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Ficha de Leitura

Referência Bibliográfica
Polany, Karl. 2000. ʽʽsociedades e sistemas económicosʼʼ. In: A grande transformação. Ed.
Campus, pp 59˗ 68.

Introdução

No entanto, uma transformação pressupõe uma alteração, algo que se torna diferente do que
era. Na obra de Karl Polanyi, autor procede a uma análise da transformação da vida
económica da sociedade e as alterações verificadas serão objeto de análise neste artigo com o
intuito de entender e identificar o que deixou de ser e o que surgiu como substituição. No que
se refere à obra de Polanyi, no que se refere o seu conteúdo devido ao seu carácter histórico,
sociológico, antropológico, estabelece pontes e ligações com a atualidade, pois a sua análise
tem como base uma noção que por mais que o tempo passe, nunca deixará de ser real que é
a imutabilidade do homem enquanto ser social. Este principio, na opinião do autor é um dos
elementos diferenciadores da obra do autor e o que a faz tão atual e pertinente, pois Polanyi
foi capaz, e nas suas palavras, de evitar aquilo que mais ofusque a nossa visão da sociedade:
o preconceito económico.

Segundo o autor Adam Smith, por seu turno, ainda que um grande pensador das teorias
económicas, acaba por se revelar um exemplo deste preconceito sobre a alegada predileção
do homem primitivo por ocupações lucrativas e não deixou de sugerir que a divisão do
trabalho na sociedade dependia da existência de mercados. Numa análise retrospetiva,
percebe-se que se trata de uma falsa interpretação do passado que, no entanto, revelou-se
como profética relativamente ao futuro. Segundo Polany, não existia economia anterior à
nossa, nomeadamente nas sociedades primitivas, que tenha sido aproximadamente sequer,
controlada e regulada pelos mercados. A economia humana estava inserida na vida social e
nas relações sociais que o ser humano mantém entre si. O homem não agia com especial
necessidade de acumular bens materiais para salvaguardar o seu interesse pessoal, nem com
vista a garantir a sua posição social, o seu valor social ou até satisfazer suas ambições sociais.
A valorização dos bens materiais acontecia na medida em que estes pudessem servir para
outros fins. Ou seja, o sistema económico era dirigido por motivações não-económicas. O
selvagem individualista que procura bens necessários exclusivamente para sua família nunca
existiu, na prática essa realidade só passou a existir numa vida económica mais avançada da
agricultura e até nesse momento não era uma motivação relacionada com o lucro ou com a
instituição dos mercados.

O trabalho era somente outro nome de uma atividade humana que acompanhava a própria
vida e não era produzida para venda nem podia estar desligada do resto da existência, o que
significa, de certa forma, que as paixões humanas, boas ou más, eram orientadas para fins
não-económicos. A posição dos autores e os tipos de relações eram o que dava origem as
acções económicas na estrutura do sistema social e, consequentemente, motivaram à
construção posterior das instituições económicas e dos próprios mercados. Ou seja, nas
sociedades pré-capitalistas, o sistema económico desempenhava uma simples função de
organização e era completamente absorvido pelo sistema social. Dessa dependência das redes
de relações sociais em que os atores estão inscritos, a produção e distribuição de bens eram
assegurados por princípios de comportamento que não são associados principalmente à
economia, como a reciprocidade e a redistribuição. Comportamentos sociais que estavam
socialmente incrustados nas instituições sociais não mercantis, sendo um resultado derivado
das relações de parentesco, políticas ou religiosas. É uma realidade que difere agudamente da
realidade das sociedades humanas que se conhece atualmente. Porém, até ao século XIX,
segundo Polanyi, a economia humana estava de facto incrustada na sociedade e não era
autónoma como teoria económica e estava subordinada à ação política, da religião e das
relações sociais.

Os mercados, por seu turno, são instituições que sempre funcionaram essencialmente no
exterior de uma economia e a sua presença ou ausência, tal como do dinheiro, não afetava
necessariamente o sistema económico de uma sociedade primitiva. O que desmistifica o mito
do séc. XIX segundo o qual o dinheiro foi uma invenção cujo o aparecimento transformou
inevitavelmente a sociedade criando os mercados, impondo ritmo da divisão do trabalho e
libertando a propensão natural do homem para negociar, permutar e trocar.

Ao contrario do que se pensava natural — muito menos libertador — o que se verificou


durante a Revolução Industrial, entre o séc. XVIII e XIX, foi o efeito dos estimulantes
artificiais que foram ministrados ao corpo social a fim de dar resposta a uma situação que
fora criada pelo fenómeno menos artificial do maquinismo. E, nestes termos, esta Revolução
revelou-se como o começo de uma transformação extrema e radical cujo o mote era
definitivamente materialista e afirmava que todos os problemas sociais e humanos poderiam
ser resolvidos através de um volume ilimitado de bens materiais. No entanto, nas cidades
industriais de Inglaterra, as anteriores populações rurais transformaram-se em moradores de
casebres, onde as famílias conheceram um processo de destruição face à desumanização das
suas condições de vida. Poderia verificar-se uma melhoria significativa de instrumentos de
produção, porem assistia-se também a uma nova disposição mística que levava a aceitar as
consequências sociais da beneficiação económica, mesmo que isso significa-se a
desagregação catastrófica nas condições de existência da gente comum, reduzindo-os à
condição de massas e destruindo o tecido social anterior. O que implicou, com a introdução
da produção mecânica numa sociedade comercial, a transformação de uma substancia natural
e humana da sociedade em mercadoria. Assim, o progresso puramente económico que
analisamos foi obtido ao preço da desagregação social, resultado, nas palavras do autor da
necessidade trágica que faz com que o pobre se apegue ao seu casebre, condenado pelo
desejo que o rico tem de uma beneficiação pública que garanta o seu lucro privado. Neste
panorama, o modelo de mercado demonstra a sua motivação peculiar (muito própria) da
permuta ou da troca negociada e como é capaz de criar uma instituição específica — que não
é outra senão o próprio mercado — que ao invés de estar ao serviço da sociedade, fez e faz
com que a sociedade esteja ao serviço dos seus interesses e necessidades. Ou seja, em vez de
existir uma economia incrustada nas relações sociais, são as relações sociais que são
incrustadas no sistema económico sendo que a sociedade tem de se moldar de maneira a
permitir que o sistema funcione segundo as próprias leis.

Atualmente é face à dependência do Estado da produtividade nacional, este cenário que o


próprio ajudou a efetivar, pós em risco os seus direitos e autonomia e parece que podem ser
facilmente descartáveis para uma sociedade pensada quase estritamente a partir dos valores
da produtividade. A humanidade começou desta forma a ficar presa, mas ao invés de ser a
novas motivações, passou a ser de novos mecanismos. Essa "amarração" surgiu
primeiramente no domínio do mercado, mas rapidamente se estendeu à esfera política e
acabou por cobrir a sociedade no seu todo. No interior de cada nação, na viragem do século e
na transformação de toda uma civilização que teria lugar nos anos 30, essa tensão continuou
latente enquanto a economia mundial continuava a funcionar. Segundo o autor, só quando o
padrão-ouro, como última das instituições sobreviventes da economia mundial tradicional se
dissolveu, é que a tensão interna das nações explodiu finalmente e arrastou na derrocada a
própria economia de mercado.
O traço peculiar do colapso que se assistiu foi precisamente esta civilização ter-se assentado
em alicerces económicos precários. Sendo verdade que todos os tipos de sociedade são
limitados por fatores económicos, apenas se conhece a civilização do seculo XIX como
económica no sentido preciso e distintivo de se orientar através de uma motivação
estritamente utilitária: o lucro. Motivação que foi elevada ao nível de justificação da Acão e
do comportamento da vida quotidiana, sendo o único principio que moldou o sistema do
mercado autorregulado. O mercado autorregulado, por seu turno, para garantir a sua
autonomia, acabou por fazer uma incisão institucional da sociedade numa esfera económica e
numa esfera politica e, contudo, por mais natural que tal hipótese nos pareça, a sua utilização
é ilegítima pois a ordem económica é simplesmente uma das funções da ordem social. Sendo
que o sistema do mercado como forma institucional apenas apareceu num passado recente e
nunca foi, até mesmo atualmente, mais do que uma realidade parcial. Em suma, o facto da
sociedade do seculo XIX ter isolado a atividade económica e a imputado a uma motivação
económica à parte, foi uma inovação singular.

Conclusão

Face ao exposto, podemos considerar que a Grande Transformação consistiu essencialmente


na extensão do sistema de mercados a todas as esferas da vida humana e à medida que esta
extensão se tornava mais densa e difusa, as relações próprias da vida em comunidade e em
família tornaram-se subordinadas à logica de mercado e pelos padrões de troca mercantil,
resultando na desagregação da vida em comunidade e na acumulação capitalista que se
passou a processar a uma escala até então inédita. No lugar da cooperação imediata passou a
haver cooperação indireta por meio de bens de troca, determinada pelo carater impessoal das
relações sociais do capitalismo, onde as mercadorias passaram a assumir o estatuto de
realidade. Nesta perspetiva, os mercados autorregulados revelam-se uma mera utopia do
pensamento económico e político liberal que implicaria a destruição da democracia política e
da liberdade individual. E, segundo planei, “semelhante instituição não poderia existir
duradouramente sem aniquilar a substância natural e humana da sociedade; destruiria
fisicamente o homem e transformaria o seu meio ambiente num deserto.”

Assim percebe é um erro tratarmos a natureza e os seres humanos como objetos cujo o preço
será inteiramente determinado pelo mercado. A própria “força de trabalho” não pode ser
governada, aplicada de qualquer maneira ou deixada até por utilizar, sem que isso afete
também o indivíduo que é o portador dessa mercadoria. Afinal, os atores sociais estão
inscritos em estruturas de relações, estando longe de serem indivíduos atomizados,
calculadores racionais agindo de forma mecânica para maximizarem a gratificação de
preferências egoístas. Em suma, percebemos que a verdadeira crítica a fazer à sociedade de
mercado não é o facto de ela se basear na economia, mas por esta se basear no interesse
privado. Um conceito que não se encontra sequer relacionado com a própria palavra
economia. O que se verifica atualmente é que a economia não se ocupa mais com toda a casa,
isto é, do impacto do subsistema económico na sociedade como um todo, no seu contexto
sócio-ecológico-cultural. Em vez disso, a economia refere-se a essas apenas como
externalidades. A primeira Grande Transformação, defendida por planei, levou à
desincrustação e desumanização da economia, no entanto verifica-se que existe sempre os
contramovimentos defensivos que refrearam a ação do mecanismo autodestrutivo. E, assim,
uma segunda Grande Transformação, por uma nova incrustação da economia na sociedade.

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