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ECONOMIA

POLITICA

Filipe Prado Macedo da Silva


Conceitos fundamentais
da economia política
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Descrever as origens da economia política.


 Interpretar o trabalho, a lei do valor e a mercadoria.
 Discutir o modo de produção capitalista.

Introdução
Neste capítulo, você vai ver como a economia política se consolidou
como uma ciência. Para isso, vai conhecer a história dessa disciplina
desde o seu início, no século XVIII. Além disso, você vai se dedicar ao
estudo de conceitos fundamentais para essa área, como os de trabalho,
valor e mercadoria. Por fim, vai explorar os mecanismos que põem em
funcionamento o modo de produção capitalista.

Origens da economia política


A história da economia política é a origem da própria economia como ciên-
cia. Os primeiros estudos teóricos da economia apareceram como ramo da
filosofia política (KISHTAINY et al., 2013). Isso ocorreu no século XVIII e
no século XIX. Esses estudos pioneiros da economia formaram o primeiro
corpo teórico do que se chamou economia política. Mas isso não significa que
a economia política só se constituiu e se sistematizou como campo teórico
nos séculos XVIII e XIX.
Registros históricos revelam que a economia política já era um im-
portante ramo teórico — da filosofia política — desde o século XVII. O
primeiro tratado de economia política, datado de 1615, foi elaborado por
Antoine de Montchrestien. A seguir, surgiram trabalhos de François Quesnay
50 Conceitos fundamentais da economia política

(1694–1774), Adam Smith (1723–1790), William Petty (1623–1687), Pierre


de Boisguillebert (1646–1714), David Ricardo (1772–1823), etc. Juntos, esses
pensadores constituíram a economia política clássica (PAULO NETTO;
BRAZ, 2007). Esses primeiros estudos foram, na maioria, elaborados na
Inglaterra e na França.
Para essa economia política clássica, interessava compreender as relações
sociais que estavam surgindo com a crise do antigo regime feudal. Nesse
contexto, os clássicos da economia política não ambicionavam, a priori,
com os seus estudos, constituir uma disciplina científica. Eles almejavam
compreender o modo de funcionamento da sociedade que estava nascendo
das entranhas do mundo feudal. Ou seja, a economia política surgia como
fundante de uma teoria social, que visava explicar o conjunto da vida social.
Logo, os clássicos da economia política não se colocavam como cientistas
puros, mas tinham intensos objetivos de intervenção política e social. Segundo
Sandroni (2005), é por isso que esse estudo assumiu a denominação economia
política, sendo o termo “política” sinônimo de “social”, de acordo com a
tradição aristotélica de que o homem é um animal político, isto é, um animal
social. Nesse sentido, é importante você notar que a economia política clássica
expressou o ideário da burguesia, em um período histórico em que essa classe
estava na vanguarda das lutas sociais, conduzindo o processo revolucionário
que destruiu o feudalismo (SANDRONI, 2005).

Alguns filósofos, como Georg Lukács, chamaram a economia política de a nova ciência
da sociedade burguesa. Assim, não restam dúvidas de que a economia política clássica
estava vigorosamente alinhada à teoria política liberal ou ao liberalismo clássico. Isso
resultou em categorias e instituições econômicas — dinheiro, capital, lucro, salário,
mercado, propriedade privada, etc. — que, uma vez descobertas pela razão humana
e instauradas na vida social, permaneceriam invariáveis na sua estrutura fundamental.
Essas características indicam o compromisso sociopolítico que a economia política
clássica tinha com a luta da burguesia contra o Estado absolutista e contra as instituições
do antigo regime feudal.
Conceitos fundamentais da economia política 51

Na metade do século XIX, a economia política clássica entrou em crise.


Essa crise se insere em um contexto bem determinado: entre 1825 e 1850,
alteram-se profundamente os interesses da burguesia. É fundamental destacar
que a burguesia — até então revolucionária — estava alinhada a uma cultura
de liberdade, igualdade e fraternidade (PAULO NETTO; BRAZ, 2007). Isso
envolvia uma emancipação humana e política. Com efeito, a luta burguesa
emancipou os homens das relações de dependência pessoal, vigentes no
feudalismo. Porém, a revolução burguesa não foi capaz de estabelecer uma
liberdade política.
Com isso, o “reino das liberdades” não se viabilizou por completo. Tais
limites se deviam ao próprio fato de que a revolução resultou em uma nova
dominação de classe — o domínio da classe da burguesia. E não é preciso
dizer que a existência desses limites contradizia as promessas emancipadoras
contidas na cultura revolucionária que levou os burgueses ao poder. Assim,
os burgueses se converteram em uma classe social conservadora, com a fina-
lidade de manter ou criar novos limites que atendessem aos seus interesses.
É a partir dessa inflexão ocasionada pela conversão da burguesia em
classe conservadora que as perspectivas da economia política clássica se
tornam incompatíveis com ela. Vale recordar que o confronto original era
entre a burguesia e a nobreza. Com a dominação burguesa, os interesses
mudaram radicalmente. O confronto passou a ser entre a burguesia e o
proletariado (os trabalhadores). Não é por acaso que todo esse processo vai
explodir nas revoluções de 1848. Nesse momento, as convulsões sociais
que abalam a Europa são entre a burguesia conservadora e o proletariado
revolucionário.
Uma observação é suficiente para indicar o antagonismo entre a economia
política clássica e os interesses da burguesia convertida em classe dominante
e conservadora. A economia política clássica defendia que o valor é produto
do trabalho. Essa concepção era útil à burguesia, que se confrontava com o
parasitismo da nobreza. Contudo, após 1848, passou a ser uma crítica contra a
burguesia conservadora, que era exploradora do trabalho e, em última instância,
também parasita.
A partir daí, surgem os primeiros pensamentos vinculados ao proletariado,
com Karl Marx à frente. De fato, o objeto de estudo da economia política
passa a ser o caráter explorador do capital (representado pela burguesia) em
face do trabalho (representado pelo proletariado). Nesse contexto, surge a
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crítica da economia política. Em outras palavras, surgem novos arcabouços


teóricos com o intuito de explicar os novos arranjos da vida social (PAULO
NETTO; BRAZ, 2007).
Mais uma vez, a economia política passa a se alinhar a uma “ação revolucio-
nária” — no sentido de ser uma teoria social que reproduzisse idealmente (ou
seja, no plano das ideias) o movimento real e objetivo da sociedade capitalista.
Nesse sentido, Karl Marx (1996) acreditava que, na medida em que o sucesso
da ação revolucionária da classe operária dependesse do conhecimento da
realidade social, o ponto de vista que se vinculava aos interesses do proletariado
era exatamente aquele que favoreceria a elaboração de uma teoria social que
daria conta do efetivo movimento da sociedade.
Assim, a ideia da economia política marxista era de esclarecer o surgimento,
o processo de consolidação e desenvolvimento e as condições de crise da
sociedade burguesa (capitalista). Das pesquisas de Karl Marx (1996) resultou
a percepção de que a sociedade burguesa não era uma organização social
natural, destinada a ser o ponto final da evolução humana. Ou seja, era uma
forma de organização social histórica e transitória, que contém no seu próprio
interior contradições e tendências que possibilitam a sua superação, dando
lugar a outro tipo de sociedade — precisamente a sociedade comunista, que
também não marca o “fim da história”, mas apenas o ponto inicial de uma
nova história (PAULO NETTO; BRAZ, 2007).
Ao longo do século XX, a economia política marxista ganhou força, espe-
cialmente com o surgimento da contrautopia ao capitalismo — ou o apareci-
mento de experiências socialistas (com a formação da União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas) que faziam frente ao modo de produção capitalista.
Logo, aconteceu um esforço para aumentar o estoque de conhecimentos,
realizando-se muitos avanços intelectuais e novas descobertas teóricas que
se somaram ao corpo teórico mais amplo da economia política.
Nesse cenário mais panorâmico, a economia política se consolidou como
a ciência das leis que regem a produção e a troca dos meios materiais de
subsistência na sociedade humana. No entanto, a economia política não é
simplesmente a produção, mas ainda as relações sociais que existem entre os
homens na produção ou na estrutura social dela (LANGE, 1966). E, como
o capitalismo é o sistema econômico predominante, o objeto de estudo da
economia política acaba sendo o modo de produção capitalista.
Conceitos fundamentais da economia política 53

É importante você não confundir economia política com política econômica. A eco-
nomia política é um ramo da economia que estuda as relações sociais de produção,
circulação e distribuição das riquezas. A ideia da economia política é definir as leis
econômicas que regem tais relações sociais. Já a política econômica é o conjunto de
medidas assumidas pelo governo de um país com o objetivo de influenciar e atuar sobre
os mecanismos de produção, distribuição e consumo de bens e serviços. O alcance e
o conteúdo de uma política econômica variam de um país para outro, dependendo
do grau de diversificação de sua economia, da natureza do regime social e do nível de
atuação dos grupos de pressão (partidos, sindicatos, etc.). Apesar de dirigida ao campo
econômico, a política econômica também obedece a critérios de ordem política e
social, sendo de três tipos, segundo os objetivos governamentais (SANDRONI, 2005):
1. para fins estruturais;
2. de estabilização conjuntural;
3. de expansão.

Trabalho, lei do valor e mercadoria


Para entender as relações sociais próprias à atividade econômica capitalista,
a economia política utiliza categorias teóricas. Essas categorias, além de
indispensáveis para a compreensão do objeto de estudo, fazem referência ao
próprio modo de ser dos homens e da sociedade (PAULO NETTO; BRAZ,
2007). Nesse sentido, é fundamental que você compreenda três categorias
teóricas da economia política que estão na base da atividade econômica:

1. o trabalho, que torna possível a produção de qualquer bem ou serviço;


2. a lei do valor, que constitui a noção de riqueza social;
3. a mercadoria, o objeto indispensável para a troca capitalista.

A seguir, você pode ver uma síntese de cada uma das três categorias teóricas
da economia política.
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Trabalho
As condições materiais de existência e reprodução de uma sociedade são
realizadas por meio da atividade denominada trabalho. Em outras palavras,
é o trabalho que dá forma material e imaterial à sociedade capitalista. Isso
significa que o trabalho viabiliza a satisfação das necessidades materiais e
imateriais dos indivíduos que constituem a sociedade. Assim, o trabalho no seu
padrão natural seria aquele em que a sociedade transforma matérias naturais
em produtos que atendem às suas necessidades.
Entretanto, o que a economia política chama de trabalho é algo substan-
cialmente mais complexo do que o trabalho no seu padrão natural. Algumas
questões foram desenvolvidas teoricamente para explicar que o trabalho em
uma sociedade capitalista é muito mais do que o trabalho que opera com uma
ação imediata sobre a matéria natural (PAULO NETTO; BRAZ, 2007). Para
iniciar, o trabalho no capitalismo exige instrumentos que, no seu desenvolvi-
mento, vão cada vez mais se interpondo entre os que o executam e a matéria
natural. Ou seja, o trabalho vai se tornando cada vez mais dependente de
instrumentos/ferramentas específicas.
A segunda questão teórica registrada pela economia política é que o
trabalho não se executa cumprindo determinações genéticas. Ao contrário,
o trabalho passa a exigir habilidades e conhecimentos que se adquirem
inicialmente por repetição e experimentação e que depois se transmitem
mediante aprendizado. Nesse sentido, o aprendizado “não se esgota em formas
fixas”. O capitalismo exige — quase sem limites — o desenvolvimento de
novas formas de trabalho, gerando novas necessidades e, por conseguinte,
novas formas de aprendizado. Logo, a prática do trabalho diferencia-se e
distancia-se do padrão “natural”.

Como destaca Karl Marx (1996), o trabalho é um processo entre o homem e a natu-
reza, um processo em que o homem, por sua própria ação, regula e controla o seu
metabolismo com a natureza. Não se trata das primeiras formas instintivas, animais,
de trabalho. Dessa maneira, pressupomos o trabalho em uma forma em que pertence
exclusivamente ao homem.
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No fim do processo de trabalho, obtém-se um resultado que já no início foi


orientado pelo trabalhador. O trabalho é a atividade orientada a um fim para
produzir valores de uso, apropriação do natural para satisfazer as necessidades
humanas. É a condição universal do metabolismo entre o homem e a natureza,
condição natural da vida humana e, portanto, comum a todas as suas formas
sociais (MARX, 1996).
Na economia política, é fundamental a distinção e a relação entre o su-
jeito — aquele que realiza a ação do trabalho — e o objeto — a matéria, o
instrumento e/ou o produto do trabalho. Além do mais, o trabalho é sempre
uma atividade coletiva. No capitalismo, o sujeito nunca é um sujeito isolado,
mas sempre se insere num conjunto de outros sujeitos. Essa é a divisão do
trabalho, que faz do caráter coletivo da atividade do trabalho aquilo que se
denominou de social (PAULO NETTO; BRAZ, 2007). Isso revela que quanto
mais o sujeito se humaniza, quanto mais se torna ser social, tanto menos o ser
natural é determinante em sua vida.
Isso resultou na alienação. A alienação é um fenômeno histórico carac-
terístico de sociedades em que têm vigência a divisão social do trabalho e a
propriedade privada dos objetos/meios de produção. Na prática, a atividade
do trabalhador não lhe pertence. Assim, o trabalhador é “expropriado” dos
resultados decorrentes dos seus esforços produtivos.

O trabalho não é somente uma atividade específica de homens em sociedade, mas é


também o processo histórico pelo qual surgiu o ser desses homens, o ser social. É por
meio do trabalho que — dentro do modo de produção capitalista — a humanidade
se constitui como tal. Por isso, a análise do trabalho é central na economia política
(LANGE, 1966).

Lei do valor
O valor é um conceito fundamental da economia política. No sistema capitalista,
as mercadorias são trocadas conforme a quantidade de trabalho socialmente
necessário nelas investida. Essa é a chamada lei do valor, que, como todas as
leis econômico-sociais, não é descolada de uma história, mas tem um âmbito
de validez determinado. Assim, a lei do valor regula as relações econômicas
da produção mercantil no capitalismo.
56 Conceitos fundamentais da economia política

Em outras palavras, a lei do valor é, no âmbito da produção de mercadorias,


o único regulador efetivo da produção e da repartição do trabalho. Além disso,
funciona à revelia dos homens, como algo completamente fora do seu controle
ou domínio (PAULO NETTO; BRAZ, 2007). Isso acontece em razão de a pro-
dução de mercadorias — a base da divisão social do trabalho e da propriedade
privada dos meios de produção — desenvolver-se quase que espontaneamente.
Assim, os produtores de mercadorias não se orientam segundo qualquer plano
que indique a necessidade real de suas mercadorias e as levam ao mercado
conforme o seu arbítrio. Logo, há conjunturas econômicas em que certas
mercadorias são abundantes e outras praticamente desaparecem — revelando
a desorganização do conjunto da produção.
Desde Aristóteles, começou a ser estabelecida uma distinção entre o valor
de uso e o valor de troca. Essa diferença é fundamental para você compreender
por que existe uma desorganização do conjunto da produção em qualquer
tipo de sistema econômico, e em especial no sistema capitalista. O valor de
uso revela as características físicas das mercadorias que as capacitam a ser
usadas pelo homem, ou seja, para satisfazer suas necessidades de qualquer
ordem, materiais ou ideais. Já o valor de troca indica a proporção em que os
bens são trocados uns pelos outros, direta ou indiretamente, por intermédio
do dinheiro.
Esses conceitos de valor de uso e valor de troca foram constantemente
modificados na economia política. Na economia política clássica, Adam
Smith desenvolveu a teoria do valor-trabalho, afirmando que o trabalho é a
única medida real e definitiva do valor das mercadorias, distinguindo-se de
seu preço nominal. Por sua vez, David Ricardo demonstrou que o próprio
valor do trabalho variava com o preço dos bens necessários à subsistência
dos trabalhadores, o que se refletia no salário e no valor das mercadorias.
Enquanto isso, na economia política marxista, Karl Marx (1996) definiu
o valor pelo tempo de trabalho socialmente necessário à produção de uma
mercadoria. Assim, da análise da força de trabalho — como uma mercadoria
do tipo especial — Karl Marx extraiu a teoria da mais-valia. Em contrapo-
sição, surgiu no final do século XIX a economia política marginalista, que
subjetivou o conteúdo do valor, fundamentando-o na utilidade marginal.
Em suma, a lei do valor assumiu diferentes perspectivas sobre a realidade
concreta.
Conceitos fundamentais da economia política 57

Mercadoria
A mercadoria é uma unidade que sintetiza valor de uso e valor de troca. No
capitalismo, a produção das mercadorias tem como condições indispensáveis a
divisão social do trabalho e a propriedade privada dos meios de produção. Sem
essas condições, produzem-se bens com valores de uso, mas não há produção
dos valores de troca (produção mercantil ou produção de mercadorias).
Segundo Karl Marx (1996), a mais importante característica do capitalismo
é ser um modo de produção de mercadorias. Ou seja, a riqueza das sociedades
em que domina o modo de produção capitalista aparece como uma imensa
coleção de mercadorias, e a mercadoria individual como a sua forma elementar.
Assim, a mercadoria se apresenta como o principal elemento universal na
sociedade capitalista e serve de mediação a todas as relações sociais.
Tudo isso pode parecer muito óbvio para você, porque remete a fenômenos
cotidianos. Você nasce, cresce e vive em meio a mercadorias, não é? Nesse
contexto, aprende a comprar e a vender mercadorias. Logo, a troca é uma
condição indispensável para a vida em sociedade. O intercâmbio mercantil é o
ponto-chave do modo de produção capitalista (PAULO NETTO; BRAZ, 2007).
É importante destacar que só constituem mercadorias aqueles valores de
uso que podem ser replicados ou reproduzidos, isto é, produzidos mais de uma
vez, repetidamente. Essa reprodução recorrente tem o propósito de produzir a
troca ou a venda sistemática. Nesse contexto, para que haja produção de mer-
cadorias repetidas vezes, é fundamental o desenvolvimento da divisão social
do trabalho e a garantia de que haverá a propriedade privada (LANGE, 1966).
Funciona assim: para que se produzam diferentes mercadorias, é preciso
que o trabalho esteja de algum modo dividido entre diferentes trabalhadores
(ou grupos de trabalhadores). Mas essa condição necessária não é suficiente
para a produção repetida de mercadorias. A divisão social do trabalho deve se
articular à propriedade privada dos meios de produção. Em outras palavras,
só pode comprar ou vender qualquer tipo de mercadoria aquele que seja o seu
dono e, para tanto, é necessário que os meios ou os instrumentos (de produção)
com os quais se produz pertençam a ele (o dono) (SANDRONI, 2005).
Quando a propriedade dos meios de produção é coletiva, mesmo que haja
alguma divisão do trabalho, a compra e a venda não são possíveis, uma vez
que o produto do trabalho pertence à coletividade. No sistema capitalista, a
apropriação dos meios de produção é o que motiva os capitalistas a produzirem
cada vez mais e a terem o direito legal de se apropriarem sempre da mais-valia
resultante da troca de mercadorias.
58 Conceitos fundamentais da economia política

A lei do valor é uma teoria muito polêmica. A maior polêmica é o paradoxo do valor. Por
exemplo, por que os diamantes custam mais do que a água? Apesar de os diamantes
valerem mais do que a água, a água é mais útil do que os diamantes, não é? Em 1769,
Anne-Robert-Jacques Turgot observou que, apesar de necessária, a água não é tida
como algo precioso num país com muita água. Às vezes, uma mina de diamante é
mais estimada que uma fonte de água. Posteriormente, Adam Smith levou adiante
essa análise, notando que, embora nada seja mais útil que a água, quase nada pode
ser trocado por ela. Ainda que um diamante tenha um valor bem pequeno quanto
ao uso, uma quantidade muito grande de outros bens costuma ser trocada por ele.
Resumindo, nas teorias do valor existem contradições aparentes entre o valor de troca
(o preço) e o valor de uso (importância) de certas mercadorias — como é o caso do
diamante e da água.

Modo de produção capitalista


O modo de produção capitalista é hoje dominante em escala mundial. Desde a
sua consolidação no século XIX, ele experimentou uma complexa evolução. Se
durante cerca de 70 anos, no século XX, teve a concorrência de experiências
de caráter socialista, atualmente não se confronta com nenhum desafio externo
à sua própria dinâmica (PAULO NETTO; BRAZ, 2007).
Segundo Karl Marx (1996), o modo de produção capitalista se fundamenta
na exploração do trabalho. Todos os arranjos de produção no sistema capitalista
objetivam o lucro. Em outras palavras, o lucro é o objetivo central da produção
capitalista. Em suma, é o que diferencia a circulação mercantil simples da
circulação mercantil capitalista (MARX, 1996).
Na circulação mercantil simples, o produtor não tinha na posse do dinheiro
o seu objetivo central. Logo, na prática, o dinheiro lhe servia como meio de
troca ou como simples intermediário entre mercadorias diferentes. Assim,
pode-se simbolizar o processo de circulação característico da produção mer-
cantil simples com a seguinte expressão: mercadoria ⟹ dinheiro ⟹ outra
mercadoria (ou seja, M ⟹ D ⟹ M).
Com o aumento da demanda de mercadorias e a expansão do emprego do
dinheiro, foram se modificando as condições gerais que contextualizavam a
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produção mercantil simples. Soma-se a isso o desenvolvimento das atividades


comerciais e a constituição de mercados cada vez maiores e mais afastados.
Nesse contexto, a circulação mercantil se modificava. Já no século XVIII, a
produção mercantil simples viu-se deslocada pela produção mercantil capitalista
(PAULO NETTO; BRAZ, 2007).
As bases da produção mercantil capitalista são completamente distintas
das da produção mercantil simples. Por exemplo, se ambas as produções —
mercantil capitalista e mercantil simples — supõem a divisão social do trabalho
e a propriedade privada dos meios de produção, na produção mercantil capi-
talista existe uma importante diferença: essa propriedade privada dos meios
de produção não cabe ao produtor direto, mas ao capitalista (ou burguês).
Além disso, no modo de produção capitalista desaparece o trabalho pessoal
do proprietário. Na prática, o capitalista é o proprietário dos meios de produção,
mas não é ele quem trabalha. O capitalista compra a força de trabalho que, com
os meios de produção que lhe pertencem, vai produzir mercadorias. Assim,
os lucros do capitalista, diferentemente dos ganhos na produção mercantil
simples, não decorrem somente da circulação, mas também da exploração
da força de trabalho.
O capitalista — ao contrário do produtor mercantil simples — não quer
mercadorias para trocar por outras mercadorias e, portanto, não emprega
o seu dinheiro como simples intermediário entre uma mercadoria e outra.
Logo, a circulação capitalista também difere daquela na qual o comerciante é
o elo entre produtores (artesãos e agricultores) e consumidores, precisamente
porque o lucro capitalista não é criado na esfera da circulação. No modo de
produção capitalista, o lucro está na esfera da produção — sendo que essa
produção exige continuidade e o seu controle pelo capitalista (MARX, 1996;
SANDRONI, 2005).
Assim, a circulação mercantil capitalista expressa-se na seguinte fórmula:
dinheiro ⟹ mercadoria ⟹ dinheiro acrescido (ou seja, D ⟹ M ⟹ D’). No
modo de produção capitalista, o dinheiro acrescido (D’) é absolutamente
diverso do obtido pelo produtor no modo mercantil simples. Isso quer dizer
que o dinheiro acrescido embolsado pelo capitalista provém de um acréscimo
de valor agregado, na produção, pelo uso da força de trabalho. Em outras
palavras, esse dinheiro mais lucro é, na visão de Karl Marx (1996), dinheiro
acrescido de mais-valia.
60 Conceitos fundamentais da economia política

No modo de produção capitalista, a força de trabalho recebe um salário. Logo, o salário


é o preço que o capitalista paga pela mercadoria força de trabalho. Portanto, não é
apenas a produção de mercadorias que caracteriza o modo de produção capitalista.
O trabalho convertido em mercadoria é uma condição necessária para a manutenção
e a reprodução do sistema capitalista. Tudo isso vem acompanhado da separação
entre o dinheiro e os meios de produção — sob o controle do capitalista — e a força
de trabalho – o trabalhador ou proletariado.

Em outras palavras, conforme Karl Marx (1996), é daí que surgem as


classes sociais fundamentais do modo de produção capitalista. O capitalista
é o representante do capital, e o proletário, o do trabalho. Cabe destacar que,
quanto mais o sistema capitalista se desenvolve, mais essas classes sociais
entram em conflito a partir dos acirramentos das contradições internas do
próprio sistema. Por exemplo, o desenvolvimento do modo de produção capi-
talista significa que há um aprofundamento da lógica mercantil, que penetra
cada vez mais em todos os conjuntos das relações sociais.
Assim, o modo de produção capitalista mais avançado ou desenvolvido
significa universalizar as relações mercantis. Tudo é objeto de compra e venda,
de artefatos materiais a cuidados humanos. Tudo vira mercadoria no modo de
produção capitalista (PAULO NETTO; BRAZ, 2007).

No Brasil, existe a Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP). A SEP é uma sociedade
civil sem fins lucrativos que tem por objetivo primordial garantir um espaço ampliado de
discussão a todas as correntes teóricas e áreas de trabalho que entendam a economia
como uma ciência inescapavelmente social. Para saber mais, acesse Sociedade Brasileira
de Economia Política (2018):

http://www.sep.org.br
Conceitos fundamentais da economia política 61

KISHTAINY, N. et al. O livro da economia. São Paulo: Globo, 2013.


LANGE, O. Economía política: problemas generales. Buenos Aires: Fondo de Cultura
Económica, 1966.
MARX, K. O capital: crítica da economia política. 3. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1996. 2 v.
PAULO NETTO, J.; BRAZ, M. Economia política: uma introdução crítica. 2. ed. São Paulo:
Cortez, 2007.
SANDRONI, P. Dicionário de economia do século XXI. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 2005.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA POLÍTICA. Sobre. [S.l.]: SEP, 2018. Disponível
em: <http://www.sep.org.br>. Acesso em: 05 jan. 2018.

Leituras recomendadas
ARRIGHI, G. O longo século XX: dinheiro, poder e as origens do nosso tempo. São
Paulo: Unesp, 1996.
POLANYI, K. A grande transformação: as origens da nossa época. 3. ed. Rio de Janeiro:
Campus, 1980.

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