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INTRODUÇÃO
Sabe-se que “a educação tem desempenhado um importante papel, tanto no
sentido de contribuir para a construção de uma hegemonia ideológica conservadora
quanto no de reforçar movimentos contra hegemônicos” (GANDIN; HYPOLITO, 2003,
p. 59). Entretanto, para que uma perspectiva contra hegemônica aconteça, a formação,
profissionalização e qualificação do trabalho docente deve estar centrada em outra
concepção. Essa, para Frigotto (1996), deve envolver a formação humana na sua
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DESENVOLVIMENTO
O ser humano não nasce pronto, vai se moldando e se construindo a partir de
suas experiências e aprendizados. Nesse sentido, Kate Crehan, em seu livro “El sentido
común em Grasmci: la desigualdade y sus narrativas 1 ” expõe que a partir da classe
pertencente o ser humano vai moldando seu processo desde seu nascimento, começando
a construir a partir da sua própria realidade o seu modo de ser, pensar, agir, se
posicionar, etc.
Kate Crehan (2018) expõe a partir das ideias de Gramsci, que a Classe não está
atrelada unicamente a questão econômica, mas também a perspectiva política da qual as
pessoas veem o mundo e a concepção que se tem dele. Com isso, expande a noção de
classe similar à forma de produção ou a base econômica e abarca outros aspectos em
que as desigualdades estruturais reproduzidas de geração em geração se manifestam na
vida de mulheres e homens. Desigualdades essas que podem mostrar-se de várias
maneiras, podendo inclusive fundir-se em classes conscientes de si mesmas que se
convertem em base de bloco histórico capaz de provocar transformações sociais
1
Livro traduzido para o espanhol em 2018, ainda sem tradução para o português. Sendo assim, as ideias
expostas neste subcapítulo são de minha livre tradução.
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radicais, ou não conscientes que se deixam levar pelo senso comum difundido pela
opinião popular.
Opinião popular que, conscientes de si ou não, geralmente é onde primeiro as
idéias se dão e são construídas, visto que, de acordo com Crehan, (2018), em certos
momentos todos são seres de opinião popular. Essa, a partir do “sentido común” em
Grasmci é explicado como sendo as opiniões coletivas que moldam de maneira
considerável o modo como à pessoa vive sua vida cotidiana, bem como os processos
que permitem o intercâmbio e as transformações de tais opiniões. Essa mudança de
pensamento será possível a partir do diálogo dos subalternos com os intelectuais,
proporcionando a criação de um novo senso comum que irá estabelecer e provocar
mudanças que possam vir a beneficiar a sociedade e não apenas a classe dominante.
Sendo assim, é necessário o entendimento de 3 (três) conceitos utilizados por
Grasmci e explicados atualmente por Kate Crehan: senso comum, subalternos
eintelectuais. Esses conceitos estão entrelaçados, mesmo que indiretamente, com o
modo que os grupos sociais, inclusive professoras e professores, percebem a sociedade
em que viveme seus acontecimentos, bem como seu trabalho dentro desses diferentes
contextos.
Emrelaçãoaoconceito de sensocomum, Kate Crehan (2018, p. 2) apresenta como
“todas aquellas conclusiones heterogéneas a las que las personas llegan no por medio de
una reflexión crítica, sino porque constituyen verdades pre-existentes del todo
evidentes”. Acrescenta ainda que o ser humano tem necessidade de sentir que entende o
mundo em que vive, buscando constantemente processos para dar sentido a essa
realidade. Porém, a maior parte do tempo não se tem consciência dessa ação, ou seja,
sente que conhece e que é capaz, relativamente sem pensar, de vincular o que ocorre
consigo mesmo, com o relato preexistente sobre como e porque as coisas são,
funcionam de tal modo, etc. Por isso, em geral, o sentido comum é uma concordância de
verdades aparentemente óbvias e por isso, aceitas no contexto de um mundo social
particular.
Nesse sentido, são importantes as ideias de Gandin; Hypolito (2003) que
corroboram com o conceito de senso comum e seu papel na sociedade. Apontam os
autores que
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Gramsci diferencia intelectual orgânico, ou seja, aquele vinculado a sua própria classe e que contribuiu
com suas lutas, do intelectual tradicional, isto é, aquele que se vincula a uma determinada classe por
interesses particulares.
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Desse modo, muitas pessoas acabam por pensar a partir das ideias hegemônicas
que não necessariamente são definidas pelas suas condições reais de classe social, mas
por uma “falsa” inclusão e percepção da realidade que não condiz de fato com aquilo
que realmente acontece ou existe. Esse convencimento gerado pelos intelectuais faz
com que certas ações, posturas e pensamentos sejam construídos e embase inclusive o
trabalho e o que dele se espera como resultado.
Mas, sabe-se também que essas ideias hegemônicas podem ser construídas tendo
como base os argumentos criados pelo bom senso. Esse, nascido do sentido comum que
representado a partir da consciência formada pelas experiências concretas dos
subalternos, são sementes das quais podem emergir novos discursos políticos. Discursos
esses que podem se tornar hegemônicos com a contribuição dos intelectuais orgânicos
que através de suas habilidades e conhecimentos transformam uma experiência bruta e
incipiente em discursos articulados e coerentes, afinal, eles mesmos emergem de tais
experiências.
A partir disso, entende-se que para Grasmci o caráter dos intelectuais orgânicos
não está relacionado com suas origens pessoais, mas pela geração de conhecimento que
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cumprem em prol de uma determinada classe. Sendo assim, se entende que nada está
determinado e sempre poderá haver novos começos (CREHAN, 2018).
Entretanto, os relatos que se tornam hegemônicos geralmente são aqueles que
refletem o mundo a partir da perspectiva de quem governa. Com isso, as pessoas
oriundas dos entornos menos privilegiados se veem obrigadas a existir entre os espaços
das explicações dominantes que tem habilidade de impor as verdades próprias do
sentido comum, as que dizem que tal forma é a única possível de se entender a vida em
sociedade. A partir do momento que se aceita as situações, sejam econômicas ou sociais
a partir do relato hegemônico que retrata o mundo visto da perspectiva de quem detém o
poder se pode afirmar que se habita em um mundo real e compartilhado.
Expõe Gandin; Hypolito (2003), em relação a ideias hegemônicas, que essas
assim se transformam porque tem a capacidade de agregar e convencer outros grupos de
que o que está sendo apresentado é real e verdadeiro. Assim,
A consolidação da hegemonia dos grupos dominantes está relacionada com
sua capacidade de englobar parte dos interesses dos grupos dominados.
Quanto maior a capacidade desses grupos de oprimidos e dos movimentos
sociais progressistas de articular e reforçar seus discursos contra
hegemônicos, maiores dificuldades os grupos dominantes encontrarão para
manter estável sua hegemonia. O estabelecimento de um novo senso comum
está diretamente relacionado a esses processos políticos (GANDIN;
HYPOLITO, 2003, p. 86).
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proporcionar a criação das novas ideias coerentes. Por isso, a função do intelectual é
essencial, pois organiza as crenças e opiniões, identificando elementos, definindo
vínculos, visto que existem razões para que algumas pessoas sigam determinadas
situações e outras não.
É importante salientar que a função do intelectual orgânico é diferente da
aderência interessada a um partido político. O político pode não deixar suas análise
submetidas à crítica, o que não pode acontecer com o intelectual que deve recursar-se a
ajustar seus pensamentos e ações aos “ventos” políticos predominantes. Ao mesmo
tempo deve-se ter consciência de que nunca se está fora da política, pois o ser humano é
moldado por forças, contextos, situações a partir do momento histórico que vive, ou
seja, não se fala fora de seu tempo e lugar.
Portanto, as coisas não acontecem ao acaso, são contextos, situações, momentos
que levam a certos acontecimentos que formam determinado senso comum. Os agentes
práticos dessas mudanças são os subalternos, mas a eficácia depende do surgimento de
seus próprios intelectuais orgânicos. Os dois juntos dão lugar a uma nova cultura e a um
novo senso comum que levará consigo as experiências de vida dos subalternos, mas
agora refletidas racional e coerentemente.
Lembra ainda Kate Crehan (2018) que para Grasmci qualquer conclusão ou
análise que diga respeito a como se desenvolverá o futuro é necessariamente hipotética.
Assim sendo, entende-se que sempre é possível ter esperanças de novas possiblidades
de ser e agir que contrariem o determinismo que, muitas vezes, coloca na inércia do
“sempre foi assim” toda possiblidade de mudança social e também educacional.
Corrobora para com esse determinismo o discurso neoliberal, de ideologia fatalista e
imobilizante que com “ares de pós-modernidade, insiste em convencer-nos de que nada
podemos contra a realidade social que, de histórica e cultural, passa a ser ou a virar
„quase natural‟”(FREIRE, 1996, p. 19).
Em relação à educação, essa perspectiva ignora a escola como um bem público e
um direito social, pois “Os êxitos, as culpas e as responsabilidades das aprendizagens
passam a ser uma incumbência pessoal; as obrigações e os compromissos da sociedade
para com cada pessoa se tornam invisíveis”(TORRES SANTOMÉ, 2003, p. 186).
Dentro dessa visão de sociedade, “todos possuem as mesmas oportunidades, aqueles
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Cabe destacar que esse período foi importante para a construção do modelo de
escola. Modelo esse que caracterizou a escola como “instituição que sofre as pressões
do Estado e das necessidades políticas, ideológicas e pedagógicas do capitalismo
emergente”(HYPOLITO, 1997, p. 34).
Assim, entende-se que as mudanças empreendidas na educação do Brasil, são
em grande medida, investimentos com a promessa de qualificar o sistema público
educacional. Porém, grande parte dessas iniciativas irá emergir de agendas
internacionais que são criadas através de princípios meritocráticos, de eficiência, de
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“quanto mais nos aproximamos do cotidiano escolar mais nos convencemos de que
ainda a escola gira em torno dos professores, de seu oficio, de sua qualificação e
profissionalismo”.
Todavia, não se pode ser ingênuo de pensar que só dos professores e professoras
depende a efetivação da educação como direito social e como ferramenta para um novo
modo de pensar, ser e agir em/da sociedade. Mas, sabe-se também que nada acontece
sem a ação docente.
Na arena educacional chamada escola circulam diferentes concepções do ser
docente, do seu trabalho e do seu papel. Professores e professoras competentes
profissionalmente, eficientes em relação ao seu saber-fazer, atualizados em relação às
mudanças e inovações tecnológicas, com bom convívio social em relação aos alunos e
também colegas. Assim, muitas vezes, são preocupados com sua autoimagem, mas não
com a consciência política em relação ao seu trabalho.
A consciência desempenha um papel central na formação dos sujeitos, das
classes, dos grupos sociais, um papel central na história social, nas condutas,
na história do avanço dos direitos. Essa consciência tem de ser educada.
Dependendo da consciência que tiverem os mestres suas práticas poderá ser
outra, a educação será outra (ARROYO, 2003, p. 203).
CONCLUSÃO
Reitera-se que este estudo tem como objetivo analisar a construção do trabalho
docente a partir do conceito gramsciano de classe social. Para tal, tem-se claro que a
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REFERENCIAS
ARROYO, Miguel G. OFÍCIO DE MESTRE: imagens e auto-imagens. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2000.
GARCIA, Maria Manuela. Identidade docente. In: OLIVEIRA, D.A.; DUARTE, A.C.;
VIEIRA, L.M.F. (Orgs). Dicionário: trabalho, profissão e condição Docente.
BeloHorizonte: UFMG/ Faculdade de Educação, 2010.
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HYPOLITO, Alvaro Moreira; VIERIA, Jarbas dos Santos; LEITE, Maria Cecília Lorea.
Currículo, gestão e trabalho docente. Revista e-curriculum, São Paulo, volume 8, n.
2, agosto de 2012.
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