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Temas de nuestra américa N.

° 53
ISSN 0259-2339

Os Intelectuais e a Educação em Antonio


Gramsci: As Perspectivas de Políticas Públicas
Educacionais de classe na América Latina
Andrés Toribio
Universidad del Estado de Río de Janeiro
Recibido: 02/08/2012 • Aceptado: 03/12/2012

Pela própria concepção do mundo, pertencemos sempre a um determinado


grupo, precisamente o de todos os elementos que compartilham um mesmo
modo de pensar e de agir. Somos conformistas de algum conformismo, so-
mos sempre homens-massa ou homens-coletivos. O problema é o seguinte:
qual o tipo histórico de conformismo, de homem-massa do qual fazemos
parte?(...) Criticar a própria concepção de mundo, portanto. Significa
torná-la unitária e coerente e elevá-la até o ponto atingido pelo pensa-
mento mundial mais evoluído. Significa, portanto, criticar a filosofia até
hoje existente, na medida em que ela deixou estratificações consolidadas
na filosofia popular. O Início da elaboração crítica é a consciência daquilo
que realmente, isto é, “conhece-te a ti mesmo” como produto do processo
histórico até hoje desenvolvido, que deixou em ti uma infinidade de traços
acolhidos sem análise crítica. (Gramsci: 2006a, p. 94)

Resumen procesos de revolución social y moral e


intelectual. Em tercer lugar, lós temas
Los limites y aspiraciones de este que se tratan son resultado de um pri-
trabajo son, em primer lugar, señalar mer intento de diálogo com lecturas y
nuestro intento de construir, pensar estúdios em las disciplinas de teoria Del
sobre la relación de la educación y Estado y Temas especiales em El trabajo
la sociedad. Em segundo lugar, son y la formación humana. Finalmente, se-
reflexiones que nacen Del inte- ñalar que este ensayo tiene um propósito
res de pensar em uma forma- específico: El diálogo, especialmente com
ción humana que tiene uma la izquierda.
visión más allá del capital,
decir, una formación Palabras clave Gramsci, intelectuales, educa-
humana mediada por ción políticas públicas, América Latina, Temas de
Nuestra América

N.º 53 Enero-junio 2013 61


Temas de nuestra américa N.° 53 Enero-junio / 2013
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Abstract de revolução moral e intelectual


num momento histórico em que há
The limits of this work are, primarily our algo estranho na premissa de que o
attempt to build, and think about the re- colapso do comunismo representa a
lationship between education and society.
crise terminal do marxismo.
Secondly, this thoughts are born from the
interest of thinking a human formation
envisioned beyond the capital, that is a Em terceiro lugar, faz-se necessário
human formation mediated throughout apontar a provisoriedade dos aspec-
processes of social and moral and intellec- tos e temas abordados como fruto de
tual revolution. Third, the topics covered uma primeira tentativa de diálogo
are the result of a first attempt of dialogue com as leituras e estudos realizados
and study with the disciplines of Theory nas disciplinas “Teoria da política e
of the State and and Special Topics Work in do estado” e “Tópicos especiais em
Human Formation. Finally, this paper aims trabalho e formação humana”.
to an specific goal: to set a dialogue, espe-
cially with the left.
Por último, cumpre ressaltar este en-
Keywords: Gramsci, scholars, educa- saio possui um específico: o de dialo-
tion, public policies, Latin America, gar, principalmente, com a esquerda.
Temas de Nuestra América Como coloca Wood (2003), os in-
telectuais de esquerda na contem-
É necessário salientar a intenção e os poraneidade quando não abraçam
limites deste trabalho. Em primeiro o capitalismo, limitam-se a sonhar
lugar, há de se destacar que a tentati- com pouco mais que um espaço den-
va primordial é de se construir/pensar tro dos moldes dele e apenas prescre-
a problemática em torno da relação vem resistências cada vez mais locais
educação e sociedade e não simples- e particulares. Nesse sentido, torna-
mente dar respostas, visto que serão se urgente repensar as formas como
desenvolvidos apenas alguns dos te- foram concebidos alguns conceitos
mas necessários a uma visão suficien- principais do materialismo histórico
temente completa de tal questão. que qualificam a intervenção daque-
les que lutam pela sua superação do
Em segundo lugar, estas reflexões modo de produção capitalista. Mo-
nasceram do interesse de se pensar tivo que torna tal ensaio ainda mais
uma formação humana que tenha difícil, pois implica num exame crí-
como horizonte uma sociedade para tico da própria tradição socialista.
além do capital, isto é, uma forma-
ção humana mediada pelo processo

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O processo de dominação burguesa de produção da vida material con-


na contemporaneidade trouxe novas diciona o desenvolvimento da
determinações para a sociedade. Para vida social, política e intelectual
que se possa compreender a natureza em geral. (...) Assim, como não se
julga um indivíduo pela ideia que
de tais determinações, faz-se necessá-
ele faz de si próprio, não se poderá
rio trazer alguns elementos importan- julgar uma tal época de transfor-
tes do mundo em que se vive a fim de mação pela mesma consciência
que se possa qualificar o debate. de si; é preciso, pelo contrário, ex-
plicar esta consciência pelas con-
Embora a crítica do capitalismo este- tradições da vida material, pelo
ja fora de moda, parte-se aqui do pres- conflito que existe entre as forças
suposto que se vive nos marcos do produtivas sociais e as relações de
modo de produção capitalista1. Nesse produção (Wood, 2003: 5).
sentido, Marx na obra Contribuição
à crítica da economia política ao fazer Embora tal passagem nos traga inú-
uma revisão crítica da obra Filosofia meras questões para o debate, algumas
do direito, de Hegel, traz elementos nos parecem mais importantes em fun-
importantes para iniciar o debate: ção da discussão que se pretende fazer
neste ensaio. Uma primeira questão é
na produção social da sua existên- a que diz respeito à relação indissociá-
cia, os homens estabelecem rela- vel entre a economia e a política, fato
ções determinadas, necessárias, que será mais bem trabalhado adiante.
independentes da sua vontade, Em consonância com este, torna-se
relações de produção que corres- imprescindível colocar que não se dis-
pondem a um determinado grau cuti a problemática da Educação sem
de desenvolvimento das forças
trazer determinações contemporâne-
produtivas materiais. (...) O modo
as do modo de produção capitalista,
1 –Entende-se que “modo de produção capi-
pois é na realidade concreta que o ser
talista” é o modo de produção que se carac- social elabora e reelabora sua própria
teriza “por quatro conjuntos de esquemas concepção de mundo. Um estudo ri-
institucionais e comportamentais: produção goroso que tenha como pretensão se
de mercadorias, orientada pelo mercado;
contrapor a um modelo de Educação
propriedade privada dos meios de produção;
um grande segmento da população que não posto, tem que ver, necessariamente,
pode existir, a não ser que venda sua força com uma Educação de qualidade que
de trabalho no mercado; e comportamento vislumbre também uma sociedade
individualista, aquisitivo, maximizador, da para além do capital na perspectiva
maioria dos indivíduos dentro do sistema
econômico”. (HUNT, p. 26).
que coloca Mészáros.

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Destaca-se, ainda inspirado em tal a seus princípios de contingência,


passagem de Marx, que este ensaio fragmentação e heterogeneidade,
se pautará em debater no terreno das sua hostilidade a qualquer noção de
contradições e não no da antinomia. totalidade, sistema, estrutura, pro-
Embora seja mais propícia à antino- cesso e “grandes narrativas”.
mia do que à contradição conforme
coloca Jameson (1997). Acredita-se A fragmentação e a contingência
que até mesmo no próprio marxismo pós-modernistas se alinham com o a
a categoria contradição merece ser “grande narrativa” do fim da histó-
“resgatada” em seu sentido profundo, ria, isto é, a ideia de que não há pos-
pois a lógica cultural do capitalismo sibilidade de lutar pela sua transfor-
tardio parece ter causado um efeito mação, restando, com isso, apenas
“imobilizador” em muitos estudiosos. minorar seu “impacto” social.

Exatamente no momento em que Como se não bastasse os intelectuais


se necessita urgentemente de uma orgânicos do capital, hoje testemu-
compreensão crítica do sistema ca- nha-se, no seio da própria esquerda,
pitalista é que alguns movimentos e a tentativa de se definir formas, que
intelectuais da esquerda, em vez de não a contestação, de se relacionar
centrar esforços no enriquecimento com o capitalismo. Segundo Wood
e refinamento do aporte necessário (p. 14), parece haver a convicção de
para o enfrentamento junto ao sis- que o capitalismo chegou para ficar:
tema, sinalizam para o abandono do
marxismo. Como traz Wood (2003, A reformulação da relação da es-
p. 13) “O “pós- marxismo” deu lu- querda com o capitalismo como a
gar ao culto do pós-modernismo2, e criação de espaço no seu interior,
e não o desabafo direto e a con-
testação a ele, ajuda, entre outras
2 Define-se pós-modernismo como sendo coisas, a explicar as principais
uma forma de cultura contemporânea.
transformações dos discursos tra-
Embora seja complicada qualquer defini-
ção precisa do termo, estamos entenden- dicionais da esquerda, como, por
do como sendo uma linha de pensamento exemplo, a economia política e a
que questiona as noções clássicas de ver- história, dos que hoje estão mais
dade, razão, identidade e objetividade, a na moda: o estudo dos discursos,
ideia de progresso ou emancipação uni-
versal, os sistemas únicos, as grandes nar-
rativas ou os fundamentos definitivos de Uma mudança histórica ocorrida no oci-
explicação. Condição histórico-geográfica dente para uma nova forma de capitalis-
de um período específico do capitalismo. mo. (EAGLETON, 1998).

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textos e do que se poderia chamar referências para a teoria marxista.


de a cultura da identidade. Como resgata Wood (2003, 28):

Ao contrário dessa tendência, parte- o segredo fundamental da produ-


se da premissa que a luta de classes ção capitalista revelado por Marx
constitui o motor da história... Se – segredo que a economia políti-
por um lado é mister delimitar em ca ocultou sistematicamente, até
seu tempo histórico a célebre frase tornar-se incapaz de explicar a
acumulação capitalista – refere-se
escrita por Marx e Engels no Ma-
às relações sociais e à disposição
nifesto comunista (1999) quando
do poder que se estabelecem entre
disseram que “a história de todas as operários e o capitalista para quem
sociedades que até hoje existiram é vendem sua força de trabalho. Esse
a história das lutas de classes”, que segredo tem um corolário: a dispo-
causou muita polêmica inclusive na sição de poder entre o capitalista e
própria esquerda, por outro, estudio- o trabalhador tem como condição
sos marxistas mais recentes como, a configuração política do con-
Gramsci, Mészáros, Motta, Neves, junto da sociedade – o equilíbrio
Saviani, Tonet e Wood, dentre ou- de forças de classe e os poderes
do Estado que tornam possível
tros não menos importantes, trazem
a exploração a expropriação do
novas determinações e aspectos para
produtor direto, a manutenção da
o debate na contemporaneidade. propriedade privada absoluta para
o capitalista, e seu controle sobre a
Tais análises vêm trazendo evidên- produção e a apropriação.
cias de que a estrutura de classes é
um fenômeno muito mais complexo Tal passagem é fundamental, prin-
e ambíguo do que parece em mui- cipalmente pelo seu corolário, isto
tos textos de Marx e Engels quando é, por trazer para o centro do deba-
foram inegavelmente influenciados te a tensa e contraditória luta entre
pelo capitalismo de sua época e, so- os capitalistas e trabalhadores para
bretudo, pela emergência da classe a “seara” do Estado ampliado3. O
trabalhadora na vida política. O que
não significa seu abandono. 3 Coutinho (2007) em seu profundo diálogo
com o pensamento de Gramsci esclarece
O fato é que foram a estrutura de classes como a ampliação do conceito de Estado
da fase inicial do capitalismo e as lutas ocorreu no curso da história. Além de apon-
tar a limitação do entendimento de Norber-
de classes nessa forma de sociedade que
to Bobbio que sistematizou uma das mais
constituíram algumas das principais completas análises filológicas deste conceito,

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fato de não ser comum a discussão


ele escreve que Gramsci enriquece com no- sobre projetos de sociedade nas mais
vas determinações, por meio da sociedade variadas esferas na atualidade, não
civil, a teoria marxista clássica do Estado.
Segundo Coutinho, Gramsci não nega as
significa ausência de projetos alter-
descobertas de Marx, mas as “enriquece, am- nativos ao capitalismo. Projetos de
plia, e concretiza, no grado de aceitação plena sociedade diferentes resultarão, con-
do método do materialismo histórico” (p. 123). sequentemente, em projetos de for-
A teoria ampliada de Estado em Gramsci mação humana, também, distintos.
(conservação/superação da teoria marxista
“clássica”) apóia-se nessa descoberta dos
aparelhos privados de hegemonia, o que leva O Estado não é neutro, é preciso
nosso autor a distinguir duas esferas essências compreendê-lo dentro de uma cor-
no interior das superestruturas. Justificando, relação de forças não somente entre
numa carta a Tatiana Schucht, datada de
setembro de 1931, seu novo conceito de
as classes fundamentais, mas nas
intelectual, Gramsci fornece talvez o me- frações inter-classes. Ao desvendar
lhor resumo de sua concepção ampliada do o “mistério” da forma mercadoria,
Estado: “Eu amplio muito – diz ele – a noção de Marx no volume I de O capital,
intelectual e não me limito à noção corrente, que como assinala Wood (2003, p. 28),
se refere aos grandes intelectuais. Esse estudo
leva também a certas determinações do conceito revela por fim que o ponto de par-
de Estado, que habitualmente é entendido como tida da produção capitalista “não é
sociedade política (ou ditadura, ou aparelho outra coisa senão o processo histó-
coercitivo para adequar a massa popular a um rico de isolar o produtor dos meios
tipo de produção e a economia a um dado mo-
mento); e não como equilíbrio entre sociedade
de produção”, um processo de lutas
política e sociedade civil (ou hegemonia de um de classes e de intervenção coerci-
grupo social sobre a inteira sociedade nacional, tiva do Estado em favor da classe
exercida através de organizações ditas provadas, expropriadora. Segundo a autora, a
como a Igreja, os sindicatos, as escolas, etc.)”. própria estrutura do argumento su-
Portanto, o Estado em sentido amplo, “com
novas determinações”, comporta duas esferas gere que, para Marx, ao contrário
principais: a sociedade política (que Grams- da economia política clássica, o se-
ci também chama de “Estado em sentido gredo último da produção capitalista
estrito” ou de “Estado-coerção”); (...) e a é político. Na formulação de Marx
sociedade civil, formada precisamente pelo
conjunto das organizações responsáveis
(1989, p. 41), “a essência humana
pela elaboração e/ou difusão das ideologias, não é algo abstrato, interior a cada
compreendendo o sistema escolar, as igre- indivíduo isolado. É, em sua realida-
jas, os partidos políticos, os sindicatos, as de, o conjunto das relações sociais”.
organizações profissionais, a organização
material da cultura (revistas, jornais, edi-
toras, meios de comunicação e massa), etc Nesse sentido, com o intuito de su-
(Gramsci, 2006: p. 126) perar a falsa dicotomia existente

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entre o econômico e o político até da sociedade, na complexa realidade


mesmo no interior de algumas for- empírica, permite-nos falar de uma
mulações marxianas, Wood (2003) “sociedade capitalista” sem que para
numa profunda e instigante obra, isso se retire o tenso e contraditório
evidencia que tal separação no pla- tecido de vida social, política, cultu-
no analítico se dá pelo movimento ral e moral (Wood, 57).
do real, não sendo um problema te-
órico, mas também prático. Como Conforme argumenta Thompson,
ilustrada numa passagem de Marx “a lógica do processo capitalista en-
no Grundrisse trazida por ela, controu expressão em todas as ati-
vidades de uma sociedade e exerceu
em toda forma de sociedade [que uma pressão determinante sobre o
nesse contexto é uma tradução seu desenvolvimento e forma (...)”
menos enganosa de Gesellschaft- (Wood, 58).
sformen do que “formação so-
cial”], existe um tipo específico
O que interessa a Thompson e,
de produção que predomina sobre
os outros, cujas relações atribuem particularmente, ao debate que se
valor e influência aos outros. É pretende fazer nos limites deste en-
uma luz geral que banha todas as saio, é o entendimento de que “são
outras cores e modifica suas parti- as relações do processo do processo
cularidades, É um éter particular em que as relações de produção – re-
que determina a gravidade especí- lações de exploração, dominação e
fica de todo ser que se materializa apropriação – dão forma a todos os
dentro dele (p. 57). aspectos da vida social em conjunto
e o tempo todo, ou exercem pressão
Nesse sentido, ainda mediado pela sobre eles” (p. 61)
esteira de avaliação de Wood, en-
tende-se que “forma de sociedade” Se por um lado é verdade que a se-
se refere a um conjunto de fenô- paração entre a economia e política
menos concretos que têm uma ló- é algo orgânico do capitalismo, por
gica sócio-histórica comum e não outro lado, entende-se que as trans-
apenas um fenômeno concreto e formações históricas sobre a “base
individual e único. Além disso, tal material” como algo que ganha for-
passagem enfatiza a unidade, não a ma na atividade prática humana,
“heterogeneidade”, de uma “forma- por mais que isso abale a sensibilida-
ção social”, pois a existência de uma de de marxistas “científicos”, exige
lógica comum que se impõe através daqueles que buscam a superação da

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sociedade capitalista o entendimen- na sociedade capitalista, diferente-


to de que a atividade de produção mente de outros modos de produção:
material é uma atividade consciente.
as funções sociais de produção e
Por mais que se tente separar con- distribuição, extração e apropria-
ceitualmente economia e política ção de excedentes, e alocação de
com o intuito de ocultar, em certa trabalho social são de certa forma,
privatizadas e obtidas por meios
medida, a base de exploração capi-
não-autoritários e não políticos.
talista, isto é impossível. As relações Em outras palavras, a alocação so-
sociais não se dão por abstrações, cial de recursos e de trabalho não
mas por meio de sínteses como re- ocorre por comando político, por
sultados de processos que envolvem determinação comunitária, por
múltiplas determinações. hereditariedade, costumes nem
por obrigação religiosa, mas pelos
A economia política burguesa, no mecanismos do intercâmbio de
entendimento de Marx, universali- mercadorias. Os poderes de apro-
za as relações de produção quando priação de mais-valia e de explo-
ração não se baseiam diretamente
analisa a esfera da produção abs-
nas relações de dependência ju-
traindo suas determinações sociais rídica ou política, mas sim numa
específicas – relações sociais, modos relação contratual entre produto-
de produção, modos de propriedade res “livres” – juridicamente livres
e de dominação, formas políticas ou e livres dos meios de produção –
jurídicas específicas. Ao contrário, um apropriador que tem proprie-
entende-se aqui que um modo de dade privada absoluta dos meios
produção é uma organização social de produção. (Wood, 33)
da atividade produtiva; e um modo
de exploração é uma relação de po- Convém salientar que não se quer
der. Conforme coloca Wood (2003, sugerir de forma alguma que a dimen-
p. 33) “a relação entre os apropria- são política esteja separada da econô-
dores e produtores se baseia na força mica, isto é, das relações capitalistas
relativa das classes, e isso é em gran- de produção. Ao contrário, o que se
de parte determinado pela organiza- pretende dizer é que a esfera política
ção interna e pelas forças políticas assume uma dimensão diferenciada,
com que cada uma entra na luta de pois o poder de coação que assegura
classes”. Um aspecto que emerge a exploração capitalista não é acio-
como central nos apontamentos aci- nado diretamente pelos detentores
ma para o nosso debate, é o de que dos meios de produção muito menos

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se baseia na subordinação política e Diferentemente do que se tinha no


ou jurídica do produtor ao apropria- feudalismo onde a principal função
dor. Porém, são essenciais um poder e do “contrato” era garantir direito a
uma estrutura de dominação para que ambas as partes rigidamente fixas, no
se garanta um processo de troca de capitalismo uma nova forma de fixidez
mercadorias, a propriedade privada e entrou em cena: o direito do novo se-
a relação contratual inerentes de uma nhor de manipular os seres humanos
sociedade capitalista. supostamente “livres” como coisas,
objetos sem vontade própria, desde
Sendo assim, problematizar a teoria que estes escolhessem livremente ce-
da alienação em Marx4 é fundamen- lebrar o contrato em questão.
tal para entender as implicações para
os processos educativos da sociedade. Nesse sentido, a alienação hu-
Para tanto, recuperar alguns aspectos mana, tomada como um conceito
da discussão trazida por Mészáros em eminentemente histórico6, foi rea-
sua instigante obra A teoria da aliena- lizado por meio da transformação
ção em Marx, nos parece central5. de todas as coisas:

4 É preciso deixar claro que aprofundar o de- em objetos alienáveis, vendáveis,


bate da teoria da alienação não faz parte de em servos da necessidade e do trá-
nosso objetivo. Para isso, Mészáros, na obra fico egoístas. A venda é a prática
supra citada, nos oferece uma profunda e da alienação. Assim como o ho-
instigante obra em relação a tal teoria. Nos mem, enquanto estiver mergulha-
limites deste ensaio nos limitaremos a trazer do na religião, só pode objetivar
alguns elementos para se pensar as relações sua essência em um ser alheio e
entre alienação, emancipação, trabalho,
fantástico; assim também, sob o
propriedade privada etc. Nesse sentido, en-
tende-se por alienação a “extensão universal influxo da necessidade egoísta,
da “vendabilidade” (isto é, a transformação de
tudo em mercadoria); pela conversão dos seres trazer riquíssimos elementos para o de-
humanos em coisas, para que eles possam apa- bate, é magnífica por seu rigor teórico e
recer como mercadorias no mercado (em ou- metodológico ao tratar desta temática.
tras palavras: a reificação das relações huma- 6 Em comunhão com o que descreve Més-
nas); e pela fragmentação do corpo social em záros, entendemos que o conceito de
indivíduos isolados”[...} que perseguem seus alienação tem que ver com uma vasta e
próprios objetivos limitados, particularistas, complexa problemática, com uma lon-
“em servidão à necessidade egoísta”, fazendo ga história própria. Nesse sentido nosso
de seu egoísmo uma virtude em seu culto a pri- recorte se dará a partir do momento em
vacidade” (Mészáros, 2006, p. 39). que a sociedade capitalista começou a
5 Longe de esgotar a discussão em tal obra, exercer a hegemonia enquanto modo de
fez-se tal opção por acreditar que além de produção global.

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ele pode afirmar-se a si mesmo ocorre no capitalismo a diferencia-


e produzir objetos na prática su- ção entre o econômico e o político
bordinando seus produtos a sua num grau inédito. Segundo Wood
própria atividade à dominação de (2003, p. 38), há no capitalismo um
uma entidade alheia, e atribuin-
processo histórico de “diferenciação
do-lhes a significação de uma en-
tidade alheia, ou seja, o dinheiro.
crescente – e incomparavelmen-
(Marx apud Mészáros, p. 39) te bem desenvolvida – do poder de
classe como algo diferente do poder
A reificação de uma pessoa, segundo de Estado, um poder de extração
aponta Mészáros, pôde avançar com de excedentes que não se baseia no
base numa sociedade civil caracteri- aparato coercitivo do Estado”.
zada pelo domínio do dinheiro. Além
de ser uma mediação da dominação, a Ainda que a diferenciação entre a
alienação tem como base a legitima- economia e política não exista no
ção da propriedade privada. Trazer tal real, tais esferas vêm assumindo es-
questão nos parece central porque a pecificidades distintas no modo de
partir do momento que tudo é trans- produção capitalista. As funções de
formado em mercadoria pela conver- proteção e garantias que antes per-
são dos seres humanos em “coisas”, tenciam ao senhor feudal, passa a ser
ocorre o que denominamos reificação realizado pelo Estado no capitalismo.
das relações humanas. O que traz im-
plicações para o processo que se dá, Este constitui um ponto nodal para
por exemplo, na educação como será o debate, pois se muda necessaria-
trabalhada adiante. mente o foco da luta de classes, o
excedente de trabalho continua a
Nesse contexto, uma figura impres- ser a questão central do conflito de
cindível, do ponto de vista do ca- classes, mas a luta pela apropriação
pital, assume novas determinações, do mesmo aparece não como luta
o Estado. Ele, através das esferas política, mas como uma batalha em
da dominação – subsunção formal torno dos termos, das condições de
e real interclasse – e da coerção – trabalho e, em alguns casos de ata-
base da alienação, vem assumindo ques mais contundentes, somente
as funções “policiais” na sociedade. em torno da manutenção das condi-
Embora a existência do Estado sem- ções obtidas anteriormente.
pre tenha implicado a existência de
classes, isso não elide o fato de que Tal situação nos coloca diante de um
desafio, o de romper com a separação,

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no plano abstrato, entre militância e O poder armado do capital geral-


consciência política. Ainda que seja mente permanece nos bastido-
difícil precisar de uma forma rigoro- res; e, quando se faz sentir como
sa no plano teórico o significado de força coercitiva pessoal e direta
a dominação de classe aparece
consciência de classe, testemunha-
disfarçada como um Estado “au-
se uma particularização cada vez tônomo e ‘neutro”.
mais crescente das lutas no capita-
lismo contemporâneo caminhando É nesse sentido, que a luta no cam-
na contramão de batalhas de caráter po da educação também tem que
político e universal. ver com a luta de classes, pois am-
bas possuem suas bases materiais na
O Estado além de atuar na reprodução unidade entre economia e política.
ampliada da força de trabalho, atua, Pois o Estado assume os interesses
sobretudo nas relações sociais de pro- da classe dominante por meio de po-
dução de modo a garantir a manuten- líticas sociais de forma a garantir a
ção da ordem e do poder da classe do- expropriação de mais valia por meio
minante. Nesse sentido, nas palavras da coerção e das forças produtivas.
elucidativas de Wood (p. 47): Conforme salienta Wood (p. 39):
o conflito de classes no capita-
A divisão de trabalho entre classe e
lismo tende a se encapsular no
estado significa não que o poder es-
interior da unidade individual de
teja diluído, mas, ao contrário, que
produção, o que dá à luta de clas-
o Estado, que representa o “mo-
ses um caráter especial.
mento” coercitivo da dominação
Em geral, somente quando sai
de classe no capitalismo, corpori-
para a rua, o conflito de classes
ficado no monopólio mais especia-
se transforma em guerra aberta,
lizado, exclusivo e centralizado de
principalmente porque o braço
força social, é em última análise, o
coercitivo do capital está insta-
ponto decisivo de concentração de
lado fora dos muros da unidade
todo o poder na sociedade.
produtiva. O que significa que
confrontações violentas, quan-
do acontecem, não se dão geral- Tal entendimento de Estado se torna
mente entre capital e trabalho. essencial para analisar a Educação
Não é o capital, mas o Estado, na contemporaneidade. Como co-
que conduz o conflito de classes loca Neves (2005, p. 26), Gramsci
quando ele rompe as barreiras e mais uma vez contribui para o en-
assume uma forma mais violenta. tendimento da natureza das relações

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capitalistas na atualidade quando não constitui uma novidade dizer que


observa que o Estado moderno, “por a forma que se vive sofre contínu-
substituir o bloco mecânico dos gru- as modificações, isto é, o Estado na
pos sociais por uma subordinação perspectiva de Gramsci (sociedade
destes à hegemonia ativa do grupo política + sociedade civil) cria novas
dominante e dirigente” redefine determinações para o ser social. No-
suas práticas tornando-se educador vas formas de controle direto passam
(Gramsci IN: Neves, 2005, p.139). para as mãos “impessoais” do Estado.
Em outras passagens, Gramsci é mais
preciso quando escreve que: Tal problemática vem sendo profunda-
mente estudada por diversos autores,
A classe burguesa põe-se a si mes- dentre eles destacamos o “Coletivo de
ma como um organismo em contí- Estudos sobre Política Educacional”
nuo movimento, capaz de absorver coordenado pela Lúcia Maria Wan-
toda sociedade, assimilando-a a seu derley Neves e pela pesquisadora au-
nível cultural e econômico; toda
tora Vânia Cardoso Motta.
a função do Estado transformada:
o Estado torna-se “educador”, etc”
(Gramsci, 2007, p. 271). Inspirados pela teoria de Gramsci,
“Na realidade, o Estado deve ser tais determinações para o Coletivo,
concebido como “educador” na deve ser compreendida como sendo
medida em que tende precisa- a “a nova pedagogia da hegemonia”
mente a criar um novo tipo ou que tem como finalidade educar
nível de civilização” (p. 28). para o consenso.
Tarefa educativa e formativa do
Estado, cujo fim é sempre o de Nas sociedades orientais, a peda-
criar novos e mais elevados tipos gogia da hegemonia era exercida
de civilização, de adequar a “civi- principalmente por meio de ações
lização” e a moralidade das mais que tinham funções educativas
amplas massas populares às neces- regressivas e negativas (em es-
sidades do contínuo desenvolvi- pecial, por intermédio dos tribu-
mento do aparelho econômico de nais); nas sociedades ocidentais,
produção e, portanto, de elaborar mais politicamente estruturadas,
também fisicamente tipos novos a pedagogia da hegemonia passa
de humanidade (p. 23). a se exercer mais sistematicamen-
te por meio de ações com função
Se por um lado que estamos distan- educativa positiva, que se de-
te da concretização de uma socieda- senvolvem primordialmente na
de de outra “ordem”, por outro lado, sociedade civil, nos aparelhos de

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hegemonia política e cultural das confunde com a origem do próprio


classes dominantes, sendo para homem. Educar é um ato peculiar
Gramsci a escola o mais impor- do ser humano. Com o aparecimen-
tante deles (Neves , 2005, p. 27). to da sociedade de classes, surge uma
educação diferenciada, uma educa-
Na mesma linha do Coletivo, Mot- ção voltada para as classes ociosas: a
ta, sob a luz das categorias ideologia classe dos dominantes e dos proprie-
e Estado-educador em Gramsci, trás tários – a educação escolar, dando
mais uma determinação: a finalida- origem a Escola.
de de se “educar para o conformis-
mo” “para dar conta do impasse criado A sociedade moderna permeada por
pelo aumento da pobreza em meio à contratos, relações formais, centra-
abundancia da capacidade produtiva” da nas indústrias, traz consigo a exi-
(2008, p. 39). gência de generalização da escola.
Segundo Saviani (ibid) é a escola
Ao dialogar com seu objeto: “teoria enquanto agência educativa que vai
do capital social” como nova base assumir o papel político de formar
ideológica das “políticas de desen- para o pleno exercício da cidadania,
volvimento do milênio”, Motta para que os indivíduos possam vir a
acrescenta que cumprir seus deveres e requerer seus
direitos na vida da cidade. “E é nesse
(...) a penetração da ideologia do
momento que se coloca a necessida-
“capital social” social no senso
comum das massas, ao promover
de de explicitar e submeter à crítica
a despolitização e enfraquecer os as relações entre educação e socie-
embates entre classes, exerce uma dade de classes” (Saviani em Duarte,
“função educadora”. Ao disse- 2004, p. 248).
minar a ideia de se construir um
clima ameno, sem confrontos, so- Embora não seja a única, até hoje,
lidário e coeso para “combater” as a educação escolar é a forma predo-
mazelas sociais, cria-se uma “von- minante de formação humana, assim
tade de conformismo” (Motta, a entendemos como sendo um lócus
2008, p. 34).
de disputa ideológica que estabelece
mediações com diferentes projetos
Como salienta Saviani (IN Ferreti
de sociedade, sendo, sobretudo, es-
et al 1994) a educação praticamen-
sencialmente contraditória.
te coincide com a própria existência
humana. A origem da educação se

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É baseado nas reflexões acima, que político-pedagógicos pautados na


se acredita que a escola, mesmo não superação da sociedade capitalista.
sendo a única, se configura num
importante e estratégico campo de Nesse sentido, depreende-se que o
disputa de hegemonia na Socieda- mundo atual está mergulhado numa
de Civil. Nas palavras de Gramsci extensa “guerra de posição”, uma vez
(2006b, p. 19 ): que os intelectuais orgânicos do ca-
pital, como aponta Semeraro (2006,
A escola é o instrumento para ela- p. 385): “lutam constantemente para
borar os intelectuais de diversos mudar as mentes e expandir merca-
níveis. A complexidade da função dos. “Mais do que “orgânicos”, na
intelectual nos vários Estados pode verdade, os intelectuais funcionais
ser objetivamente medida pela
às classes dominantes fazem presta-
quantidade das escolas especia-
lizadas e pela sua hierarquização: ção de serviço a seus condomínios
quanto mais extensa for a “área” de luxo, não à polis”, nossa opção
escolar e quanto mais numerosos aqui, enquanto intelectual revolu-
forem os “graus” “verticais” da cionário, orgânicos da contra-he-
escola, tão mais complexo será o gemonia, é trazer elementos para o
mundo cultural, a civilização, de debate que tenham por objetivo dar
um determinado Estado”. coerência à concepção de mundo da
classe trabalhadora.
Como aponta Neves (2005, p. 28):
Em comunhão com a Martins (Du-
“A escola especialmente nas so- arte p. 65), Saviani (2004) e Duarte
ciedades urbano-industriais, teria (2001), entendemos que a função
como objetivo, portanto elevar
social da escola é a socialização do
o grau de consciência indivi-
dual atingido pela humanidade. saber historicamente produzido ten-
(...) A escola é o espaço social do em vista a emancipação do sujei-
de formação desse novo tipo de to. Como ressalta Martins (In: Du-
humanidade”. arte, p. 66):

O Estado capitalista, segundo os au- a máxima humanização dos indi-


tores, tende a pensar a escola confor- víduos pressupõe a apropriação de
me a concepção de mundo da classe elevação acima da vida cotidiana,
pressupõe um processo em dire-
dominante e dirigente, embora, con-
ção ao humano genérico. É cla-
traditoriamente, esta mesma escola ro que a referida elevação não é
possa receber influência de projetos

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tarefa exclusiva da instituição es- Dentre as diferentes questões que se


colar; porém para sua efetivação, poderia destacar, nos limites deste
a escola desempenha um papel ensaio serão abordadas apenas al-
insubstituível, do qual nenhum gumas. A primeira delas é entender
título pode-se abrir mão.
unidade entre a dimensão fundante
do ser social: a categoria trabalho e
Gramsci há muito tempo já falava
educação. A segunda questão a ser
da necessidade de se contrapor a
considerada é a que diz respeito à
concepção de educação e de vida in-
necessidade de se transcender positi-
telectual cujo objetivo era o de con-
vamente a alienação. Já uma tercei-
formar o proletariado
ra questão, em articulação com duas
abordadas anteriormente, tem que
não há nenhuma atividade hu-
mana da qual se possa excluir
ver com a reflexão sobre aspectos a
qualquer intervenção intelec- serem aprofundados numa agenda
tual – Homo faber não pode ser que tenha como horizonte uma Edu-
separado do Homo sapiens. Além cação que vá “para além do capital”.
disso, fora do trabalho, todo ho-
mem desenvolve alguma ativi- Em relação a primeira, cumpre res-
dade intelectual; ele é, em outras saltar que o ser social é sempre um
palavras, um filósofo, um artista, complexo articulado que inclui a di-
um homem com sensibilidade; mensão fundante e um conjunto de
ele partilha uma concepção do
outros campos da atividade humana
mundo, tem um linha conscien-
te de conduta moral, e portanto
(Tonet, 2005). A Educação é um
contribui para manter ou mudar a segmento do sistema de produção
concepção do mundo, isto é, para dominante. Nesse sentido, caminhar
estimular novas formas de pen- na direção de uma práxis educativa
samento (Mészáros, 2005, p. 49, emancipatória significa romper com
grifos no original) o trabalho alienado.

Nesse sentido, emerge uma pergun- Na esteira analítica de Lukacsiana,


ta central para nosso ensaio: qual é Antunes traz um entendimento es-
a tarefa revolucionária que tenha clarecedor acerca da importância de
por objetivo contribuir para a sis- tal categoria ao escrever que
tematização de uma práxis educati-
va emancipatória na perspectiva da a história da realização do ser so-
classe trabalhadora? cial (...), objetiva-se através da
produção e reprodução da sua

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existência, ato social que se efeti- reflexão no campo educacional. Pri-


va pelo trabalho (...) É a partir do meira: a de que o peso da consciên-
trabalho, em sua cotidianidade, cia vem se tornando cada vez mais
que o homem torna-se ser social, social e menos natural, posto que
distinguindo-se de todas as formas
ela mesma foi se tornando cada vez
não humanas. (1995, p. 121)
mais consciente. Segunda: o estágio
de amadurecimento que o ser social
O ser humano é o único ser que antes
atingiu na sociabilidade capitalista,
de realizar sua intenção já tem idea-
diferentemente de outros momentos
lizado na sua consciência a forma
históricos, significou a primeira for-
que quer construir no objeto. Como
ma de sociabilidade em que as rela-
escreveu Marx numa das passagens
ções entre homens são determinadas
de O capital, a diferença entre o pior
apenas por eles mesmos e não por
arquiteto e a melhor abelha é o fato
elementos naturais.
de que o primeiro não apenas efeti-
va uma transformação na natureza
É importante dizer isso, porque o
como o segundo também o faz, mas
complexo sistema educacional da so-
realiza, ao mesmo tempo, na matéria
ciedade é também responsável pela
natural seu objeto, subordinando-o a
produção e reprodução da estrutura
sua vontade.
de valores no interior do qual os in-
divíduos definem seus próprios obje-
O trabalho, nessa perspectiva, cons-
tivos e fins específico. Nesse sentido,
titui o ponto de partida para a hu-
as relações reificadas e fetichizadas
manização do ser social, segundo
sob o capitalismo não se perpetu-
Marx (1971) “motor decisivo do
am automaticamente. Como coloca
processo histórico de humanização
Mészáros (2006, p. 263), isso acon-
do homem”.
tece pelo fato de que “os indivíduos
particulares interiorizam as pressões
Trazer tal questão é importante pelo
externas: eles adotam as perspecti-
fato de que nos permite avançar na
vas gerais da sociedade de mercado-
fundamentação da possibilidade on-
rias como os limites inquestionáveis
tológica da emancipação humana.
de suas próprias aspirações”.
Apoiado no debate de Tonet (2005),
considera-se que a possibilidade da
Ao contrário da revolução capita-
consciência alienada se transformar
lista que está fortemente determi-
em consciência revolucionária traz
nada pelo estranhamento, de forma
duas importantes reflexões para a
a contribuir para a manutenção de

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uma forma específica de intercâmbio Estado” (grifo no original). Diferen-


social, pretende-se chamar a aten- temente na perspectiva do Estado
ção para a necessidade de se levar colocada no início, persegue-se aqui
em conta o papel fundamental da uma transformação radical do mes-
consciência na revolução do traba- mo e, por fim, sua abolição. Numa
lho, isto é, na superação das condi- sociedade em que a luta de classes
ções objetivas na qual o ser social estiver superada, sua necessidade
se encontra imerso. Como enfatiza desaparece.
Tonet (2005, p. 155):
Não basta derrubar o Estado bur-
é própria natureza do ser social, guês, suas funções práticas devem
sua forma concreta, neste momen- ser reformuladas no quadro da linha
to, que impõem, como condição geral de acordo com a tarefa estra-
para a realização desta alternati- tégica do capitalismo. Da mesma
va, uma intervenção decisiva da
forma que uma transformação ampla
consciência. Sem esta intervenção
não seria possível construir uma tem que ver com a necessidade de se
sociabilidade efetivamente livre. modificar controle dos instrumentos
Daí o papel do conhecimento, da e instituições tradicionais de cultura
batalha das ideias, do clareamento e educação.
dos objetivos.
É justamente pela necessidade de
Embora se tenha claro que o fato transformar radicalmente a educação,
de termos clareza teleológica não que se traz uma segunda questão a ser
garanta as condições necessárias considerada: a necessidade de se trans-
para que práxis educativa ganhe cender positivamente a alienação.
concretude, uma vez que o que está
em jogo não á apenas a modificação Em articulação com a primeira, tra-
política das instituições de educação zida nos parágrafos anteriores, afir-
formal, não se nega o papel das me- mar-se que a transcendência positiva
diações de segunda ordem na luta da alienação é, sobretudo, uma tarefa
pela emancipação. Nas palavras de educacional que exige uma revolução
Mészáros (2006, p. 144), “a tarefa cultural radical para sua realização.
da “emancipação humana univer-
sal” deve ser formulada “na forma Não se pode compreender o “es-
política da emancipação dos trabalha- pecífico” sem identificar suas múl-
dores”, o que implica uma “atitude tiplas interconexões com um de-
praticamente crítica” com relação ao terminado sistema de mediações

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complexas. Em outras palavras: transforma a atividade espontânea


devemos ser capazes de ver os ele- no trabalho forçado”, uma atividade
mentos “atemporais” (sistemáticos) que é um simples meio de obter fins
na temporalidade, e os elementos essencialmente animais (comer, be-
temporais nos fatores sistemáticos
ber, procriar), e com isso “o animal
(Mészáros, 2006, p. 109).
se torna humano, e o humano ani-
mal” (Marx, 2004, p. 83).
É inegável que a educação está em
crise. Porém, quando o assunto diz
O que se conclui a partir disso é que
respeito à natureza dessa crise, há
o desenvolvimento das relações de
discordâncias tanto no campo da
produção contribui necessariamente
direita como também no campo da
para o desenvolvimento da capacida-
esquerda. Compreende-se aqui, que
de humana, mas o desenvolvimento
a natureza de tal crise está delimita-
da capacidade humana não produz
da dentro de um quadro mais amplo.
necessariamente o desenvolvimento
Como Paracelso disse, numa passa-
da personalidade humana, mas, ao
gem trazida por Mészáros (2006, p.
contrário, pode desfigurá-la e aviltá-
275): “a educação é “nossa própria
-la. No capitalismo o trabalhador re-
vida, desde a juventude até a ve-
pudia o trabalho, não se satisfaz, mas
lhice, de fato até quase a morte”.
se degrada, não se reconhece, mas se
Portanto, um sistema educacional
nega. Marx argumenta que:
formal da sociedade não pode fun-
cionar tranquilamente se ela cons-
o que está em pauta é a necessida-
titui parte de uma totalidade dos de de uma supressão efetiva da rei-
processos sociais. “A crise atual do ficação das relações sociais de pro-
sistema formal é apenas a “ponta do dução. A qual foi antes inevitável,
iceberg”” (Mészáros, 2006, p. 275). porém agora exerce um efeito cada
vez mais paralisante (e, portan-
Acredita-se que agir verdadeiramen- to, historicamente insustentável)
te livre não constitui um movimento (Mészáros, 2006, p. 107).
livre, mas um movimento mediado
por um processo subjetivo-objetivo As relações ontológicas fundamen-
que se encontra articulado com de- tais são postas de cabeça para baixo,
terminados valores que permitam ao pois o indivíduo não tem consciência
homem deter a regência sobre o seu de um ser pertencente a uma espécie.
agir. Movimento distinto do que se A manipulação das necessidades que
tem percebido hoje. “A alienação vai desde a compra de um cigarro às

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músicas que se ouvem, causa uma historicamente acumulado como for-


barreira no interior dos indivíduos. ma de possibilitar o educando enten-
A liberdade é só aparente, os objetos der, numa outra ótica, o movimento
de suas necessidades são escolhidos do real e, com isso, talvez, despertá-
em função do lugar que os indivíduos -lo para a busca de que uma outra
ocupam na divisão do trabalho e não sociedade é urgente. A alienação
em conformidade com a sua perso- não é um dado ontológico, embora
nalidade no sentido da omnilaterali- seja muito antigo, portanto não eli-
dade, isto é, no desenvolvimento de minável da existência humana, mas
suas potencialidades. um componente de um determinado
período da história. As necessidades
Apontar isso é importante porque é e sentidos genuinamente humanos
necessário ter clareza de que numa foi ocupado pelo “simples estranha-
sociedade capitalista o ser social se mento de todos os sentidos físicos
encontra empobrecido a destruição e mentais” – pelo “sentido do ter”
do estado capitalista e a eliminação (Marx, 2004). “As complexas mani-
das restrições jurídicas impostas por festações da vida humana, inclusive
ele não resolveriam o problema, pois suas formas objetivadas e institucio-
conceber a tarefa da transcendência nais, são explicadas numa referência
da alienação apenas em seu aspecto última a um princípio dinâmico: a
político como alerta Marx poderia própria atividade” (Mészáros, 2006,
resultar em fixar mais uma vez a so- p. 137). A propriedade privada é tra-
ciedade como abstração frente ao zida à existência pela atividade alie-
indivíduo. E isso, restabeleceria a nada e então, por sua vez, afeta pro-
alienação sob uma forma diferente. fundamente, as aspirações humanas.
Nas palavras de Marx “a propriedade
“A luta contra alienação é, portan- privada nos fez tão cretinos e uni-
to, aos olhos de Marx, uma luta para laterais que um objeto somente é o
resgatar o homem de um estado no nosso [objeto] se o temos, portanto,
qual “a expansão dos produtos e das quando existe para nós como capital
carências o torna escravo inventivo ou é por nós imediatamente possuí-
e continuamente calculista de dese- do, comido, bebido, trazido em nosso
jos não humanos, requintados, não corpo, habitado por nós etc., enfim
naturais e pretensiosos” (Mészáros, usado”. (2004, p. 87).
2006, p. 163). O que implica que
a Educação pode vir a dar sua con- A tarefa que nos cabe é prática, na
tribuição no que se refere ao saber perspectiva marxiana consiste em

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estabelecer uma sociedade na qual maior de indivíduos se aproprie do


os poderes humanos não estejam saber científico, filosófico e artístico,
alienados do homem e, consequen- de tal maneira que esse saber torne-
temente, não possam voltar-se con- se uma mediação na construção de
tra ele. Além disso, torna-se funda- uma prática social de luta contra o
mental investigar de que forma o capitalismo, uma prática social de
processo na criação de seres huma- resistências às brutais formas de alie-
nos egoístas pode ser revertida. nação hoje existente. Caso contrá-
rio, qualquer tentativa de realização
A questão central da atual “contes- de ações educativas não passará de
tação das instituições educacionais voluntarismo ingênuo e correrá o sé-
estabelecidas não é simplesmente o rio risco de servir, sem o saber nem
“tamanho das salas de aula”, a inade- o desejar, para a formação humana
quação das instalações de pesquisa” mediada pela lógica do capital.
etc., mas a razão de ser da própria
educação. [...] Se essas instituições Por último, torna-se urgente trazer
– incluindo as educacionais – foram para debate em articulação com duas
feitas para os homens, ou se os ho- questões abordadas anteriormente,
mens devem continuar a servir às uma terceira: a reflexão sobre aspectos
relações sociais de produção aliena- a serem aprofundados numa agenda
das – esse é o verdadeiro tema do de- que tenha como horizonte uma Edu-
bate. A “contestação” da educação, cação que vá “para além do capital”.
nesse sentido mais amplo, é o maior
desafio ao capitalismo em geral, pois Para refletir sobre esta questão, ele-
afeta diretamente os processos mes- geu-se como principal inspiração as
mos de “interiorização” por meio dos provocações trazidas por Mészáros
quais a alienação e a reificação pu- na Obra “A Educação para além do
deram, até agora, predominar sobre Capital”. Um primeiro aspecto a
a consciência dos indivíduos (Més- ser considerado é o que diz respeito
záros, 2006, p. 163). ao significado que uma “Educação
para além do capital” assume. Di-
É necessário, avançar no sentido da ferentemente de uma perspectiva
sistematização de uma proposta de educacional circunscrita à “legiti-
educação que vislumbre um hori- mação constitucional democrática”
zonte “para além do capital”. A luta do Estado capitalista que defende
deve se dá no sentido de contribuir seus próprios interesses como aponta
para que, cada vez mais, um número Mészáros (2005), vislumbra-se aqui

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um sentido inerentemente concreto para além das funções desempenha-


totalmente distinto. Uma “educação das na sociedade capitalista7. Se por
para além do capital” implica enfren- um lado é verdade que a maioria dos
tar um desafio que perpassa a negação indivíduos luta para reproduzir a sua
do capitalismo. Ela tem uma tarefa existência por meio da venda da for-
maior, a de ir para além dele, tem em ça de trabalho para existir, por outro,
vista a realização de uma ordem so- não se pode negar que a educação
cial metabólica que sustente concre- formal conectada intimamente com
tamente a si própria, sem nenhuma a educação no seu sentido mais am-
referência autojustificativa para os plo possa ser ressignificada.
males do capitalismo. Deve ser assim
porque a negação direta das várias Isso está intimamente ligado a um se-
manifestações de alienação é ainda gundo aspecto: “concepção mais am-
condicional naquilo que ela nega, e, pla de educação” expressa na frase: “a
portanto, permanece vulnerável em aprendizagem é a nossa própria vida”.
virtude dessa condicionalidade. Como aponta Mészáros (2005), edu-
car não é a mera transferência de
O cumprimento desta tarefa histó- conhecimentos, mas sim conscienti-
rica envolve uma mudança quali- zação e testemunho de vida. A edu-
tativa das condições objetivas pre- cação deve ser sempre continuada,
sentes na sociedade. Todo o sistema permanente, ou não é educação.
de internalização, com todas as suas
dimensões, visíveis e ocultas. Faz-
se necessário romper com as formas 7 Segundo Mészáros (2006, p. 275) a Edu-
onipresentes e profundamente en- cação, por meio do Estado cumpre duas
raizadas de internalização mistifica- importantes tarefas numa sociedade capi-
talista: (1) a produção das qualificações ne-
dora por uma alternativa concreta cessárias ao funcionamento da economia, e
abrangente (Mészáros, 2005, p. 47). (2) a formação dos quadros e a elaboração
dos métodos de controle político. Mészáros
Caminhar no sentido que aponta Pa- (2005, p. 55) na mesma direção, acrescenta
numa outra Obra queda maneira com estão
racelso pode representar uma possibi- as coisas hoje, a principal função da educa-
lidade. Se considerarmos que apren- ção formal “é agir como um cão-de-guarda
demos em todos os momentos de ex-officio e autoritário para induzir um confor-
nossa vida ativa, uma primeira ban- mismo generalizado em determinados modos
deira de luta que devemos encampar de internalização, de forma a subordiná-los às
exigências da internalização, de forma a su-
é por uma profunda reforma educa- bordiná-los às exigências da ordem estabelecida
cional que garanta uma formação (grifos do original).

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Dessa forma, os princípios orien- fetichista do real estado das coisas


tadores da educação formal devem dentro da consciência (muitas vezes
ser desatados do seu tegumento da também caracterizada como reifica-
lógica do capital, de imposição de ção), torna-se urgente lutar por uma
conformidade, em vez disso mo-
intervenção consciente em todas as
ver-se em direção a um intercâm-
bio ativo e efetivo com práticas
dimensões da vida humana. É nes-
educacionais mais abrangentes. se sentido que Marx aponta para a
Eles (os princípios) precisam mui- necessidade dos seres humanos mu-
to um do outro. Sem um progressi- darem completamente as condições
vo e consciente intercâmbio com da sua existência industrial e políti-
o processo de educação abrangen- ca, e, consequentemente, toda a sua
tes como “a nossa própria vida, a maneira de ser.
educação formal não pode realizar
suas muito necessárias aspirações Conforme escreve Mészáros (2005, p.
emancipatórias” (Mészáros, 2005,
53), “muito do nosso processo contínuo
p. 59, grifo no original).
de aprendizagem se situa, felizmente,
fora das instituições formais”. Isso traz
A educação não pode ser encerra-
sérias implicações para a educação
da nos muros da escola, nas salas de
formal, pois ela pode contribuir tanto
aula, nos espaços acadêmicos, mas
para a mudança, como também para
sim sair para as ruas, para os espa-
a manutenção daquilo que já está
ços públicos. A Educação é o úni-
posto no âmbito mais geral.
co órgão possível de automediação
humana, porque a educação – não
Apoiado em Paracelso, Mészáros
num limitado sentido institucio-
aponta que o êxito depende de se
nal – abarca todas as atividades que
tornar consciente o processo de
podem se tornar uma necessidade
aprendizagem, no sentido amplo, de
interna para o homem, desde as fun-
forma a maximizar o melhor e mini-
ções naturais até as mais sofisticadas
mizar o pior. “Pois como José Martí
funções intelectuais. Ninguém nos
deixou claro, a busca da cultura, no
educa sem nossa participação ativa
verdadeiro sentido do termo, envolve
no processo. O bom “educador” é
o mais alto risco, por ser inseparável
aquele que inspira a auto-educação
do objetivo fundamental da libertação”
(Mészáros, 2006).
(Mészáros, 2005, p. 58).
Sob as condições de uma desumani-
No entanto, para que a educação ca-
zante alienação e de uma subversão
minhe no sentido acima, é necessário

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que os educadores sejam também como práticos em oposição prática às


educados numa outra lógica. Surge tendências efetivas da alienação na
uma pergunta: Como educar o edu- sociedade. Isso significa que o educa-
cador? O “educador” como parte da dor deve buscar meios de garantir ao
sociedade alienada também tem a educando se apropriar concretamen-
necessidade de ser educado. Assim, te não somente do conhecimento
não se deve partir da suposição, au- clássico, mas do conhecimento re-
todestrutiva, de que a alienação é flexo de uma relação histórica espe-
uma totalidade inerte homogênea. cífica num dado momento. Embora
A atividade alienado não produz só o cotidiano domesticado mais alie-
a consciência alienada, mas também nado possível venha se tornando o
a consciência do ser alienado. “Essa padrão de comportamento, defende-
consciência da alienação, qualquer se aqui, ao contrário:
que seja a forma alienada que possa
assumir [...] não somente contradiz a necessidade de uma pedagogia
a ideia de uma totalidade alienada marxista, (...), pedagogia essa
inerte, como também indica o apa- que contenha indicações claras
recimento de uma necessidade de sobre as possibilidades concretas
de ações educacionais que façam
superação da alienação” (Mészáros,
avançar a formação dos indivídu-
2006, p. 166). os na direção da agudização das
contradições da sociedade capi-
O educador é parte específica de uma talista contemporânea. Em outras
totalidade interpessoal complexa e palavras, há que se lutar para que
inerentemente dinâmica, por mais um número maior de indivíduos
ou por menos que sua autoconsciên- se apropriem do saber científico,
cia possa ser alienada. “Marx como filosófico e artístico, de tal manei-
educador é ao mesmo tempo produto ra que esses saber torne-se uma
e negador de uma sociedade aliena- mediação na construção de uma
prática social de luta contra o ca-
da: seu ensino expressa uma relação
pitalismo, uma prática social de
específica com um objeto alienado resistências às brutais formas de
específico, historicamente concreto” alienação hoje existentes (Duar-
(Mészáros, 2006, p. 166). te, 2001a, p. 282).

Nesse sentido, o que Mészáros suge- É importante salientar, que se faz ne-
re é que os educadores, sendo par- cessário garantir formação continua-
te específica da complexa teia de da para os professores e que nela se
uma sociedade alienada, definam-se

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discuta exaustivamente, sobretudo, de uma forma duradoura, o modo


epistemologia e escolas de pensamen- de internalização historicamente
to e suas implicações na educação. prevalecente. Romper a lógica do
Acredita-se que somente um progra- capital no âmbito da educação é
absolutamente inconcebível sem
ma de formação de professores articu-
isso. (p. 53, grifos no original).
lada como um processo contínuo no
âmbito da sociedade como um todo,
Em comunhão com as considerações
com realizações qualitativamente di-
acima, Tonet deixa evidente que a
ferentes em suas várias fases, contri-
emancipação humana se realizará
buirá para o avançar de uma “educa-
quando o homem tiver domínio não
ção para além do capital”.
só do produto do seu trabalho, mas
também de todo o processo: produ-
Como destaca Mészáros (2005) sem
ção, distribuição e consumo . Isso se
inúmeras passagens:
dará na forma de trabalho associado
que é definido como “[...] um tipo de
uma das funções principais da
educação formal (...) é produzir relações que os homens estabelecem
tanta conformidade ou “consen- entre si na produção material e na
so”” [...] “é por isso que, também qual eles põem em comum as forças
no âmbito educacional, as solu- e detêm o controle do processo em
ções não podem ser formais; elas sua integralidade [...]” (2005, p.133).
devem ser essenciais. Em outras
palavras, elas devem abarcar a to- Para se chegar a essa emancipação
talidade das práticas educacionais humana, faz-se necessário, nos ter-
da sociedade estabelecida” (p.45).
mos marxianos, proceder à emanci-
O papel da educação é soberano,
pação política, uma vez que a políti-
tanto para a elaboração de estraté-
gias adequadas para mudar as con- ca é um canal utilizado pelo Estado
dições objetivas de reprodução, para a manutenção dos privilégios
como para automudança conscien- de classe, pois enquanto estes exis-
te dos indivíduos chamados a con- tirem, a falsa aparência de liberdade
cretizar a criação de uma ordem deslocará o pólo determinante da
social metabólica radicalmente sociedade para um indivíduo supos-
diferente (p. 65, grifo no original). tamente autônomo diante dos gru-
Seja em relação a mudança à pos sociais, tornando opaca a forma
“manutenção”, seja em relação
alienada em que se dão as relações
à “mudança” de uma concepção
sociais de produção.
de mundo, a questão fundamen-
tal é a necessidade de modificar,

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Tendo em vista o compromisso com neoliberais e pós-modernas da teoria


a transformação, acredita-se que ao se vigotskiana. 2 ed. Campinas: Auto-
res associados, 2001.
aprofundar no entendimento das pre-
liminares reflexões acima colocadas e Eagleton, Terry. (1988). As ilusões do pós-
de outras que nos limites deste ensaio modernismo. Rio de Janeiro. Jorge
não foram trabalhadas, elementos para Zahar Ed.
a sistematização de uma proposta de
Gramsci, A. (2006) Cadernos do cárcere.
educação que vislumbre um horizonte V.1. Introdução ao estudo da filosofia,
“para além do capital” aparecerão. a filosofia de Benedetto Croce. (Edição
e tradução Carlos Nelson Coutinho;
Enfim, é na certeza de que este ensaio co-edição, Luiz Sérgio Henriques e
Marco Aurélio Nogueira). 4 ed. Rio
representa uma síntese caótica e pro- de Janeiro: Civilização Brasileira,
visória da problemática da educação
na sociedade de classes, e que, por isso, ___________. (2006 b.) Cadernos do cár-
carece de aprofundamento, que emer- cere. V.2. Os intelectuais. O Princí-
pio educativo. Jornalismo. (Edição e
ge a frase de Martin Luther King:
tradução Carlos Nelson Coutinho;
co-edição, Luiz Sérgio Henriques e
É melhor tentar e falhar, que preo- Marco Aurélio Nogueira). 4 ed. Rio
cupar-se e ver a vida passar. É me- de Janeiro: Civilização Brasileira.
lhor tentar, ainda que em vão que
sentar-se, fazendo nada até o final. ___________. (2007). Cadernos do cárcere.
Eu prefiro na chuva caminhar, que V.3 Maquiavel, notas sobre o estado e
em dias frios em casa me esconder. a política. (Edição e tradução Carlos
Nelson Coutinho; co-edição, Luiz
Prefiro ser feliz embora louco, que
Sérgio Henriques e Marco Aurélio
em conformidade viver. Nogueira). 3 ed. Rio de Janeiro: Ci-
vilização Brasileira.
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