todos os homens e mulheres devem cuidar de si mesmos se o
resultado disso for eu não cuidar de mim mesmo. Por exemplo,
suponhamos que Jonas e eu temos uma determinada doença e que
iremos morrer se não recebermos uma vacina específica, da qual só
há uma disponível. Se sou egoísta ético, preciso não só tentar
conseguir a vacina exclusivamente para mim, mas também se me
perguntarem, recomendar que Jonas faça o mesmo: em outras
palavras, preciso recomendar que Jonas sirva a seus interesses, não
os meus. Se faço isso, porém, contradigo o princípio básico do
egoísmo ético, já que claramente eu não serviria aos meus melhores
interesses ao dar esse conselho a Jonas [...]. Chegamos a uma
situação peculiar, na qual meus interesses como egoísta ético serão
melhor servidos se eu proclamar que o egoísmo ético é uma falsa
doutrina (PALMER, 2002, p. 31).

c) Utilitarismo: enquanto no egoísmo ético o homem age segundo seus


próprios benefícios, no utilitarismo que o homem deve agir em função do interesse
de todos. Assim, o princípio do utilitarismo pode ser identificado da seguinte
maneira: uma ação é moralmente correta quando produz o maior bem possível para
o maior número de pessoas possível (ou também quando produz o menor mal
possível para o menor número de pessoas possível). Desta maneira, de acordo com
este princípio, o indivíduo, sempre que tiver a possibilidade de escolha, deve
27

escolher aquela alternativa que, no seu conjunto, consiga trazer o melhor e o maior
bem para todos os envolvidos. Os defensores mais conhecidos da teoria utilitarista
são Jeremy Bentham e Stuart Mill. Para tanto, torna-se necessário fazer algumas
referências sobre cada um destes autores.
c1) Jeremy Bentham: em oposição ao Direito Natural, Bentham entende
que a felicidade geral é alcançada pelo cálculo hedonístico. Com isso, desenvolve
uma teoria da utilidade da ação, comprovável na experiência. Suas idéias principais
podem então ser pensadas a partir do prazer e da dor:

A natureza colocou o gênero humano sob o domínio de dois


senhores: a dor e o prazer. Somente a eles compete apontar o que
devemos fazer, bem como determinar o que na realidade faremos.
Ao trono desses dois senhores está vinculada, por uma parte, a
norma que distingue o que é reto do que é errado, e, por outra, a
cadeia das causas e dos efeitos (BENTHAM, 1974, p. 9).

A partir deste princípio, Bentham afirma o direito da livre discussão e crítica


das ações e instituições, como condição da confecção de uma legislação que
promova a maior felicidade para o maior número de pessoas: a função do legislador,
portanto, é fazer leis que proporcionem o bem mais extensivo, uma vez que “a
missão dos governantes consiste em promover a felicidade da sociedade, punindo e
recompensando” (BENTHAM, 1974, p. 25).
Que sentimentos então devem ser preferidos? Objetivamente, o prazer,
segundo sua intensidade, duração, proximidade, certeza, fecundidade e pureza.
Quais os motivos do agir? Bons são os que levam á harmonia; maus os que levam
ao desequilíbrio.
b2) Stuart Mill. Dentre seus seguidores de Bentham, com certeza, Stuart Mill
foi um dos mais notáveis, que brilhantemente sistematizou a concepção utilitarista e
expandiu as questões propostas por Bentham. Na obra Utilitarismo, Stuart Mill
apresenta a idéia principal da teoria da seguinte maneira: imaginar a possibilidade
de um determinado estado de coisas no qual todas as pessoas sejam tão felizes
quanto possível:

O Princípio da Maior Felicidade, [...] o fim último, com referência ao


qual e por causa do qual todas as outras coisas são desejáveis (quer
28

estejamos considerando nosso próprio bem ou o de outras pessoas),


é uma existência isenta tanto quanto possível da dor, e tão rica
quanto possível em deleites, seja do ponto de vista da quantidade
como da qualidade. O teste de qualidade [...] é a preferência
manifestada pelos que, em razão das oportunidades proporcionadas
por sua experiência, em razão também de terem o hábito de tomar
consciência de si e de praticar a introspecção, detêm os melhores
meios de comparação (MILL, 2000, p. 144-145).

Desta maneira, a regra central da moralidade pode ser representada de


seguinte forma simples: agir de modo a realizar este estado de coisas, na medida
em que seja possível:

Sendo esta, de acordo com a opinião utilitarista, a finalidade da ação


humana, é necessariamente também o padrão de moralidade. Assim,
é possível definir a moralidade como as regras e preceitos da
conduta humana, cuja observação permitiria que uma existência tal
como a descrita fosse assegurada, na maior medida possível, a
todos os homens; e não apenas a eles, mas também, na medida em
que comporte a natureza das coisas, a todos os seres sencientes da
criação (MILL, 2000, p. 144-145).

Em síntese, Mill afirma que a concepção de utilidade está essencialmente


ligada à de felicidade como seu maior princípio, capaz de ser não só aquilo derivado
do útil, mas principalmente em ser a referência orientadora que define as ações
corretas das ações incorretas:

A utilidade ou o princípio da maior felicidade como a fundação da


moral sustenta que as ações são corretas na medida em que tendem
a promover a felicidade e erradas conforme tendam a produzir o
contrário da felicidade. Por felicidade se entende prazer e ausência
de dor; por infelicidade, dor e privação de prazer [...] o prazer e a
imunidade à dor são as únicas coisas desejáveis como fins, e que
todas as coisas desejáveis [...] são desejáveis quer pelo prazer
inerente a elas mesmas, quer como meios para alcançar o prazer e
evitar a dor (MILL, 2000, 187).

Partido então das bases do utilitarismo de Bentham, Mill faz o seguinte


questionamento: quando toda necessidade for sanada, qual será a ação que trará a
felicidade? A reposta a esta pergunta Mill encontrou exatamente na busca pela
felicidade dos outros, como condição de uma felicidade pessoal: o útil então para a
felicidade pessoal também deve ser para a felicidade do outro.
29

Com isso, Mill expande mais claramente a questão da utilidade para fins
coletivos: o útil não pode ser tomado no sentido egoísta, não pode ser percebido
como o que seja benéfico e útil apenas para atender aos interesses individuais. Se
levar em consideração única e exclusivamente o bem individual, pessoal, o indivíduo
é então levado a uma posição egoísta. Porém, por outro lado, se o indivíduo pratica
ações que levem, sempre, em consideração o bem dos outros, sem abrir mão do
seu próprio bem, então, estará agindo moralmente do ponto de vista do utilitarismo.
Assim, o que é útil para um indivíduo, mas não o é igualmente para a sociedade ou,
pelo menos, para algumas pessoas, não é, realmente, bom e útil. Veja como Mill se
pronuncia a este respeito:

A moralidade utilitarista efetivamente reconhece nos seres humanos


o poder de sacrificar seus maiores bens pessoais pelo bem de
outros. Apenas se recusa a admitir que o sacrifício em si mesmo seja
um bem. Um sacrifício que não aumenta nem tende a aumentar a
soma total da felicidade é considerada como um desperdício. A única
auto-renúncia que essa moralidade aplaude é a devoção à felicidade
de outros ou a alguns das condições para tanto, quer se trate da
humanidade tomada coletivamente, quer dos indivíduos nos limites
impostos pelos interesses coletivos da humanidade (MILL, 2000, p.
202).

2.2.2.2 Teorias Éticas Deontológicas

Diferentemente das teorias teleológicas, a deontológicas não são


consequencialistas, pois o que será ético, neste tipo de teoria, vai depender de
princípios existentes por si mesmos e não pelas conseqüências das ações. Portanto,
para as teorias deontológicas, a qualidade moral, como Neri afirma, depende de um
fator intrínseco à própria ação:

A idéia central desse tipo de ética [dentológica] é que existem ações


intrinsecamente certas ou erradas, ou, melhor, características ou
propriedades que tornam certas ou erradas as ações nas quais
ocorrem, independentemente da consideração de qualquer outro
fator, como as intenções ou as conseqüências. Matar, por exemplo, é
uma característica que torna erradas todas as ações configuráveis
como atos de morte (NERI, 2004, p. 53).
30

Segundo Borges, Dall’Agnol e Dutra (2002), as teorias éticas deontológicas


podem ser caracterizadas, ao menos, por três tipos de éticas: a) Intuicionismo moral;
b) Contratualismo moral; c) Imperativo Categórico kantiano.
a) Intuicionismo moral: esta ramificação das teorias éticas deontológica
fundamenta-se no fato de que existe inerente às pessoas um conhecimento imediato
sobre o que é certo ou errado, como uma espécie de intuição prévia. Todavia, a
dificuldade de justificação desta teoria no campo da moralidade está no fato de
concentrar-se radicalmente na intuição e não da razão (BORGES; DALL’AGNOL;
DUTRA, 2002, p. 12).
b) Contratualismo moral: esta modalidade de ética tem como idealizador
John Rawls. O ponto de partida de Rawls é identificar exatamente os princípios
morais que poderão consolidar uma sociedade democrática. Para isso, Rawls parte
da teoria de que os princípios da justiça para a estrutura fundamental de uma
sociedade estão ancorados num contrato original. Em outras palavras, a
determinação de tais regras morais concretiza-se a partir de um contrato original
hipotético, firmado entre as partes do acordo, capaz de decidir, com isso, qual deve
ser a regra moralmente correta (BORGES; DALL’AGNOL; DUTRA, 2002, p. 13).
c) Imperativo Categórico kantiano: a mais importante e influente teoria
ética deontológica, com todo certeza, é a proposta por Kant em seu imperativo
categórico. Para Kant, o objetivo é demonstrar a existência de um princípio objetivo
que assegure o cumprimento do dever em si mesmo, fazendo com que a vontade
não precise recorrer aos seus efeitos práticos e contingentes para a legitimação de
ato moral. E Kant demonstra a existência desta lei objetiva mostrando a
impossibilidade dela ser derivada da experiência:

Na realidade, é absolutamente impossível encontrar na experiência


com perfeita certeza um único caso em que a máxima de uma acção,
de resto conforme ao dever, se tenha baseado puramente em
motivos morais e na representação do dever (KANT, 2007, p. 40).

Logo, pelo fato de ser a posteriori, é evidente que, para Kant, nenhuma
experiência empírica pode ser capaz de oferecer uma lei como princípio a priori de
moralidade. Mas somente uma razão puramente formal não daria conta de ser um
princípio universal para toda e qualquer ação contingente. Desta maneira, para sair
31

deste problema, Kant propõe que a razão seja ao mesmo tempo pura e prática: a
razão é pura porque consegue determinar a priori a universalidade e a necessidade
das ações, porém, também é prática porque determina a vontade a conformar tal
princípio como regra geral para todos os casos particulares e contingentes:

Se não pode contestar que a sua lei é de tão extensa significação


que tem de valer não só para os homens mas para todos os seres
racionais em geral, não só sob condições contingentes e com
excepções, mas sim absoluta e necessariamente, torna-se então
evidente que nenhuma experiência pode dar motivo para concluir
sequer a possibilidade de tais leis apodícticas (KANT, 2007, p. 40).

É justamente isto que consiste a Metafísica dos Costumes, isto é, uma


metafísica que está acima de toda e qualquer antropologia ou física e se fundamenta
no dado filosófico abstraído da razão pura e prática que age de acordo com
princípios puros e anteriores a qualquer experiência empírica:

Ora uma tal Metafísica dos costumes, completamente isolada, que


não anda misturada nem com a Antropologia nem com a Teologia,
nem com a Física ou a Hiperfísica, e ainda menos com as qualidades
ocultas (que se poderiam chamar hipofísicas), não é somente um
substrato indispensável de todo o conhecimento teórico dos deveres
seguramente determinado, mas também um desiderato da mais alta
importância para a verdadeira prática das suas prescrições (KANT,
2007, p. 45).

No entanto, pelo fato do homem estar inserido na praticidade e na


contingência, como também pelo fato de estar constantemente tentado por sua
subjetividade, sua vontade também fica constantemente influenciado pelo que é
contingente e subjetivo (KANT, 2007, p. 47-48). Com isso, pelo fato da razão não ser
suficientemente capaz de determinar a vontade de modo a priori, necessário e
universal, é preciso então que se considere em conformidade com a razão o
conceito de obrigação ou imperativo (KANT, 2007, p. 48).
Os imperativos, de modo geral, mostram a interrelação existente ou os
meios de se exprimir a relação entre uma lei moral objetiva e universal e as
imperfeições de uma vontade subjetiva guiada pela lei: “todos os imperativos se
exprimem pelo verbo dever (sollen), e mostram assim a relação de uma lei objectiva
da razão para uma vontade que segundo a sua constituição subjectiva não é por ela
32

necessariamente determinada (uma obrigação)” (KANT, 2007, p. 48).


Deste modo, eles podem ser hipotéticos ou categóricos: o imperativo
hipotético ocorre quando uma ação é boa somente como meio para se chegar a
determinado fim; já o imperativo categórico implica uma ação como boa em si
mesma, ou seja, expressam uma ação como meio de atingir um resultado em si
mesmo, sem relação alguma com seu fim, mostrando, nesse caso, a determinação
de uma vontade a priori. (KANT, 2007, p. 50).
Tanto o imperativo hipotético, como o categórico possuem princípios que o
regem. O imperativo hipotético baseia-se no princípio problemático-prático quando
afirma que uma ação é boa ou má em vista de um propósito possível; mas também
se baseia no princípio assertórico-prático quando afirma que ação é boa ou má em
vista de um propósito efetivo ou real: “o imperativo hipotético diz pois apenas que a
acção é boa em vista de qualquer intenção possível ou real. No primeiro caso é um
princípio problemático, no segundo um princípio assertórico-prático” (KANT, 2007, p.
50).
Já o imperativo categórico não se baseia na determinação de um meio para
atingir um fim, mas, prescindindo de qualquer elemento a posteriori, fundamenta-se
no princípio apodíctico-prático que afirma que uma ação é boa em si mesma por ser,
necessariamente, objetiva e por possuir um caráter universal: “o imperativo
categórico, que declara a acção como objectivamente necessária por si,
independentemente de qualquer intenção, quer dizer sem qualquer outra finalidade,
vale como princípio apodíctico (prático)” (KANT, 2007, p. 51).
Por fim, é conhecida em Kant a diferença existente entre autonomia da
vontade e heteronomia da vontade.
A autonomia da vontade é o princípio formal supremo do dever determinado
pela razão que orienta a vontade para o cumprimento de uma lei. Assim, a
autonomia da vontade constitui-se uma lei em si mesma, independente dos objetos
que venham a fazer parte desta vontade. A característica fundamental da autonomia
da vontade é que as suas máximas devem valer para todos. Tal princípio está
organizado no Reino dos Fins (KANT, 2007, p. 75).
Já a heteronomia da vontade é o princípio que afirma que a vontade não
deve basear-se na lei, mas sim a lei que deve se determinar pelas vontades. Com
33

isso, segundo Kant, fica claro a heteronomia da vontade como origem de todos os
princípios ilegítimos da Moralidade, pois a lei que a determina não está baseada
com um fim em si mesma, mas como meio para o alcance de um propósito da
vontade. Tal princípio está organizado no Reino dos Meios (KANT, 2007, p. 75).
Por isso, a heteronomia da vontade é o oposto do imperativo categórico,
que, em sua universalidade, confere dignidade ao ser racional, permitindo que o
princípio supremo da moralidade tenha forma e determinação em si mesmo: “mas
um ser racional pertence ao reino dos fins como seu membro quando é nele em
verdade legislador universal, estando porém também submetido a estas leis.
Pertence-me como chefe quando, como legislador, não está submetido à vontade de
um outro” (KANT, 2007, p. 76).

2.2.3 Ética Aplicada e sua função ético-descritiva dos setores das práticas
sociais e profissionais

Segundo Parizeau (2003), em seu Dicionário de Ética e Filosofia Moral,


especificamente no verbete “Ética Aplicada”, a expressão desta modalidade de ética
surgiu por volta da década de 60, com o objetivo de designar novos rumos de
investigação ética na sociedade: “a expressão ‘ética aplicada’ [...] aparece nos
Estados Unidos nos anos de 1960, com a explosão de novos campos de
interrogação ética no seio da sociedade. Durante os anos 1970, alguns desses
campos se estabilizaram e se polarizaram como ‘bioética’, ‘ética ambiental’ e ‘ética
dos negócios’” (PARIZEAU, 2003, p. 595). Em síntese, a ‘Ética Aplicada’ refere-se à
análise ética das situações específicas e precisa, privilegiando, com isso, a sua
resolução e aplicação prática: “esse propósito [da ética aplicada], mais descritivo
que reflexivo, exerce-se nos setores das práticas sociais e profissionais” (PARIZEAU,
2003, p. 595).
Desta maneira, utilizando a própria sistematização e classificação de
Parizeau (2003), é possível dividir a Ética aplicada em três grandes classes: a)
Bioética; b) Ética Ambiental; c) Ética dos Negócios ou Ética Profissional.
a) Bioética: como já citado, a Bioética é uma modalidade de ética aplicada,
34

também chamada, segundo Paul Singer (1994), de “ética prática”, que tem o objetivo
de dar suporte aos conflitos e controvérsias morais a respeito das práticas nos
capôs das Ciências da Vida e da Saúde, segundo o ponto de vista de algum sistema
de valores éticos.
Em 1978, a Encyclopedia of Bioethics (apud PESSINI; BARCHIFONTAINE, 1996,
p. 31) fala sobre Bioética nos seguintes termos: “Pode-se defini-la como sendo o
estudo sistemático da conduta humana no âmbito das ciências da vida e da saúde,
utilizando uma variedade de metodologias éticas num contexto interdisciplinar”. Para
Oliveira (2006, p. 47), a bioética surge por necessidades bem específicas:

A bioética surge para atender a um ‘conjunto de interrogações éticas


sobre as práticas tecnocientíficas em biomedicina’ e aos problemas
levantados por ela não só em relação aos entes humanos mas
também junto aos seres animais e vegetais, quando inclui ainda em
seu escopo ‘dimensões sociopolíticas’. Isso dá a bioética uma
dimensão que transcende o campo propriamente dito e abrange
várias áreas das ciências humanas e sociais, tornando-se uma
disciplina portadora de caráter nitidamente interdisciplinar (OLIVEIRA,
2006, p. 47).

b) Ética Ambiental: trata-se de outra modalidade da Ética Aplicada, que


cuida em analisar e refletir do ponto de vista racional os problemas morais
relacionados ao meio ambiente. Esta modalidade de Ética Aplicada vem
conseguindo cada vez mais espaço e importância no cenário mundial, pois os
problemas ambientais, além de serem sérios e graves, atualmente também estão
presentes no cotidiano da sociedade.
Em qual perspectiva epistemológica a ética ambiental se baseia? Segundo
Leff (2001), a metodologia adequada para o fortalecimento do saber e de uma ética
ambiental se constitui através da ‘desconstrução’ dos paradigmas dominantes do
conhecimento e através da produção e articulação de saberes, para construir novas
racionalidades possíveis. Para isso é necessário derrubar as fortalezas do
cartesianismo, para que assim se possa conceber a interdisciplinaridade de
conhecimentos e criar um diálogo produtivo entre os saberes. E ao romper com o
projeto unificador da racionalidade cartesiana, a perspectiva ambiental abre a
construção de um saber ambiental que possa gerar conhecimentos e ‘reconstruir’ a
realidade de uma maneira mais ‘humanizável’. É justamente por esta necessidade
35

que, para Oliveira, a Ética Ambiental tornou-se uma modalidade ética amplamente
interdisciplinar:

A mesma interdisciplinaridade [presente na Bioética] pode ser


observada na ética ambiental – também referida como ‘ética do meio
ambiente’, ‘ecoética’ ou ‘ecofilosofia’. Esta está marcada pelo diálogo
multidisciplinar, onde várias disciplinas, como a sociologia e a
antropologia, entre outras, comparecem com seus próprios pontos de
vista voltados para uma imensa complexidade de problemas de
diferentes escalas, dentre os quais estão suas ‘interconexões em
numerosos planos’ [...] Aponta-se ainda o surgimento progressivo de
novas modalidades de resolução de problemas ambientais, como o
exercício de consultorias, audiências públicas e vários outros tipos de
mediações, onde a questão ética vem ocupando papel central
(OLIVEIRA, 2006, p. 47).

c) Ética Profissional: por fim, Ética Profissional é a terceira e a mais


abrangente modalidade da Ética Aplicada. Em síntese, trata-se do conjunto de
normas éticas de uma determinada área profissional, pelas quais o sujeito deve
pautar-se para o pleno e eficiente exercício e comportamento na área profissional
que atua. Oliveira, mais uma vez, define a Ética Profissional nos seguintes termos:

“Nesse conjunto de éticas aplicadas destaca-se, ainda, a ética dos


negócios ou a ética profissional, parecendo-me ser, esta última
designação, a mais adequada a essa modalidade aplicada. ‘Ela se
apresenta como um campo de interrogação éticas muito amplo, na
medida em que abrange, a priori, todos os setores profissionais de
nossas sociedades industrializadas: a arquitetura, a engenharia, os
negócios, a administração, as comunicações, o jornalismo, o direito
etc.’. Essa ética profissional implica aquilo que estamos habituados a
considerar como códigos de ética de categorias profissionais
específicas, construídas no interior dessas mesmas profissões, com
seus próprios valores e suas concepções sobre o âmbito de suas
respectivas ações (OLIVEIRA, 2006, p. 47-48).
36

3. ÉTICA DOS VALORES E VALORAÇÃO SOB A ÓTICA DA INTERSUBJETIVIDADE


LINGUÍSTICA E EXISTENCIALISTA

“Os limites da minha linguagem significam


os limites do meu mundo”.
(WITTGENSTEIN, 2001, p. 245)

“A linguagem é a casa da verdade do ser.


Nesta habitação do ser mora o homem”
(HEIDEGGER, 1991, p. 01)

“Valoração é um processo que nos


obriga à comunicação com o outro.”
(FURTER, 1979, p. 113)

Torna-se evidente a relação existente entre ética e valores. Não é por acaso
que Menezes fala que uma das funções da ética é criar valores: “Função criadora de
valores: propõe uma série de valores (entendidos como aquilo que a inteligência
julga ser bom e desejável) e critérios que o homem deve levar em conta em seu
modo de agir” (MENEZES, 2010, p. 11). Motta (1984, p. 69), apresenta que a “ética
baseia-se em uma filosofia de valores compatíveis com a natureza e o fim de todo
ser humano” (MOTTA, 1984, p. 69). Desta maneira, trabalhar uma ética de valores
torna-se cada vez mais urgente nos dias atuais.
Mas, o objetivo deste tópico não é apenas propor uma axiologia como
alternativa de uma reflexão ética, mas propor um modo específico de como deverá
ser compreendido tal axiologia. Ou seja, dentre tantas formas de conceber o valor,
propõe-se aqui inseri-lo num processo de contempla duas vertentes fundamentais:
a) de que o valor não pode estar separado do seu aspecto prático e existencial da
valoração; b) que a base conceitual de tal valoração assenta-se sobre a virada
lingüístico-pragmática e hermenêutica da filosofia, que implica tomar a valoração
não como uma lista de valores absolutos (objetivos) ou relativos (subjetivos), mas
sim como intersubjetivos e existenciais.
Para tanto, apresenta-se a seguir uma primeira concepção de valor,
segundo o modelo metafísico tradicional (passível de ser, portanto, facilmente
polarizado em valores absoluto e valores relativos). Em seguida, propõe-se
37

desenvolver alguns elementos importantes do desenvolvimento da virada lingüístico-


pragmática. Por fim, será apresentada uma nova concepção de valor: amparado
numa concepção intersubjetiva, lingüística e existencial.

3.1 UMA PRIMEIRA CONCEPÇÃO DE VALOR

Outra conceituação indispensável para a presente reflexão é a relacionada


ao termo ‘valor’ e sua prática da ‘valoração’. Ao longo dos tempos foi uma idéia
muito debatida e refletida, mas que, porém, guarda dificuldades conceituais muito
complexas no que tange à natureza dos valores. O questionamento que se segue é
este: os valores são objetivos ou subjetivos? Sobre este ponto de discussão afirma
Silva (2000, p. 17):

Dessas aproximações, pudemos depreender que a reflexão


axiológica – de hoje e de sempre – tem conduzido os debates e
investigações, focalizando, principalmente, o problema da
objetividade ou subjetividade dos valores. Este parece ser o dilema
central que ainda polariza as discussões atuais e que, em suma, se
coloca como plano de fundo de toda pesquisa sobre a natureza do
valor, seus processos de captação ou surgimento, sua ordenação e
consideração, tanto a nível pessoal quanto social.

A literatura da axiologia posiciona-se sobre os dois pontos em questão,


levando em consideração, dependendo do autor, ora a objetividade ora a
subjetividade dos valores. Para Silva a discussão ainda está em aberto, cujas
respostas ainda estão sendo buscadas a partir de um processo em construção
(SILVA, 2000, p. 19). Todavia, mais adiante se verá que enquanto o processo
axiológico estiver radicalmente polarizado em questões objetivas ou subjetivas, as
mesmas discussões e conclusões unilaterais de uma escolha em detrimento da
outra serão retomadas e repetidas, não chegando, neste caso, a nenhuma proposta
ou solução adequada.
De modo geral, as definições de valor giram em torno da capacidade de
apreensão histórica e não indiferença da realidade. Castilho (2002, p. 49) afirma que
valor é tudo aquilo que é capaz de tirar o homem de sua indiferença, provocando
38

nele uma constante inquietação existencial em vista de seu processo de


personalização. Silva (2000, p. 20) também é desta opinião quando descreve “os
valores como qualidades ou significações que denotam que os seres que fazem
parte do complexo processo de nossa existência individual e social não nos são
indiferentes”. Não discordante destas definições, para Saviani (2009, p. 46), “os
valores indicam as expectativas, as aspirações que caracterizam o homem em seu
esforço de transcender-se a si mesmo e à sua situação histórica; como tal, marcam
aquilo que deve ser em contraposição àquilo que é”.
Estas afirmações levam a conceber o valor não como uma realidade
ontológica existente por si mesma, mas, segundo Morente, como qualidades
valentes da experiência humana. Isto é o que confirma a sua capacidade de não
indiferença do indivíduo perante a realidade:

Os valores não são, mas valem. Uma coisa é valor e outra coisa é
ser. Quando dizemos de algo que vale, não dizemos nada do seu
ser, mas dizemos que não é indiferente. A não-indiferença constitui
esta variedade ontológica que contrapõe o valor ao ser (MORENTE,
1967, p. 296).

Esta idéia de ‘valer’ contraposta a de ‘ser’ implica numa decorrência lógica


muito séria, que, se mal interpretada, pode dar margem a um fundamentalismo
dogmático de valores inflexivelmente absolutos e objetivos. Para Morente, já que os
valores não são entes, mas valentes, então os juízos que de ambos decorrem
também são distintos: os valores são compostos de juízos de valor, diferenciando-se
assim dos juízos de existência relacionados à realidade ontológica do ser (MORENTE,
1967, p. 295).
A implicância de que o valor não é um ente, muito menos uma impressão
subjetiva, resulta na idéia de qualidade: “que o valor não é um ente, mas é sempre
algo que adere à coisa e, por conseguinte, é o que chamamos vulgarmente de
qualidade” (MORENTE, 1967, p. 295). Todavia, o valor não pode ser uma qualidade
real porque não é ente, nem uma qualidade ideal porque não se preocupa em
demonstrar a ‘valiosidade’ ontológica das coisas, como por exemplo, através de
categoria metafísica de ‘beleza’ em si. Os valores simplesmente valem como uma
predicação do ser (MORENTE, 1967, p. 297).
39

No entanto, a conclusão que Morente apresenta a partir desta construção


lógica acerca da natureza do valor é fundamentalista e objetivista. Primeiramente
porque ele pressupõe uma metafísica tradicional para fundamentar a idéia de valor
como predicado ontológico do ser, desligando-o radicalmente da situação existencial
da valoração: se os valores não são qualidades nem reais nem ideais, significa
então, segundo Morente, que eles “são, por exemplo, estranhos por completo à
quantidade, e sendo estranhos à quantidade, são também estranhos ao tempo e ao
espaço” (MORENTE, 1967, p. 298). Com esta primeira conclusão, Morente exclui do
horizonte axiológico a idéia de valoração concreta, conceituando o valor como uma
qualidade separada do real, cuja finalidade é ser abstraída diretamente pelo intelecto
humano, como se fosse possível fazer qualquer tipo de valoração sem a mediação
intersubjetiva, lingüística e contextual.
Em segundo lugar, para Morente (1967, p. 298), pelo fato de não estarem
relacionados ao tempo e ao espaço, os valores são absolutos: “os valores são
absolutos. Se não fossem absolutos os valores, que seriam? Teriam que ser
relativos”. Logo, para Morente, pelo fato de serem absolutos, os valores não são
passíveis de mudança ou transformação, negando tanto a historicidade dos valores
como também a capacidade humana de criar e recriar valores: “quando as épocas
seguintes chegam a perceber tais valores, isto não quer dizer que de pronto ao
perceberem-nos os criam, mas que estavam aí [...] percebidos ou intuídos por essas
épocas históricas e por esses homens descobridores” (MORENTE, 1967, p. 298-299).
Com isto cria-se uma idéia de que a linguagem humana apenas designa
aqueles valores que vão sendo descobertos ao longo dos tempos, mas que desde
sempre existiram da mesma forma, sem qualquer alteração. Neste sentido justifica-
se o esforço de achar uma linguagem correspondente para cada determinado valor
descoberto na realidade. Desta maneira, a linguagem se torna secundária e
instrumental, servindo apenas para nomear valores depois de serem abstraídos e
descobertos. E a valoração, por sua vez, perde sua finalidade existencial, reduzida-a
a uma mera de ação de descoberta ou não descoberta de valores já existentes: “ao
fazer da valorização um mero passo para a contemplação dos valores em si,
perdem-se todas as características deste comportamento fundamental do homem”
(FURTER, 1979, p. 111).
40

3.2 OUTRA PROPOSTA AXIOLÓGICA: UMA CONCEPÇÃO DE VALOR A PARTIR DA IDÉIA DE

VALORAÇÃO INSERIDA NA GUINADA LINGÜÍSTICO-PRAGMÁTICA E HERMENÊUTICA

3.2.1 Processo de desenvolvimento da Reviravolta Lingüístico-Pragmática e


Hermenêutica

Ao longo de grande parte da história da filosofia, a linguagem foi vista


apenas a partir de um paradigma instrumental. Grande influência desta idéia provém
de Platão, em sua obra Crátilo: ao negar tanto o naturalismo extremado (segundo o
qual cada coisa tem um nome por natureza, posição esta defendida por Crátilo),
como também o convencionalismo lingüístico (para o qual a significação é fruto da
convenção e do uso da linguagem, posição esta defendida por Hermógenes), Platão
assume uma posição intermediária aos dois extremos, afirmando que, de um lado,
não é possível descobrir a significação de uma palavra na própria forma do som
(naturalismo)9, nem acreditar que a significação de uma palavra é apenas resultado
de um acordo convencional (convecionalistas) 10. Logo, as palavras não significam as
coisas por simplesmente imitar os sons ou pelo fato de fazerem parte de uma
convenção, mas sim porque apresentam e correspondem a essências fixas e
imutáveis:

Por conseguinte, se todas as coisas não são todas iguais, ao mesmo


tempo e sempre, a cada uma delas não é própria de cada um em
particular, daí resulta com evidência que elas têm por si mesmas
uma certa realidade permanente, que não se relaciona conosco nem
depende de nós; não se deixam, por isso, arrastar para aqui e para
acolá por nossa fantasia, mas existem, naturalmente, por si mesmas
e segundo a sua essência própria (PLATÃO, 1963, p. 16).

Com isso, a tese de Platão é que a linguagem apenas nomeia as essências,


as coisas no mundo, como uma espécie de instrumento separante (distinguir aquilo
é daquilo que não é). Confira no trecho a seguir como Platão argumenta a função
9
O que seria um absurdo para Platão, pois, neste caso, todos poderiam compreender imediatamente
línguas estrangeiras.
10
O que não deixaria de ser outro absurdo para Platão, pois como usar os nomes como instrumentos,
se eles não possuem uma referência fixa ao qual corresponder? Nesse caso, haveria infinitos acordos
e as pessoas não poderiam mais saber do que estariam se referindo. Esta é a tese do relativismo de
Protágoras combatida por Platão no discurso. Cf. Platão, 1963, p. 13-16 (ou, segundo a numeração
oficial dos escritos platônicos, de 386a até 386e).
41

instrumental e designativa da linguagem:

[Sócrates] – Aquilo que era preciso cortar não devia ser cortado,
afirmamos nós, com alguma coisa?
[Hermógenes] – Sim.
[Sócrates] – E o que devia tecer não se devia tecer com alguma
coisa? E, do mesmo modo, o que se devia furar?
[Hermógenes] – Indubitavelmente.
[Sócrates] – E o que era preciso nomear não se devia, da mesma
maneira, nomear com alguma coisa?
[Hermógenes] – É assim mesmo.
[Sócrates] – E qual instrumento com que se devia furar?
[Hermógenes] – Um trado.
[Sócrates] – E aquele que se devia tecer?
[Hermógenes] – Uma lançadeira.
[Sócrates] – E de que nos servimos para nomear?
[Hermógenes] – Do nome.
Dizes bem. Portanto, o nome também é um instrumento.
[Hermógenes] – Sem dúvida.
[Sócrates] – Se eu, pois, perguntasse: que instrumento é a
lançadeira? Não será aquilo com que tecemos?
[Hermógenes] – Sim.
[Sócrates] – E o que fazemos quando tecemos? Não distinguimos a
trama da urdidura, confundidas uma com outra?
[Hermógenes] – Sim.
[Sócrates] – Não poderás dizer o mesmo do trado e dos outros
instrumentos?
[Hermógenes] – Com toda certeza.
[Sócrates] – Poderás, então, falar do mesmo modo a respeito do
nome? Sendo um instrumento, se nomearmos com ele, que fazemos
nós?
[Hermógenes] – Não o posso dizer.
[Sócrates] – Não nos instruímos mutuamente e não distinguimos as
coisas como elas são naturalmente?
[Hermógenes] – Exacto.
[Sócrates] – Logo, é o nome um instrumento, que serve para instruir
e distinguir a realidade, como faz na teia a lançadeira (PLATÃO, 1963,
p. 18-20).

Esta idéia se desdobra em pressupostos muito sérios, que condicionou todo


o pensamento lingüístico até o segundo Wittgenstein. O primeiro deles é a idéia de
que o pensamento é capaz de abstrair as essências das coisas sem recorrer à
linguagem:

Aqui está a tese fundamental de Platão e de toda filosofia do


Ocidente: ele pretende, com essa discussão das diferentes teorias
vigentes de seu tempo, mostrar que na linguagem não se atinge a
verdadeira realidade e que o real só é conhecido verdadeiramente
42

em si sem palavras, isto é, sem a mediação lingüística (OLIVEIRA,


2006, p. 22).

O segundo, como conseqüência básica do primeiro, é o papel secundário e


instrumental da linguagem, cuja função é apenas a designação da essência por
meio dos sons. Não faz diferença dizer ‘hypos’ ou ‘cavalo’, contanto que a essência
(eidos) da qual esteja se referindo seja de fato correspondente à idéia de ‘hypos’ e
de ‘cavalo’. Veja como isso é exposto novamente no Crátilo:

Não é, portanto, o nome apropriado, naturalmente, a cada objecto


que o legislador deve pôr em sons e em sílabas? Não importa a ele,
de olhos fitos no nome em si, criar e estabelecer todos os nomes, se
quiser ser um autorizado criador dos mesmos [isto é, dos nomes]?
Dado o caso que nem todos os legisladores se sirvam das mesmas
sílabas, isso pouco monta, pois não se deve ignorar que nem todos
os ferreiros, tendo em vista o mesmo instrumento, o fabricam do
mesmo ferro; não obstante, dando-lhe cada um forma idêntica, ainda
que se sirva de um ferro diferente, o instrumento é bom, quer seja
fabricado entre nós, quer entre os Bárbaros. Não é verdade?
(PLATÃO, p. 23-24)

E quem poderá então julgar sobre a exatidão dos nomes em relação às


verdadeiras essências? Se para usar bem a linguagem, é preciso fazer com os
nomes em sua diversidade designem corretamente sua essência correspondente,
então, tal tarefa só ser realizado por quem conhece tais essências, isto é, pelo
dialético: “ora, quem sabe interrogar e responder dás-lhe outro nome que não seja o
de dialéctico” (PLATÃO, 1963, p. 25). Neste caso, a função da linguagem serviria
apenas para corresponder os elementos gramaticais aos elementos ontológicos das
coisas. Assim afirma Oliveira na tese relacionada a Platão:

A linguagem é reduzida a um puro instrumento, e o conhecimento do


real se faz independente dela. [...] A linguagem não é, pois,
constitutiva da experiência humana do real, mas é um instrumento
posterior, tendo uma função designativa [...] O pensar é uma
atividade essencialmente não-lingüística e, sendo assim, a relação
da linguagem para o real é secundária (OLIVEIRA, 2006, p. 22).

Aristóteles, por sua vez, também não conseguiu romper com esta tradição
instrumental e secundária da linguagem. Em sua magna obra Órganon, mais
especificamente no livro Da Interpretação, Aristóteles continua com tal concepção ao
43

afirmar que as palavras escritas são símbolos representativos das palavras faladas,
e, as palavras faladas, símbolos dos conceitos do intelecto (ou afecções da alma).
Mas de onde vêm os conceitos? Aí está a outra questão principal: os conceitos são
abstrações imediatas que o intelecto faz das essências das coisas contidas na
própria realidade. Somente depois de abstraídas no conceito (nas afecções da alma)
é que as essências serão nomeadas linguisticamente.
Desta maneira, como é possível claramente perceber, a linguagem em
Aristóteles também tem uma função tanto designativo-instrumental 11, como também
secundária12. Confira trecho apresentado pelo próprio Aristóteles no Órganon:

Os sons emitidos pela fala são símbolos das paixões da alma [ao
passo que] os caracteres escritos [formando palavras] são os
símbolos dos sons emitidos pela fala. Como a escrita, também a fala
não é a mesma em toda parte [para todas as raças humanas].
Entretanto, as paixões da alma, elas mesmas, das quais esses sons
falados e caracteres escritos [palavras] são originalmente signos, são
as mesmas em toda parte [para toda a humanidade], como o são
também os objetos dos quais essas paixões são representações ou
imagens. Destes temas, contudo, me ocupei em meu tratado a
respeito da alma; dizem respeito a uma investigação diversa da que
temos ora em pauta (ARISTÓTELES, 2005, p. 81).

Como pode perceber, a linguagem apenas representa, de diversas formas e


idiomas, as verdadeiras essências abstraídas pelo intelecto, que são universais e
imutáveis, isto é, são as mesmas para todos. Disto decorrem duas conclusões: a)
que o conhecimento é da ordem do conceito e não da linguagem; b) para que a
linguagem seja dotada de significado, ela deve estar associada a um conceito não-
lingüístico.
Com isso, a filosofia da linguagem enveredou-se para uma característica
determinista na história ocidental: a função instrumentalista da linguagem. Excluída
como parte constituinte do pensamento, a linguagem seria apenas um instrumento
de revelação e exposição (por meio dos sons) daquilo que o pensamento conseguiu
abstrair da essência das coisas (e sem a mediação lingüística). Esta tradição

11
Designativo-instumental porque a linguagem é apenas um meio de representação entre palavras
escritas e palavras faladas, e entre palavras faladas e conceitos.
12
Secundária porque a linguagem só representa as coisas depois de serem abstraídas no conceito.
Portanto, o exercício do intelecto, aqui exposto por Aristóteles, tem a pretensão de ser uma atividade
não-lingüística.
44

semântica da linguagem perdurou até o pensamento de Frege, Russell e o primeiro


Wittgenstein (do período do Tractatus).
Dentro da semântica tradicional, Frege parte da afirmação de que os nomes
significam objetos. Em duas de suas obras, Sobre o Sentido e Referência e Função
e Conceito, Frege chega a conclusão de uma dificuldade real: no processo de
significação dos objetos, “a substituição de nomes próprios por outros de igual
significação pode mudar a significação da frase” (OLIVEIRA, 2006, p. 62-63). A partir
de então, Frege apresenta aquela que será a sua maior descoberta: os signos
(nomes próprios, predicados e sentenças) possuem duas funções semânticas: eles
denotam um objeto (referência) e possuem um sentido. O sentido é a maneira como
o objeto se manifesta e aquilo que o sujeito compreende dele; já a denotação é a
identidade do próprio objeto a ser referenciada, isto é, aquilo que o sujeito fala do
objeto. Assim, “a denotação de um objeto pode ser feita por meio de várias palavras
ou outros sinais [sentido]” (OLIVEIRA, 2006, p. 62-63). Veja como este pensamento é
proposto por Frege em sua obra Sobre o Sentido e Referência:

Se substituirmos uma palavra da sentença por outra que tenha a


mesma referência, mas o sentido diferente, isto não poderá ter
nenhuma influência sobre a referência da sentença. No entanto,
vemos em tal caso que o pensamento muda; assim, por exemplo, o
pensamento da sentença ‘a Estrela da Manhã é um corpo iluminado
pelo sol’ é diferente da sentença ‘a Estrela da Tarde é um corpo
iluminado pelo sol’. Alguém que não soubesse que a Estrela da
Tarde é a Estrela da Manhã poderia sustentar um pensamento como
verdadeiro e outro como falso. O pensamento, portanto, não pode
ser a referência da sentença, pelo contrário, deve ser considerado
como seu sentido (FREGE, 1978b, p. 67-68)

Em síntese, a teoria do significado de Frege trata de três questões: a) sobre


o sentido de um signo (aquilo que é compreendido); b) sobre a referência de um
objeto (aquilo do qual se fala); c) sobre a verdade de um enunciado (se aquilo do
qual se fala é verdadeiro ou falso) (MARCONDES, 2010, p, 82). O que ocorre em
Frege ainda está dentro das concepções tradicionais da linguagem defendidas por
Platão e Aristóteles: para Frege a denotação de um predicado é o conceito que ele
produz, ou seja, o predicado, apesar de ser uma expressão insaturada (uma
função13, nas palavras de Frege) e, por isso, não designar nenhum objeto, possui,
13
Em Função e Conceito, diz Frege: “Para que se tenha um exemplo disto, consideremos, por
45

contudo, uma condição independente com relação ao sujeito, pois, como já foi dito, o
que ele designa não é uma referência completa ao sujeito (objeto), mas sim um
conceito que somente depois, no enunciado (frase), poderá estar relacionado ao
objeto do sujeito14. Logo, ainda há aqui a primazia do conceito em relação à
linguagem, como elemento separador e classificador 15. Veja:

Frege permanece, de certo modo, ligado à tradição, pois, para ele,


também o predicado representa algo, ainda que esse algo não seja
objeto [no caso, um conceito]. Por isso, a própria terminologia
permanece: aquilo que é designado pelo nome é sua denotação; do
mesmo modo, no caso do predicado, o que é por ele designado é
sua denotação. O conceito é a denotação de um predicado. Para
Frege um conceito é um critério por meio do qual podemos distinguir
os objetos em: aqueles que estão sob ele e os que não estão. Um
conceito é, pois, um critério de classificação e de diferenciação de
objetos (OLIVEIRA, 2006, p. 68-69).

Atento ao pensamento de Frege, Wittgenstein, em seu primeiro período,


laçou questões muito importantes, porém ainda pertencentes à semântica
tradicional. Em sua obra Tractatus Logico-philosophicus, Wittgenstein apresenta
uma semântica plenamente voltada para o aspecto designativo. Wittgenstein parte
do pressuposto de mundo e linguagem possui estruturas semelhantes e, por isso, a
linguagem pode figurar o mundo (através de sua famosa teoria da correspondência).

exemplo, a expressão ‘a capital do Império Alemão’. Ela, obviamente, representa um nome próprio e
refere-se a um objeto. Se, agora, nós a decompomos nas partes ‘A capital do’ e ‘Império Alemão’,
onde considero a partícula genitiva [a capital do...] como integrante da primeira parte, então esta é
insaturada, enquanto que a outra é completa em si mesma. Assim, de acordo com o que disse antes,
chamo ‘A capital de x’ de a expressão de uma função. Se tomamos o Império Alemão como
argumento, obtemos, como valor da função, Berlim” (FREGE, 1978a, p. 46-47)
14
Esta noção de significados independentes de sujeito e predicado é amplamente inspirado em
Aristóteles, que acredita que a linguagem consiste em nomes (sujeitos) independentes que se
articulam com verbos (predicados) também independentes para então formar sentenças: “como por
vezes assomam pensamentos em nossas almas desacompanhados da verdade ou da falsidade,
enquanto assomam por vezes outros que necessariamente encerram uma ou outra, coisa idêntica
ocorre em nossa linguagem, uma vez que a combinação e a divisão são essenciais para que se tenha
a verdade ou a falsidade. Um nome ou um verbo por si mesmo muito se assemelha a um conceito ou
pensamento que não é nem combinado, nem dividido. Tal é o caso de ‘homem’, por exemplo, ou
‘branco’, se enunciado sem qualquer acréscimo. Não é verdadeiro nem falso” (ARISTÓTELES, 2005, p.
81-82)
15
Sobre este aspecto, é significativa a influência de Platão ao colocar os nomes (correspondentes as
suas respectivas essências) como instrumentos de classificação e separação: “Logo, é o nome um
instrumento, que serve para instruir e distinguir a realidade, como faz na teia a lançadeira” ( PLATÃO,
1963, p. 20)
46

Daí parte a idéia de figurar o mundo: a linguagem é uma representação projetiva da


realidade, um modelo de realidade.
Segundo Wittgenstein (2001, p. 135), “o mundo é a totalidade de fatos e não
de coisas”. As coisas, para Wittgenstein são os objetos isolados que, por si mesmos
(ao contrário de Frege e Aristóteles) não possuem sentido algum. Sendo assim, os
objetos ou coisas só ganham sentido quando estão em relação com outros objetos,
constituindo assim os chamados estados de coisas: “o estado de coisas é uma
ligação de objetos” (WITTGENSTEIN, 2001, p. 135) ou “no estado de coisas os objetos
se concatenam, como os elos de uma corrente” (WITTGENSTEIN, 2001, p. 141).
Continua Wittgenstein: “Se posso pensar no objeto na liga do estado de
coisas, não posso pensar nele fora da possibilidade dessa liga” (WITTGENSTEIN,
2001, p. 137). Isso quer dizer que, o que diferencia um estado de coisas de um fato
é a sua real ocorrência perante a figuração: um estado de coisas é a possibilidade
de uma possível relação entre coisas (que pode ser tanto existente, como também
inexistente), já o fato é a real existência de um determinado estado de coisas que de
fato aconteceu e que foi constatado pela figuração lingüística: “a figuração afigura a
realidade ao representar uma possibilidade de existência ou inexistência de estados
de coisas” (WITTGENSTEIN, 2001, p. 145). Deste modo, “a figuração concorda ou não
com a realidade; é correta ou incorreta, verdadeira ou falsa”, ou seja, “para
reconhecer se a figuração é verdadeira ou falsa, devemos compará-la com a
realidade” (WITTGENSTEIN, 2001, p. 147).
Mas para que aconteça a figuração, é preciso haver algo em comum entre
linguagem e mundo, ou seja, “algo de idêntico, a fim de que um possa ser, de modo
geral, uma figuração do outro” (WITTGENSTEIN, 2001, p. 145). Logo, continua
Wittgenstein, “o que a figuração deve ter em comum com a realidade para poder
afigurá-la a sua maneira – correta ou falsamente – é a sua forma de afiguração”
(WITTGENSTEIN, 2001, p. 145), que por sua vez, pode concordar ou não com a
realidade, representando assim, o seu sentido: “o que a figuração representa é o seu
sentido” (WITTGENSTEIN, 2001, p. 147). Portanto, linguagem e mundo possuem a
mesma forma lógica.
Afirmar a possibilidade de uma figuração lógica do mundo implica aceitar
que um estado de coisas é pensável: “’um estado de coisas é pensável’ significa:
47

podemos figurá-lo” (WITTGENSTEIN, 2001, p. 147). Portanto, “a figuração lógica dos


fatos é o pensamento“, o que equivale dizer “o que é pensável é também possível”.
(WITTGENSTEIN, 2001, p. 147). No entanto, isso não quer dizer que o pensamento só
pode afigurar o que verdadeiro; “o pensamento é proposição com sentido”
(WITTGENSTEIN, 2001, p. 165), isto é, uma proposição que representa a figuração
lógica de um estado possível de coisas, que podem ser tanto verdadeiros como
falsos (dependendo, nesse caso, de como a realidade está configurada de fato) 16. A
única coisa que o pensamento não pode figurar é o ilógico, isto é, um estado de
coisas impossível de ocorrer, como por exemplo, um gato criar asas e a voar até a
lua: “não podemos pensar nada de ilógico, porque, do contrário, deveríamos pensar
ilogicamente. Já foi dito que Deus poderia criar tudo, salvo o que contrariasse as leis
lógicas” (WITTGENSTEIN, 2001, p. 147).
Diante de tudo isso, percebe-se que o pensamento do Wittgenstein do
Tractatus ainda está preso à concepção designativa da linguagem. É diante disto
que Wittgenstein e Heidegger promovem uma revolução dentro da filosofia: o
primeiro com uma reviravolta pragmática e o segundo com uma virada
hermenêutica. Vejamos primeiramente como aconteceu este processo em
Wittgenstein para depois falarmos de Heidegger.
Em sua segunda obra, Investigações Filosóficas, Wittgenstein se convence
que o seu trabalho filosófico não é refletir sobre a linguagem para lhe determinar
uma estrutura essencialista, como no Tractatus, mas observar como a linguagem
funciona e como o indivíduo pode usar as palavras 17.
16
Como já dito, o pensamento ou proposição representa ou espelha projetivamente a realidade. E a
cada elemento constitutivo do real corresponde outro elemento do pensamento. A realidade (o
mundo) consta de fatos que se resumem em ‘fatos atômicos’, compostos de objetos simples.
Analogamente, a linguagem é composta de proposições complexas, compostas por proposições
simples não mais divididas em outras proposições. Essas proposições simples e atômicas constituem
o correspondente dos fatos simples e atômicos, combinando nomes correspondentes aos objetos.
Desta maneira que o indivíduo vai fazendo suas representações do mundo, pois o nome substitui na
proposição o objeto. Assim, só a proposição tem sentido, justamente porque só no contexto da
proposição que um nome tem significado. Wittgenstein chama de expressão (símbolo) cada parte da
proposição que caracteriza o seu sentido. Para reconhecer o símbolo no sinal, deve-se atentar para o
uso do seu significado. Somente quando o sinal proposicional é empregado, pensado e,
conseqüentemente, significado, é que se torna pensamento.
17
Num horizonte agostiniano e objetivista da linguagem, em vista de um ensino meramente ostensivo
das palavras, Wittgenstein afirma que o papel da linguagem seria apenas treinamento, semelhante ao
que se faz com as crianças. No entanto, a linguagem serve para muito mais coisa: através de
exemplos concretos como a relação comunicativa entre pedreiro e servente, Wittgenstein demonstra
que a linguagem não serve apenas para designar coisas, como um mero instrumento de
comunicação, mas como condição e possibilidade de pensamento e comunicação, segundo o qual,
48

O ponto central neste novo horizonte adotado por Wittgenstein não é mais a
afiguração lógica, mas a práxis do uso da linguagem através do ele chama de jogos
de linguagem. Tais jogos de linguagem apresentam a idéia de linguagem como uma
atividade humana tão comum como andar, passear etc., afirmando assim a
correspondência existente entre linguagem e ação. Assim, para cada contexto de
fala há jogos de linguagem diferentes, cujas palavras estão inseridas numa situação
com regras lingüísticas próprias.
Para Wittgenstein (1989, p. 13), o uso da linguagem, em suas mais variadas
formas, é como um caixa de ferramentas com instrumentos de diferentes funções:
“pense nas ferramentas em sua caixa apropriada [...]. Assim como são diferentes as
funções desse objetos, assim são diferentes as funções das palavras”. Por isso que
afirmar que cada palavra da linguagem designa mecanicamente algo não quer dizer
absolutamente nada: “quando dizemos: ‘cada palavra da linguagem designa algo’,
com isso ainda não é dito absolutamente nada; a menos que esclareçamos
exatamente qual a diferença que desejamos fazer” (W ITTGENSTEIN, 1989, p. 14). Em
outras palavras, não passa apenas do que colocar uma etiqueta denominativa em
cada objeto.
Portanto, o ponto central neste novo horizonte adotado por Wittgenstein
(1989, p. 13) não é mais a afiguração lógica, mas a práxis do uso da linguagem
através do ele chama de jogos de linguagem: “o que elas designam, como posso
mostrar isso, a não ser na maneira do seu uso?”
Heidegger, por sua vez, contemporâneo de Wittgenstein, também faz a
virada lingüística, porém pela vertente hermenêutica. Segundo Heidegger (1988, p.
38), “comparado a qualquer outro ente, a pre-sença (homem) é um ente privilegiado”
porque tem capacidade de ‘desvelar’ o verdadeiro sentido ser das coisas. E isso ele
faz por ser capaz também de questionar: “esse ente que cada um nós somos e que,
entre outras, possui em seu ser a possibilidade de questionar, nós o designamos
com o termo pre-sença [Dasein ou ‘ser-aí’]” (HEIDEGGER, 1988, p. 33). Assim, dentre
todos os seres somente o homem é capaz de ter consciência de sua existência. As
outras coisas ocupam apenas um simples espaço no mundo; já o homem, mais que
ocupar um espaço no mundo, tem noção de existência:

por exemplo, pedreiro e servente interagem em seus mais diversos contextos (WITGENSTEIN, 1989, p.
12-14).
49

A pre-sença (homem) não é apenas um ente que ocorre entre outros


entes. Ao contrário, do ponto de vista ôntico, ela distingue pelo
privilégio de, em seu ser, isto é, sendo, estar em jogo seu próprio ser.
Mas também pertence a essa constituição de ser da pre-sença a
característica de, em seu ser, isto é, sendo, estabelecer uma relação
de ser com seu próprio ser. Isto significa, explicitamente e de alguma
maneira, que a pre-sença se compreende em seu ser, isto é, sendo
(HEIDEGGER, 1988, p. 38).

Desta maneira, o fato do homem compreender-se a si mesmo a partir de sua


‘existência de ser’ o torna capaz de significar e interpretar o mundo a partir de algo
que lhe é muito característico: através da linguagem: “para Heidegger, só se pode
falar de linguagem, no sentido estrito da palavra, aí onde o ser se desvela, se abre,
ou seja, no homem” (OLIVEIRA, 2006, p. 201). Sem a linguagem os fatos estariam
desconectados e isolados no mundo, ou seja, não haveria mediação hermenêutica
entre eles, muito menos significado. Sobre isso também fala Oliveira:

Quando falamos da linguagem, diz Heidegger, nunca abandonamos


a linguagem, mas sempre falamos a partir dela. Nosso ser-no-mundo
é, portanto, sempre lingüisticamente mediado, de tal maneira que é
por meio da linguagem que ocorre a manifestação dos entes a nós
(OLIVEIRA, 2006, p. 206)

Esta capacidade de interpretar o mundo linguisticamente é uma oferta


hermenêutica que só o homem é capaz de saber e tomar posse. Sobre isso,
Heidegger fala em sua Carta sobre o Humanismo: “esta oferta consiste no fato de,
no pensar, o ser ter acesso à linguagem. A linguagem é a casa da verdade do ser.
Nesta habitação do ser mora o homem” (HEIDEGGER, 1991, p. 01)

3.2.2 Implicações conceituais da Guinada Lingüístico-Pragmática e Hermenêutica


para a construção de uma concepção de Valor

Mas o que tem a ver este horizonte pragmático e hermenêutico da


linguagem com a axiologia? Muito mais do se parece, pois as questões da valoração
são fundamentalmente questões da linguagem; e prescindir da guinada pragmática
50

e hermenêutica da linguagem no debate axiológico seria, no mínimo, comprometer a


compreensão do valor e regredir para um horizonte objetivista e essencialista da
valoração.
Logo, não há mais possibilidade de conceber o horizonte axiológico a partir
desta visão já ultrapassada. Com a guinada lingüístico-pragmática e hermenêutica
está mais do que provado que a linguagem é constitutiva do conhecimento,
excluindo por completo o antigo paradigma instrumentalista que afirmava ser
possível o intelecto apreender diretamente a essência ou o valor das coisas no
mundo.
Desta forma, como só é possível pensar lingüisticamente, logicamente
também só é possível valorar através da linguagem, pois nenhuma valoração
acontece fora dos limites do pensamento humano. O sujeito não abstrai o valor
como se fossem qualidades absolutas, inalteráveis, mas a todo o momento cria
valorações, sejam elas existentes ou não, pelo médio lingüístico. Portanto, os
valores não podem ser unicamente absolutos, muito menos separados da dimensão
concreta e existencial do sujeito. Sobre este aspecto também concorda Saviani:

Uma outra objeção que podemos levantar a essa idéia é a das


chamadas ‘realidade absolutas’: se se admite a existência de um Ser
Absoluto, ele teria um valor independentemente do homem. Mas
essa afirmação não se sustenta, porque o valor implica justamente
algumas coisas que deve ser e não é ainda, haja vista que ele está
ligado à relação de não-indiferença estabelecida pelo homem
(SAVIANI, 2009, p. 54)

Se os valores não são objetivos e absolutos, então quer dizer que eles são
subjetivos e relativos? Também não. Apesar de Habermas não ter apresentado
nenhuma teoria axiológica à luz da sua teoria da ação comunicativa, é legítima a
correspondência que pode ser feita entre valores e intersubjetividade: poder-se-ia
dizer que os valores não são tão somente nem objetivos, nem subjetivos, mas
combinados intersubjetivamente entre os atores do discurso, por pretensões de
validade que legitimariam referências seguras sobre quais valorações poderiam
admitir naquele determinado grupo, processo este que só é possível acontecer
linguisticamente.
No paradigma intersubjetivo dos valores, não existem mais pretensões
51

apenas objetivas ou subjetivas, mas, como já afirmado, pretensões comunicativas e


intersubjetivas, cujos participantes do discurso elegerão, sob forma de
argumentação e consenso, as formas de valoração daquela determinada
comunidade semântica, acerca do mundo objetivo (ciência), do mundo social (moral)
e do mundo subjetivo (arte). Além do que, valores que não acordados
intersubjetivamente, não são valores, mas ideologias advindas de mentes
individuais, que buscam acima de qualquer coisa dominar os outros em vista de
interesses particulares.
Como pretender existir apenas valores objetivos, absolutos e universais
quando é perceptível a imensa singularidade cultural entre as nações? Como afirmar
somente a subjetividade, a contingência e a particularidade dos valores, quando há
a necessidade de elementos referenciais em face do terrível relativismo cultural?
Não há primazia nem na objetividade nem na subjetividade dos valores, mas no
consenso lingüístico intersubjetivo: partindo deste pressuposto quebra-se pela raiz a
distância paradoxal existente entre valores objetivos e valores subjetivos.
O debate acerca da objetividade-subjetividade dos valores, com certeza, é
um tema discutido por muitos autores. Porém, a falta da referência intersubjetiva e
lingüística é explícita no campo da axiologia. Das obras disponíveis sobre o assunto
para a pesquisa a que mais chegou próxima desta referência foi a obra de Pierre
Furter, Educação e Vida, que apresenta uma interessante idéia de valoração. Ao
contrário do que afirmava Morente, o objetivo de Furter é provar que os valores
podem deixar de ser apenas absolutos, sem com isso correr o risco de relativizar a
experiência axiológica:

O fato de relativizar os valores pela valoração não implica,


forçosamente, num relativismo subjetivo que vai impedir qualquer
ação comum e provocar um caos social. A nossa intenção não é de
‘relativizar’, mas de mostrar a necessidade do relacionamento dos
valores com uma dada situação (FURTER, 1979, p. 113).

Como bem observado, Furter acentua a necessidade da relação dos valores


numa dada situação, idéia esta muito próxima da concepção dos jogos de linguagem
de Wittgenstein, que concentra a linguagem não mais na designação, mas nos seus
diversos contextos de uso. Nesta linha de raciocínio, Furter afirma que o
52

relacionamento dos valores, isto é, a valoração, não pode acontecer num vazio
axiológico e solipsista, pelo contrário, é preciso de uma rede de significações e
contextos intersubjetivos já existentes para que a valoração aconteça
adequadamente:

Insistir sobre o necessário relacionamento dos valores com uma


situação não é se isolar num solipsismo, mas comprovar que a
valoração nunca se dá num vazio axiológico. A valoração sempre se
refere a uma situação em que estamos envolvidos e que já está
repleta de significações (FURTER, 1979, p. 113)

Por sua vez, Saviani também indica elementos da intersubjetividade como


pressuposto da valoração:

Os homens acreditam que, ao fazer afirmações, estas valem não


somente para si próprios, mas também para os outros, isto é,
transcendem o domínio da concepção subjetiva. Essas afirmações
são verdadeiras no sentido em que expressam uma realidade
objetiva, que é comum aos elementos participantes (SAVIANI, 2009, p.
56).

No entanto, a grande novidade no pensamento axiológico de Furter esta na


aproximação de valor com linguagem: se o valor não pode ser encarado num
solipsismo estéril, mas num contexto intersubjetivo, então a linguagem ganha aqui
papel predominante. É justamente isso que Furter descobre quando afirma que a
valoração “é um processo que nos obriga à comunicação com o outro” (FURTER,
1979, p. 113). Com isso, o diálogo e a argumentação crítica em vista do consenso,
tão caros no pensamento habermasiano, ganham destaque e vigor no processo de
valoração. Furter também exprime esta idéia:

Da ilusão segundo a qual este diálogo deve ser forçosamente


harmonioso, para ser positivo e rico de possibilidades. Ao contrário,
vimos que, na valoração, a atividade crítica é tão importante quanto a
atividade de transmissão. A divergência de ponto de vista não vai
diminuir o diálogo, mas, ao contrário, enriquecer a visão axiológica
(FURTER, 1979, p. 114).

O propósito de Furter é descrever a atividade axiológica a partir de uma


análise antropológica e existencial do homem. Para tanto, Furter prescinde da idéia
53

do valor em si e adota uma concepção de valores que indicam, ao mesmo tempo,


tanto os limites em relação aos quais se podem medir as possibilidades da pessoa,
como as limitações a que se deve submeter (FURTER, 1979, p. 114). É o que diz
Ricouer (apud FURTER, 1979, p. 114-115) ao afirmar que os valores são definidos
como “as leis de uma leitura do absoluto refletido pela cultura”.
Esclarecido algumas questões com relação ao horizonte axiológico adotado,
torna-se mais compreensível definir valoração. Saviani apresenta o conceito de
valoração como o esforço humano de transformar o que é naquilo que deve ser, ou
seja, transformar aquela situação original da realidade de tal forma a ponto dela
deixar de ser o que era para se tornar ser uma realidade axiologicamente modificada
(SAVIANI, 2009, p. 48).
Com isso, Saviani afirma que a valoração é uma atividade específica e
unicamente humana. Nenhum outro ser vivo é capaz de valorar, exceto o homem:
“cabe, pois, dizer que o homem é o lugar único da valorização” (SAVIANI, 2009, p.
54). Isso demonstra que os valores, por si mesmos e sem a valoração humana, não
são referência alguma para o sujeito. Somente quando se tornam significantes para
a experiência humana é que eles passam a valer:

A situação compõe-se de uma multiplicidade de elementos que em si


mesmo não valem nem deixam de valer; simplesmente são; estão aí.
Ao se relacionarem com o homem, entretanto, eles passam a ter
significado, passam a valer. Isso nos permite entender o valor como
uma relação de não indiferença entre o homem e os elementos com
que se defronta (SAVIANI, 2009, p. 45).

Furter (1979, p. 111-112), por sua vez, mais do que se esforçar por definir
‘valoração’, preocupa-se em apresentar algumas condições fundamentais para que
aconteça esta experiência axiológica. Segundo o autor, três são as características:
primeiramente, a experiência axiológica é sempre concreta, ou seja, sempre vivida
numa determinada situação dada, mesmo que o sujeito nem perceba o ato da
valoração. Em segundo lugar, a experiência axiológica não existe fora de um sujeito
consciente e nela envolvida, deixando claro, com isso, que os valores nunca
poderão atingir o sujeito sem alguma mediação direta ou indireta. Com esta
concepção, Furter exclui a idéia da existência de valores em si, separados do sujeito
54

e contemplados diretamente pelo espírito sem necessidade alguma de mediação


lingüística e intersubjetiva. Por fim, em terceiro lugar, a experiência axiológica não se
esgota com a descoberta dos novos valores, mas é uma abertura que chamam os
atores da comunidade a novas perspectivas de ação, isto é, para a criação de novos
valores segundo a valoração de cada época.
O erro de Morente foi dar ao valor uma característica absoluta e separada do
concreto em detrimento da experiência valoração, vista por ele, erroneamente, num
aspecto subjetivista. Valor e valoração estão intrinsecamente relacionados. Não há
como separar estes dois elementos; sem os valores “a valoração não teria sentido
nem significação e jamais poderia esperar edificar um sentido real para o nosso
mundo; sem a valoração, os valores nunca poderiam aparecer no mundo” (FURTER,
1979, p. 115).
Idéias semelhantes, possivelmente numa releitura de Furter, também se
encontram em Silva (2000) e Saviani (2009), especialmente quando apresentam
valores e valoração como elementos intimamente relacionados, a ponto ambos não
conseguirem existir de modo independente. Assim diz Saviani (2009, p. 47): “sem os
valores, a valoração seria destituída de sentido; mas, em contrapartida, sem a
valoração os valores não existiriam”. Para Silva (2000, p. 20-21), por sua vez, os
dois elementos estão ligados que “os valores só têm sentido a partir de uma
atividade valorativa real, possível e situada”. Em outras palavras, é pelo esforço da
valoração que os valores aparecem na experiência humana, isto é, como sinônimos
de experiência axiológica ou vivência humana dos valores.
Por fim, um último ponto a ser tratado neste tópico diz respeito à hierarquia
de valores. A partir de um paradigma intersubjetivo e lingüístico, como pensar sobre
a hierarquia de valores? Se os valores não são absolutos, como hierarquizá-los?
Afinal de contas, a verdade como valor eterno existe ou não?
De fato, somente com a apresentação do paradigma da intersubjetividade
ainda não foi possível responder à questão da verdade: uma coisa é dizer que não
existem valores absolutos, estáticos, dogmáticos e separados da realidade
existencial, pois todo valor só tem razão de ser se estiver ligado à valoração e
mediado lingüisticamente por uma comunidade formada por atores capazes de falar
a agir intersubjetivamente; outra coisa é afirmar que não existem valores
55

transcendentes e que toda a realidade se resume na imanência da valoração. Têm-


se aqui realidades distintas. Não se podem confundir valores transcendentes por
valores absolutos.
Habermas, em sua obra Verdade e Justificação, afirma que idealmente a
verdade transcendente é eterna e, portanto, existente. Porém, ao passar para o
campo pragmático a questão se torna mais complexa e por isso não pode ser
afirmada de maneira tão incisiva. Como posicionamento pragmático, Habermas
nega tanto o provincianismo contextualista de Rorty, que afirma a existência de uma
verdade sempre negociada historicamente (HABERMAS, 2004, p. 236-261), como
também o transcendentalismo de Apel, que afirma que a existência de uma verdade
sempre transcendental e válida, independente dos eventos históricos que a
condicionam (OLIVEIRA, 2006, p. 265-278).
Por sua vez, Habermas (1996) prefere não cair em nenhum dos extremos e
apresentar uma idéia intermediária de verdade: combate, por um lado, o
provincianismo de Rorty18, perante o qual defende que a verdade é muito mais do
que um mero combinado histórico e étnico, afirmando com isso, a existência de
valores transcendentes; porém, por outro lado, também não afirma
permanentemente o transcendentalismo radical de Apel, pois, futuramente, pode ser
que, com o surgimento de outras formas de comunicação ainda não concebíveis, tal
verdade seja parcial ou totalmente modificada pelos novos interesses da
comunidade semântica.
Com isso, é possível obter uma hierarquia de valores porque afirmar a
valoração como algo consensual, lingüístico e intersubjetivo não impede pressupor a
idéia de uma verdade que a todo o momento histórico pode ser acordada e
ressignificada lingüisticamente: “é preciso dizer que uma escala objetiva e universal
de valores é impossível de ser construída. [...] Isso, porém, não quer dizer que não
seja possível estabelecer uma hierarquização de valores” (CASTILHO, 2002, p. 32).

18
Sobre Rorty Habermas diz: Ao ver o contextualismo como conseqüência necessária de uma virada
lingüística completa, Rorty tem razão em um aspecto: o contextualismo assinala um problema que só
pode surgir quando contamos com uma razão corporificada na práxis lingüística. Mas está errado
quando, ao mesmo tempo, compreende o contextualismo como solução para esse problema
(HABERMAS, 2004, 236-237).
56

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Logicamente que, durante a disciplina de Ética I, pude perceber que


elementos importantíssimos para minha formação acadêmica e cultural. No entanto,
foi nesta pesquisa que pude empenhar-me com mais concentração nos objetivos e
métodos do campo ético. Tenha certeza que o assunto sobre valores não pode ser
encerrado numa pesquisa deste porte. No entanto, o esforço foi válido justamente
porque promoveu uma reflexão de como a ética pode ser legitimada sob paradigmas
flexíveis e intersubjetivos.
Mas por que pesquisar sobre valores? Primeiramente porque se percebe na
sociedade uma grande carência de valores, identificada de modo mais pontual na
redução da força dialógica e intersubjetiva das relações sociais e humanas à lógica
do poder e do dinheiro. Com isso, o diálogo intersubjetivo e a reciprocidade perdem
seu espaço de atuação e as regras sociais tornam-se cada vez mais funcionais e
estratégicas. Segundo porque não se separa valores e ética. Afirmar que axiologia é
um tema não cabível ao campo ético seria incorrer numa grave contradição: a busca
por reflexões, normas, juízos de apreciação que distingam o correto do incorreto
está amplamente fundamentado na eleição e escolha de valores. Portanto, deletar
valores do discurso ético é deixá-lo incompleto e essencialmente vazio.
Desta maneira, a proposta de uma nova concepção de ética para valores
baseada numa fundamentação intersubjetiva, lingüística e existencial implica em
pensar numa ética que não seja fechada e legalista ou relativista e situacional. O
objetivo não traçar valores objetivos ou subjetivos, mas intersubjetivos. Criar uma
concepção de valores intersubjetivos é apostar numa concepção que não implica
necessariamente ser absoluta ou relativa; pelo contrário, será o acordo consensual
entre sujeito, amparados por pretensões legítimas e referenciais de determinados
valores, que poderão ou não participar a vida social daquele determinado grupo.
Com isso, tais valores não deixariam de ser universais e metafísicos, mas
também não se fechariam apenas no âmbito ontológico. Desta maneira, uma ética
para valores voltada para o horizonte intersubjetivo e lingüístico, também deve ser
existencial: ou seja, também deve somar o horizonte ôntico-existencial e partir do
pressuposto de que a ação moral deve referir ao ser em sua plenitude (objetividade
57

e subjetividade), capaz de integrar, numa única referência axiológica, tanto o


aspecto ontológico-universal como o aspecto ôntico-existencial.
58

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