Você está na página 1de 3

Para iniciar essa discussão é importante ter em mente que o objetivo central do

autor é demonstrar que a sociedade industrial mercantil do século XIX, fundada a


partir da revolução industrial, estaria em vias de transformação. E que está
transformação, por sua vez, objetiva-se na falência das instituições econômicas e
políticas dela. Nesse sentindo, entendendo o (credo) liberalismo econômico como
aspecto ideológico da institucionalidade econômica dessa sociedade, o autor
presume a sua superação.

O aspecto marcante dessa sociedade que então o autor critica, e que até aquele
momento, na sua visão, constituía-se o ápice do desenvolvimento histórico do
capitalismo, foi o estabelecimento da predominância de um modo de produzir onde a
propriedade dos meios de produção passou a ser privada, em consequência, a
própria capacidade de trabalho tornou-se uma mercadoria. A consequência direta
desse estabelecimento foi a mercantilização progressiva e extensiva da economia
em decorrência das necessidades de reprodução desse sistema centrado na
sujeição do trabalho ao capital e não às necessidades humanas.

É nesse contexto que o credo liberal assume seu aspecto ideológico, no sentido de
ser um sistema de crenças e ideias apartadas da materialidade com o objetivo de
legitimar relações que atendem aos interesses de uma classe, ou, mais
precisamente, para a formação do mercado de trabalho, da institucionalidade do
padrão-ouro, (tendo em vista que uma é uma economia mercantil a moeda assume
um papel fundamental materializado na sua capacidade reserva de valor) e do livre-
câmbio de mercadorias.

Na base da crença do liberalismo econômico como o princípio fundamental de


organização da sociedade, está a ideia de que o bem-estar geral está conectado ao
indivíduo. Por tanto, ao perseguir os seus interesses econômicos privados, os
indivíduos acabam por criar um bem-estar geral do ponto de vista material, então a
ordem econômica, deveria funcionar por si própria, porque dessa forma estaria de
acordo com uma lei natural que asseguraria os melhores resultados para a
comunidade.
A fundamentação filosófica liberal é idealista e serviu de arma contra as velhas
instituições feudais no processo revolucionário burguês que se contrapunha às
práticas autoritárias, discriminatórias e regulamentadoras do antigo regime. Ao
admitir como pressuposto que a sociedade possuía leis próprias de funcionamento
(a semelhança das leis físicas newtonianas) e estas manifestavam-se por meio dos
interesses privados, a interferência externa no processo econômico passou a ser
vista como contraproducentes ao alcance de uma prosperidade social. Após
ascensão política da classe burguesa essa concepção filosófica é alçada a categoria
de dogma.

Então Karl Polanyi prova o caráter ideológico do liberalismo econômico apontando


as incongruências desse dogma ao destacar que o mercado autorregulado em si foi
fruto de diversas intervenções, bem como o fato de que os adeptos do liberalismo
económico têm de recorrer, e recorrem sem hesitar, à intervenção do Estado com
vista à perpetuação do sistema enquanto tal. Ou seja, o próprio comportamento dos
liberais, segundo o autor, provou que a preservação do livre-câmbio – ou de um
mercado autorregulado – longe de excluir a intervenção, a exigia efetivamente como
forma de agir, e que os próprios liberais regularmente pediram a intervenção
coerciva do Estado, como aconteceu a propósito das leis sobre os sindicatos e da
legislação antitruste. Desta forma, as condenações do intervencionismo por parte
dos autores liberais são, portanto, palavras de ordem vazias, denunciando um tipo
de ação que eles próprios aprovam quando as circunstâncias o exigem.

A conclusão do autor é que a mercantilização total da sociedade, legitimada pelo


credo liberal, onde todas as relações e atividades são reduzidas a transações de
mercado, produziu efeitos deletérios e uma desintegração das relações sociais e
comunitárias. Portanto, essa mercantilização extrema encontrou uma resistência
espontânea nas formas de protecionismo social, como leis trabalhistas e regulações
governamentais. Mais especificamente essas medidas foram implementadas para
amenizar os efeitos negativos do livre mercado sobre as condições de vida das
pessoas, e por transitividade, levou ao colapso do credo liberal. As crises
econômicas e sociais do final do século XIX e início do século XX, como a Grande
Depressão, levaram a uma revisão das políticas econômicas e à ascensão do
Estado de Bem-Estar Social.

Em resumo, o capítulo "O Nascimento do Credo Liberal" de "A Grande


Transformação" de Karl Polanyi explora as origens e o impacto do credo liberal no
desenvolvimento do capitalismo. Polanyi argumenta que a visão liberal de um
mercado autônomo e laissez-faire ignorou a interdependência entre economia e
sociedade, resultando em consequências sociais negativas. As tensões entre o
credo liberal e a busca por proteção social acabaram levando a uma revisão das
políticas econômicas no século XX

Você também pode gostar