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Capitulo 2

Tres ideologias da economia politica

Nos ultimos 150 anos, trés ideologias dividiram a humanidade — o


liberalis- mo, o nacionalismo e o marxismo. Este livro entende por
“ideologias” o que Heilbroner (1985, p. 107) chama de “sistemas de
pensamento e de crenpas com os quais [os indivlduos e os grupos] explicam
(...) como funciona o seu sistema social, e que principios ele testemunha”. O
conflito entre essas trés atitudes morais e intelectuais tern girado em torno do
papel e do signifieado do mercado na organizapao da sociedade e da
economia.
Por meio de uma avaliapao dos pontos fortes e das fraquezas dessas lde-
ologias é possivel iluminar o estudo da economia politica internacional. A
forma de cada uma dessas perspectivas sera aplicada a discussñes posteriores
de temas especificos, tais como comércio, investimento e desenvolvimento.
Em- bora meus valores pessoais sejam os do liberalismo, o mundo em que
vivemos sugere uma melhor descripño com as idéias do nacionalismo
econsmico e, ocasionalmente, também do marxismo. O ecletismo pode nño
levar a precisao, tesrica, mas as vezes é o unico caminho disponivel.
As trés ideologias citadas diferem em um amplo cardapio de perguntas,
como as seguintes: dual o significado do mercado para o crescimento
econñmi- co e para a distribuipao da riqueza entre grupos e sociedades? Qual
deveria ser o papel dos mercados na organizapao da sociedade nacional e
internacional? Qual o efeito do sistema de mercado sobre os temas
relacionados com a guer- ra e a paz? Essas perguntas, e outras semelhantes,
sao fundamentais para a economia politica internacional.
Essas trés visñes ideologicas diferem profundamente no modo como con-
cebem as relapoes entre sociedade, Estado e mercado, e talvez nño seja um
exagero afirmar que todas as controvérsias no campo da economia politica
internacional podem ser reduzidas as diferenpas na manelra de interpretar
Robert Gilpin

essas relapñes. O contraste intelectual tern mais do que simples interesse


histfirico. O liberalismo econñmico, o marxismo e o nacionalismo econñmico
subsistiam com forma total no finn do século XX, ao definir as perspectivas
conflitantes que as pessoas tém com respeito as implicapñes do sistema de
mercado para as sociedades nacionais e a internacional. Muitos dos temas
que eram controvertidos nos séculos XVIII e XIX voltaram a ser debatidos
intensamente.
E importante compreender a natureza e o conteudo dessas ideologias
contrastantes da economia politica. Uso o termo “ideologia”, em vez de “teo-
ria”, porque cada posipao implica um sistema de crenpas abrangente a
respeito da natureza da sociedade e dos seres humanos, assemelhando-se
assim ao que Thomas Kuhn denominou de “paradigma” (Kuhn, 1962). Como
Kuhn demons- trou, os compromissos intelectuais sao defendidos com
tenacidade e raramente podem ser afastados pela lñgica ou pela evidéncia
contrdria. Isso se deve ao fato de esses compromissos on ideologias
pretenderem anuneiar descripoes cientificas do modo como o mundo
funciona, embora constituam também posi- pñes normativas sobre o modo
como o mundo deveria funcionar.
Embora muitas “teorias” tenham sido elaboradas para explicar a
relapao da economia com a politica, trés delas adquiriram importancia
especlal e tern tido uma influéncia profunda tanto na pesquisa como na
politica. Ao simplifi- car uma realidade bem mais complexa, podemos
dizer que o nacionalismo econñmico (on mercantilismo, como foi
conhecido originalmente), o qual se desenvolveu a partir da pratica dos
govemantes no principio da histdria moder- na, presume e advoga o
primado da politica sobre a economia. E essencial- mente uma doutrina
que privilegia o Estado e afirma o fato de o mercado dever estar sujeito
aos interesses estatais. Argumenta serem os fatores poli- ticos
determinantes das relapoes econfimicas, oii pelo menos deveriam
determina-las. Quanto ao liberalismo, que emergiu do 1 luminismo nos livros
de Adam Smith, entre outros, foi uma reapño ao mercantilismo e
incorporou-se a economia ortodoxa. O liberalismo presume que, pelo
menos do ponto de vista ideal, politica e economia ocupam esferas
separadas. No interesse da efieién- cia, do desenvolvimento e da soberania
do consumidor, os mercados devem funcionar livres de interferéncia
politica. O marxismo, que surgiu em meados do século XIX como uma
reapao contra o liberalismo e a economia cldssica, sustenta ser a economia
a condutora da politica. 0s conflitos politicos nas- cem da luta entre as
classes sociais a propfisito da distribuiqño da riqueza, e sS cessarño
quando o mercado e a sociedade de classes forem eliminados. Como na
nossa época tanto o nacionalismo como o marxismo se desenvolve- ram
em reapao aos objetivos da economia liberal, men exame e avaliapño
dessas trés ideologias comepara com o liberalismo econfimico.
4 Robert

A perspectiva liberal

Alguns estudiosos afirmam nño existir uma teoria liberal da econOmia po-
litica, porque o liberalismo distingue a economia da politica e entende que
cada esfera funciona de acordo com regras e lñgica prsprias.' Mas esse ponto
de vista é em st mesmo uma posipño ideolñgica, e os tefiricos do liberalismo
preo- cupam-se tanto com os assuntos politicos como com os economicos. Assim,
podemos falar de uma teoria liberal da economia politica, teoria esta que esta
explicita on implicita nos seus escritos.
Por tras das teorias liberais da economia e da politica ha um conjunto de
valores politicos e econñmicos, os quais no mundo modemo tern surgido
reunidos (Lindblom, 1977). A teoria econsmica liberal esta comprometida
com o livre mercado e com um ivinimo dc intcrven ao estatal, embora,
conforme vamos mostrar mais adiante, varie a énfase relativa nessas duas
idéias. De seu lado, a teoria politica liberal tern um compromisso com a
igualdade e a liberdade individu- als, embora também possa haver uma
diferenpa de énfase. Aqui estamos inte- ressados primordialinente no
componente eeonomico da teoria liberal.
A perspectiva liberal da economia politica esta incorporada na disciplina
da economia comu eta sc desenvolveu no Reino Unido, nos Estados Unidos e
na Europa Ocidental. Desde Adam Smith ate os contemporaneos, os pensado-
res libera is tém compartilhado um conjunto coerente de premissas e cren§as
sobre a natureza dos seres humanos, a sociedade e as atividades econñml-
cas. O liberalismo ja assumiu muitas formas — tivemos o liberalismo
classico, neoclassico, keynesiano, monetarista, austriaco, das expectativas
racionais, etc. Essas variantes incluem desde as que priorizam a igualdade e
tendem para a democraeia social, e aceitam o intervencionismo estatal para
alcan ar seus objetivos, ate aquelas que enfatizain a llberdade e a nño-
intervenpio governa- mental, a custa da igualdade social. No entanto, todas as
formas do I beralismo economieo estño comprometidas com o mercado e
com o mecanismo dos pre- Nos como o meio mais eficiente de organizar as
relapñes economicas internas e internacionais. Com efeito, o liberalismo pode
ser definido como uma doutrina e um conjunto de principios para organizar e
admin›strar uma economia de mer- cado, de modo a obter o maximo de
eficiéncia, crescimento econñmieo e bem- estar individual.

0 termo “liberal" é usado ncste i ivro no sentido europeu, isto é, significando o compromisso
com o individualismo, o livre mercado e a propriedade privada. Essa é a perspectiva predomi-
name namaioriadoseconomistasnone-americanose
nadiscplnadaeconomiaconformec ensinada nas universidades dos Estados Unidos. Assim,
a despeito de difere• sas importances
nas suas idéias pallticas e teoricas, tanto Paul Samuelson como Milton Friedman sâo conside-
rados aqui coino reprcsentantes da tradigño liberal norte-americana.
A economia politica das rel a oes internacionais 45

A premissa do liberalismo econ8mico é a idéia de que um mercado surge


de forma espontanea para satisfazer as necessidades humanas, e que, uma
vez que comece a funcionar, o faz de acordo com sua prñpria logica interna.
O homem é, por natureza, um animal natural, e, portanto, os mercados desen-
volvem-se naturalmente, sem uma direpño central. Nas palavras de Adam
Smith, “transportar, vender e trocar” sño atividades inerentes ñ humanidade.
Para facilitar o comércio e melhorar seu bem-estar, as pessoas criam
mercados, meios de pagamento e institui ñes econñmicas. Assim, no seu
estudo sobre a organiza9ao economica de um campo de prisioneiros de
guerra, R. A. Radford (1954) mostra como mesmo nas condigñes mais
eKtremas surge espontanea- mente um mercado complexo e sofisticado para
satisfazer as necessidades humanas; mas a sua descripño mostra também a
necessidade de alguma forma de govemo para policiar esse sistema primitivo
de mercado. 2
A rationale do mercado é o aumento da eficiéncia econñmica, a
maximizapao do crescimento da economia e, portanto, a melhoria do bem-
estar humano. Embora os liberais acreditem que a atividade econsmica an-
menta também o poder e a seguranpa do Estado, argumentam que o objetivo
primordial dessa atividade é beneficiar os consumidores individuals. Sua de-
fesa fundamental do livre comércio e da abertura dos mercados é que eles
aumentam a gama de bens e servigos disponiveis ao consumidor.
A premissa fundamental do liberalismo é a nopao de que a base da
socie- dade é o consumidor individual, a firma, a familia, Os individuos
comportam-se de forma racional e procuram maximizar ou satisfazer certos
valores ao me- nor custo possivel. A racionalidade sñ se aplica ao sentido
da conduta, ao esforpo Set to, nño ao resultado. Assim, se um objetivo nño
é alcanpado por causa da ignoriincia on alguma outra causa, para os libera
is isso nao invalida a premissa de que os individuos agem sempre na base
de um calculo do custo/beneficio, dos fins com relapâo aos meios.
Finalmente, o liberalismo sustenta que o individuo continua a perseguir
um objetivo até que um equili- brio seja alcanpado no mercado, on seja,
até que os custos associados com a realizapao desse objetivo igualem as
vantagens decorrentes. 0s economistas liberais tentam explicar o
cornportamento econñmico e, em certos casos, a conduta humana de modo
geral, com base nessas premissas individualistas e racionalistas
(Rogowskl, 1978).
O liberalismo presume também que exista um mercado em que os indivi-
duos tcm informapño completa e, portanto, podem selecionar o curso de a9ao
que lhes traz mais beneficios. Produtores e consumidores individuals serño
muito sensiveis aos sinals dos prepos, e is.so criard uma economia fJexivel,
em que
4 Robert
' Agrade§o a Michael Doyle ter chamado ininha aten§âo para esse intercssante artigo.
A economia politica das rela oes interrtacionais 4

qualquer mudanpa nos prepos relativos provoque uma mudanpa


corresponden- te na estrutura da produgao, do consumo e das institui ñes
econñmieas; estas ultimas seriam o produto e nao a causa do comportamento
economico (Davis e North, 197 l). Além disso, em um mercado genuinamente
competitivo, os ter- mos de intercambio sao determinados de forma exclusiva
pela oferta e pela demanda, e nao pelo exercicio do poder e pela coerpao. Se
as trocas sao volun- tarias, eta satisfazem os dois lados.
A disciplina académica da “economia”, ou seja, a economia como é ensi-
nada na maioria das universidades norte-americanas (que os marxistas cha-
mam de economia ortodoxa ou burguesa), é considerada a ciéncia empirica da
maKimizapao da conduta. O comportamento humano é tido como governado
por um conjunto de “lets” econñmicas, impessoais e politicamente neutras.
Assim, economia e politica podem ser separadas em esferas distintas. Os
governos mo devem intervir no mercado, exceto nos casos em que este ultimo
falhe (Baumol, 1965), ou entño para proporcionar um bem publico, ou
coletivo (Olson, 1965).
A economia de mercado é governada principalmente pela let da demanda
(Becker, 1976, p. 6). Essa “let” (ou, se preferirmos, essa premissa) afirma que
as pessoas comprarño mais de um bem se o seu prepo relativo cair, e menos se
ele subir. Da mesma forma, as pessoas tenderño a comprar mais se sua renda
relative aumentar, e menos se ela diminuir. Qualquer desenvolvimento que
mude o prepo relatlvo de um bem, ou o rendimento relatlvo de um ator, criara
um estimulo, positivo ou negativo, para adquirir (ou produzir) mais ou menos
desse bem, Essa lei tern ramificapñes profundas em toda a sociedade. Embora
haja algumas excepñes a esse staples concerto, ela é fundamental para o
funciona- mento e para o éxito de um sistema de mercado.
Do lado da oferta, a economia liberal entende que os ndividuos perse-
guem seus interesses em um universo marcado pela escassez e pelos limites
a disponibilidade dos recursos — uma condipño fundamental e inescapavel da
existéncia humana. Toda decisao implica um custo de oportunidade, uma op-
Rao entre os usos altemativos dos recursos disponiveis (Samuelson, 1980, p.
27). A lipao fundamental da economia liberal é que f/iere is no such thing os
i frc•c• /iftc/t, ou seja, “todo almopo tern o seu prepo” — para obter algo
precisamos ceder alguma coisa em troca.
O liberalismo afirma também que a economia de mercado tein tuna
estabi- lidade inerente, e mostra uma forte tendéncia para o equilibrio, pelo
menos no longo prazo. Esse “concerto de equilibrio auto-imposto e
autocorrigivel, alcan- dado pela contraposipao de for as em um universo
racional” é crucial para a crenpa dos economistas no funcionamento do
mercado e nas ieis que o gover- naln (Condllffe, 1950, p. 112). Se um
mercado se desequilibra em razño de
4 Robert

algum fator exfigeno, ta1 como uma mudanpa nas preferéncias do


consumidor ou na tecnologia da produqño, o mecanismo dos preqos o
reconduzira oportu- namente para um novo estado de equilibrio: prepos e
quantidades tomarño a reequilibrar-se. Portanto, uma mudanpa, seja na oferta
seja na demanda, de um bem provocara mudanpas no prepo desse bem. A
técnica mais importante da analise econñmica moderna, a estatica
comparativa, baseia-se nessa premissa, de que ha uma tendéncia para o
equilibrio sistémico.3
Outra premissa liberal é que a competipao no mercado de produtores e
consumidores cria no longo prazo uma harmonia fundamental de seus interes-
ses, a qual superara qualquer confllto tempordriO. A motivapao do auto-
interes- se pelos atores individuais aumentara o bem-estar social, porque
conduz a uma maximizapao da eficiéncia; e o crescimento econsmico
resultante eventual- mente trara vantagens para todos. Em conseqiiéncia,
todos tendem a ganhar com a sua contribuipño ao conjunto da sociedade, mas,
é preciso acrescentar, nem todos ganharño na mesma proporpño, porque ha
diferenpas na produtivi- dade individual. Sob o regime do livre intercambio, a
sociedade em geral sera mats rica, porém os individuos serio recompensados
de acordo com a sua produtividade marginal e com a sua contribuipño relativa
para o produto social. Finalmente, hoje a maioria dos economistas liberais
acredita no progresso, definido quase sempre como o aumento da riqueza per
cayifa. Afirmam que o crescimento de uma economia que funcione
regularmente é linear, gradual e continuo (Meter e Baldwin, 1963, p. 70),
desenrolando-se conforme o que um economista denominou de “curva de
trescimento em eqiiilibrio padrao, do Massachusetts Institute of Technology”.
Embora acontecimentos politicos e de outra natureza - guerras, revolupñes e
desastres naturais — possam prejudicar dramaticamente essa curva de
crescimento, a economia retomara sempre a um modelo estavel de
desenvolvimento, determinado prlncipalmente pelos au- mentos da
populaqño, dos recursos e da produtividade. Além disso, os liberais nño
aceitam a conexâo necessaria entre o processo de crescimento econñmieo e os
eventos politicos, tais como as guerras e o imperialismo; esses males politicos
afetam e podem ser afetados pelas atividades economicas, mas sño causados
essencialmente por fatores politicos, e nao econñmicos. Assim, por exemplo,
os liberais nao acreditam que tenha havido qualquer relapño de causalidade
entre o progresso do capitalismo no finn do século XIX e, de outro lado, os
surtos de imperialismo, depots de 1870, e a Primelra Guerra Mundial. Para os
liberais a

' O método da eslatica comparativa foi in ventado por David Ricardo. Consiste em um
modelo de iriercado em estado de equi!ibrio, no qua I e introduzida uma varia vet exñgena,
calculando-se o novo estado de equilibrio. Como de modo geral essa forma de analise nio
A economia politica das rela oes interrtacionais 4
se preocupa com as origens da variavel exñgena, seu uso fica l imitado ao exame do proble-
ma das mudan9as na economia.
5 Robert Gi I

economia é progressiva, enquanto a politica é retrocessiva; eles concebem o


progresso de forma distinta da politica, com base na evoluqao do mercado.
Com base nessas premissas e nesses compromissos, os economistas mo-
demos elaboraram a ciéncia empirica da economia, Nos ultimos dois séculos,
deduziram as “leis” da conduta de busca da maximizapao, tais eomo a teoria
das vantagens comparativas, da utilidade marginal e a teoria quantitativa do
dinheiro. Ouvi de Arthur Lewis o comentario de que os economistas desco-
brem novas lets ñ razño de uma a cada quarto de século — “leis” que sño ao
mesmo tempo contingentes e normativas. Etas presumem a existéncia do “ho-
mem econñmico”, racional e maximizador, uma variedade da espécie Homo
sapiens que tern sido relativamente rara na histñria, existindo apenas naqueles
periodos em que as condipoes lhe eram favordveis. Afern disso, essas lets sño
normativas, porque prescrevem como uma sociedade precisa se organizar e
como as pessoas se devem conduzir para maximizar o aumento da riqueza.
Tanto os individuos como as sociedades podem violar essas lets, mas a custo
de sua eficiéncia e produtividade. Hoje, exislem as condipñes necessarias para
o funcionamento de uma economia de mercado, e o compromisso normativo
com o mercado estendeu-se desde o seu nascedouro, no Ocidente, para
abarcar uma porpao cada vez maior do globo terrestre. A despeiio de aiguns
fracassos, o mundo modemo tern caminhado na direpao da economia de
mercado e de uma interdependéncia econñmica global precisamente porque os
mercad.os s3o mais eficientes do que outras formas de organizagao econsmica
(Hicks, 1969). Em esséncia, os liberais acreditam que o comércio e o
intercñmbio econo- mico constituem uma fonte de relapfies pacificas entre as
napñes, porque os beneficios reciprocos do comércio e da interdependéncia
em expansño entre as economias nacionais tenderao a promover entre elas
relapñes cooperativas. Enquanto a politica tende a dividir, a economia une os
povos. Uma economia internacionalliberal sera uma influéncia moderadora
sobre a politica interna- cional a criar lados de interesse comum e um
compromisso com o status qtio. No entanto, é importante voltar a enfatlzar
que embora em termos absolutos todos ganhem (ou possam ganhar) em um
regime de livre comércio, em termos relativos esses ganhos serao diferentes. E
é exatamente a questao dos ganhos relativos e da distribuiqño da riqueza
gerada pelo mercado que criou as doutri-
nas rivais do nacionalismo econñmico e do marxismo.

A perspective nacionalista

Da mesma forma que o liberalismo, o nacionalismo econñmico sofreu va-


rias metamorfoses durante os ultimos séculos, e seus rotulos também muda-
ram: mercantilismo, estatismo, protecionismo, a escola historica alema e, mais
A economia pol itica das reIa§oes inte rnaciortais 4

recentemente, o neoprotecionismo. No entanto, em todas essas


manifestapñes encontramos um conjunto de temas e de atitudes, em lugar
de uma teoria politica ou econñmica sistematizada. A idéia central é a de que
as atividades economicas devem estar subordinadas a meta da construpño e
do fortaleci- mento do Estado. Todos os nacionalistas defendem a primazia
do Estado, da seguranpa nacional e do poder militar na organizapao e no
funcionamento do sistema internacional. Dentro dessa posiqño geral, duas
atitudes podem ser identificadas. Alguns nacionalistas conslderam a
salvaguarda do interesse econñmico nacional como o minimo essencial para
a seguranpa e a sobrevi- véncia do Estado. A falta de um termo melhor, essa
atitude, de modo geral defensiva, pode ser chamada de mercantilismo
“benigno ”.4 De outro lado, ha nacionalistas que consideram a economia
internacional como uma arena para a expansño imperialista e para o
engrandecimento da naqfio. Essa forma agressiva podemos chamar de
mercantilismo “maligno”. Um exemplo foi a politica econfimica de
Hjalmar Schacht, o minislro da economia nazista, com relapño a Europa
Oriental, nos anos 1930 (H irschman, 1969).
Embora o nacionalismo econñmico deva ser visto como um
compromisso genérico com o fortalecimento do Estado, seus objetivos
precisos e as politicas que preconiza tern diferido em ftinqño da época e do
lugar. Contudo, como Jacob Viner argumentou em uma passagem muito
lembrada, os defensores do nacionalismo econsmico (on o que ele chama de
mercantilismo) compartilham as mesma convicpñes a respeito do
relacionamento entre riqueza e poder:

Acredito que pratlcamente todos os mercantilistas, em qualquer periodo,


pats ou situa9ao particular, teriam subscrito todas as seguintes
proposip0es: l ) a riqueza é um meio absolutamente essencial para o poder, em
termos de seguran a on para a agressao; 2) o poder e essencial on valioso
como meio para adquirir e manter a riqueza; 3) a riqueza c o poder sao
ambos objetivos ultimos da politica nacional; 4) no longo prazo ha uma
harmonic entre esscs objetivos, embora em circunstñncias particulares possa
scr necessario fazcr sacrificios econñmicos, duranle algum tempo, no
interesse da seguranpa mi- litar e, portanto, da prosperidade de longo prazo
(Viner, 1958, p. 286).

Enquanto os autores liberais consideram de modo geral a busca do poder


e da riqueza, on seja, a disjuntiva “canhñes e manteiga”, como uma oppño, os
nacionalistas tendem a considerar essas duas metas de forma complementar
(Knorr, 1944, p. 10).

' Podemos identificar Friedrich List corn a posipño mercantilista benigna. h.ist acrcditava que o
verdadeiro cosinopol itismo so seria possivel quando todos os paises se tivesseni desenvoivi-
do. Vide uma discussâo sobre o mercantilismo benigno e malévolo em Gilpin 1975, p. 234-
5 Robert Gi I
237 e no Cap. 10, adiante.
A economi a politica das relagoes i nternacionais 5

Os nacionalistas econsmicos acentuam o papel dos fatores econfimicos


nas relapñes internacionais e consideram a disputa entre os Estados —
capitalis- tas, socialistas ou de outra natureza — por recursos econñmicos
inerente a na- tureza do proprio sistema internacional. Como disse tim
comentarista, como os recursos econñmicos sño necessârios para o poder
nacional, todo conflito é ao mesmo tempo econñmico e polltico (Hawtrey,
1952). Pelo menos no longo prazo, os Estados buscam igualniente a riqueza e
o poder.
Ao evoluir, no principio da Idade Moderna, o nacionalismo econñmico
re- fletiu os acontecimentos politicos, econsmicos e militares dos séculos
XVI, XVI I e XVI lI, e reagiu a eles: a emergéncia de Estados nacionais
poderosos a competir constantemente entre si, o surglmento de uma classe
média dedicada a principio ao comércio, e depots cada vez mais ñ manufatura,
o ritmo mais intenso da atividade econsmica decorrente de mudanqas
ocorridas na Europa e
- da descoberta do Novo Mundo, com recursos abundantes. Foram também im-
portantes a evolupâo de uma economia de mercado monetarizada e a grande
transformapño ocorrida na arte militar, transforma3ao esta que tern sido carac-
terizada como a “Revolupño Militar” (Roberts, 1956). Os nacionalistas, on
mercantilistas, como eram entfio conhecidos, tinham razoes para identificar o
balanpo de comércio favoravel com a seguranpa nacional. ”
O objetivo principal dos nacionalistas é a industrializapño, por varios
moti- vos (Sen, 1984). Em primeiro lugar, acreditam que a industria tern
influéncia positiva (os chamados spillover. or exiernalidades) em toda a
economia, o que promove o desenvolvimento do conjunto. Em segundo lugar,
associam a indñstria com a auto-suficiencia econñmica e a autonomia politica.
Terceiro, e mais importante, a industria é a base do poder militar, e no mundo
modemo é fundamental para a seguranpa nacional. Em quase todas as
sociedades, inclu- indo-se as que vivem sob um regime liberal, os govemos
favorecem o desen- volvimento industrial. Alexander Hamilton, um teorico do
mercantilismo do de- senvolvimento economico norte-americano, escreveu:
“nño sñ a rlqueza mas também a independéncia c a seguranpa de um pats
pareccm estar associados materialmcnte a prosperidade das manufaturas”
(citado por Rostow, 1971,
p. 189): nenhum estudioso contemporaneo da dependéncia o disse mals clara-
mente. Como vames mostrar no Capitulo 3, esse objetivo nacionalista da
indus- trializapño é em st mesmo uma fonte importante de conflito
econñmico.
Tanto no principio da Idade Modema como hoje, o nacionalismo
econñmi- co surge, em parts, da tendéncia dos mercados em concentrar
riqueza e criar rel0 ñes de poder on de dependéncia entre as economias mats
fortes e as mars fracas. Em sua forma defensiva, mais benigna, ele tenta
5 Robert Grip
proteger a economia nacional contra as formas econsniicas e politicas
externas iiegativas. O nacio- nalismo economico defensivo existe com
freqiiéncia nas economias menos
A economi a politica das relagoes i nternacionais 5

desenvolvidas ou naquelas econoiiiias avanpadas que coliieqaram a declinar;


nesses paises, o governo segue politicas protecionistas e semelhantes para
pro- teger suas indñstrias nascentes on declinantes e para salvaguardar os
interes- ses nacionais. Na forma menos benigna, o nacionalismo economico
corresponde a beligerancia praticada na economia. E uma modalidade
prevalecente sobre- tudo nas poténcias em expansao, e o exemplo classico é a
Alemanha nazista.
Em um mundo de Estados que competem entre si, os nacionali5tas dao
mais importñncia aos ganhos relativos do que as vantagens reciprocas. Assim,
as nagñes tentam continuamente mudar as regras on os regimes das relapñes
econfimicas internacionais para se beneficiar desproporcionalmente, em
relapño as outras poténcias economicas. Adam Smith comeniou com
sagacidade que todos querem ter um monopñlio, e tentarao agir
monopolisticamente, a nño ser que os competidores o impepam. Portanto,
uma economia international liberal nño se pode consolidar a nño ser quando
apoiada pelos Estados dominantes economicamente, cujos interesses sejam
consistentes com a sua preservaqao. Enquanto os liberais acentuam as
vantagens mutuas do comércio interna- cional, os nacionalistas e os marxistas
as consideram fundamentalmente conflitivas. Embora isso nao impe a a
cooperapao economica entre as napñes e a adopño de politicas liberais, a
verdade é que a interdependencia econñmica nunca é simétri- ca; de fato, ela
constitui uma fonte de conflito e inseguranpa. Desde Alexander Hamilton ate
os teoricos contemporñneos da dependéncia, os autores nacionalis-
tas cnfatizam a auto-suficiéncia e nño a interdependéncia econñmica.
No mundo modemo, o nacionalismo econsmico assumiu vñrias formas
dis- tintas. Ao reagir a Revolupao Comercial e a expansao do comércio
international, no principio desse periodo, o mercantilismo classico, ou
financeiro, enfatizava a promopño do comércio e um balanpo de pagamentos
superavitario. Depois da Revolupâo lndustrial, os mercantilistas como
Hamilton e List pregavam a supre- mafia da indñstria com relapño a
agricultura. Depois das duas guerras mtindiais, juntou-se a esses objetivos um
vigoroso compromisso com a primazia do bem- estar intemo e com o
chamado welfare state - o estado do bem-estar social. Nas ultimas décadas do
século XX, a impoi.ancia crescente da tecnologia avanpada, o desejo de
controlar os pontos focais da economia modema e o advento do que se
poderia chamar de “competitividade das politicas pñblicas” passaram a ser os
tra os caracteristicos do mercantilismo contemporâneo. No entanto, a
prcocupa- Rao prevalecente com o poder e a independéncia nacionais for
sempre a caracte- ristica predominante do nacionalismo econñmico.
Quaisquer que sejam a sua forma e as suas fraquezas como ideologia on
teoria da economia politica internacional, a enfase nacionalista na localizapao
geogrñfica e na distribuipño das atividades econfimicas torna-se muito
5 Robert Grip
atraente. Durante toda a histfiria modema, os Estados perseguiram politicas
de promo-
A economia politica das re\ a gâes intern a cionais 1

Rao do desenvolvinaento da industria, da tecnologia avanqada e das


atividades economicas com mais alta lucratividade e maior gerapao de
emprego dentro das suas fronteiras. Na medida do possivel, procuram criar
uma divisño interna- cional do trabalho favoravel a seus interesses politicos e
econñmicos. Com efeito, enquanto perdurar o presente sistema de Estados, o
nacionalismo econñmico tendera a representar uma influéncia importante nas
relapfies internacionais.

A perspectiva marxista

Como o liberalismo e o nacionalismo, o marxismo desenvolveu-se de


modo significativo desde que suas idéias fundamentais foram lanpadas por
Karl Marx e Friedrich Engels, em meados do século XIX.° As idéias de Marx
mudaram dUrante a sua vida, e suas teorias sempre estiveram sujeitas a
interpretagoes conflitantes. Embora o fi losofo considerasse o capitalismo
como um sistema econñmico global, ele nao desenvolveu um conjunto
sistematico de nopñes a respeito das relapñes intemacionais; essa tarefa coube
a gerapño de escritores marxlstas que o sucedeu. Além disso, tendo adotado o
marxismo como a sua ideologia oficial, a Union Suviética c a China o
inodificai’aiii seiiipre que neces- sario para servir a seus interesses nacionais.
Como no liberalismo e no nacionalismo, duas modalidades fundamentals
podem ser discernidas no marKiSmo moderno. A primeira é o marKismo
evolucionario da democracia social, associada a Eduard Bernstein e Karl
Kaustky; no mundo contemporñneo ela se reduziu em importancia, e mal pode
ser distinguida do liberalismo igualitario. No outro extremo temos o marxismo
revolucionario de Lenin e, pelo menos em teoria, da Uniiio Soviética. Em
razño do seu triunfo como a ideologia predominante em uma das duas
superpoténcias mundiais, essa variedade do marxismo é a mais importante, e
sera objeto de maior considerapao neste livro.
Como Robert Heilbroner (1980) observou, a despeito da eKisténcia
dessas diferentes variedades de marxismo podemos identificar quatro
elementos es- senciais no conjunto dos escritos de Marx. O primeiro elemento
é a abordagem dialética ao conhecimento e a sociedade, que define a natureza
da realidade como dinamica e conflitiva: os desequilibrios sociais e as mudan
as deles de- correntes sao devidos a luta de classes e ao choque das
contradipñes inerentes aos fenñmenos soclais e politlCOs. Segundo os
marxistas, nao ha uma harmonia social inerente que promova o retorno d
situapño de equilibrio, como pensam os

' Embora houvesse diferen9as importantes entre o pensamcnto de Engels e o de Marx, ao longo
desta discussño vou tomar os escritos de Marx como contribui ño conjunta de airbos.
5 Robert G il

libcrais. O scgundo clemento é a visao materialista da historia: o


desenvolvimento das formas produtivas e as atividades econfimicas sño a base
das mudanpas historicas e funcionam por meio da luta de classes a respeito da
distribuip3o do produto social. O terceiro é uma perspectiva geral do
desenvolvimento capita- lista: o modo de produpño capitalista e o seu destino
sao determinados por um conjunto de “leis econñmicas de transforma ao
da sociedade moderna”. O quarto é um compromisso normativo com o
socialismo: todos os marxistas acreditam que a sociedade socialista é nño so
necessaria como também uma meta desejavel para o desenvolvimento
histdrico (Heilbroner, 1980, p. 20-21 ). Dessas crenpas, sd a terceira vai nos
interessar aqui.
O marKismo caracteriza o capitalismo como a propriedade privada dos
meios de produpño e a existéncia de trabalhadores assalariados. Acredita que
o capitalismo seja impulsionado por capitalistas em busca de lucros, seguindo
a acumulapño de capital em uma economia de mercado competitiva. O
trabalho passou a ser uma merGadoria, sujeita ao mecanismo dos pre os. Para
Marx, essas duas caracteristieas principais do capitalismo sao respons3veis
pela sua natureza dinamica, tornando-o o mecanismo econñmico mais
produtivo ja visto. Embora sua missao histñrica seja desenvolver e unificar o
globo, o seu sucesso lhe apressara o finn. Segundo Marx, a origem, a
evolupao e o fim do sistema capitalista sño determinados por trés leis
econñmicas inevitaveis.
A primeira dessas leis é a da desproporcionalidade, que implica negar a
lei de Say; em termos slmplificados, esta ultima sustenta que a oferta cria a
sua propria demanda, de modo que, exceto por breves periodos, havera
sempre um equilibrio entre as duas {vide Sowell, 1972). A let de Say sustenta
que em uma economia de mercado capitalista o processo de recondupao ao
ponto de equih- brio torna a superprodupao impossivel. Marx, como mais
tarde John Maynard Keynes, negava a existéncia dessa tendéncia para o
equilibrio, e argumentava que as economias capitalistas tendem a prodUzir em
eKcesso determinados tipos de mercadorias. Para Marx, ha no capitalismo
uma contradipao intrinseca entre a sua capacidade de produzir bens e a
possibilidade que tern os consumi- dores (assalariados) de adquirir esses bens;
assim, a falta de proporpño recor- rente entre o que é produzido e o que é
consumido, em razño da “anarquia” do mercado, provoca flutuapñes
econñmicas e depressñes periñdicas. Previa que essas crises economicas se
tomariam cada vez mais sérias e terminariam por obrigar o proletariado a
rebelar-se contra o sistema.
A segunda lei que movimenta o sistema capltalista, de acordo com os
mar- xistas, é a da concentrapao (ou acumulapao) do capital. A forma motriz
do capitalismo é a busca de lucros e a conseqiiente necessidade de acumular e
de investir sentida pelo capitalista individual. A competipño obriga os
A economia politica das re\ a gâes intern a cionais 1
capitalistas a aumentar sua eficiéncia e seu investimento de capital, para niio
correr o risco
A economia politica das rela§oes internacionais 5

de extinqño. O resultado é que a evoluqao do sistema se faz mediante uma


crescente concentragao da riqueza nas mños dos poucos atores eficientes,
com o empobrecimento cada vez maior de inuitos outros. A pequena
burguesia é empurrada para as fileiras em expansao do proletariado
empobrecido; aumenta o “exército de reserva dos deseinpregados”; os
salarios diminuem c a socieda- de capitalista flea madura para a revolu ao
social.
A terceira lei do capitalismo é a da taxa de lucro cadente. A medida que
o capital se acumula, tomando-se mais abundante, sua taxa de retomo
declina, o que diminui o incentivo para investir. Embora os economistas c
lassicos libe- rais tenham admitido essa possibilidade, pensavam que se
poderia encontrar uma solupño, por exemplo, na exportapño de capital e de
manufaturas, assim como na importapño de alimentos baratos (Mill, 1970
1848], p. 97- 104). De seu lado, Marx acreditava que a tendéncia para a
queda dos lucros era irreversivel. Como a pressao da competipño obriga os
capitalistas a aumentar sua eficiéncia e sua produtividade, mediante
investimentos em tecnologia mais produtiva e menos dependente do trabalho,
o nivel de desemprego tenderia a crescer, e a taxa de ltIcfO, oii mais-valia, a
diminuir. Desse modo, os capitalistas perderiam o incentivo para investir em
empreendimentos produtivos, fonte de emprego. O resultado seria a
estagnapño econsmica, o aumento do desempre- go e o empobrecimento do
proletariado. Com o tempo, a crescente intensidade e a profundidade dos
ciclos econfimicos levariam os trabalhadores a rebelar-se para destruir o
sistema capitalista.
O nucleo da critica marxista ao capitalismo é a idéia de que, embora
indi- vidualmente os capitalistas sejam racionais (como presumem os
liberais), o sistema capitalista em si mesmo é irracional. O mercado
competitivo obriga os capitalistas a poupar, a investir e a acumular. Se a
busca de lucros é o combus- tivel do capitalismo, os investimentos sño o seu
motor, e o resultado é a acumu- lapao. De modo geral, contudo, esse capital
acumulado dos capitalistas indivi- duals leva a superproduqao periodica de
bens, ao excesso de capital e ao desa- parecimento dos incentivos para
investir. Com o tempo, a severidade crescente dos ciclos econsmicos e a
tendéncia de longo prazo para a estagnapño levain o proletariado a derrubar o
sistema por meio da violéncia revolucionaria. Assim, a contradigao inerente
ao capitalismo consiste no fato de, com a acumulapño de capital, o sistema
plantar as sementes da sua prñpria destruipao e ser subs- tituido pelo sistema
socialista .6

Com efeito, os marxistas estio acusando os defensores do capitalismo de empregar a falñcia


da composi9iio: “uma falacia em que se alega que o que é verdadeiro com relapao a uma
pane também o é, riece5sprinineiife, com rela9ao ao todo” (Samuelson, 1980, p. 1 1). Da
mesma forma, Keynes argumentava que, embora a poupanpa individual fosse uma virtude,
S Robert Gil pi
seria uma calamidadc se todos se dedicassein a poupar.
A economia politica das rela§oes internacionais 5

Em meados do século XIX Marx aGreditava que o amadurecimento do


capi- talismo na Europa e a captapao da periferia global pela economia de
mercado tinham preparado o terreno para uma revolupâo proletaria que traria
o finn da economia capitalista. Quando isso mo aconteceu, alguns dos seus
seguidores, como Rudolf Hilferding e Rosa LuKemburgo, preocuparam-se
com a resisténcia e a vitalidade do capitalismo, que se recusava a desaparecer
do cenario mundlal. A forma do nacionalismo, os éxitos econfimicos do
capitalismo e o advento do imperialismo levaram a metamorfose do
pensamento marxista, o qual culminou no Imperialismo de Lenin, publicado
pela primeira vez em 1917. Escrito na época da Primeira Guerra Mundial, e
baseando-se nos textos de outros autores marxistas, Imperialismo foi uma
polémica contra os inimigos ideolñgicos do mar- Kismo e também uma
sintese das critieas marxistas a economia capitalista sun- dial. Ao manifestar
seu pensamento, Lenin, de fato, converteu o marxismo de uma teoria
focalizada essencialmente na economia nacional em uma teoria das relapfies
politicas e econñmicas entre os Estados capitalistas.
Lenin impfis-se a tarefa de explicar o fato de, no principio da Primeira
Guer- ra Mundial, o nacionalismo ter triunfado sobre o intemacionalismo
proletario e procurado assim fomecer a base intelectual para a reunificapao do
movimento comunista internacional, sob a sua lideranpa. Queria demonstrar
que os parti- dos socialistas de varios paises europeus, em especial os
socialdeinocratas ale- maes dirigidos por Karl Kautsky, tinham apoiado suas
respectivas burguesias. E procurou também explicar por que nao tinha havido
o empobrecimento do proletariado previsto por Marx, mas, ao contralto, os
salarios estavam aumen- tando e os trabalhadores inscreviam-se rias
organizapñes sindicais.
No periodo entre Marx e Lenin, o capitalismo sofreu uma profunda trans-
formapño. Marx tinha escrito a respeito de um capitalismo confinado pratica-
mente a Europa Ocidental, uma economia fechada em que o impulso de cres-
cimento teria de esgotar-se um dia, a medida que colidisse com vdrios fatores
limitativos. No entanto, entre 1870 e 1914, o capitalismo passara a ser um
sistema aberto, de ambito cada vez mais amp!o, vibrante e tecnificado. Nos
dias de Marx, o vinculo fundamental da economia mundlal, que crescla lenta-
mente, era o comércio. Depois de 1870, porém, a exporta ño maeipa de capital
pela Inglaterra e, subseqiientemente, por outras economias desenvolvidas
tinha mudado de modo significativo a economia do mundo. O investimento
extemo e as finanpas internacionais alteraram profundamente as relapñes
economicas e politicas entre as sociedades. O capitalismo de Marx era
composto principalmen- te por firmas industriais pequenas e competitivas. Na
época de Lenin, contudo, as economias capitalistas estavam dominadas por
gigantescos grupos industriais que, por sua vez (de acordo com o prñprio
Lenin), eram controlados pelos grandes bancos — a chamada haut finance: a
S Robert Gil pi
“alta finanpa”. Para Lenin, o controle do
A economia politica das rela§oes internacionais 5

capital pelo capital, ou seja, do capital industrial pelo capital financeiro, represen-
tava o estagio mais avanpado do desenvolvimento capitalista.
Para ele, o capitalismo tinha escapado das trés leis que o dirigiam pelo
imperialismo ultramarino. A aquisipao de colñnias dera as economias
capitalis- tas a possibilidade de dispor das mercadorias produzidas e que nao
encontra- vam mercado dentro dos seus paises; de adquirir re(:::rsos a baixo
custo e exportar seu excesso de capital. E a exploraqao des: a: colonias
proporcionaria mais-valia adicional com a qual os capitalistas poderio i› .,
âquirir a lideranpa do seu prñprio proletariado. Para Lenin, o imperialismo
colonialista passara a ser uma caracteristica necessaria do capitalismo
avangado. A medida que suas fork as produtivas se desenvolviam e
amadureciam, a economia capitalista pre- cisava expandir-se no exterior e
capturar colñnias para nao ser vltimada pela estagnapño e pela revoluqño.
Lenin identificava essa expansao necessaria como a causa da destrui ao
eventual do sistema capitalista internacional.
A esséncia do argumento de Lenin é o de que a economia capitalista
inter- nacional promove o desenvolvimento mundlal, mas de forma desigual,
As eco- nomias capitalistas crescem com taxas diferenciadas, e esse aumento
diferen- cial do poder nacional é responsavel pelo imperialismo, pela guerra e
pelas mudanpas political internacionais. Ao reagir ao argumento de Kautsky de
que os capitalistas eram por demais racionais para entrar em conflito a
propñsito das colfinias, e se associariam na exploragño conjunta dos povos
coloniais (a doutrina do “ultra-imperialismo”), Lenin afirma que isso era
impossivel pelo que se tornou conhecido como a “lei do desenvolvimento
desigual”:

Basta quc essa questño [a possibilidade de as a!ianpas capitalislas serem


mais do que tempordrias, e isentas de conflitos] seja enunciada claramenle
para que se tome inipossivel dar-lhe outra resposta a nao ser a negativa;
porque sob o capitalismo nao se pode imaginar outra base para a divisño em
esferas de inf!uéncia (...) senao um calculo da forma dos participantes da
divis3o, do seu poderio econfimico, financeiro, militar, etc. E a forma relative
desses participantes niio muda de modo igual, pots sob o capitalismo o de-
scnvolviinento de diferentes empresas, trusts, setores industriais ou paises
nao pode ser o mesmo. Comparada com a Inglaterra da mesma época, ha
nieio século a Alemanha era um pais miseravel e insignificanle do ponto de
vista da sua forma capitalista. E o lapho era igualmente insignifieante
comparado com a Russia. Ora, pode-se conceber que em dez ou vinte anos
a forma relativa das poténcias imperialistas tera permanecido a mesma?
Isso é absolutamente inconcebivel (Lenin, 1939 [1917], p. 119).

Com efeito, nessa passagem e de modo geral na sua tentatlva de provar


que um sistema capitalista intemacional era intrlnsecamente instavel, Lenin
acrescentori uma quarta let as trés leis marxistas originais sobre o
S Robert Gil pi
capitalismo.
5 Robert

Segundo essa nova 1ei, a medida que as economias capitalistas amadurecem,


e o capital acumula-se, e a medida que as taKas de juros diminuem, as
economias capitalistas sño obrigadas a buscar colsnias e a eriar dependéncias
que lhes sirvam de mercados, saida para investimentos e para fontes de
alimentos e matérias-primas. Ao competir entre st, elas dividem as colonias
de acordo com a sua forma relativa. Por isso, a economia capitalista mais avan
ada, a inglesa, aproprioii-se do maior numero. No entanto, a medida que as
outras economias capitalistas se desenvolviam, houve uma tentativa de
redlstribuipao dessas colñ- mas. Esse eonflito iniperialista levou
inevitavelmente a gtierra entre as potencies coloniais emergentes e as
declinantes. Segundo essa analise, a Primeira Guerra Mundlal tinha por
objetivo a rcdistribuipao territorial das colñnias entre a Grñ- Bretanha,
potencia declinante, e outras poténcias capitalistas em asccnsao. Para Lenin,
as guerras coloniais continuariam ate a revolta contra o sistema por parte das
colonias industrializadas e do proletariado dos paises capital istas. Em termos
mais genéricos, Lenin raciocinava que, como as economias capitalistas crescer
e acumulam capital em taxas diferenciadas, um sistema capitalista
intemacional sd poderia ser estavel durante perlodos muito curtos. Ao opor-
se a doutrina do ultra-imperialismo de Kautsky, Lenin argumentava que todas
as alian3as capitalistas eram temporarias e refletiam equilibrios mo-
mentaneos de poder entre os Estados capitalistas, que seriam inevitavelmente
desestabilizados pelo processo de desenvolvimento desigual. A medida que
isso acontecesse, surgiriam novos conflitos dentro do mundo capitalis ta a
propssito
dos territdrios coloniais.
A lei do desenvolvimento desigual, com suas conseqiiéncias desastrosas,
havia se manifestado na sua época porque o mundo subitamente se tornara
finito — um sistema fechado. Durante décadas, as poténcias capitalistas euro-
péias haviam se expandido e absorvido territñrios ultramarinos, mas as
poténci- as imperialistas cada vez mais entravam em contato umas com as
outras e, portanto, em confronto, a medida que diminuiam as terras passiveis
de coloni- zapao. I.enin acreditava que o drama final seria a divisño
imperialista da China e que, esgotada a fronteira nño desenvolvida do mundo,
os choques entre os imperialistas se intensificariam. Com o tempo, esses
conflitos provocariam re- voltas nas colfinias, o que debilitaria o jugo do
capitalismo ocidental sobre as rapas colonizadas do resto do mundo.
A internacionalizapño da teoria marKlsta por Lenin representou uma
reformtila ño sutil, mas significativa dos seus conceitos. Na critica do
capita- lismo de Marx, as causas do seu desaparecimento eram
econñmicas: o capitalismo fracassaria por razñes econñmicas, quando o
proletariado se re- voltasse contra o seu empobrecimento. Além disso,
Marx tinha definido as classes sociais como os atores desse drama. Mas
A economia politica das rela§ées internacionais 5
Lenin substituiu essa visao
6 Robert

por uma critica politica do sistema capitalista, em que os atores principais


pas- saram a ser Estados nacionais mercantilistas a competir entre si e
impulsiona- dos pela necessidade econñmica. Embora o capitalismo
internacional tenha sido economicamente exitoso, Lenin argumentava que era
politicamente insta- vel, e representava um sistema de hostilidades
reciprocas. Nos paises capitalis- tas desenvolvidos, os trabalhadores, ou pelo
menos os que partlclpavam da chamada “aristocracia do trabalho”,
compartilhavam temporariamente da ex- plorapâo dos povos coloniais, mas
terminariam pagando por essas vantagens econñmicas no campo de batalha.
Lenin acreditava que a contradipño intrinse- ca do capitalismo residia na
conseqiiente luta entre as na Oes, e nao na luta de classes. O capitalismo
terminaria em decorréncia de uma revolta contra a sua inerente belicosidade,
com consequéncias politicas.
Em suma, Lenin argumentava que a contradipño inerente ao capitalismo
é o fato de, ao desenvolver o mundo, ele plantar as sementes politicas da sua
propria destrui ño e difundir a tecnologia, a industria e o poder militar. Cria
competidores estrangeiros com salarios mais baixos e um padrño de vida que
pode competir vantajosamente no mercado mundlal com a economia ate
entao dominante. A intensificapao da Gompeti ao econñmica e politica entre
as po- téncias capitalistas ascendentes e declinantes gera conflitos
econñmicos, riva- lidades imperiais e, eventualmente, a guerra. Para Lenin,
esse tinha sido o des- tino da economia liberal do século XIX, centralizada na
Inglaterra. Se vivesse hoje, nño Isa dñvida do que d ria: com o declinio da
economia norte-americana, um destino seinelhante ameapa a economia
liberal do século XX, centralizada nos Estados Unidos.
Com o triunfo do bolchevismo na Uniño Soviética, a teoria do
imperialis- mo capitalista de Lenin tornou-se a interpretapño marxista
ortodoxa da eco- nomia politlca internacional. No entantO, outros herdeiros
da tradipao marxis- ta continuaram a desafiar essa visao oficlal, modificada
também pelas mu- dan as subseqiientes na natureza do capitalismo e em
outros desenvolvimen- tos historicos. O capitalismo do estado do bem-estar
social realizou muitas das reformas que Lenin acreditava impossiveis, e o
controle politico das colñ- mas deixou de ser considerado uma caracteristica
necessaria ao imperialis- mo; o capitalismo financeiro da época de Lenin foi
substituido em parte pela empresa multinacional, e a visño de que o
imperialismo capitalista desenvolve os paises menos desenvolvidos foi
alterada pelo argumento de que, na verda- de, ele impede o seu desen v
olvimento; e al guns marx istas t iveram a ousadia de aplicar a teoria
marxista a propria criapño politica de Lenin — a Uniño Soviética.
Modificado desse modo no finn do século XX, o marxismo, em suas varias
manifesta ñes, continua a exercer grande infiuéncla como uma das trés
principais perspectivas da economia politica.
A economia politica das rela§ées internacionais 5

Crimea das diferentes perspectivas

Como vimos, o liberalismo, o nacionalismo e o marxismo adotam premis-


sas distintas e chegam a conclusñes conflitantes a respeito da natureza e das
conseqiiéncias da economia de mercado sundial ou (como preferem os mar-
xistas) da economia capitalista sundial. A posipño adotada neste livro é a de
que essas perspectivas on ideologias contrasiantes constituem compromiSSOs
intelectuais, atos de fé. Embora se possa demonstrar que certas idéias ou teo-
rias em particular, associadas com uma on com outra posipño, podem ser falsas
ou pelo menos questionaveis, nenhuma dessas perspectivas pode ser compro-
vada ou rejeitada com argumentos logicos on com a apresentapao de
evidéncia empirica. Ha varias razñes que explicar a persisténcia dessas
perspectivas e sua resisténcia aos testes cientificos.
Em primeiro lugar, eias baseiam-se elm premissas sobre as pessoas on
sobre a sociedade, premissas essas que nao podem ser verificadas pela expe-
rimenta ño empirica. Por exemplo: o concerto liberal do individuo racional nño
pode ser considerado verdadeiro ou falso; os individuos que parecem agir
con- trariamente aos seus interesses podem ter informapñes incorretas on, quem
sabe, procuram maximizar um objetivo que escapa ao observador — portanto,
podem estar agindo em coeréncia com a preml5sa basica do liberalismo. A fern
disso, os liberais poderiam dizer que, embora um individuo em particular, em um
caso especifico, pudesse estar agindo irracionalmente, em conjunto a premissa
da racionalidade continuaria a ser valida.
Em segundo lugar, o fracasso das previsñes feitas com base em uma de-
terminada perspectiva pode sempre ser descontado se introduzirmos na analise
certas hipoteses ad hoc.7 A literatura marxista esta repleta de tentativas de
explicar as falhas de previsao da teoria. Lenin, por exemplo, desenvolveu o
conceito da “falsa con5ciéncia” para explicar o fato de que os trabalhadores
preferiam ingressar nos sindicatos em vez de paoicipar do proletariado revolu-
cionario. A teoria de Lenin do imperialismo capitalista pode ser considerada
igualmente um esforpo para explicar o insucesso das previsñes de Marx a
respeito do colapso do capitalismo. Mais recentemente, como comentaremos
adiante, os marxistas foram obrigados a formular teorias elaboradas do Estado
para explicar a emergéncia do wclfare state e sua aceitapao pelos capitalistas,
algo que Lenin afirmou ser impossivel.
Em terceiro lugar, e mais impouante, as trés perspectivas que descreve-
mos tern objetivos distintos e, em certa medida, se colocarn em niveis analiticos
diferentes. Assim, tanto os nacionalistas como os marxistas podem aceitar a

7
Pile B laug (1978, p. 717) sobre o emprego de hipoteses ad hoc para explicar previsñes
equivocadas.
6 Robert Grip

maior parte da economia liberal como instrumento de analise sem rejeitar


mui- tas das suas premissas e fundamentos normativos. Marx utilizOu a
economia classica com muita habilidade, mas seu objetivo era incl ui-la em
uma grande teoria sobre a origem, a dinfimica e o finn do capitalismo. Com
efeito, a dife- renda fundamental entre o liberallsmo e o marxismo tern a ver
com as per- guntas formuladas e suas premissas sociologicas, e nño com a
metodologia econsmica empregada (Blaug, 1978, p. 276-277).
Conforme reformulado por Lenin, o marxismo tornOu-se dificil de
distin- guir da doutrina do realismo politico (Keohane, 1984a, p. 41 -46).
Como o nacionalismo econsmico, o realismo polltlco acentua a primazia do
Estado e a seguran a nacional. Embora estejam muito proximos, o realismo é,
em es- séncia, urna posipño politica, enquanto o nacionalismo economico é
uma ati- tude econñmica. Em outras palavras, o nacionalismo econsmico
baseia-se na doutrina realista das relapñes internacionais.
Tanto na teoria de Lenin como no realismo politico, os Estados lutam
para aumentar seu poder e sua riqueza, e a chave dos eonflitos e das
mudanpas politlcas intemacionais é o diferencial no ganho de poder (Gilpin,
1981). No entanto, as premlssas das duas teorlas, com respeito a base da
motivapño hu- mana, a natureza do Estado e do sistema intemaclonal, sao
fundamentalmente distintas. Para os marxistas, a natureza humana é
inaleavel, facilmente cor- rompida pelo capitalismo e recuperada pelo
socialismo; mas os realistas acredi- tarn que os conflitos politicos resultam de
uma natureza humana imutavel.
Enquanto os marxistas acreditam que o Estado é o servidor da classe do-
minance, para os realistas ele é uma entidade relativamente autñnOma, a qual
visa aos interesses nacionais que nño podem ser reduzidos aos interesses par-
ticulares de qualquer classe. Para os marxistas, o sistema internacional e a
politica externa sao determinados pela estrutura da economia nacional; para
os realistas, a natureza do sistema internacional é que determina fundamental-
mente a politica externa. Em suma, os marxistas consideram a guerra, o
impe- rialismo e o Estado como manifestapoes maléficas de um capitalismo
que vat desaparecer com a revolupño comunista, enquanto para os realistas
sño trapos inevitaveis de url sistema politico internaclonal marcado pela
anarquia.
A diferenqa entre as duas perspectivas, portanto, é eonsideravel. Para o mar-
xista, embora O Estado e as lutas entre os Estados sejam uma consequéncia do
modo capitalista de produ ao, o futuro trarâ um reino de verdadeira harmonia e
paz, depois da revolupño inevitavel que o capitalismo malévolo vai provocar. O
realista, de outro lado, acredita que nao havera jainais nenhum nirvana, em
virtude da natureza inerentementc egoista dos seres humanos e da anarquia do
sistema internacional. As lutas entre grupos e Estados é virtualmente lncessante,
embora ocasionalmente possa haver uma suspensño temporaria. Ora, parece
improvavel que qualquer dessas previsñes possa ser comprovada cientificamente.
A economia politica das rela oes internacionais 6

Cada uma das trés perspectivas que descrevemos tern pontos fortes e
fracos, que vamos explorar mais adiante. Embora nenhuma dcJas nos propor-
cione uma compreensao tompleta e satisfatoria da natureza e do dinamismo
da economia politica intemacional, em conjunto, ela s nos dao uma boa visao
desse aspecto da realidade, e também levantam questñes que serao desen-
volvidas nos capitulos seguintes.

Critica do liberalismo cconâmico

O liberalismo incorpora um conjunto de instrumentos analiticos e de pres-


cripñes de politicas que permitem a uma sociedade maximizar seus ganhos a
partir de recursos escassos; seu compromisso com a eficiéncia e a rnaximizapao
da riqueza total proporciOnam boa parte da shia fork a. O mercado representa o
meio mais efetivo para organizar as rela ñes econfimicas, e O mecanismo dos
prepos funciona para garantir que do intercambio comercial tendam a resultar
vantagens mutuas e, portanto, beneficios sociais agregados. Com efeito, a eco-
nomia liberal diz a sociedade, nacional ou intemacional: “isso é o que é preciso
fazer para conquistar a riqueza”.
De Ada m Smith até hoje, os liberais tern procurado descobrir as leis
que governam a riqueza das napñes. Embora em sua maioria considerem as
re- gras da ecOnomia como leis naturais inviolaveis, elas podem ser vistas
tam- bém como guias prescritivos para a tomada de decisao. Se forem
violadas, haven um custo; a busca de outros objetlvOs, além da eficiéncia,
implicarâ necessarlarnente um custo de oportunidade, em termos de
eficiéncia perd da. O liberalismo enfatiza o fato de haver sempre essas
oppñes nas politicas publicas. Por exemplo: no longo prazo a énfase na
igiialdade e na redistribuipao esta condenada ao fracasso se nño leva em
conta a considerapño da eficiéncia. Para que a sociedade seja eficiente, nño
pode descoosiderar inteiramente as “leis” econñmicas — como as economias
socialistas descobrirain.
A principal defesa do liberalismo talvez seja negativa: embora possa ser
verdade, como alegam os marxistas e alguns naeionalistas, que a altemativa
para o sistema liberal poderia ser um outro sistema em que todos ganhassem
igualmente, e possivel também que com eie todos perdessem em termos
abso- lutos. Muito se pode dizer em defesa da doutrina liberal da harmonia
dos inte- resses; contudo, coiifOrine ponderou E. H. Carr, a evidéncia
apresentada em seu apoio é extraida geralinente de pcriodos historicos nos
quais houve “um aumento sem paralelo da produpao, da populapño e da
prosperidade” (Carr, 1951 [1939), p. 44). Quando as condiqfies da economia
sño dificeis (como aconteceii na década de 1930), a harmonla desaparece e,
como von demons-
6 Robert Grip

trar, a consequente queda dos regimes llberais tende a conduzir ao conflito


economico, em que todos perdem.
A principal critica feita ao liberalismo econñmico é a de que suas
premissas baslcas, tais como a existéncia de atores racionais, do mercado
competitlvo, etc., sao irrealistas. Em parte, essa critica é injusta, pots os
liberais adotam conscien- temente essas premissas simplificadoras da
realidade para facilitar a pesquisa cientifica. Sem tal recurso a ciéncia nao é
possivel. O que é mais lmportante é que elas devem ser julgadas pelos seus
resultados e pcla sua capacldade dc prever, e nao pelo seu alegado irrealismo
(Posner, 1977, cap. I), conforme ale- gam, corretamente, os que as adotam.
Desse ponto de vista, e dentro da sua esfera, a economia liberal demonstrou
ser um instrumento analitico poderoso.
No entanto, a economia liberal pode ser criticada sob varios aspectos im-
portantes. Como um me to para compreender a sociedade, especlalmente a
dinamica soclal, a ciéncia econñmica é um instrumento de utilidade limitada e
nño pode servlr para uma abordagem abrangente da economia politlca. Contu-
do, os economistas liberais tendem a esquecer essa limitapño intrinseca, ao ver
a economia como a ciéncia social por exccléncia e ao permitir que ela pratique
uma forma de “imperialismo” com relaqao a outras disciplinas. E quando isso
acontece, a natureza e as premissas fundamentals da economia podem desviar
o estudioso do seu caminho e limitar sua utilidade como uma teoria da econo-
mia politica.
A primeira dessas limitap0es é o fato de o pensamento econñmico separar
artificialmente a economia dos outros aspectos da sociedade e aeeitar como
um dado a estrutura sociopolitica existente, incluindo-se at a distribuipao do
poder e dos direitos de propriedade, a dotapño de recursos dos individuos, dos
grupos e das sociedades nacionais, assim como todas as instituipñes sociais,
politicas e eulturais. O mundo liberal é lsento de fronteiras politicas e imposi-
Uses sociais; é habitado por individuos homogéneos, racionais e iguals. Suas
“leis” prescrevem uin conjunto-de regras de maximizapño para os atores eco-
nñmicos sem levar em conta onde e com que meios eles dño inicio a suas
atividades; no entanto, na vida real é muito comum que o ponto de partida
determine o destino desses atores (Dahrendorf, 1979).
Outra linsitapao da economia liberal como teor la é a tendéncia para nao
levar em conta a justipa ou a equidade dos resultados da atividade econñmica.
Apesar dos seus esforpos herfilCos para formulas uma economia do bem-estar
“objetiva”, a distrlbuipño da renda entre as sociedades e em cada uma delas
nño esta presente no campo de visio fundamental da economia liberal. Ha uma
certa verdade na critica marxista de que a economia liberal é rim conjunto de
ferramentas para gerenciar uma economia capitalista de mercado. Para os
marxistas, a economia burguesa é uma disClplina adlTllnistrativa e nao uma
6S A econ om ia politica das
Robert Gil re la does interna ciona
pin 6

ciéncia holistica da sociedade. Diz como se pode alcanpar determinados obje-


tivos ao menor custo, dentro das limitapñes existentes, mas nño pretende res-
ponder as perguntas sobre o futuro e o dRStinO do homem — temas caros aos
marxistas e aos nacionalistas econñmicos.
O liberalismo é limitado também pela sua premissa de que o comércio é
sempre livre, desenvolvendo-se em um mercado competitivo entre iguais com
perfeita informapño, e pode assim assegurar ganhos reciprocos nesse inter-
cambio. Infelizmente, como Charles Lindblom tern argumentado, os termos
de intercambio podem ser afetados profundamente pela coerqao, pelas
diferenpas no poder de negocia ao (o monopfilio e a monopsonia) e por outros
fatores essencialmente politicos. Com efeito, por negligenciar tanto esses
fatores nño- econfimicos eomo os efeitos politicos do comércio, o liberalismo
nao é uma verdadeira “economia poliiica”.
Outra limitapao da economia liberal é o fato de sua analise tender a ser
estdtica. Pelo menos no curto prazo ela aceita como eonstantes o conjunto das
demandas dos consumidores, o arcaboupo institucional e o contexto
lecnolñgico, vistos como limitapñes e oportunidades que determinam as
oppñes disponiveis e as decisñes tomadas. Para o liberal, problemas
relacionados com as origens ou as direpñes tomadas pelas instituipñes
econñmicas e o aparelho tecnolñgico da sociedade sao secunddrios. O
economista liberal é incrementalista e acredi- ta que as estruturas sociais
tendem a mudar lentamente, em reapño aos sinais dados pelos pre os. Embora
a econoiiiia libcral tenha procurado desenvolver teorias da mudanpa
econñmica e tecnolñgica, as variñveis importantes de natu- reza social,
politica e tecnolñgica que afetam essas mudanpas sño considera- das fatores
eKogenos, os quais excedem a provincia da analise econñmica. Conforme a
critica marxista, falta ao liberalismo, que tende a presumir a esta- bilidade e as
virtudes do status qiiD econñmico, uma teoria da dinamica da economia
politica intemacional
Com suas leis para a maximizapao do comportamento, a economia llberal
baseia-se em premissas muito restritivas. Nunca houve uma sociedade com-
posta pelo genuino “homem econñmlCo” da teoria liberal. Para funcionar,
uma sociedade exige lados afetivos e a subordinapño do interesse individual a
valo- res sonars mais amplos; se nao fosse assim, as sociedades se
desintegrariam (Polanyi, 1957). Contudo, a sociedade ocidental avanpou
muito na busca do aperfeigoamento social e econñmico e limitou a tendencia
basica do individuo a privilegiar seu egoismo (Baechler, 1971). Ao liberar o
mecanismo do mercado de imposipfies politicas e sociais, a civilizagño
ocidental pñde alcan ar um nivel de afluéneia sem precedentes, o que
constituiu um exemplo para outras civili- zapñes, No entanto, isso for feito a
custa de outros valores, porque a prñpria economia liberal ensina que nada
pode ser alcanpado sem um custo.
6 Robert Gil

Critica do nacionalismo econâmico

A maior forma do nacionalismo econñmieo é o seu foco no Estado como


ator predominante rias relapses intemacionais e como instrumento de desen-
volvimento eGonñmico. Embora muitos autores argumentem que a economia
e a tecnologia modernas tornaram o Estado nacional um anacronismo, o
século XX termina com o sistema de Estados ainda em expansao: em todo o
mundo as sociedades procuram criar Estados fortes, capazes de organizar e
gerenciar sua economia, e o nñmero de Estados continua a aumentar. Mesmo
nos mais antigos, o sentimento nacionalista pode facilmente ser inflamado,
como aconte- ceu na Guerra das Malvinas, em 1982. Embora existam outros
atores, como as organizapñes internacionais, as quais exercem sua influéncia,
a eficiéncia eco- nfimica e militar do Estado faz com que ele tenha posipao de
preeminéncia dentre todos os atores presentes.
Uma segunda forma do nacionalismo é a sua énfase na importancia da
seguranpa e dos interesses politicos na organiza$ao e na conduta das relapñes
econsmicas intemacionais. Nao é preciso aceitar a énfase nacionalista no pri-
mado da seguranpa para compreender que em um sistema intemacional anar-
quico e competitivo a seguranpa do Estado é uma precondiqao necessaria para
a sua higidez econñmica e politica. O Estado que nao garante sua prdpria
segu- ranpa perde a independéncia. Quaisquer que sejam os objetivos da
sociedade, os efeitos das atividades econsmicas sobre a independéncia politica
e o bem- estar interno constituem matéria importante na pauta das suas
preocupaqñes (Strange, 1985c, p. 234).
A terceira forma do nacionalismo é a sua énfase na estrutura politica das
atividades econñmicas, seu reconhecimento de que os mercados precisam fun-
cionar em um universo de Estados e grupos competitivos. As relap0es
politicas entre esses atores afetam o funcionamento dos mercados, assim como
estes ultimos influenciam as relapñes politicas. Com efeito, o sistema politico
interna- cional constitui uma das limitapñes mais importances e determinantes
dos mer- cados nacionais; como os Estados procuram influir sobre os
mercados em van- tagem prdpria, é crucial o papel do poder na criapao e na
sustentagao das relapoes do mercado. Ate mesmo o exemplo cldssico de
Ricardo, da troca de las inglesas por vinhos portugueses, nao estava isento do
poder estatal (Choucri, 1980, p. l11). Na verdade, como Carr demonstrou,
todo sistema econsmico depende de uma base politica segura (Carr, 1951
[1939)).
Uma fraqueza do nacionalismo é sua tendéncia a acreditar que as
relapñes economicas internacionais sño sempre e exclusivamente um jogo de
soma zero; ou seja, que o ganho de um Estado precisa eorresponder
necessariamente a perda sofrida por outro. O comércio, o investimento e todas
as outras relapses
A economia politica das rela§oes interrtacionais 6

economicas sao vistas pelos nacionalistas primordialmente em termos


conflitivos e distributivos. Contudo, quando ha cooperapao, os mercados
podem trazer um ganho reciproco, como insistem os liberais — embora nño
necessariamente igual. E a possibilidade de vantagem para todos os
participantes que constitui a base da economia de mercado intemacional.
Outra fraqueza do nacionalismo é o fato de a busca do poder normalmente
conflitar com a procura da riqueza, pelo menos no curto prazo. A acumula ao
e o emprego do poder militar ou de outros tipos representam um custo para a
sociedade, custo este que pode comprome- ter sua eficiéncia econñmica.
Portanto, homo argumentava Adam Smith, as politicas mercantilistas dos
Estados do século XVII I que identifitavam o di- nheiro com a riqueza
prejudicavam o aumento da riqueza real, criado pelos incrementos de
produtividade. Adam Smith demonstrou que a riqueza das na- fies seria mais
bem servida pela politica do livre comércio. Do mesmo modo, a tendéncia
hoje prevalecente para identificar a industria com o poder pode debilitar a
economia de um Estado. O desenvolvimento industrial que nño leva em
conta o mercado e as vantagens comparativas pode enfraquecer uma
sociedade economicamente. Embora em situapao de conflito os Estados
pre- cisem as vezes seguir uma politica mercantilista, no longo prazo essa
politica pode ser comprometedora.
Além disso, falta ao nacionalismo uma teoria satisfatsria da sociedade na-
cional, do Estado e da politica externa. 0s nacionalistas tendem a presumir que
a sociedade e o Estado formam uma entidade unitaria, e que a politica externa
é determinada por um propdsito nacional objetivo. Contudo, como os liberais
acentuam (e com razño), a sociedade é pluralista e consiste em individuos e
grupos, on seja, agregados de individuos, que procuram capturar o aparelho
estatal para pfi-lo a servipo dos seus prñprios interesses politicos e economicos.
Embora os Estados tenham diferentes grans de autonomia social e de indepen-
déncia na formulapño das suas politicas, a politica externa (incluindo-se at a eco-
nfimica) resulta em grande parte do resultado da competipao entre os grupos
dominantes dentro de cada sociedade. O protecionismo comercial e a maioria
das outras posipñes nacionalistas derivam das tentativas por um ou outro fator
da produpño (o capital, o trabalho ou a terra) de adquirir uma posi ao
monopolistica e de aumentar desse modo sua participapño no rendimento da
economia. As politicas nacionalistas sño adotadas muitas vezes para redistribuir a
renda auferida pelos produtores, originada nos consumidores e na sociedade de
modo gerai.g

' l4a muitos livros sobre a economia politica das tarifas e de outras formas de protecionismo
comercial, com o objetivo de produzir recursos. Como jâ notamos, o tema do processo de
forinapño da politica econñmica excede o escopo deste trabalho. Grey ( 1984b) apresenta
uma cxcclente discussño dessa abordagem a politica tarifaria e a assuntos correlatos.
A economia politica das rela§oes internacionais 6

Assim, o nacionalismo pode ser interpretado on como uma teoria da


conso- lidapao do Estado ou como um disfarce para encobrir os interesses de
determina- dos grupos de produtores, grupos estes que se encontram em
posipao de influ- enciar a politica nacional. Na impossibilidade de apreciar p!
enamente os dois sentidos possiveis do nacionalismo econñmico, ou mesmo
de distingui-los, os nacionalistas podem ser acusados de nño aplicar, tanto nos
assuntos internos do seu pais como na politica externa, a sua premissa de que
a estrutura politica influencia os resultados econñmicos. Deixam de levar na
devida conta o fato de os grupos politicos intemos usarem freqiientemente
uma retfirica nacionalis- ta para promover os seus interesses, em especial a da
seguranpa nacional.
Enquanto, no passado, a terra e o capital eram os eanais mais importantes
do sentimento nacionalista, rias economias avanpadas o trabalho tomou-se o
mais nacionalista e proteeionista dos trés fatores da produpño. Em um mundo
de capital e recursos dotados de alta mobilidade, o trabalho procura usar o
Estado para proteger seus interesses ameapados. E o poder ampliado do traba-
lho no welfare state contemporâneo tomou-o uma forma importante do nacio-
nalismo econsmico, como mostrarei adiante.
A validade da énfase nacionalista no protecionismo e na industrializapño
é mais dificil de avaliar. E verdade que todas as grandes poténcias industriais
tém um Estado forte, o qual protegeu e promoveu a sua industria rias fases
iniciais do processo de industrializapao; e que sem o protecionismo, as
industrias nas- centes das economias em de5envolvimento provavelmente nao
teriam sobrevi- vido a competiqao das empresas poderosas das economias
mais avanpadas. Contudo, o alto nivel de protecionismo adotado em muitos
paises provocou a criapao de industrias ineficientes e chegou mesmo a retardar
o desenvolvimen- to da econOmla (Kindleberger, 1978b, p. 19-38). No ultimo
quartet do século XX, economias como a de Formosa e a da Coréia do Sul,
moderadamente protecionistas e favorecendo a competipao das industrias de
exportapao, tive- ram melhores resultados do que as dos paises menos
desenvolvidos que tenta- ram se industrializar protegidos por barreiras
tarifarias elevadas, ao adotar uma estratégia de substituipao das importa§ñes.
A preferéncia demonstrada pelos nacionalistas em favor da industria,
comparativamente a agrlcultura, apresenta também vantagens e desvantagens.
E verdade que a indñstria tern alguns pontos em seu favor e que a introdupao
da tecnologia industrial em uma sociedade produz efeitos seeundarios (os cha-
mados s; illovers) que tendem a transformar e a modernizar todos os aspectos
da economia ao aprimorar a qualidade da forma de trabalho e ao aumentar a
lucratividade do capital.’ No entanto, nño podemos esquecer que poucas
socie-

Cornwall (l 977) propse mm argumento representativo das vantagens da industria com rela to
a agricultura no desenvolvimento econñmico.
6 Robert 6

dades puderam se desenvolver sem passar antes por uma revolu ao agricola, a
qual lhe den um nivel elevado de produtividade no campo (Lewis, 1978a).
Com efeito, algumas das economias mais prñsperas como a Dinamarca, o
farm belt norte-americano e o Canada ocidental estao baseadas em uma
agricultura efi- ciente (Viner, 1952). Além disso, em todas essas sociedades
for o Estado que promoveu o desenvolvimento agricola,
Conclui-se, assim, que os nacionalistas estao essencialmente corretos na
sua crenpa de que o Estado precisa ter um papel importante no
desenvolvimen- to econsmico. E preciso um Estado forte para promover a
indñstria e, em al- guns casos, para protege-la, assim como para criar uma
agricultura eficiente. Contudo, embora esse papel ativo do Estado seja uma
condipao necessaria, nño é suficiente. A existéncia de um Estado forte e
intervencionista nao garan- te por si so o desenvolvimento econsmico; na
verdade, pode mesmo retarda-lo. A condipao suficiente é uma organizapño
econñmica eficaz da agricultura e da industria, e na maioria dos casos isso se
consegue por meio do mercado. Essas duas condipñes politicas e econñmicas
tém caracterizado as economias desen- volvidas e os paises de rapida
industrializapño no sistema intemacional contem- porñneo.
E importante perceber que, quaisquer que sejam seus méritos ou suas de-
ficiéncias relativas, o nacionalismo etonfimico tern um apelo persistente. Em
toda a histfiria modema, a localizapao intemacional das atividades
econñmicas tern sido uma preocupapño importante dos Estados, os quais
desde o século XVII tém seguido politicas conscientes de desenvolvimento
industrial e econS- mico. Mas, para conseguir um poder militar estavel e
movido pela cren a de que a indñstria oferece um maior “acréscimo de valor”
a produpao do que a agricultura {vide Cap. 3, nota 26), o Estado nacional
moderno adotou como um dos seus objetivos mais importantes a criapiio e a
protepao do poder industrial. Enquanto eKistir um sistema intemacional
competitivo, o nacionalismo econñ- mico continuara a exercer uma forte
atrapño.

Critica da teoria marxisfa

O marxismo coloca o problema econñmico — a produpao e a distribuipao


da riqueza material — onde ele pertence, no centro ou perto do centro da vida
politica. Enquanto os liberais tendem a ignorar a distribuipao, e os
nacionalistas estño preocupados primordialmente com a distribuiqao
internaciorial da ri- queza, os marxistas focalizam os efeitos infernos e
intemacionais da economia de mercado na distribui ño da riqueza. Chamam
atenpio para o modo como as regras ou os regimes que regulam o comércio, o
investimento e outras relapñes econñmicas intemacionais afetam a
distribuiqao da riqueza entre os grupos e
A economia politica das rela§oes internacionais 6

os Estados (Cohen, 1977, p. 49).' 0 No entanto, nao é necessario aceitar a inter-


preta ño materialista da historia ou o primado da luta de classes para entender
que a forma como as pessoas ganham a vida e distribuem a riqueza determina
criticamente a estrutura social e a conduta politica.
Outra contribuipño do marxismo é a sua énfase na natureza e na estrutura
da divisño do trabalho, tanto nacional como internacional. Marx e Engels
mostra- ram corretamente em A ideologfa alemâ que qualquer divisao do
trabalho impli- ca uma dependéncia e, portanto, uma relapao politica (Marx e
Engels, 1947 [1846]). Em uma economia de mercado o neKo econñmico entre
os grupos e os Estados adquire importancia critica na determinapao do seu
bem-estar e das suas rela- does politicas. Mas a analise marxista é muito
limitada, porque a interdependéncla economica nao é o iinico conjunto de
relapñes entre os Estados, nem mesmo o mais impoHante. As rela ñes
politicas e estratégicas entre os atores politicos tém a mesma on maior
importancia, e nao podem ser reduzidas a simples considera- qñes econsmicas,
pelo menos nño como os marxistas definem a economia.
A teoria marxista da economia politica intemacional é também valiosa,
porque focaliza as transformapñes politicas intemacionais. Nem o liberalismo
nem o nacionalismo tern uma teoria compreensiva das mudanpas sociais.
O marxismo enfatiza o papel da economia e da tecnologia para explicar a
din3- mica do sistema internacional. Como explica a let do desenvolvimento
desigual de Lenin, o diferencial de aumento do poder entre os Estados é uma
causa subjacente das mudanpas politicas intemacionais. Lenin estava certo,
pelo menos em parte, ao atribuir a Primeira Guerra Mundlal ao
desenvolvimento desigual do poder entre os Estados industria)izados, os quais
entravam em conflito a respeito da divisño territorial. Nao pode haver muita
duvida de que o cresci- mento desigual de varias poténcias européias e seus
efeitos sobre o equilibrio do poder contribuiram para a falta de seguranpa
coletiva. A competipao por mercados e por colonias for um fator agravante
das relapñes interestdtais. Além disso, a perceppao crescente pelo homem
comum dos efeitos das vicissitudes do mercado mundlal e da conduta
econñmica dos outros Estados sobre o seu bem-estar material e a sua
seguranpa passou a ser também um fator significa- tivo na promopao dos
antagonismos nacionais. Para o cidadño, eomo para as napñes, o aumento da
interdependéncia econñmica trouxe consigo um novo sentido de inseguranpa,
de vulnerabilidade e de ressentimento com respeito aos rivais politicos e
econñmicos eKternos.
Nño ha duvida de que os marxistas estño também certos quando atribuem
as economias capitalistas, pelo menos como as conhecemos historicamente,

' O volume editado por Krasner (! 982c) contém uma ampla discussâo do conceito dos
regimes intemacionais.
7 Robert

um impulso poderoso para a expansño por meio do comércio e especialmente


pela exportapño de capitais. Os prñprios economistas classicos liberais obser-
varam que o crescimento economico e a acumula âo de capital criam uma
tendéncia a diminui$iio da taxa de retorno (o lucro). Mas esses economistas
observaram também que essa queda da lucratividade pode ser compensada
pelo comércio intemacional, pelo investimento eKterno e por outros meios.
En- quanto o comércio absolve o capital excedenie, por meio das
exportapfies, o investimento extemo canaliZa o capital para fora do pais.
Assim, os economis- tas classicos confirmam a afirmativa marxista de que as
economias capitalistas tern uma tendéncia intrinseca a exportar as
mercadorias que produzem, assim como seu capital excedente.
Essa tendéncia levou a conclusao de que a natureza do capitalismo é
inter- nacional, e que sua dinamica interna estimula o expansionismo
intemacional. Em uma economia capitalista fechada e na falta de progresso
tecnologico, o consumo insuficiente, o excesso de capital e a resultante
queda na lucratividade levariam eventualmente ao que John Stuart Mill
chamou de “estado estaciona- rio” (Mill, 1970 [1848], p. 111). Mas em
uma economia mundial aberta, carac- terizada pelo capitalismo em
expansao, pelo crescimento demografico e pelo aumento continuo da
produtividade, mediante o progresso tecnologico, nao ha uma razao inerente
para que ocorra a estagna ao econsmica.
Por outro lado, uma economia comunista ou socialista nao tern uma ten-
déncia econâmica intrinseca para se expandir internacionalmente. Em uma
economia comunista, o investimento e o consumo sño determinados antes de
mais nada pelo planejamento nacional; além disso, o Estado tern o
monopslio de todas as trocas internacionais.'' Naturalmente, uma economia
comunista pode ter motivos politicos ou estratégicos para exportar capital, ou
pode preci- sar investir no exterior para assegurar o suprimento de matérias-
primas vitais. Um regime marxista pode também achar lucrativo o
investimento no exterior, ou dedicar-se a outras transapñes comerciais. A
Uniao Soviética, por exem- plo, for considerada em algumas ocasiñes
como negociadora sagaz, e tern um certo mérito a observapño de Ralph
Hawtrey de que o advento de um gover- no comunista ou socialista nao
elimina o lucro como motivo, mas simples- mente o transfere para o
Estado (Hawtrey, 1952). Nao obstante, a estrutura dos incentivos existente
em uma sociedade comunista, com sua énfase no prestigio, no poder e na
ideologia, nao se inclina ao estimulo da expansao econfimica no exterior.
Ao contrario, sua tendéncia é subordinar a economia a politica e aos
objetivos nacionalistas do Estado (Viner, 195 l).

' ' Wiles (1968) apresenta uma analise valiosa do comportamento contrastante das economias
capitalistas e comunistas.
A economia politica das rela§oes internacionais 7

Os marxistas certamente estao com razâo quando afirmam que o capita-


lismo necessita uma economia mundial aberta. 0s capitalistas querem exportar
mercadorias e capitais para as economias estrangeiras; as exportaqoes tern
um certo efeito keynesiano sobre a demanda e estimulam nas economias
capitalis- tas a atividade econfimica, e as exportaqfies de capital aumentam a
taxa global de lucro. O fechamento dos mercados estrangeiros e dos canais
para a trans- feréncia de capital prejudicaria o capitalismo, e uma economia
capitalista fe- chada teria provavelmente como resultado um declinio
dramatico do cresci- mento economico. Ha razño para acreditar que o sistema
capitalista (pelo me- nos como o conhecemos) nao poderia sobreviver na
auséncia de uma econo- mia mundlal aberta. Conforme Marx observou, o
capitalismo é essencialmente cosmopolita; a ideologia dos capitalistas é
internacional. O capitalismo em um so Estado seria indubitavelmente uma
impossibilidade.
Nos séculos XVIII e XX os Estados capitalistas dominantes —a Gri-
Bretanha e os Estados Unidos — usaram o seu poder para promover e para
manter a abertura da economia mundlal. Utilizaram sua influéncia para
derrubar as barrei- ras ao livre fluxo das mercadorias e do capital. Quando
necessaño, “o maior poder das napñes desenvolvidas impos aos seus parceiros
hesitantes as oportuni- dades oferecidas pelo comércio e a divisño de trabalho
internacional”, para usar as palavras de Simon Kuznets (Kuznets, 1966, p.
335). Ao buscar seus prsprios interesses, essas napñes criaram o direito
intemacional para proteger a propriedade dos comerciantes e investidores
particulares (Lipson, 1985). E quando as grandes napñes comerciantes
deixaram de poder implementar as regras do livre comércio, o sistema liberal
comepou seu recuo sistematico. Ate ai, portanto, os marxistas tern razâo
quando identificam o capitalismo com o imperialismo modemo.
A principal fraqueza do marxismo como teoria da economia politica inter-
nacional decorre do fato de nño levar em conta o papel dos fatores politicos e
estratégicos nas relaqñes internacionais. Embora se possa apreciar as percep-
pñes do marxismo, nao é necessario aceitar a teoria marxista segundo a qual a
dinamica das relapñes intemacionais modernas tern como causa a necessidade
de exportar mercadorias e capital excedentes das economias capitalistas. Por
exemplo: na medida em que o crescimento desigual das economlas nacionais
leva a guerra, isso se deve as rivalidades nacionais, que podem existir
qualquer que seja a natureza das economlas nacionais — um born exemplo é o
conflito entre a China e a Uniao Soviética. Embora a competiqao pelos
mercados e pela exportapño de capitais possa ser um fator de tensao, uma
causa do impe- rialismo e da guerra, isso nao explica satisfatoriamente a
conduta externa dos Estados capitalistas.
A evidéncia historica nño apñia, por exemplo, a explicapao da Primeira
Guerra Sundial por Lenin, imputando-a a lfigica do capitalismo e ao sistema
7 Robert
de
A economia politica das rela§oes internacionais 7

mercado. As disputas territoriais mais importantes das poténcias europélas,


que precipitaram a guerra, nao tinham a ver com as colonias ultramarinas,
como previa Lenin, mas localizavam-se na propria Europa. O conflito mais
importante que precedeu a guerra estava relacionado com a redistribuipño dos
territñrios balcanicos do decadence Império Otomano. E, na medida sm que a
fonte desse conflito era econñmica, ele resultava do desejo do Estado russo de
acessar o Mediterraneo (Hawtrey, 1952, p. l 17-118). O marxismo nao pode
explicar o fato de os trés maiores rivais imperialistas — a Grñ-Bretanha, a
Fran- ca e a Russia — colocarem-se do mesmo lado no conflito stibseqiiente,
ao lutar contra uma Alemanha que tinha poucos interesses em uma politica
externa fora da Europa.
Além disso, Lenin errou ao admitir que a forma motriz fundamental do
imperialismo residia no funcionamento interno do sistema capitalista. Confor-
me Benjamin J. Cohen deixou claro na sua an5lise da teoria marxista do impe-
rialismo, os conflitos politicos e estratégicos das poténcias européias eram
mais importantes; pelo menos em parte, for o impasse continental entre as
grandes poténcias que as for on a competiqao no mundo co)onial (Cohen,
1973). De fato, todos esses conflitos coloniais (excetuada a Guerra dos Boers)
foram resolvidos por meio da diplomacia, Finalmente, as colñnias
ultramarinas das poténcias europélas tinham poilca importância economico.
Como mostram os dados apresentados pelo prsprio Lenin, quase todo o
investimento europeu em outros continentes for dirigido para as “terras de
colonizapao recente” (Estados Unidos, Canada, Australia, Africa do Sul,
Argentina, etc.), em vez das colfinias dependentes, o que chamamos hoje de
Terceiro Mundo (Lenin, 1939 (1917], p. 64). Com efeito, contrariando a visao
leninista de que a poli- tica acompanha o investimento, durante esse periodo
as finanpas internacio- nais foram em grande parte servipais da politica
externa, como no caso dos empréstimos franceses a Russia czarista.'° Assim, a
despeito de focalizar adequadamente as mudanpas politicas, o marxismo tern
sérios defeitos como teoria da politica economica.

Trés desafios a uma economia mundial de mercado

A despeito de suas sérias limitagñes como teoria do mercado, on da


econo- mia capitalista mundial, o marxismo levanta trés problemas que nao
podem ser desprezados facilmente, e que sño cruciais para a compreensao da
dinamica das

'' Herbert Feis (1964 [1930] e Eugene Staley (1935) apresentaram efetivamente esse argu-
A economia politica das 7â
7 Robert G i1 rela§oes internacionais

rela ñes intemacionais contemporaneas. O primeiro sao as implicapñes


econñ- micas e politicas do processo de crescimento desequilibrado. O
segundo é a relapâo entre economia de mercado e politica externa. O
terceiro, a capacida- de que tern uma economia de mercado de reformar e
moderar suas caracteris- ticas menos desejaveis.

0 processo de desenvolvimento desigual

Ha duas explicapñes fundamentalmente opostas para o fato de o


cresci- mento econñmico desequilibrado tender ao conflito politico. Os
marxistas, e em particular a lei do desenvolvimento desigual, de Lenin,
localizam as fontes des- se conflito na necessidade que tern as economias
capltalistas desenvolvidas de exportar seu excesso de capital e de
produpño, envolvendo-se em conquistas imperialistas. O realismo politico
sustenta que em um sistema intemacional anarquico o conflito entre os
Estados a respeito de recursos econñmicos e na disputa pela superioridade
politica é endémico. Da perspectiva realista, o pro- cesso de
desenvolvimento desigual gera um conflito entre os Estados que cres- cer e
os que entram em declinio, a medida que estes ultimos procuram melho- rar
on manter sua posi ao relativa na hierarquia po1itlca internacional.
Como ja se argumentou, nao parece existir um método confiavel para
re- volver essa controvérsia e indicar qual a melhor teoria. Tanto o
marxismo como o realismo politico conseguem explicar a tendéncia para
que o desenvolvimento desigual provoque conflitos politicos entre os
Estados. Fatos que parecem des- mentir essa hipotese podem ser facilmente
“descartados” mediante o emprego de hipoteses ad hoc. E como nenhuma
das duas teorias parece ser capaz de superar um teste empirico que permita
derruba-las, os estudiosos sño obrigados a identificar-se com uma ou outra,
dependendo da premissa adotada a respeito das relagñes entre a politica e a
economia internacionais.
Minha posi§ao a respeito é a do realismo politico: o processo de
cresci- mento desigual estimula o conflito politico porque prejudica o status
quo politi- co intemacional. Alterapñes no locus das atividades economicas
mudam a dis- tribuipao da riqueza e do poder dos Estados que participam
do sistema interna- cional. Essa redistribuipño do poder e seus efeitos sobre
a situa ao e o bem- estar de cada Estado acentuam o conflito entre os
Estados em ascensao e os declinantes. Se esse conflito nao for resolvido,
podera levar ao que chamei, em outro texto, de “guerra hegemonica”, cujo
resultado final sera a determinapao do Estado ou Estados dominantes na nova
hierarquia intemaeional (Gilpin, 1981). Acredito que para explicar a relapao
entre crescimento desigual e conflito po- lltico a interpretapño realista é
bem superior a do marxismo.
7 Robert

Assim, em contraste com o emprego da “let do desenvolvimento


desigual” por Lenin para explicar a Primeira Guerra Mundial, podemos
contrapor a expli- capño de Simon Kuznets, essencialmente realisia. No seu
livro Modern Economic Growfh, Kuznets interrompe sua analise detalhada
do crescimento econñmico para indagar se existe uma rela ao entre o
fenñmeno do cresci- mento economico e a Primeira Grande Guerra do século
XX (Kuznets, 1966).
O economista enfatiza inicialmente o grande crescimento de poder
militar que precedeu a guerra.

O crescente poder produtivo das napñes desenvolvidas, derivado da


tecnologia orientada pela ciéncia que passara a ter um papel cada vez mais
importante no crescimento econñmico modemo, significou também um
au- mento do poder nos conflitos armados, e uma maior capacidade para
susten- tar a luta(Kuznets, 1966, p. 344).

Em conjunto, a continuada acumula ao de capital e a tecnologia modema


habi- litaram as nap0es a promover guerras em escala sem precedentes.
Em segundo lugar, Kuznets considera essas grandes guerras como “os
testes definitivos das mudanpas ocorridas no poder relatlvo das napñes, testes
para revolver disputas sobre se tais mudangas foram ou nao rears, e para saber
se os ajustes politicos solicitados eram realmente necessarios” (Kuznets, 1966,
p. 345). Em outras palavras, o papel da guerra é testar se a redistribuipao de
poder no sistema, provocada pelo crescimento economico, conseguiu mudar
o equilibrio de poder fundamental do sistema; e se esse equilibrio se alterou,
de- vemos esperar conseqiientes adaptapñes politicas e territoriais que
reflitam a nova distribuipño, Em uma época de crescimento econñmico
rapido e continuo, havera mudanpas frequentes e significativas do poder
relativo, economico e, portanto, também militar. “Se as guerras sño
necessarias para confirmar ou negar essas mudanpas, a rapidez e a
freqiiéncia com que elas ocorrem podem explicar os freqiientes confiitos
que servem como testes” (idem, ibidem). As- sim, uma grande guerra é
provocada pelo crescimento desigual do poder do Estado.
Finalmente, Kutznets argumenta que “as guerras principals estño associa-
das a emergéncia de varias naqñes grandes e desenvolvidas, no curso do mo-
demo crescimento economico” (Kuznets, 1966, p. 345). Um século de paz
instdvel tinha sido possivel porque, durante boa parte desse periodo, houve
um ñnico grande pais avanqado a gerar crescimento eGonSmico. A emergencia
de outras sociedades industrializadas e em desenvolvimento, em particular a Ale-
manha depois de 1870, levou finalmente a guerra hegemñnica. A presenpa de
varios paises grandes e economicamente desenvolvidos é condipño
necessaria, embora nao suficlente, para a ocorréncia de guerras mundiais.
“Nesse sentido,
A economia politica das relagoes internacionais 75

foi um século de Pax Brifannica que terminou quando a metr‹ipole mais im-
portante passou a nao poder mais liderat e a impor a sua paz em uma parte
tño ampla do mundo” (idem, ibidem). Parece impossivel dizer mais do que
isso sobre as relapñes entre o crescimento econfimico e os conflitos militares.

As economias de mercado e a politica externa

Outra critica marxista a economia capitalista ou de mercado consiste na


alegapño de que ela tende a seguir uma politica externa agressiva. Natural-
mente, os liberais assumes a posipao oposta ao afirmar que as economias
capitalistas sao fundamentalmente pacificas. Por exemplo: no seu ensaio sobre
o imperialismo, Joseph Schumpeter argumenta que os capitalistas siio
antibelicosos, e as guerras modernas sño devidas a prevaléneia de vestigios de
estruturas sociais precedentes (Schumpeter, 1951). Para ele, em uma socieda-
de verdadeiramente capitalista, a politica externa seria pacifista.' 3 Marxistas,
liberais e nacionalistas tém debatido longamente a questño acerca de saber se
a interdependéncia economica é uma fonte de relaqñes pacificas ou de conflito
entre os Estados nacionais. 0s liberais acreditam que os beneficios mutuos do
comércio e a rede de interdependéncia em expansao, a qual liga as economias
nacionais, tendem a promover um relacionamento cooperativo. Assim,
Norman Angell procurou demonstrar em um livro famoso, The Great illusion
(1910), escrito quatro anos antes da Primeira Guerra Mundial, que a guerra se
tomara impensavel por nño compensar o custo implicado, passando a ser a
antitese da sociedade industrial moderna. Para os nacionalistas, o comércio nao
passa de outra arena para a competipño international, pots a interdependencia
econñmica aumenta a inseguranpa dos Estados e sua vulnerabilidade a fork as
politicas e economicas externas.
Os liberais tern considerado a economia internacional como inseparavel
da politica, e também como uma forma em favor da paz — desde a afirmativa
de Montesquieu de que “a paz é a conseqiiéncia natural do comércio”,
passando pelos escritos de John Bight e Richard Cobden, no século XIX, ate
os teoricos contemporaneos do funcionalismo e da interdependencia
economica. Enquanto a politica tende a dividir, a economia tende a unir os
povos. O comércio e a interdependencia economica criam lados de interesse
comum e uma inclinapao auténtica em favor da paz internacional, exercendo,
assim, uma influéncia mo- deradora sobre as re!apñes intemacionais.

'° Michael Doyle (1983) argumentou, em excelente artigo dividido em duas partes, que as
econo- mias liberais (que ele, ao contrârio de Schumpeter, distingue das economias
capitalistas) tém de fato pouca propensño para a guerra, comparativamente a outras
sociedades liberais.
7 Robert

De outro lado, a premissa fundamental dos marxistas e dos nacionalistas


é a de que a interdependencia intemacional é nao sd fator de conflito e de
insegu- ranpa como também cria rela ñes de dependencia entre os Estados.
Como a interdependencia nunca é simétrica, o comércio torna-se uma fonte de
expan- sao do poder politico exercido pelos fortes sobre os fracos. Portanto,
tanto os marxistas como os nacionalistas economicos defendem politicas
autarquicas.
O registro histdrico nao presta grande apoio a essas duas posipñes, pots
os modelos de relacionamento econñmico e politico sao muito contraditñrios.
An- tagonistas politicos podem ser parceiros comerciais importantes, como
aconte- ceu com a Grñ-Bretanha e com a Alemanha na Primeira Guerra
Mundial; ou entño podem ter um comércio desprezivel, como os Estados
Unidos e a Uniao Soviética depois da Segunda Guerra Mundial. O que os
fatos sugerem é que o comércio pode agravar on moderar os conflitos,
dependendo, em cada caso, das circunstancias politicas. Assim, é preciso
prestar atenpño a fatores inter- relacionados que parecem infiuenciar as
formas como o comércio afeta as relaqñes politicas intemacionais.
O primeiro fator a afetar as conseqiiéncias politicas do comércio é a
eKis- téncia ou a auséncia de uma poténcia liberal dominante ou hegemñnica
que possa estabelecer e administrar o sistema intemacional de comércio.
Grandes Areas de interdependencia economica tém sido identificadas com a
supremacia sem contraste do poder do comércio hegemonico, tais como a
Grñ-Bretanha, no século XIX, e os Estados Unidos, depois da Segunda Guerra
Mundial. Quando o dominio dessas poténcias se desvaneceu, desafiadas pelas
poténcias em as- censño, aumentou o numero dos conflitos comerciais.
O segundo fator determinante dos efeitos politicos do comércio é a taxa
de crescimento econñmico do sistema. Embora seja verdade que o declinio
do protecionismo e a ampliagño dos mercados mundiais estimulem o cresci-
mento econñmico, o corolario é também verdadeiro: uma rapida taxa de de-
senvolvimento econsmico leva a expansao do comércio e da interdependencia
economica. Da mesma forma, uma redu ao na taxa de crescimento dificulta
os ajustes necessarios, intensifica a competi ño comercial e exacerba as re-
la ñes politicas intemacionais.
O terceiro fator que afeta os resultados politicos das rela ñes comerciais é
o grau de homogeneidade ou de heterogeneidade da estrutura industrial, o
qual por sua vez determina a composigao das importapñes e das exportapñes
(Akamatsu, 1961). E verdade que as napñes industriais comerciam entre st
mais do que com os paises nao-industrializados, mas quando as napñes tern
estruturas industriais e de exporta ao muito semelhantes ou mesmo homoge-
neas, o resultado é freqiientemente relapñes de comércio competitivas e
conflitivas nos periodos de estagnapao econsmica (Hicks, 1969, p. 56-57).
Pela
A economia politica das rel anoes intern acio n ais 77

mesma razño, o carater heterogéneo da estrutura industrial tende a produzir


rela oes de comércio complementares. Assim, a heterogeneidade das estrutu-
ras industriais da Grñ-Bretanha e das outras napñes, no principio e em meados
do século XIX, resultou em um comércio geralmente harmonioso. A medida
que outras na Ses se industrializaram, no finn daquele século, a tendéncia ao
conflito comercial intensificou-se. O mesmo fenomeno pode ser observado na
era contemporanea, quando paises de industrializapao recente, como o Japao e
os chamados “novos paises em vias de industrializapño” (os NlCs: new
industrializing countries j alcangam e ultrapassam os Estados Unidos.
O ponto mais importante é que o comércio e as demais relapñes
econñmicas nño sao em st mesmas criticas para provocar relapñes
internacionais cooperati- vas ou conflitivas. Nño parece possivel generalizar a
respeito das relapoes de interdependencia econfimica e de conduta politica. As
vezes essas relapñes po- dem ser moderadas pelo intercambio econñmico, as
vezes sao agravadas. O que se pode dizer com uma certa justificativa é que o
comércio nao garante a paz. De outro lado, o colapso do comércio tern levado
freqiientemente ao inlciO do conflito (Condliffe, 1950, p. 527). De modo
geral, o carater das relapfies internacionais e a questao da paz e da guerra sao
determinados primordialmente pelas configura- ñes mais amplas do poder e
do interesse estratégico entre as grandes e as pequenas potencias que integram
o sistema intemacional.

0 signfficado do capitalismo do bem-estar social

O terceiro problema levantado pela critica marxista a economia


capitalista ou de mercado tern a ver com a sua capacidade de reformar-se.
No fundo do debate entre Lenin e Kautsky sobre o futuro do capitalismo
estava a possibili- dade de o sistema capitalista poder despojar-se dos seus
piores tra pCis. Para Kautsky e os socialdemocratas a transipio pacifica do
capitalismo para o socialismo era possivel, como resultado do aumento da
forma dos trabalhadores nas democracias ocidentais. Para Lenin, isso
parecia impossivel, e ate mesmo absurdo, em virtude da prdpria natureza
da economia capitalista:

Desnecessario dizer que, se o capitalismo pudesse desenvolver a


agricultura, que se encontra hoje em toda parte muito atras da
industria, se pudesse erguer o padrao de vida das massas, em toda
parte pobres e desnutridas a despeito do extraordinario avanqo do
conhecimento tecno[figico, nño se po- deria falar em superabundancia
do capital. Esse “argumento” é avanpado em todas as oportunidades
pelos criticos pequenos-burgueses do capitalismo [leia-se: Kautsky].
Mas se o capitalismo pudesse fazer isso, nao seria capita- lismo, pois o
desenvolvimento desigual e as condi ñes miserñveis das mas- sas sao
condipoes e premissas fundamentais e inevitaveis desse modo de
produpio (Lenin, 1939Robert
[1917], p. 62-63).
7
Deixando de lado a natureza tautologica do argumento de Lenin, o que
ele descreveu como uma impossibilidade no regime capitalista vamos
encon- trar agora nos Estados de bem-estar social de meados do século XX.
Mesmo se admitirmos que o welfare sfofe for imposto a classe capitalista
pela cla5se trabalhadora, o ponto crucial é que o assistencialismo atingiu
todas as trés leis marxistas sobre o capitalismo e satisfez a maioria das
eKigéncias de Lenin de um capitalismo reformado, on seja, um capitalismo
que garantisse o pleno emprego e o bem-estar econñmico das massas. A
produtividade agricola au- mentou enormemente grapas ao apoio
governamental aos programas de pes- quisa, a progressividade do imposto
sobre a renda e a outros pagamentos de transferéncia que redistribuiram
renda de modo significativo. O advento da economia keynesiana e a
administrapao da demanda por meio da politica monetaria e fiscal
moderaram os efeitos da “1ei da desproporeionalidade” e reduziram as
flutua Oes ciclicas mediante o estimulo da demanda.

T BELA
Anula$ño das leis marxistas pelo welfare state

leis marxistas Welfare state

(1) Lei da desproporcionalidade Administrapño da demanda com a


politica monetaria e fiscal

(2) Let da aeumulapño Redistribuipao da renda por meio


do imposto de renda progressivo e
dos pagamentos de transferéncia.
Apoio aos sindicatos. Politica
regional e de apoio a pequena
empresa.

(3) Lei da taxa de lucro decrescente Apoio govemarnental a educapao e a


pesquisa, visando aumentar a
eficién- era de todos os fatores da
produpño.

Adicionalmente, a regulamentagao govemamental e as politicas


antitruste diminuem a concentrapño do capital, enquanto o apoio do
governo a educapño macipa e ñ pesquisa e ao desenvolvimento industrial
promove a eficiéncia e a lucratividade, tanto do trabalho como do capital.
7 Robert
Nas palavras de Joseph Schumpeter, o capitalismo é o primeiro sistema
economico a beneficiar as ca-
A economia politica das relagñes internacionais 79

madas inferiores da populapilo (Schumpeter, 1950). Com efeito, pode-se


argu- mentar que o capitalismo fez tudo o que Lenin previu que nño poderia
fazer, embora a classe capitalista tenha resistido as reformas implicadas
pelo estado do bem-estar social.'4 (Vide a Tabela 1.) Na verdade, a expansño
do capitalis- mo, depois da Segunda Guerra Mundial, produziu a mais
importante era de prosperidade economica generalizada que o mundo ja viu.
No entanto, a critica marxista da economia capitalista ou do mercado
glo- bal nito pode ser desprezada, porque levanta uma questiio importante
relativa ao futuro do sistema de mercado. Embora por st mesmo o
capitalismo nño possa ser responsabilizado pelo imperialismo e pela guerra, e
embora tenha sobrevivido a numerosas crises, provando que podia ter grande
flexibilidade e admitir reformas, a continuidade de sua existéncia ainda é
problematica. Por isso vamos enfrentar diretamente a questao da Gapacidade
de sobrevivéncia do capitalismo do bem-estar social no mundo em rdpida
transformapño dos Esta- dos nacionais nos ultimos anos do século XX.

O capitalismo do bem-estar social em um mundo do capitalismo inter-


nacional desprovido de welfare

A despeito dos éxitos e das reformas intemas do capitalismo, pode-se


argumentar razoavelmente que a quarta lei de Lenin sobre o desenvolvimento
desigual continua valida, o que levara eventualmente a condenaqao do capita-
lismo e da economia liberal de mercado. E possivel que com o surgimento do
welfare state as contradi ñes intrinsecas do capitalismo tenham sido
staples- mente transferidas do nivel dos Estados nacionais para o ambito
intemacional. Nesse ambito, o welfare stale mo eKiste, eomo também nao
ha um govemo mundial que possa aplicar a politica keynesiana da
administrapao da demanda e que coordene as politicas nacionais conflitantes
on compense a tendéncia para o desequilibrio econñmico. Em contraste com
uma sociedade nacional, nao ha um Estado para compensar os perdedores,
como bem exemplifica o desinte- resse demonstrado pelos paises mais ricos
com relapño as demandas dos pai- ses menos desenvolvidos que desejariam
instituir um Nova Ordem Econfimica

0s prñprios marxistas contcmporaneos tentaram explicar essa anomalia da teoria marxista


argumentando que o Estado capitalista e semi-autñnomo e pode agir de um modo que,
embora contrñrio aos interesses dos capital istas individuais, favore9a a preservapño do
sistema capi- talista. Essas discussñes entre os marxistas sobre a teoria do Estado tomaram-
se altamente académicas (Carnoy, 1984). Sera melhor considcrar essas teorias, como a
teoria leninista do imperialismo, simples hipfiteses ad hoc que procuram explicar as falhas de
previsto da teoria marxista.
8 Robert

Internacional. E nño hd também uma resposta govemamental efetiva as prati-


cas ilicitas e as falhas do mercado.
Na aiiarquia que caracteriza as relapñes internacionais, ainda valem a lei
do desenvolvimento desigual e a possibilidade de choques dentro do mundo
capitalista. Poder-se-ia mesmo argiiir que o advento do welfare state no nivel
nacional acentuou os conflitos econñmicos entre as sociedades capitalistas
(Krauss, 1978). O novo compromisso do estado do bem-estar social
capitalista com o pleno emprego e o bem-estar interno faz com que ele
substitua as politi- cas intervencionistas pelo livre jogo das formas do
mercado, o que provoca um conflito com as politicas dos outros Estados que
seguem os mesmos objetivos economicos.
Os welfare states sao potencialmente muito nacionalistas porque seus
governos se tornaram responsaveis perante a cidadania, pela eliminapao
dos males econñmicos, e as vezes a melhor forma de alcangar essa meta é
transferir as dificuldades economicas para outras sociedades. Em épocas
de crise, as pressñes publicas estimulam os governos a deslocar para ou-
tras sociedades o ñnus do desemprego e do necessario ajuste econñmico;
assim, a competipiio entre os Estados, por meio do mecanismo do
mercado, transforma sutilmente o conflito em vantagem economica e
politica. Esse esforgo nacionalista para conquistar vantagens econfimicas
e para expor- tar problemas é outra ameapa ao futuro do capitalismo
internacional.
O tema acerca do futuro da sociedade capitalista na era do estado do
bem- estar social é fundamental para a questao da aplicabilidade, no finn do
século XX, do nucleo da teoria geral de Marx sobre o desenvolvimento
historico. Uma afirmativa marxista é a de que

nenhuma ordem social jamais perece arites de que se desenvolvam todas


as formas produtivas para as quais reserva um espapo; e novas
relapfies de produpño, mais elevadas, nunca surgem antes de as condipfies
maleriais para a sua existéncia terem amadurecido no ventre da velha
sociedade (Marx, 1977 [1859], p. 390).

On seja: um modo de produpño nunca é superado pelo seguinte ate que se


tenha esgotado seu inerente potencial produtivo. Na conceppao marxista, cada
fase da experiéncia humana tern sua propria missño histérica a eumprir na
elevapiio da capacidade produtiva, criando as bases para a etapa seguinte.
Cada fase progride ate que esse progresso deixe de ser possivel; nesse mo-
mento, a necessidade histñrica dita que os grilhoes que prendem a sociedade
sejam removidos pela classe escolhida para transporta-la até o nivel seguinte
de realizapño material e liberapao humana.
A econ ornia politica das rela qâes i nterna ciona 8

As implicapñes dessa fñrmula deiKam dñvidas sobre o futuro do


capitalis- mo segundo a teoria marxista. Para MarK, a funqao histfirica do
capitalismo é desenvolver o mundo e seu potencial produtivo e transmitir
depois a seu hefdei- ro, o socialismo, uma economia mundial plenamente
desenvolvida e industriali- zada. Embora Marx nño tenha sugerido um
calendario para esse cataclisma, ele viveu na expectativa de que a revolupao
era iminente.
Como Albert Hirschman demonstrou, Marx deixou de reconhecer
(mais provavelmente, suprimiu) o significado dessas idéias para a sua an
alise do finn do capitalismo, mas se nenhum modo de produpao chega ao
fim ate que seu papel histñrico seja inteiramente cumprido, e se o papel do
capitalismo é desenvolver o mundo, entao ele deveria persistir por muitas
décadas, talvez séculos ou mesmo milénios (Hirschman, 198 l, cap, 7). Se,
além disso, des- contarmos, como fazem os marxistas, o argumento dos
“limites do cresci- mento”, a tarefa capitalista de desenvolver
economicamente o planeta, inclu- indo-se at os oceanos e o espapo
econñmico circunjacente, vat eKigir muito tempo.
Hirschman sugere que essa deve ter sido uma idéia incfimoda para Karl
Marx, que, ate a sua morte, teve sua esperanpa de ver o inicio da revoluqño
proletaria tantas vezes iludida. Para Hirschman, isso explica por que Marx
focalizou o capitalismo europeu como um sistema econñmico fechado, e r.â:›
aberto, e por que ele deixou de propor uma teoria do imperialismo, embora
sera , de esperar que o fizesse, na condipao de estudante assiduo de Hegel.
Confor- me Hirschman, Hegel antecipou todas as teorias subseqiientes do
imperialismo capitalista.
A conclusao de Hirschman é que Marx suprimiu a teoria do 'mperialismo
capitalista de Hegel em razao de suas implicapoes perturbadoras para as previ-
sñes sobre a sobrevivéncia do capitalismo. Se nenhum sistema social pode ser
superado ate exaurir seu potencial produtivo, ao expandir-se pela Asia, Africa
e outras regiñes, o capitalismo imperialista dara uma nova vida ao modo de
produpao capitalista. Por meio dos mecanismos do comércio intemacional e
do investimento externo, o colapso inevitavel do capitalismo poderia ser
posterga- do por séculos. Com efeito, se esse colapso precisa aguardar a
elevaqao do mundo em desenvolvimento ao nivel economico e tecnolñgico
das economias mais desenvolvidas em um mundo de progresso tecnologico
continuo, a exigén- cia do pleno desenvolvimento da capacidade produtiva do
capitali5mO pode nunca ser alcanpada.
Rosa Luxemburgo parece ter sido a primeira marxista importante a apre-
ciar o significado historico desse raciocinio. Ela argumentava que, enquanto
o capitalismo permanecer um sistema aberto, e enquanto houver terras sub-
desenvolvidas onde o modo capitalista de produpño se possa expandir, as
82 Robert Gilpin

previsses de estagnaqño econâmica e de revolu§ño politica feitas por Marx


nao serao preenchldas.” Em resposta a essa perspectiva perturbadora (pelo
menos para os marxistas), a tese do Imperialismo de Lenin, como ja nota-
mos, transformou a critica marxista do capitalismo internacional. Para Lenin,
embora o capitalismo desenvolva o mundo e seja um sucesso economico, o
fechamento do espapo politico pelo imperialismo capitalista e a divisao
territorial do mundo entre as poténcias capitalistas em ascensao e queda
levarño ao conflito internacional. Assim, Lenin afirmava que as massas se
revoltariam contra o capitalismo como um sistema politico voltado para a
guerra, e nao como um sistema econfimico fracassado.
Aceitemos on nño essas vdrias formulapfies e reformulapñes do pensa-
mento marxista, elas levantam uma questao fundamental. Como o prñprio
Marx apontou, a lñgica da dinamica da economia capitalista ou de mercado é
iniernaeional e expansiva. As formas do mercado abrangem todo o mundo e
destroem as culturas tradicionais. A anarquia fundamental do mecanismo de
mercado leva instabilidade a vida das pessoas e das sociedades.
O moderno welfare state e o protecionismo desenvolveram-se para
com- pensar esses efeitos deletérios, e esse é o problema mais sério para a
sobre- vivéncia do sistema capitalista. Como Keynes viu bem, a logica do
wc•lfare slate leva ao fechamento da economia, porque o governo precisa
ser capaz de isola-la das limitapfies externas e das perturbapñes originadas
no exterior, para poder controla-la e administra-la. O fluxo internacional
de comércio e dinheiro prejudica o gerenciamento'keynesiano da
economia ao reduzir cada vez mais a autonomia politica interna. Como
escreveu Keynes, no auge da Grande Depressao, as mercadorias deviam
ser homespun, produzidas em casa (Keynes, 1933), e o capital devia
permanecer no pais para beneficiar a napño e a sua classe trabalhadora.
Assim, a lfigica da economia de mercado, como um sistema global
ineren- temente expansivo, colide com a lfigica do moderno welfare slam. Ao
resolver o problema de uma economia fechada, o estado do bem-estar social
limita-se a transferir o problema fundamental da economia de mercado e da
sua sobrevi- véncia para o nivel intemacional. Assim, conciliar o capitalismo
do welfare no nivel interno com a natureza do 5istema capitalista international
é um problema que ganha importancia.
A solupño desse dilema fundamental entre a atitonomia interna e as nor-
mas internacionais é essencial para a futura viabilidade da economia de mer-
cado ou capitalista. Como conclliar esses dois meios opostos de organizar a

' Rousseas (1979) contém uma excelcnte exposi9ao das suas ideias.
A economia politica das rela§oes internacionais 8

atividade economica? O que prevalecera: o intervencionismo econsmico na-


cional on as regras da economia de mercado internacional? Quals as condi-
pñes que promovem a paz e a coopera ao entre as economias de mercado?
Sera necessario um poder hegemñnico para resolver esse conflito? Se olhar-
mos para os éxitos e para os fracassos do capitalismo internaclonal no passado
veremos que a solupño temporaria desse dilema, ou a impossibilidade de
resolve-lo, teve uma papel crucial na histñria recente. Na década de 1980, o
futuro da economia de mercado mundial e a sobrevivéneia do modo de pro-
dupao capitalista dependiam das solu ñes que pudessem ser encontradas pe-
los Estados Unidos e seus principais parceiros econñmicos.
Sob outra forma, esse for o problema proposto por Richard Cooper no
seu livro The Ecoriom ics of Interdependence (1968), que exerceu muita
influéncia. Uma economia mundial de crescente interdependencia exige ou
um acordo internacional para formulas e implementar as regras da
economia aberta em todo o mundo e para facilitar o ajuste das diferenpas
ou entao um grau elevado de cooperapño das politicas dos Estados
capitalistas. Sem uma dessas duas abordagens, a economia de mercado
tendera a desintegrar-se sob o efeito de conflitos nacionalistas a respeltO
do comércio, das finanpas e das politicas racionais. Com o declinio
relativo do poder dos Estados Unidos e da sua capacidade on da
disposipao de administrar a economia mundial, esse tema adquiriii grande
importancia para a economia mundial. Se nao au- mentar a coordenaqao
das politicas, on diminuir a interdependencia econñmi- ca das economias
capitalistas, o sistema poder5 perfeitamente degenerar em uma guerra
entre os Estados, como previu Lenin.
A sobrevivéncia no longo prazo do sistema capitalista internacional,
pelo menos como o conhecemos desde o finn da Segunda Guerra Mundial,
continua a ser problematica. Embora o welfare state tenha “resolvido” o
problema do capitalismo nacional conforme identificado por Marx, no mun-
do contemporaneo os conflitos continuos entre as sociedades capitalistas a
respeito do comércio, do investimento externo e dos assuntos monetarios
internacionais lembram-nos que o debate entre Lenin e Kautsky sobre a
natureza internacional do sistema capitalista ainda é relevante. Com o declinio
do poder e da lideranqa dos Estados Unidos, em virtude da “let do desenvol-
vimento desigual”, aumentara o confronto entre os Estados, podendo levar
ao colapso do sistema, ñ medida que uma napño apss outra seguir politicas
de beggar-ni y-nc•ighbor, de empobrecimento dOS V iZlnhos, como seria a
expectativa de Lenln? Ou sera que Kautsky estava correto ao afirmar que
os capitalistas sño por demais racionais para permitir esse tipo de carnifici-
na econfimica?
8# Robert Gilpin

COII C luSbO

A analise precedente das ideologias econñmicas conduz-nos a trés


afirma- tivas de carater geral. A primeira é a de que a distribuipño global ou
territorial das atividades econñmicas, especialmente nos campos da indñstria e
da tecnologia, constitui uma preocupapao fundamental do Estado modemo.
Por trñs das discussñes técnicas sobre o comércio, os investimentos externos
e as finanpas mundiais ha ambipñes nacionais conflitantes, e a questao funda-
mental: “quem deve produzir o que e onde”. Um segundo ponto é o de que a
divisao internacional do trabalho decorre tanto da eficiéncia relativa dos
paises como das politicas que eles adotam; embora os Estados possam igno-
rar o mercado, e o fa am, procurando influenciar a local izapao das atividades
econñmicas, isso tern um custo. No longo prazo o mecanismo dos pre os
trans- forma as eficiéncias nacionais e as relapñes econfimicas internacionais.
Em terceiro lugar, em conseqiiéncia dessas mudangas e do crescimento
desigual das economias racionais, a estabilidade inerente ao sistema
internacional de mercado ou capitalista é muito problematica; é a natureza da
dinamica desse sistema que corroi os fundamentos politicos sobre os quais,
em ultima analise, ele se apsia, levantando a pergunta crucial: como cneontrar
uma nova lidcran- pa politica que garanta a sobrevivencia da ordem
econñmica internacional de cunho liberal?

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