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Alguns esclarecimentos acerca dos fragmentos e doxografias: 1) Fragmentos: Como não chegou integralmente
até nós nenhuma obra dos filósofos pré-socráticos, então, o pouco que se sabe sobre o que eles pensaram está
relatado em alguns trechos chamados de fragmentos dos pensadores originários, que ao longo da história foram
sendo reportados por outros filósofos e historiadores em suas respectivas obras (dentre eles, o mais antigo é Hípias;
no entanto, pode-se também citar outros nomes, como Platão, Aristóteles, Simplício, Plutarco, Sexto Empírico,
Clemente de Alexandria, Hipólito, Diógenes Laércio, João Estobeu e, esporadicamente, outros). 2) Doxografias:
já as doxografias, são os testemunhos, comentários, resumos de um historiador ou filósofo sobre a vida e filosofia
de um pré-socrático (dentre eles, encontram-se: Platão, Aristóteles, Teofrasto, Simplício, Alexandre de Afrodísia,
Apolodoro de Alexandria, Diógenes Laércio, Écio, Sócion de Alexandria, Hipólito, Santo Agostinho, Eusébio,
Arnóbio e outros). Em geral, os fragmentos são os ensinamentos dos próprios filósofos pré-socráticos, realizado
de maneira oral ou escrita, e que, muito provavelmente por motivo de extinção ou desaparecimento de sua obra,
foram reportados e transcritos pelas obras clássicas de outros historiadores e filósofos renomados; já as doxografias
são comentários e testemunhos de historiadores e filósofos clássicos acerca da vida e doutrina dos filósofos pré-
socráticos originários.
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De acordo com Diógenes Laêrtios2, essa divulgação só foi realizada plenamente com
Filolau de Crotona3 (séc. V a.C.), primeiro dentre os pitagóricos antigos a publicar a doutrina
do pitagorismo: “Nos Homônimos, Demétrios menciona que Filôlaos foi o primeiro a publicar
os livros dos pitagóricos e a dar-lhes o título Sobre a Natureza” (DIÓGENES LAÊRTIOS,
2008, p. 249). Esse jeito de lidar com o pensamento influenciou fortemente a Escola platônica,
principalmente em relação às doutrinas escritas e as doutrinas orais, ou seja, aquelas doutrinas
que, segundo Platão, valiam a pena serem publicadas nos livros (escritos exotéricos) e aquelas
doutrinas que deveriam permanecer internas à Academia através dos ensinamentos orais
(escritos esotéricos).
Mas o que interessa neste momento seria a contribuição do pitagorismo para a filosofia,
especialmente no que se refere à doutrina ou pensamento dos números como um novo princípio
primeiro da realidade: aquela causa primária (arché) que os jônicos inicialmente atribuíram
respectivamente à água, ápeiron e ar, para os pitagóricos foram substituídos pelos números e
por seus elementos constituintes, como assim relata textualmente Aristóteles em sua Metafísica:
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Diógenes Laércio (ou Diógenes Laêrtios) viveu por volta da primeira metade do século III d.C. Trata-se de um
doxógrafo importantíssimo pela vasta quantidade de informações e e detalhes que transmitiu acerca da história da
filosofia antiga. Sua obra chamada Vida dos Filósofos, dividida em 10 livros, chegou integralmente à
contemporaneidade.
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Sobre Filolau de Crotona, afirma Diógenes Laércio (Diógenes Laêrtios) na obra Vida e Doutrinas dos Filósofos
Ilustres: Filôlaos [Filolau], pitagótico, nasceu em Crôton. Platão escreveu a Díon pedindo-lhe para comprar seus
livros pitagóricos. [...] Esse filósofo escreveu um único livro, que, de acordo com o testemunho de Hêrmipos, certo
autor diz que Platão, quando esteve na Sicília para encontrar-se com Dionísios, havia comprado [este livro] dos
parentes de Filôlaos por quarenta minas alexandrinas de prata, e transcreveu essa obra no Tímaios [Timeu].
Segundo outros autores, Platão havia recebido esse volume por haver conseguido que Dionísios libertasse um
jovem prisioneiro, discípulo de Filôlaos (DIÓGENES LAÊRTIOS, 2008, p. 248-249). Sobre o fato curioso
relatado acima (isto é, do plágio de Platão à obra de Filolau), nos diz os comentadores Kirk e Raven (1982, p.
318): “esta história curiosa, de que este passo mostra ter havido várias versões diferentes, parece ter provavelmente
surgido com Aristóxeno. Foi certamente Aristóxeno quem, no seu desejo de diminuir a originalidade de Platão,
afirmou que a República se baseava em grande parte numa obra de Protágoras; e esta é evidentemente uma história
de igual modo mal-intencionada. A sua importância histórica é certamente irrelevante, mas serve para levantar a
importante questão da autenticidade dos fragmentos ainda conservados em nome de Filolau”.
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elementos de todas as coisas, e que o céu inteiro fosse uma escala musical e
um número (ARISTÓTELES, 1969, p. 46-47).
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Segundo o raciocínio dos pitagóricos, se o número é ordem, isto é, um acordo entre elementos ilimitados e
limitados, e se tudo é determinado por ele, então tudo é ordem. Desta forma, como o termo cosmos significa ordem,
os pitagóricos chamaram o universo de cosmos, devida tão grande harmonia e ordem expressada por ele, através
do número.
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Sobre o fragmento 4 de Filolau de Crotona: reportado por Estobeu, em sua obra Antologia (Anthologium).
Estobeu João foi um erudito do século V d. C., nativo da cidade de Estobe, Macedônia. Escreveu uma riquíssima
obra em quatro livros, originalmente chamada Quatro Extratos, Sentenças e Preceitos. No entanto, na Idade Média
a obra foi desmembrada em duas partes: a primeira passou a ser conhecida como Extratos Físicos e Éticos (Eclogae
Physicae et Ethicae) e a segunda foi chamada de Antologia ou Florilégio (Anthologium ou Florilegium).
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[...] como, em suma, todas as coisas pareciam ser modeladas em sua natureza
integral pelos números, e os números se afiguravam ser as primeiras coisas na
Natureza como um todo, supuseram eles que os elementos dos números fossem
os elementos de todas as coisas, e que o céu inteiro fosse uma escala musical
e um número (ARISTÓTELES, 1969, p. 47).
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Sobre o fragmento 5 de Filolau de Crotona: reportado por Estobeu, em sua Antologia (Anthologium).
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Sobre o fragmento 2 de Filolau de Crotona: reportado por Estobeu, em sua obra Extratos Físicos e Éticos
(Eclogae Physicae et Ethicae).
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Sobre o fragmento 3 de Filolau de Crotona: reportado por Jâmblico, em sua obra Sobre a Introdução
Aritmética de Nicômaco (In Nicomachi arithmeticam introductionem). Jâmblico de Cálcides nasceu em torno à
metade do século III d.C. e morreu no terceiro decênio do século IV; foi um filósofo neoplatônico e fundador da
escola siríaca. Da sua enorme produção literária, pode-se citar as seguintes obras: [1] Conjunto das Doutrinas
Pitagóricas (Synagoge Pythagorica), originariamente constituído de 10 tratados (mas que infelizmente só chegou
à contemporaneidade os 4 primeiros): I) Vida Pitagórica; II) Protrético ou Exortação à filosofia; III) Sobre a
Ciência Matemática Comum; IV) Sobre a Introdução Aritmética de Nicômaco; V) [?] (o quinto tratado
provavelmente era sobre o desenvolvimento dos números em chave física); VI) [?] (o sexto tratado provavelmente
estava relacionado ao desenvolvimento das valências éticas dos números); VII) Teologia Aritmética; VIII) [?] (o
oitavo tratado era sobre a música); IX) [?] (o nono tratado era sobre a geometria); X) [?] (o décimo tratado
provavelmente devia se tratar da astronomia). [2] Os Mistérios Egípcios (De Mysteris Aegyptiorum). [3] Teologia
Caldaica (em 28 livros). [4] Sobre a Alma (De Anima) (fragmentos conservados na Antologia de Estobeu). [5]
Epístolas. [6] Fragmentos e Comentários – isto é, uma coletânea de comentários sobre os textos de Aristóteles
(Categorias e Primeiros Analíticos) e de Platão (Alcibíades Maior, Fédon, Crátilo, Sofista, Fedro, Filebo, Timeu
e Parmênides), conservados por diversos autores.
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A primeira divisão dos números que eles fazem é de duas classes, chamando
a alguns de pares, a outros de ímpares. Os números pares são os que se podem
dividir em partes iguais, ímpares aqueles que só podem ser divididos em partes
desiguais. Alguns sustentaram que o primeiro dos números é 1. Pois, par é o
contrário de ímpar; 1 é ímpar ou par; não pode ser par; pois longe de ser
divisível em partes iguais, não pode ser mesmo dividido; donde se segue que
1 é ímpar. Além disso, se se adicionar par a par; o total é par; mas adicione-se
1 a um número par ele torna o total ímpar: donde se segue que 1 não é par,
mas ímpar. Aristóteles, contudo, na sua obra sobre os Pitagóricos, diz que o 1
participa da natureza de ambos; pois, quando adicionado a um número par
torna-o ímpar, quando adicionado a um número ímpar, torna-o par – o que
seria impossível, se não participasse da natureza de ambos; e assim, diz ele, é
chamado par-ímpar. Árquitas também concorda com Aristóteles neste ponto
(TÉON DE ESMIRNA apud KIRK; RAVEN, 1982, p. 328).
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Téon de Esmirna foi um filósofo médio-platônico do século II d.C., com grande simpatia pelo pitagorismo.
Chegou inteiramente uma obra chamada Exposição dos Conhecimentos Matemáticos úteis para ler Platão
(Expositio Rerum Mathematicarum ad legendum Platonem utilium). Em 1878, o estudioso E. Hiller sistematizou
todos os fragmentos da obra na edição crítica Theonis Smyrne Philosophe Platonici Expositio Rerum
Mathematicarum ad legendum Platonem utilium.
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Segundo Kirk e Raven (1982, p. 328), “a própria unidade, embora não caiba em nenhuma classe, é considerada
ímpar, porque não pode ser par, e a sua equação com o Limite é, assim, justificada. Mas mais cedo ou mais tarde,
tem de se reconhecer o facto de que, segundo estas definições, a unidade já não pode ser ímpar nem par. Assim,
enquanto as definições tradicionais são mantidas essencialmente inalteradas, a terceira categoria é introduzida para
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as coisas inteligíveis e sensíveis serão constituídas11. Mais uma vez, na Metafísica, Aristóteles
já contemplava essa clara relação e influência da filosofia pitagórica na metafísica platônica:
Como as Formas [Ideias] eram as causas de tudo mais, ele [Platão] supôs que
os seus elementos fossem os elementos de todas as coisas. Como matéria
[causa material], o grande e o pequeno [Díade Ilimitada] eram os princípios;
como realidade essencial [causa formal], o Um [Uno]; pois é do grande e do
pequeno, pela participação no Um, que nasce os números. Concordava
[Platão], porém, com os Pitagóricos em afirmar que o Um [Uno] é substância,
e não predicado de outra coisa, e também que os números são as causas da
realidade de tudo mais (ARISTÓTELES, 1969, p. 50-51).
conter a unidade e só a unidade. Aritmeticamente, sem dúvida, a consequência da mudança não tem grande
importância. O primeiro número ímpar já não é 1 mas 3; mas a unidade pode, presumivelmente, ficar como
princípio dos números e o seu processo de geração não tem necessariamente de ser alterado. Metafisicamente,
porém, visto que ímpar é Limite e par Ilimitado, as consequências parecem ser da maior importância. A primeira
unidade, o ponto de partida da cosmogonia pitagórica, já não é considerada como a concretização do Limite no
Ilimitado; é, em vez disso, o primeiro produto da mistura dos dois princípios”.
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Deve-se lembrar que no pensamento platônico ainda não se tinha a concepção do criacionismo (coisas criadas a
partir do nada por um Ser único e Superior, ex-nihilo), mas já continha os germes para a conquista de tal concepção,
que se desenvolveu sistematicamente com o nascimento do cristianismo, através da ideia de Deus Criador.
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que respeita à relação alma/corpo; isto é, pensavam como Platão viria a pensar,
que a alma ou a mente (psyché) era uma entidade distinta e separável do corpo.
Isto estava em consonância com o pensamento grego primitivo sobre a alma,
tal como se encontra, por exemplo, no mais antigo poeta grego, Homero
(HARE, 1998, p. 21-22).
Sendo assim, é plenamente possível afirmar que o pitagorismo (e sua nova concepção
de princípio) influenciou aspectos importantíssimos no pensamento platônico, até chegar àquela
descoberta que, unanimemente, trata-se do maior mérito da filosofia de Platão – e cujo ponto
de vista pitagórico ainda estava muito aquém: a descoberta da realidade metafísica, daquilo que
chamamos de “segunda navegação”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret,
2002.
ARISTÓTELES. Metafísica. Tradução de Leonel Vallandro. Porto Alegre: Globo, 1969.
BORNHEIM, Gerd. A. (org.). Os Filósofos Pré-Socráticos. São Paulo: Cultrix, 2002.
DIÓGENES LAÊRTIOS. Vidas e Doutrinas dos Filósofos mais Ilustres. Tradução de Mário
da Gama Kury. 2.ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008.
HARE, R. M. O Pensamento de Platão. Tradução de Carlos Diniz. Lisboa: Editorial Presença,
1998.
JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. Tradução de Artur M. Parreira. São
Paulo: Martins Fontes, 1995.
KIRK, G. S.; RAVEN, J. E. (Orgs.) Os Filósofos Pré-Socráticos. Tradução de Carlos Alberto
Louro Fonseca; Beatriz Rodrigues Barbosa; Maria Adelaide Pegado. 2. ed. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1982.
PLATÃO. A República. Tradução de Maria Helena Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1996.
PLATÃO. Górgias. Tradução de Jaime Bruna. São Paulo: Difusão Europeia, 1970.