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Projeto Integrador Multidisciplinar I

Aula
10

Teoria Crítica
Prof. Tédney Moreira da Silva
tedney.silva@ceub.edu.br/ @tedneyms
Projeto Integrador Multidisciplinar

O desengano com a modernidade e a redundância dos estudos marxistas foram os fatores decisivos para a
formação de uma escola de pensadores na Alemanha denominada de Escola de Frankfurt, cujos membros
acreditavam que a teoria do materialismo dialético tradicional não tinha mais condições de explicar a
sociedade de nossa época. Assim, deu-se início a um novo movimento crítico do pensamento humano,
centrado na tentativa de transformação da contemporaneidade, a partir da análise das raízes sociais,
econômicas, políticas e culturais que definiram o modo de ser e pensar do ser humano na pós-
modernidade. As contribuições da Escola de Frankfurt manifestaram-se em inúmeras áreas do
conhecimento: psicanálise, sociologia, antropologia, artes, ciências políticas, linguística e, certamente, no
direito.
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A ideia de criação do Instituto de Pesquisa Social (Escola de Frankfurt) surgiu


após uma semana de estudos marxistas, em 1922, ocorrida na Turíngia. O
objetivo era o de formar um grupo de teóricos que teorizassem os
movimentos operários da Europa, com vistas a desvelar os processos de
revolução socialista.
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O termo Escola de Frankfurt refere-se, em especial, ao grupo de intelectuais marxistas não ortodoxos que
empreenderam uma renovação da análise social: Walter Benjamin, Max Horkheimer, Theodor Adorno, Herbert
Marcuse e Jünger Habermas são os pensadores mais conhecidos.
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Os estudos de Walter Benjamin (1892-1940)


voltaram-se à estética na modernidade,
marcada pela massificação das obras de arte,
de caráter genuinamente aristocrático e
cobertas por uma aura de singularidade. Para
Benjamin, com as técnicas da sociedade
industrial, as obras de arte passaram a ser
reproduzidas à exaustão, de tal modo que a
arte perde aquela aura e torna-se banalizada
numa sociedade de consumo. Por outro lado,
segundo Benjamin, graças à massificação da
arte (para o filósofo, propiciada quase que
exclusivamente pelo cinema), as sociedades
podem ressignificar o conceito de arte e
fazerem-se representados num espaço que
antes lhes era tolhido.
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A reprodutibilidade das obras de arte permite reinventá-las, mas banaliza-as e anula a


percepção estética humana e sua decorrente sensibilidade.
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Os filósofos Max Horkheimer (1895-1973) e Theodor Adorno (1903-


1969) também desenvolvem estudos relativos à cultura e à educação. No
texto Educação após Auschwitz, a dupla critica o modelo educacional
que aposta na formação irreflexiva e puramente mecânica e apostam no
contínuo reexame dos horrores da Segunda Guerra como forma de alerta
à nossa capacidade racional destrutiva.
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Segundo Theodor Adorno e Max Horkheimer, não há nada de


ilógico na Segunda Guerra Mundial. Ao contrário: a guerra foi
produzida graças a um excesso de racionalidade. O esclarecimento
(Aufklärung) prometido pelo iluminismo rompeu com a criatividade
humana, pois é uma razão puramente técnica e a forma como a
sociedade política foi concebida (como limitada formalmente pela
lei e pelo controle do poder político) cerceou outras formas de
acesso à reflexão crítica.

A manipulação dessa razão técnica não terá mais fim: hoje somos
dominados por ela, não havendo espaço para o exercício da
moralidade e da ética.

A humanidade converte-se em objeto do sistema produtivo, não


mais composta por sujeitos autônomos e a cultura tem um papel
decisivo nessa dominação.
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O preenchimento de nosso vazio é dado por uma indústria cultural, que diz quais são nossos desejos e
nossos objetivos. Uma razão instrumental propicia melhoras na vida humana, porém, ao mesmo tempo,
sua devastação. Nosso lazer é fruto de uma dominação: a racionalidade não permite mais a
emotividade e a criatividade e a cultura se torna uma mercadoria, por meio da qual é possível
determinar como cada indivíduo deve comportar-se e o que (e como) deve desejar.
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O modo como exercemos nosso lazer e entretenimento é, em verdade, apenas a reprodução de padrões de
comportamento e beleza definidos previamente pelo mercado. Não há espaço para a criatividade, mas a exaustiva
repetição do mesmo, massificando noções de estética e, assim, da autoimagem individual.
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O capitalismo revigora-se nas sociedades de massa com o


estímulo ao consumo: o fetichismo da mercadoria
(conceito marxista) tem seu apogeu no século XX, pois o
que se vende não é mais um mero produto, mas um
padrão de comportamento e de estética. A mercadoria
parece determinar a vontade de seu produtor e
consumidor – e não o contrário. A onipresença midiática
cria personalidades a serem almejadas, padrões de
beleza e desejos no mercado consumerista. Incute medos
e ideias no consumidor, que confundem o indivíduo e
impedem-no de transformar a sociedade.

A racionalidade da técnica identifica-se com a


racionalidade do próprio domínio político, sendo os
produtos adaptados de acordo com os gostos das massas,
na mesma medida em que geram o desejo de consumo.
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As artes cênicas e a música, em especial, são as artes


liberais que ganhariam relevo no século XX como
grandes veículos de comunicação de ideias e meios de
incremento do consumo.

Padrões estéticos são redefinidos e garantidos aos


consumidores de determinados produtos, explorados
exaustivamente pela publicidade mercantil.

A popularização de artistas eleva-se, quase, ao patamar


de divinização de pessoas físicas, vistas como metas a
serem atingidas pela grande massa social, desejosas de
serem celebridades instantâneas.
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Segundo Adorno, o processo de criação de consciências coisificadas


em nossa sociedade faz com que as “[p]essoas que se enquadram
cegamente em coletivos convertam a si próprios em algo como um
material, dissolvendo-se como seres autodeterminados. Isto combina
com a disposição de tratar outros como sendo uma massa amorfa.
(...) No começo as pessoas desse tipo se tornam por assim dizer iguais
a coisas. Em seguida, na medida em que o conseguem, tornam os
outros iguais a coisas”.

As sociedades de massa dissolvem as peculiaridades de cada


indivíduo, buscando a padronização de modelos éticos, estéticos e
sociais. Isto é, a massificação produz seres humanos acríticos e iguais,
ao menos em aparência.
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De acordo com a Teoria Crítica, o capitalismo tornou-se,


assim, mais que um sistema produtivo ou econômico; ele
moldou um modo de ser, em que os indivíduos encaram-se a
si mesmos como projetos de sucesso iminente, obcecados
pela sensação de pertencimento ao mundo do consumo
desenfreado.

Tal processo de reificação (coisificação) das personalidades


gera uma sociedade massificada, alheia aos problemas em
suas raízes e preocupada, tão somente, com a
hierarquização de poder, aparência e influência social.

Quanto mais celebrado, o indivíduo sente-se especial e


importante, minimizando as dores de considerar-se
comum, trivial e, portanto, fora dos padrões de “consumo”
que atraem tantos outros.
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Para o filósofo e sociólogo polonês Zygmunt Bauman


(1925-2017), vivemos a era da modernidade líquida,
na qual tudo o que era sólido se liquidificou. Nossos
valores, intentos, predisposições e acordos são
temporários e válidos apenas até novo aviso.

As redes sociais são emblema desse distanciamento


entre os homens. Em geral, refletem apenas a
necessidade de autoafirmação dos indivíduos, não de
sua aproximação.
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Até mesmo o modo como exercemos nosso erotismo


tornou-se objeto de relações de consumo. Na era digital, a
solidão é uma das principais características da humanidade,
que mantém relações fugazes e superficiais e escolhe-as a
partir de critérios também padronizados de “consumo”:
desejamos ser vistos, “curtidos”, “compartilhados”, não pelo
que de fato somos (como a somatória de qualidades e
defeitos), mas pelo que queremos que vejam e saibam sobre
nós mesmos.

A imagem de si passa pelo crivo de um critério externo: se


não estivermos adaptados a tais padrões, sentimo-nos
isolados e, numa linguagem puramente econômica, “inúteis”
ao sistema.
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A celeridade das transformações sociais e a exigência de constantes mudanças e novidades afetou o modo
como nos relacionamos, tornando os amores líquidos, isto é, descartáveis, permeáveis e, portanto, vazios da
experiência que o amor de verdade traz, que é a constância e sua capacidade de resistência ao tempo.
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Na era das mídias digitais em que nos encontramos, no entanto,


tem-se ampliado um fenômeno bastante comum de desapego à
verdade e confiança exacerbada nas crenças pessoais. A pós-
verdade foi definida, em 2016, pelo Dicionário Oxford, da
Inglaterra, como a palavra que exprime a era pós-moderna, em
que fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião
pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais.

Dois eventos foram emblemáticos para a escolha do termo pelos


etimólogos: a eleição de Donald Trump (que se baseou em fake
news contra Barack Obama) e a saída da Grã-Bretanha da União
Europeia (Brexit), que alegava o custo de US$ 470 milhões por
semana à Grã-Bretanha – cálculos infundados e provados como
tais. Redes sociais ampliam significativamente o alcance das
mentiras e os fatos e conceitos científicos passaram a ser vistos
como – eles sim – fontes falhas e manipulações.
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A linguagem tem se tornado cada vez mais fluída e incapaz de transmitir noções
mais complexas e necessárias à trama social.
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A intensidade da vida pós-moderna tem ocasionado


maior sofrimento nos tempos atuais. Para o filósofo sul-
coreano Byung-Chul Han (1959-), na era pós-moderna
em que nos encontramos, marcada pelo neoliberalismo e
pela fluidez das relações interpessoais, as pessoas têm se
visto e vendido como autênticas (isto é, diferentes umas
das outras). Mas na busca pela autenticidade, elas
repisam os valores de padronização comportamental do
capitalismo, pois só será aceito o diferente se este for
palatável ao consumo.

Nessa autoexploração de nós mesmos, os transtornos de


saúde se agravam, pois o cansaço pelo não atingimento
de metas tão elevadas gera nos indivíduos a sensação de
fracasso e a revolução, portanto, perde um inimigo
comum, pois agora nós mesmos nos tornamos nossos
opressores. Nossa sociedade do desempenho produz
angústia, pois sempre sentimos que não estamos fazendo
tudo o que deveríamos fazer.
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Na sociedade do desempenho, somos impelidos a buscar


conquistas materiais e prazeres imediatos para afirmar o nosso
próprio valor e para nos aliviar das frustrações que a própria
sociedade gera. Como nós somos estimulados a acreditar que o
nosso sucesso só depende de nós mesmos, estamos sempre nos
sentindo cansados, exigindo de nós mesmos um desempenho
perfeito, sempre em comparação com os outros.

Como não somos capazes de sermos perfeitos o tempo todo, nós


nos sentimos culpados por não atingirmos o patamar de perfeição
e isso faz com que percamos a concentração nas tarefas, tentando
nos proteger da sensação de fracasso, ao mesmo tempo que nos
vinculamos a inúmeras tarefas simultâneas, acreditando que
apenas não encontramos o nosso espaço de sucesso ideal,
aumentando a sensação de cansaço.
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Na obra “A Sociedade do Cansaço”, Byung-Chul Han propõe o remanejamento do tempo e a retomada do


animal original que nós somos como mecanismos necessários de ruptura da opressão pós-moderna que nos
impusemos. Isto significa redimensionar a nossa relação com o consumo desenfreado, retomar o contato
interpessoal com o outro, em presença, e colocar-se tempo de descanso que não é apenas um intervalo do
sistema de produção, mas uma contraposição a este, tendo em vista nossa necessidade de conhecimento de
nossa própria individualidade.
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O resgate da importância do Outro, do sentimento de


empatia e da autonomia do pensamento são as medidas
urgentes para ressignificação da existência humana, sob
pena de, definitivamente, sucumbirmos à massificação, que
produzirá efeitos desastrosos, desde a extinção de recursos
naturais até a perda da noção de nossa própria identidade.
O excesso do mesmo e do igual conduz as
sociedades contemporâneas a quadros de
cansaço extremo (não físico ou mental, mas
existencial). Transtornos de burn out, TDAH,
depressão e o aumento de casos de suicídio
demonstram como a tentativa de redução
do Múltiplo ao Uno (da diversidade à
singularidade) torna-nos desconexos com
nossa própria natureza.
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Estamos produzindo o tempo todo: desde a hora em que


acordamos até a hora de dormirmos, estamos em busca do
alívio do nosso cansaço nos atribuindo mais funções e
valores que, contudo, são vazios. Confundimos o nosso
tempo e espaço de liberdade com o tempo e espaço de
produção do trabalho. As redes sociais potencializaram essa
sensação de que somos insuficientes, pois nos impõe um
padrão de tarefas que são inalcançáveis. Nosso cansaço é
crônico: para nos protegermos, perdemos o interesse em
tudo o que nos diz respeito, para desde logo evitar a criação
de expectativa alheia – o que, porém, não nos livra da culpa
por não sermos perfeitos.
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Para Byung-Chul Han, a arte propicia a retomada


dessa consciência do animal original que somos:
relembrar que além de andar, podemos dançar;
além de apenas ler, interpretar, escrever. O ócio
deve ser usado não para nos entreter e desviar
do cansaço, mas para reinstaurar nossa
humanidade.

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