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Conceitos básicos e Introdução à

dinâmica Macroeconômica.
(versão preliminar1)
Anselmo Luis dos Santos Marcelo F.P. Manzano
Campinas, março de 1998
1 Favor não citar.

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INTRODUÇÃO
À primeira vista, o estudo da economia se dedica a analisar as formas pelas
quais o indivíduo, a família, a empresa ou o Estado organiza uma dada quantidade de
recursos com o objetivo de garantir o máximo de satisfação de suas necessidades
(individuais ou coletivas). Contudo, como podemos observar no nosso dia a dia, há
um enorme desencontro entre o que pensam os economistas - não só sobre o que
entendem por economia mas também sobre como lidar com os problemas econômicos
do mundo real.
De fato, os economistas parecem ter uma predileção pela polêmica, e para
torná-la ainda mais indigesta usam e abusam do economês, uma espécie de dialeto da
profissão que, apesar de útil no debate acadêmico (pois permite uma comunicação
mais rápida e direta entre os especialistas), muitas vezes é usado para dar status a um
ramo do conhecimento que de científica tem muito pouco. Apesar do sofisticado
instrumental matemático que muitos economistas agregam às suas análises, num
esforço de situar a ciência econômica na fronteira entre as ditas Ciências Humanas e
as Ciências Naturais, é preciso admitir que a análise econômica é talvez o domínio do
conhecimento mais contaminado por dogmas, paixões, expectativas ou ideologias.
Em virtude das intrincadas relações entre política e economia que permeiam as
sociedades modernas, não é de estranhar que o debate econômico leve a
argumentações tão acaloradas quanto divergentes. No campo da economia há escolas
de pensamento para todos os gostos, que há cada década se subdividem e se
multiplicam - segundo uma velha piada, entre dois economistas há no mínimo três
opiniões divergentes.
Como então fazer um texto de apoio que dê transparência a temas tão
complexos e tão díspares? Cientes da impossibilidade de resolver as já seculares
pendengas dos economistas, e preocupados em elucidar o que sejam os fundamentos
básicos para uma melhor compreensão do conteúdo deste curso de economia do
trabalho, limitamos este texto de apoio a alguns poucos tópicos da ciência econômica.
Apesar de corriqueiros e certamente conhecidos por alguns, entendemos que os temas
aqui tratados poderão ser de grande auxílio tanto para o bom aproveitamento das
aulas, quanto para a leitura dos textos de discussão.
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Antes, porém, gostaríamos de lembrar que assim como em qualquer outra área
de conhecimento, nossa análise da economia está sujeita à nossa visão de mundo, a
um contexto histórico e social específico, e que portanto não pretende dar respostas
definitivas ou totalizantes para os problemas em pauta. Além disso, dado o objetivo a
que nos propomos, não estamos isentos de excessos de simplificação como, aliás, é
próprio de qualquer texto de apoio.
1. visões da economia
Entre as diversas tendências, escolas e correntes do pensamento econômico,
podemos distinguir, grosso modo, três linhas básicas; são elas: o liberalismo, o
keynesianismo e o marxismo.
O Liberalismo:
A origem do liberalismo econômico remonta aos séculos XVIII e XIX, quando
se iniciam na Europa, e mais tarde nos EUA, as primeiras experiências de
industrialização. Em oposição à lógica intervencionista do mercantilismo, que
predominou nos quatro séculos anteriores, e influenciados tanto pela Revolução
Industrial inglesa quanto pelos princípios de liberdade e individualismo da
Revolução Francesa, surgem na França (os Fisiocratas) e em seguida na Inglaterra
(Smith e Ricardo) as primeiras elaborações de uma teoria econômica completa e
coerentemente estruturada. Adam Smith, considerado o pai da economia, escreve em
1776 Ensaio sobre a Natureza e a Riqueza das nações, fundando o que hoje
chamamos de Escola Clássica.
Fortemente influenciado pelo desenvolvimento da indústria que surgia, Smith
inaugura uma tradição de pensamento que busca revelar cientificamente uma ordem
natural na qual o funcionamento das economias deveria estar baseado. Motivado pelo
interesse individual e buscando incessantemente o máximo de conforto com o mínimo
de esforço, o homem tenderia a construir um mundo melhor para todos. Uma vez
garantidos o livre funcionamento das leis da oferta e da procura, o mecanismo de
auto-regulação dos mercados, o avanço da divisão do trabalho, e as condições de
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liberdade e igualdade de oportunidades entre os homens, o desenvolvimento
econômico e material seria alcançado naturalmente. Era a idéia do laisser faire (deixe
fazer), da mão invisível dos mercados nos quais o livre jogo das atividades
individuais asseguraria a conquista do interesse geral.
Seguindo pelo século XIX, o liberalismo econômico avançou - primeiro
através de Ricardo, que sugeria o livre comércio entre as nações como a melhor
forma da sociedade tirar proveito das vantagens comparativas de cada país -
influenciado por princípios que despontavam de outras áreas do conhecimento, como
a mecânica de Newton (que subsidia a idéia de equilíbrio) ou a Teoria da Evolução
das Espécies de Darwin. A partir de então, a tradição liberal ganha um status mais
“científico” e incorpora ao seu corpo teórico o utilitarismo da chamada Escola
Psicológica (propunha que o valor das mercadorias não decorria de suas relações com
os custos de produção, mas sim da utilidade marginal/satisfação individual por elas
proporcionada) e o racionalismo da Escola Matemática, que introduzia a
racionalidade econômica (cálculo econômico) como o princípio fundamental na
determinação da escolha de cada indivíduo.
Mais adiante, outros três autores, Walras, Pigou e principalmente Marshall,
destacaram-se como os expoentes da Escola Marginalista. Suas contribuições (como
o conceito de equilíbrio geral ou o processo de formação dos preços em
concorrência perfeita) foram decisivas na elaboração mais sofisticada e
sistematizada do liberalismo econômico, dando corpo à que ficou conhecida como
Escola Neoclássica, que fundamenta até hoje o pensamento dominante no campo da
teoria econômica.
Por último, vale notar que a tradição neoclássica - que hoje inspira o
neoliberalismo e apresenta-se cada vez mais sofisticada - baseia-se rigorosamente nos
mesmos princípios que norteavam os autores liberais clássicos a quase dois séculos: a
auto-regulação dos mercados; o equilíbrio como tendência natural; e a idéia de que a
busca pela satisfação individual resultará numa melhora, espontânea, das condições de
vida da coletividade.
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O Marxismo:
Enquanto na potência hegemônica do século XIX desenvolviam-se as bases do
liberalismo econômico, muitos outros autores europeus, mais distantes da filosofia
moral inglesa, propunham teorias econômicas alternativas e contestadoras da ordem
econômica vigente à época. Influenciados pelas constantes crises econômicas e pelas
revoltas sociais que marcaram a primeira metade daquele século, estes autores
(chamados de socialistas utópicos) opunham-se à propriedade privada, propondo
formas coletivas de apropriação da riqueza.
Contudo, somente a partir de Karl Marx surge de fato uma crítica mais
robusta do liberalismo econômico capaz de fazer frente às suas doutrinas
individualistas e utilitaristas. Inspirado na dialética de Hegel, Marx propõe que o
desenvolvimento das idéias e das instituições estaria subordinado ao desenvolvimento
dos meios de produção: as contradições da vida material seriam, em última instância,
as bases da literatura, da religião ou do direito. Consequentemente, não haveria
espaço para uma ordem econômica natural ou um mercado auto-regulado como
queria Smith e seus seguidores.
Chamada de materialismo histórico ou materialismo dialético, a teoria
marxista propunha, portanto, que as próprias contradições internas do modo de
produção capitalista precipitariam seu fim. E certamente Marx apontou como nenhum
outro para as feridas mais profundas da economia capitalista. Em sua obra mais
brilhante, O Capital, 1867, Marx elabora uma minuciosa análise da natureza das
relações capitalistas, explicitando uma a uma as contradições sobre as quais se
assentava aquele modo de produção.
Assim, enquanto para o liberalismo eram caras as idéias de equilíbrio e
harmonia de interesses, o pensamento marxista pautava-se pelas idéias da
contradição, do conflito de classes e da subordinação das idéias à história.
Curiosamente, até os dias atuais, o materialismo de Marx é entendido como uma
preferência pelo mundo material, onde não haveria espaço para as questões da alma
ou do espirito (metafísicas ou não). Contudo, trata-se de uma confusão secular, talvez
proporcionada pela leitura equivocada da palavra materialismo, ou até pelo tratamento
radical que muitos autores marxistas deram do tema. A nosso ver, ao tratar do
materialismo Marx não estava pensando nas convicções pessoais de cada indivíduo,
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nem tampouco nas da coletividade. Sua preocupação era quase que epistemológica
(isto é, do estudo das metodologias da análise científica) e propunha, simplesmente,
que o homem e suas idéias estavam determinados pela época, espaço e sociedade em
que viviam. Não haveria, portanto, a possibilidade de existir algo como um “direito
natural”, uma lei econômica que atravessa-se todos os tempos ou qualquer outra
instituição social que não fosse originada das próprias contradições - historicamente
construídas - do mundo material.
O Keynesianismo:
Como o próprio nome indica, o pensamento Keynesiano tem origem na obra
do economista inglês John Maynard Keynes, fundamentalmente no seu livro de
1936 chamado A Teoria Geral do Emprego, dos Juros e da Moeda. Apesar de
formado pela escola neoclássica e filiado ao Partido Conservador inglês, Keynes foi o
economista deste século que com maior êxito se opôs ao liberalismo. Vivenciando de
perto as dificuldades econômicas do entreguerras - pois era delegado britânico nas
negociações de paz estabelecidas ao final da Primeira Guerra - Keynes buscou
formular uma teoria que desse conta da enorme instabilidade e incerteza que
decorriam do capitalismo sem amarras.
Para ele, o bom funcionamento da economia capitalista deveria ser alcançado
através da ação regulatória dos Estados Nacionais, que deveriam também intervir
na produção garantindo, através do gasto público, demanda efetiva e previsibilidade
para o investimento privado. Atento ao comportamento errático e naturalmente
medroso do investidor capitalista (que tendia a basear suas decisões de investimento
não no lucro passado, mas sim nas expectativas quanto ao lucro futuro), Keynes
propunha que caberia aos governos reduzir o grau de incerteza da economia, sob o
risco da instabilidade inviabilizar o desenvolvimento econômico. Para tanto, além dos
instrumentos das políticas públicas (monetária, fiscal, tributária, etc.) era preciso
desenvolver também, ao nível mundial, uma regulação do comércio internacional que
limitasse e corrigisse os desequilíbrios de pagamentos entre as nações.
Ao final da Segunda Guerra, as idéias de regulação internacional de Keynes
são parcialmente incorporadas no acordo de Bretton Woods, quando se estabelecem
as regras de funcionamento do comércio internacional. A partir de então, sob forte
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influência do keynesianismo e orientados pelo busca do pleno emprego (que está
subjacente ao corpo teórico de Keynes), os países avançados atravessam um período
de extraordinário desenvolvimento econômico e social - os chamados anos dourados
- que só viria terminar no início dos anos setenta, sob uma regulação internacional
bem mais frouxa que a das décadas anteriores.
Por fim, com a crise dos anos setenta, o pensamento Keynesiano, que reinou
absoluto no pós-guerra, sai de moda, dando espaço ao renascimento das teorias
econômicas de inspiração neoclássica, que voltam a pregar a desregulamentação, a
liberalização e a redução do papel do Estado.
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2. Os conceitos de Produto e de Renda
O valor do Produto, do PIB (Produto Interno Bruto), de um país permite qe
seja realizada uma avaliação da dimensão da riqueza que determinado país é capaz de
produzir. Com ele podemos realizar uma comparação internacional da riqueza
produzida em diferentes economias. O Brasil, por exemplo, apresenta um Produto
(Interno Bruto) de aproximadamente 750 bilhões de dólares, quase dez vezes menor
que o dos Estados Unidos.
O valor do Produto também nos permite avaliar o desempenho de
determinada economia, ou de algum de seus setores produtivos, ao longo do tempo,
em diferentes contextos econômicos. Permite-nos, por exemplo, saber a taxa de
crescimento da economia em cada ano, comparar o crescimento dos anos 80 com o
dos anos 90, avaliar o desempenho setorial e comparar o crescimento da agricultura
com o da indústria.
O produto de uma nação pode ser brevemente definido como o conjunto de
riquezas produzidas (ou apropriadas) durante um determinado período (geralmente
um ano). Para dimensionar o produto é necessário utilizar uma unidade de medida
comum, para que se possa somar diversos bens e serviços de natureza diferente. Por
isso o produto é expresso em unidades monetárias, em bilhões de reais ou de dólares.
A soma de todos os bens e serviços produzidos durante o período de um ano,
geralmente pode levar à contagem dupla, por exemplo: soma-se o valor do trigo
produzido na agricultura, pelo seu preço vendido para o moinho e depois soma-se o
valor do pão pelo seu preço vendido na padaria. Dessa forma, a estimativa do valor do
produto estaria contando duas vezes o valor do trigo. No preço do pão (bem final) já é
considerado o valor do trigo (bem intermediário). Por isso, uma das formas de
calcular o produto sem contagem dupla dos bens intermediários seria somar apenas o
valor dos bens e serviços finais. Por exemplo, somando somente o preço do pão (bem
final) já teríamos também somado o preço do trigo ali utilizado. A soma do valor de
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todos os bens finais (massas de pizza, macarrão etc) que utilizam trigo expressaria
também o valor total da produção de trigo. Por isso, podemos definir o produto
nacional como o valor de todos os bens e serviços finais, medidos pelos seus preços
de mercado, num determinado período de tempo.
Esse problema de dupla contagem também poderia ser evitado somando
apenas o valor adicionado, o valor agregado aos produtos já produzidos em outras
empresas/setores, ou seja, não contar as matérias primas e insumos que cada empresa
ou setor compra de outras empresas ou setores. O valor adicionado ou agregado de
uma empresa ou de um setor de atividade é igual ao valor bruto de sua produção
menos o valor dos bens intermediários comprados de outras empresas/setores, e
corresponde também ao valores pagos na forma de salários, lucros, juros e aluguéis,
ou seja, à renda gerada no processo de produção. O valor que se adiciona ao produto é
o valor pago nessas categorias de renda, e assim o valor adicionado ou agregado é
igual a renda.
Para calcular o produto, sem contagem dupla, dos bens intermediários pode-
se somar o valor agregado em todas as empresas. No caso da produção da pães, se o
preço final de cada pão é de 0,10 reais e o valor dos bens intermediários embutidos
em cada pão é de 0,04 reais, o valor agregado em cada pão, pela padaria, seria de 0,06
reais. A soma de todos os valores agregados, no conjunto da economia, resultaria num
valor igual ao valor de mercado dos bens e serviços finais. Ou seja, a soma dos bens e
serviços finais ou de todos os valores agregados são duas formas de calcular a mesma
coisa, o Produto, e por isso devem resultar num mesmo valor. Veja os quadros A e B.
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Quadro A (Valores em milhões de reais)
Etapas da Produção Valor final das
Vendas (A)
Valor dos Bens
Intermediários (B)
Valor Agregado ou
Adicionado (A-B)
Produção de Trigo 100 0 100
Produção de Farinha 150 100 50
Produção de Pão 220 150 70
Valor Adicionado
ou Agregado =
Produto Final.
XXXXXXXXXXXX XXXXXXXXXXXX 220
Note no quadro A que o valor da produção de pão (bem final) é igual à soma
do valor adicionado em cada etapa de produção.
QUADRO B (Valores em milhões de reais)
Etapas de
Produção
Salários Juros Lucros Aluguéis Total
Produção de
Trigo
65 20 10 5 100
Produção de
Farinha
25 10 10 5 50
Produção de
Pão
35 15 13 7 70
Valor total 125 45 33 17 220
Os dados do quadro acima ilustram a idéia de que o valor agregado (220
milhões de reais) é igual à soma do valor da renda gerada na forma de salários, lucros,
juros e aluguéis (220 milhões de reais)
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Os valores apresentados para o Produto podem ser valores a preços de
mercado ou custo de fatores, brutos ou líquidos, valores do Produto Interno ou do
Produto Nacional. Assim, temos diferentes agregados que expressam o valor do
Produto de um país: O Produto Interno Bruto (PIB), O Produto Interno Líquido
(PIL), o Produto Nacional (Bruto ou Líquido), além dos conceitos de Renda Interna e
Renda Nacional.
O Produto Interno Bruto a preços de mercado (PIB p.m.) expressa o valor de
todos os bens e serviços finais, medidos à preços de mercado. Para obter o valor do
Produto à custo dos fatores é necessário desconsiderar a influência do governo na
estrutura de preços através da taxação de impostos indiretos que incidem sobre os
preços (elevando-os) ou de subsídios (que reduzem os preços). Assim, retirando do
valor do Produto todos os impostos indiretos (que estavam aumentando os preços) e
somando os subsídios (que estavam reduzindo os preços) teremos o Produto Interno
Bruto à custo de fatores (PIB c.f.). Com um PIB p.m. de 650 bilhões de reais e um
saldo de impostos indiretos – subsídios de 30 bilhões, o valor do PIB c.f. seria de 620
bilhões de reais. (veja QUADRO C).
O Produto Interno Bruto (p.m ou c.f.) é o valor, expresso em unidades
monetárias, de todos os bens e serviços finais produzidos dentro das fronteiras
geográficas do país durante determinado período, sem considerar a depreciação, o
desgaste dos equipamentos utilizados para alcançar tal volume de produção de bens e
serviços. Se o Produto Interno Bruto (c.f)., por exemplo, é de 620 bilhões e o valor da
depreciação dos equipamentos no processo de produção dessa riqueza foi de 50
bilhões, o Produto Interno Líquido (c.f.) foi de apenas 570 bilhões.
PRODUTO INTERNO BRUTO – DEPRECIAÇÃO = PRODUTO
INTERNO LÍQUIDO
O Produto Interno (Bruto ou Líquido) expressa apenas a riqueza produzida
no país. Mas essa riqueza nem sempre mantém-se no país e, por outro lado, um
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volume de riqueza produzida fora do país (de propriedade de não residentes naquele
país) pode aumentar a riqueza apropriada pelo país num nível maior do que a dada
pelo Produto Interno. Assim, temos outro conceito de Produto, que capta as
influências do envio de renda gerada na utilização do capital físico, financeiro, ou da
tecnologia de empresas estrangeiras e do recebimento de renda pela atividade de
capital (juros e lucros) ou uso de tecnologia (royalties) nacionais no exterior. O
Produto Nacional, além da produção interna, considera o valor da renda líquida
enviada ao exterior (na forma de juros, lucros e royalties remetidas e recebidas).
Então, o Produto Interno (Bruto ou Líquido) subtraído da renda líquida enviada ao
exterior corresponde ao Produto Nacional (Bruto ou Líquido). Num país que é
enviado um volume maior de renda do que é recebido do exterior, o Produto Nacional
é menor do que o Produto Interno. Num país com um PIL de 570 bilhões,
continuando o exemplo dado acima, o envio em termos líquidos de US$ 20 bilhões ao
exterior resultaria num Produto Nacional Líquido de 550 bilhões. (Veja QUADRO C)
Produto Interno (Bruto ou Líquido) - renda líquida enviada ao exterior =
Produto Nacional (Bruto ou Líquido)
Para identificar melhor os conceitos e as diferenças entre Produto Interno e
Nacional, podemos dizer que o primeiro é o Produto no país (aquele que é produzido
no país), enquanto o segundo é o produto do país (aquele que é apropriado pelo país,
mesmo tendo sido produzido em outro). A partir dessa idéia podemos introduzir o
conceito de Renda Nacional. O Produto Nacional Líquido, na medida que
corresponde ao valor da riqueza apropriada pelo país, também é expressão do valor da
Renda Nacional.
PRODUTO NACIONAL LÍQUIDO = RENDA NACIONAL
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Quadro C
Agregados Valor (em R$ bilhões)
PRODUTO INTERNO BRUTO (p.m.) 650
- impostos indiretos + subsídios 30
PRODUTO INTERNO BRUTO (c.f.) 620
- Depreciação 50
PRODUTO INTERNO LÍQUIDO (c.f.) 570
- Renda Líquida Enviada ao Exterior 20
PRODUTO NACIONAL LÍQUIDO = RENDA
NACIONAL LÍQUIDA
550
- lucros retidos – impostos diretos – contribuições
previdenciárias – outras receitas correntes do governo +
transferências do governo às famílias
30
RENDA PESSOAL DISPONÍVEL 520
A Renda Nacional é distribuída internamente para os empresários,
trabalhadores e para o conjunto da população. Uma forma de avaliarmos melhor a
capacidade de produção/apropriação da riqueza num país é dividirmos a Renda
Nacional pelo número de habitantes, ou seja, utilizarmos o conceito de Renda per
capita. Uma Renda Nacional de R$ 550 bilhões resultaria numa Renda per capita de
R$ 5.500, num país de 100 milhões de habitantes. A comparação desse indicador com
outro país permite-nos avaliar a riqueza disponível por pessoa. Ainda que uma
economia possa apresentar um Produto elevado, caso do Brasil, sua Renda per capita
pode ser muito menor que um país com um Produto menor, mas com uma população
bem menor (caso da Espanha ou Dinamarca, se comparados ao Brasil).
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A Renda Nacional de um país pode ser muito mal distribuída, ou seja, as
pessoas pertencentes à parcela rica da população podem, deter um volume muito
maior do que a renda per capita, enquanto segmentos pobres ficariam com uma fração
mínima da renda per capita.. Num país com uma renda per capita relativamente
reduzida, a concentração de maior parte da renda numa pequena parcela da população
resulta geralmente na geração de situações de exclusão social e de pobreza de grande
parcela da população. No Brasil, não somente a renda per capita não é elevada (não
chega a US$ 5.000,00 anuais), como também a renda é muito mal distribuída, de
forma que parcela expressiva da população não detém uma renda suficiente para
satisfazer adequadamente suas necessidades mínimas de sobrevivência.
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3. A determinação do produto, renda e emprego.
Por que em algumas economias o produto e a renda apresentam maior ritmo
de crescimento do que em outras? Por que algumas economias crescem em alguns
períodos e depois entram em recessão, estagnação ou depressão? O que é que
determina o ritmo de crescimento da economia, do volume global de produção e da
renda nacional? Como entender a evolução do nível de emprego no contexto das
flutuações dos níveis de produção?
Essas questões fazem parte do objeto de estudo da macroeconomia, que
investiga os determinantes do nível de atividade econômica, ou seja, que busca
explicar os motivos determinantes do crescimento econômico, das crises, das
flutuações dos níveis de produção, renda e emprego. Elas aparecem como questões
centrais na análise econômica fundamentalmente a partir dos anos 30, em função da
grave crise enfrentada pela maioria dos países desenvolvidos, após a quebra da Bolsa
de Valores de New York. Crescente falências de empresas do setor financeiro, agrícola
e industrial, assim como taxas elevadíssimas de desemprego nos Estados Unidos e em
diversos países da Europa, aumento da pobreza e da tensão social e política,
caracterizam o quadro de crise econômica nos anos 30. Quedas nas vendas, na
produção e no nível de emprego eram recorrentes, sem expectativas de que uma
recuperação econômica pudesse ocorrer a partir da própria lógica do mercado.
Daí a enorme preocupação em entender e explicar as razões da grave crise
econômica, que iniciou-se nos Estados Unidos, quebrando uma fase de crescimento
do produto nos anos 20 e que ainda difundiu seus efeitos negativos para outras áreas
do mundo capitalista, inclusive para países que já enfrentavam grandes dificuldades,
como, por exemplo, a Alemanha. Aquelas questões requereram ainda maior atenção,
principalmente pelo fato da teoria econômica dominante, fundamentada nos princípios
da economia clássica, ser incapaz de explicar a crise. A teoria econômica dominante,
naquele contexto, afirmava ser impossível uma crise de tal dimensão e que durasse
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tanto tempo, na medida que via nos mecanismos de mercado uma tendência ao
crescimento econômico e utilização plena dos recursos produtivos disponíveis, uma
economia que tendia a estar sempre próxima do nível de produção máxima, no qual
não havia desemprego involuntário. A economia capitalista, segundo o pensamento
clássico dominante, com seus mecanismos de mercado tendia a ser auto-regulável e a
atingir um "equilíbrio de pleno emprego" (manter-se funcionando num nível de
produção suficiente para empregar todas as pessoas que procuram emprego, no qual
também as empresas utilizam toda sua capacidade de produção, não havendo
ociosidade dos equipamentos).
Num contexto de agravamento da crise em diversos países, ocorreram
repostas governamentais bastante diferentes do receituário de não intervenção, de
livre mercado, dos economistas liberais: nos anos 30 torna-se crescente as
intervenções públicas na economia, seja para evitar falências na agricultura e no setor
financeiro, seja na criação de frentes de trabalho, construções de obras públicas, e
outros programas que visavam combater a fome, o desemprego e estimular a
recuperação econômica.
Foi nesse contexto de crise e de políticas governamentais de enfrentamento
que surgiu uma revolução na teoria econômica, uma nova forma de explicar a
dinâmica de funcionamento das economias capitalistas e a determinação do nível de
produção e emprego. Desenvolvida pelo economista britânico, John Maynard Keynes
e pelo polonês Michal Kalecki, essa nova teoria lançaria muita luz sobre os motivos
da depressão enfrentada nos anos 30, contribuindo para superá-la.
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3.1 A Revolução Keynesiana
As profundas modificações no pensamento econômico decorrentes
principalmente das idéias desenvolvidas no livro Teoria Geral do Emprego, do Juro e
da Moeda, de Keynes, que foi publicado em 1936, ficaram conhecidas como a
Revolução Keynesiana, refletindo uma crítica radical e uma clara ruptura com os
pilares da economia clássica.
Keynes mostrou que o nível de produção dependia do volume demandado,
que tenderia a flutuar, fazendo uma crítica a um dos principais postulados da
economia clássica, resumido numa expressão do francês Jean Baptiste Say - "a oferta
cria sua própria demanda", que ficou conhecida como a "Lei de Say".
Essa "Lei" dizia ser necessário apenas elevar a oferta, pois assim as
condições de elevação da demanda estariam criadas. Bastaria aumentar a produção e a
demanda também aumentaria, de forma que como tendência tudo que fosse produzido
seria vendido. Assim, a elevação da produção seria garantida, na medida do esforço
dos empresários em pouparem e investirem seus recursos no aumento da produção. A
flexibilidade de preços e salários faria com que os investimentos fossem distribuídos
de acordo com a lógica de mercado; mas tudo era apenas uma questão de distribuição,
de alocação dos recursos, e os investimentos estariam sempre fazendo crescer a oferta
e demanda da economia até que ela atingisse o nível de produção máximo.
Atingir o nível máximo de produção e tornar disponível emprego para o
conjunto da população era uma questão de viabilizar o aumento da oferta, para o qual
a demanda não cumpria papel importante, já que seu comportamento dependeria
diretamente do que acontecesse com a oferta.
Mas Keynes mostrou o papel central da demanda na determinação do
crescimento econômico. Para ele, o importante são as decisões de gasto que as
pessoas sempre podem realizar de forma autônoma em relação aos seus gastos em
consumo pessoal e em investimento (caso dos empresários). Numa economia
mercantil e monetária como a economia capitalista, as pessoas podem de forma
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autônoma decidir gastar ou não, realizar um dispêndio maior ou menor, podem gastar,
poupar, entesourar. Não há motivos para considerar que as decisões de gasto serão
sempre estáveis, que elas não sofrerão mudanças repentinas, mas sim o contrário. Os
empresários poderão decidir, em determinado contexto econômico, não comprar
máquinas e equipamentos, não realizar dispêndios em investimento, de forma que o
volume global de demanda por bens e serviços na economia, a demanda agregada,
poderá ser reduzida.
Essa redução em dado momento poderia acarretar, inicialmente, a queda no
volume de vendas das empresas produtoras desses bens, que logo em seguida
reduziriam a produção demitindo trabalhadores. A diminuição do número de
trabalhadores empregados provocaria queda no volume da salários pagos na economia
e assim, seria menor também o volume de gastos, a demanda, na compra de bens de
consumo dos trabalhadores, de forma a reduzir novamente a produção, só que agora
no setor de bens de consumo e, consequentemente, reduzindo o nível de emprego e
depois novamente do consumo.
Esse seria, portanto, o mecanismo de reprodução daqueles efeitos iniciais
negativos de queda da demanda agregada, a partir de uma queda do investimento.
Assim, níveis diferentes de demanda agregada resultariam em diferentes níveis de
produção. As economias capitalistas, segundo Keynes, podem operar num nível maior
ou menor de produção, renda e emprego; no nível máximo ou bem abaixo dele, isso
vai depender do nível de demanda efetiva que seja realizada na economia.
A possibilidade de maior ou menor volume de gasto na economia (maior ou
menor demanda agregada) abre a possibilidade de que as economias capitalistas
produzam, ainda que momentaneamente, um nível superior ao da demanda
efetivamente realizada, de forma que parte da produção não seja vendida e que logo o
nível de produção se ajuste a um nível menor de demanda, caindo a produção, a
renda e o emprego. Ou seja, abre a possibilidade de crises econômicas, de quedas
repentinas no volume de vendas, produção e de pessoas empregadas. Por isso, para
Keynes, são os componentes da demanda os aspectos mais importantes a serem
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considerados na investigação dos motivos que determinam maior ou menor nível de
atividade econômica, crescimento ou crise econômica. Diferentemente dos
economistas clássicos e neoclássicos, os keynesianos buscam compreender a
determinação da renda e do produto a partir da ótica da demanda. Para isso é
indispensável investigar os componentes da demanda.
3.2 Os componentes da demanda agregada: os agregados
consumo, investimento, gastos do governo e exportações.
A demanda agregada pode ser definida como o dispêndio total realizado
numa economia, ou como o conjunto de gastos em bens e serviços realizados num
determinado período de tempo. Esse conjunto de gastos são efetivados a partir dos
gastos do conjunto da população em bens e serviços de consumo (consumo nacional
privado - C ), dos gastos realizados pelos empresários em máquinas, equipamentos,
prédios, ferramentas etc – bens que não serão consumidos imediatamente e que
aumentarão a capacidade produtiva da economia -, ou seja, da parcela de gastos do
setor privado não destinada à compra de bens de consumo pessoal e sim a gastos em
investimentos (investimentos do setor privado nacional - I), dos gastos do governo
em despesas correntes e em investimentos (gastos do governo - G), e do dispêndio da
população residente em outros países na compra de bens e serviços nacionais
(exportações - X), subtraído do dispêndio de residentes em outras economias
(importações - M).2 Com esses elementos componentes da demanda agregada, pode-
se, portanto, escrever:
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O dispêndio nacional por bens ou serviços de outros países, o volume de importações (M), contribui para reduzir a demanda
agregada interna, ou seja, constitui-se numa parcela do dispêndio nacional que não gera demanda interna, não estimula a
produção nacional e sim a produção em outros países. Assim, deve-se considerar como dispêndio e como componente da
demanda agregada interna as exportações líquidas (exportações - importações).

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Demanda agregada = C+I+G+(X-M).
Ou seja, o comportamento da demanda agregada depende do comportamento
dos gastos em consumo e investimento privado nacional, dos gastos do governo e do
volume de exportações líquidas. Quanto maior esse conjunto de gastos maior será a
demanda agregada e, considerando que as decisões de gasto são as determinantes - o
princípio da demanda efetiva -, maior será o volume de produção e de renda, e
maiores os estímulos sobre o aumento do emprego.
Keynes mostrou que o investimento é o componente mais instável do gasto
privado nacional (consumo nacional privado e investimento nacional privado), ou
seja, que ele pode flutuar muito, dependendo das expectativas otimistas ou
pessimistas dos empresários. Quando as expectativas dos empresários em relação ao
futuro são otimistas, eles estarão mais dispostos a realizar seus planos de
investimentos, pois terão mais confiança em realmente obter os lucros esperados.
Com expectativas pessimistas muitos investimentos não serão realizados. Dessa
forma, o volume de investimento sofrerá significativas alterações, ou seja, será
bastante instável.
Como o investimento é a variável mais instável da demanda do setor privado,
Keynes afirma que ele é o principal determinante das flutuações econômicas das
economias capitalistas, Ele constitui a variável independente, determinante do volume
de produção, emprego, renda, poupança, que aparecem como variáveis subordinadas,
dependentes das decisões de gasto em investimento.
Ao crescer o investimento, não somente aumentaria o emprego (e a renda)
direto gerado na indústria de equipamentos, mas também cresceria o emprego (e a
21
renda) na indústria de bens de consumo, em função do acréscimo da demanda por
bens de consumo viabilizada pelo aumento de pessoas empregadas na indústria de
equipamentos - que com seus salários elevam a demanda total por bens de consumo.
A produção e a renda, além de variáveis dependentes do investimento, sofreriam
ainda seus efeitos multiplicadores, crescendo num múltiplo do volume adicional de
investimento. Portanto, uma variação do investimento é capaz de elevar, com efeitos
multiplicadores, o valor da produção, da renda e do emprego. Acréscimo no montante
de investimento no valor de R$ 20 bilhões, por exemplo, poderia fazer crescer a renda
e o produto nacionais em R$ 50 bilhões.
Manter o investimento estável ou crescente seria uma necessidade para que
as economias capitalistas pudessem manter a trajetória de crescimento econômico, ou
mesmo para manter o nível de produção máxima, de pleno emprego, se alcançado.
Mas, em função das características específicas das decisões de investimento numa
economia capitalista -, assentadas na busca e na apropriação privada do lucro, em
decisões individuais e descoordenadas - o desenvolvimento da lógica privada e dos
mecanismos de mercado são incapazes de garantir a estabilidade e/ou o crescimento
do investimento, diante das condições de risco e principalmente da inescapável
incerteza em relação ao futuro.
O nível de investimento pode sofrer alterações violentas e repentinas,
impedindo a continuidade de uma fase de prosperidade; pode reduzir-se a patamares
que impliquem baixo ritmo de crescimento econômico (com capacidade produtiva
ociosa e desemprego da mão-de-obra); ou, numa situação de recessão, manter-se
deprimido, até negativo, contribuindo para o prolongamento da crise.
Quanto menor a taxa de juros presente, menor será a rentabilidade oferecida
pelas aplicações financeiras e, portanto, maior estímulo à alternativa de investimento
produtivo. Juros baixos podem significar melhores condições de acesso ao crédito
para investimento, e elevar relativamente a rentabilidade esperada dos investimentos
produtivos. Com uma taxa de juros elevada de, por exemplo, 25% ao ano, muitos
investimentos associados a uma expectativa de rendimentos de 15% ao ano poderão
22
ser inviabilizados. Com uma taxa de juros abaixo de 10%, todos os investimentos
associados a uma rentabilidade esperada acima desse patamar estariam apresentando
uma alternativa mais viável do que a simples aplicação financeira.
Embora uma taxa de juros reduzida pode ser uma condição desejada ou
necessária à constituição de um ambiente favorável ao investimento, ela não garante
que esse se efetive. Juros baixos não é a única variável considerada pelos empresários
para acreditarem que terão sucesso nos seus investimentos e uma boa taxa de retorno.
É necessário que os empresários tenham bons projetos de investimentos, que formem
expectativas favoráveis em relação à rentabilidade esperada dos possíveis
investimentos.
Em função da tendência do investimento sofrer violentas flutuações, a
recomendação de Keynes é de que o governa intervenha e procure elevar o nível de
demanda agregada, através da elevação do gasto público e da criação de déficit fiscal.
Através dos instrumentos de política econômica, como a política monetária e fiscal
principalmente, o governo deve elevar os gastos para aumentar a demanda e manter
baixa a taxa de juros.
23
4. Noções de Políticas Fiscal e Monetária
4.1 Política Fiscal
A política fiscal num período de crise econômica, segundo Keynes, deve ser
uma política de elevação do gasto público. Mas essa elevação tem que ocorrer sem
que seja reduzida a demanda privada e por isso a elevação do gasto público não pode
ser financiada apenas pelo aumento dos impostos. É preciso que o governo eleve o
gasto, sem que o gasto privado seja reduzido, não podendo taxar impostos, portanto,
sobre montantes de recursos que já estavam sendo destinados ao consumo ou ao
investimento.
Isso significa que a política fiscal de crescimento deve gerar um déficit
público. Quando o volume de recursos arrecadado pelo governo (T), na forma de
impostos, taxas e contribuições é maior do que o volume de gasto público (G) diz-se
que o governo apresenta um superávit fiscal. Quando a arrecadação (T) e os gastos
(G) se compensam, há equilíbrio nas contas públicas, ou equilíbrio fiscal. Quando o
volume de gasto (G) é maior do que o volume arrecadado (T) há déficit fiscal ou
déficit público. Gastando mais do que arrecada, portanto, o governo está contribuindo
para que a demanda agregada seja aumentada. Com seus gastos aumentados, o
governo aumenta o volume de vendas de diversos setores, que passarão a empregar e
produzir mais, criando assim as condições (mais emprego e mais consumidores, maior
demanda por matérias-primas e máquinas) para que outras empresas passem a
também produzir e empregar mais.
Se a política de tributação for progressiva, ou seja, se aumentarem mais as
alíquotas de impostos incidem sobre a população com maior nível de renda, o
aumento da tributação permitirá que parcela da renda desses segmentos - que
24
supostamente não estariam sendo destinadas a nenhum tipo de gasto (nem para
consumo e nem para investimentos) - possa ser utilizada no aumento da demanda
agregada, através da elevação do gasto do governo financiado por essa arrecadação.
Mas se a política de impostos for regressiva, ou seja, se as pessoas de baixa renda
pagarem relativamente mais impostos, a elevação de impostos significará uma queda
no consumo dessas pessoas (na medida do aumento dos impostos). Com isso, a
elevação dos gastos públicos financiada por aumento de impostos não teria um efeito
tão positivo de elevação da demanda agregada, pois seu aumento corresponderia à
redução da demanda por bens de consumo do setor privado.
Mas, é com uma política de geração de déficit público que a intervenção do
governo na economia pode representar um grande acréscimo da demanda por
consumo ou investimento. O governo pode optar por gastar mais sem elevar a
arrecadação, financiando-se através dos mecanismos da dívida pública, lançando
títulos públicos (Letras do Tesouro Nacional etc) no mercado, que serão adquiridas
pelos bancos e outras instituições financeiras com o objetivo de receber o rendimento
(juros) oferecido pelo governo. Se o governo desejar gastar, por exemplo, R$ 20
bilhões adicionais, lançará títulos nessa quantia no mercado, com prazo de
vencimento (3 meses, 1 ano, 5 anos) e taxa de juros definida. (28%, 25%, 23% ao
ano). Quanto maior o déficit público maior será a demanda criada pelo setor público
(por consumo ou por investimento) e menor será o impacto da instabilidade do
investimento privado sobre a demanda agregada e sobre o nível de produção, renda e
emprego.
4.2 Política Monetária
À política fiscal expansionista, deveria ser acrescentada, segundo Keynes,
uma política monetária capaz de manter baixa a taxa de juros, pois dessa forma
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recursos estariam disponíveis aos empresários que desejassem investir, estimulados
com a elevação da demanda agregada provocada pelo aumento do gasto público. As
alternativas de especulação ou aplicação financeira seriam desestimuladas,
representando uma política de c1ombate aos interesses do capital rentista e de forte
estímulo ao capital produtivo.
Quanto menor a taxa de juros maior a quantidade de novos investimentos
produtivos que poderiam ser considerados rentáveis. Para reduzir a taxa de juros, o
governo através do Banco Central deve elevar a quantidade de moeda disponível na
economia. Guardião da moeda, com o poder de emissão da moeda manual e de
controlar a expansão do crédito do sistema bancário, o governo tem instrumentos para
aumentar ou reduzir a quantidade de moeda em circulação. Aumentando a oferta de
moeda e tornando abundante o crédito, a taxa de juros tende a cair. Com uma política
de aperto monetário, que retire moeda de circulação, e uma política restritiva de
crédito – que reduza as possibilidades de empréstimos dos bancos – a taxa de juros
tende a subir.
A compra e venda de títulos públicos ao mercado, ou seja, a atuação no
open market, é um dos instrumentos que o governo tem para aumentar ou diminuir a
quantidade de moeda na economia. Quando o governo vende títulos recebe dinheiro e
assim está contribuindo para reduzir a quantidade em circulação, quando compra
(resgata seus títulos antes ou no prazo de vencimento) ocorre o contrário. Se o
governo exige que os bancos depositem no Banco Central (encaixe compulsório) uma
proporção maior de seus depósitos, ele está fazendo uma política de redução da
disponibilidade de crédito e moeda. Assim, quando o encaixe compulsório é reduzido,
tornando maior o volume de recursos dos bancos disponíveis para empréstimos,
eleva-se a oferta de crédito e de moeda, o que contribui para uma queda na taxa de
juros.
Políticas fiscal e monetária expansionistas são, portanto, políticas que visam
elevação do gasto público, maior oferta de crédito a taxa de juros reduzida, tendo
impactos de elevação da demanda agregada e do nível de atividade econômica.
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Crescendo o volume de produção e de renda, o nível de emprego também
deverá crescer. Em geral, quanto maior o volume produzido maior será a quantidade
de força de trabalho necessário à produção. O crescimento econômico é o principal
determinante do nível de emprego. Em períodos de ritmo elevado e de contínuo
crescimento econômico – a exemplo do período pós-guerra, entre 1945 e 1975, que
ficou conhecido como Os Anos Dourados – o emprego também cresceu
espetacularmente, com várias economias alcançando situações de pleno emprego da
força de trabalho.
Entretanto, inovações tecnológicas e na forma de gestão da mão-de-obra
podem contribuir para que, em determinados períodos, parcela do trabalho humano
(trabalho vivo) possa ser substituída pelas máquinas (trabalho morto, trabalho humano
incorporado nas ferramentas, máquinas, equipamentos, nos bens de capital), ou
diferentes formas de organização das empresas e do trabalho podem resultar em
elevação da produção, não sendo necessário contratar, ou tornando-se até mesmo
necessário dispensar mão-de-obra.
5. O balanço de pagamentos
No acompanhamento do noticiário econômico brasileiro, lemos ou escutamos
freqüentemente, (provavelmente desde os tempos do Império) que o país tem
problemas em seu balanço comercial, déficits em sua conta corrente ou no balanço de
pagamentos. Afinal, qual a relação destas tais contas e balanços com a nossa vida
diária? Diretamente, pelo menos para a maioria dos brasileiros, nenhuma. Entretanto,
de modo indireto, através das intrincadas regras de funcionamento das economias,
estes indicadores afetam certamente a vida de todos nós, para o bem ou para o mal.
Vejamos do que trata cada uma delas:
Em primeiro lugar, o balanço de pagamentos corresponde ao acerto de
contas que nós, brasileiros, fazemos com o resto do mundo. Ou seja, é no balanço de
pagamentos que são registradas todas as operações econômicas e financeiras
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realizadas por indivíduos, empresas ou governos de um país com indivíduos,
empresas ou governos dos demais países. É importante notar, porém, que no balanço
de pagamentos só são registradas as entradas e saídas de um determinado período de
tempo (normalmente um ano) e que portanto o que se esta medindo é o fluxo de
pagamentos e não o estoque de dívida (ou reservas) acumuladas pelo país em outros
anos.
Contudo, dado que o conjunto das transações realizadas ao longo de um ano
compõe-se de uma infinidade de operações de características muito diferentes, é
necessário subdividir o balanço de pagamentos em quatro outras contas:
a) a conta de comércio ou balança comercial;
b) a conta de serviços ou balança de serviços;
c) as transferências unilaterais;
d) a conta de capital.
Por sua vez cada uma destas contas é composta por outros sub-itens.
Examinemos então cada uma delas
a) Conta Comercial (Balança Comercial)
Nesta conta são registrados os valores das exportações e importações de um
país. Se as exportações forem iguais às importações, a balança comercial estará
equilibrada; se as exportações excederem as importações haverá um saldo comercial
positivo, ou um superávit, e se as importações forem superiores às exportações haverá
um déficit, ou um saldo negativo na balança comercial.
É importante observar que as variações na conta comercial podem ocorrer
tanto em função de mudanças na quantidade física das mercadorias transacionadas
quanto em função de alterações nos preços destas mercadorias - como o preço é
fixado em moeda estrangeira, a taxa de câmbio será fundamental na determinação dos
preços e, portanto, na determinação do valor das transações comerciais com o
exterior.
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b) Balança de Serviços:
Na chamada conta de serviços (ou balança de serviços) registram-se operações
variadas de receitas e despesas, tais como: transportes e fretes das mercadorias
negociadas com outros países; seguros destas mercadorias; viagens internacionais;
lucros, dividendos, royalties e juros, entre outros. Estes últimos itens, referentes à
formas de remuneração do capital, estão normalmente associados, no caso brasileiro,
à entradas anteriores de capital, ou na forma de investimento estrangeiro direto, ou na
forma de empréstimos e financiamentos. Portanto, quando se fala em “serviços da
dívida”, está-se referindo aos juros pagos em um determinado período sobre algum
empréstimo de capital contraído no exterior - note-se que o pagamento dos juros (dos
serviços da dívida) não devem ser confundidos com o pagamento do “principal” da
dívida que corresponde, na conta capital, ao item denominado “amortizações” (como
veremos à frente).
c) Transferências Unilaterais:
Nesta conta do balanço de pagamentos são registrados os envios ou
recebimentos de recursos originados em operações que não exigem contrapartida,
como, por exemplo, doações de organismos internacionais, remessas de assalariados
que trabalham no exterior; remessas para a manutenção de embaixadas e consulados,
entre outros.
d) Conta de Capital:
É na conta de capital que são registrados os fluxos de capital que entram ou
saem do país. São considerados nesta rubrica todos os investimentos estrangeiros
diretos (de estrangeiros no Brasil e de brasileiros no exterior); os empréstimos e
financiamentos de médio e longo prazos tomados ou concedidos pelo Brasil; as
amortizações de médio e longo prazo de empréstimos concedidos em períodos
anteriores; e os movimentos de capitais de curto prazo (em geral associados a
aplicações nos mercados de ações ou em operações do Banco Central para quitar
pagamentos por vencer) - para fins de contabilidade nacional “curto prazo” são os
períodos inferiores a um ano).
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5.1. A Estrutura do Balanço de Pagamentos
Subdividido entre estas quatro contas apresentadas acima, as contas do
balanço de pagamentos são estruturadas da seguinte forma: 1) apresentação do
balanço comercial que, não estando equilibrado irá registrar ou um superávit ou um
déficit comercial; 2) em seguida soma-se ao saldo comercial o resultado da conta de
serviços que, novamente, poderá ser positivo ou negativo; 3) a este resultado parcial
(saldo comercial + saldo da conta de serviços) agrega-se então o saldo das
transferências unilaterais, compondo assim o que é chamada de Conta Corrente ou
Transações Correntes do país; 4) uma vez determinado o saldo das transações
correntes deve-se acrescentar a esta rubrica o saldo da conta de capital e uma pequena
rubrica especial onde são registrados os Erros e Omissões; 5) finalmente, depois de
efetuadas estas operações, chega-se ao que é chamado de Saldo do Balanço de
Pagamentos, que nos informará se naquele ano em questão o país perdeu ou
acumulou reservas.
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QUADRO D
ESTRUTURA DO BALANÇO DE PAGAMENTOS
(simplificado)
(em US$ milhões)
(1) BALANÇO COMERCIAL - 700 Exportações 4.800 Importações 5.500
(2) BALANÇA DE SERVIÇOS - 3.440 Viagens Internacionais -170
Transportes -800 Seguros -30 Lucros e Dividendos -160 Juros -2.050
Outros -230
(3) TRANSFERÊNCIAS UNILATERAIS 10
(4) TRANSAÇÕES CORRENTES (1+2+3) - 4.130
(5) CONTA DE CAPITAIS 3.340 Investimentos Diretos 830 Empréstimos
e Financiamentos 5.200 Amortizações -1.900 Capitais de Curto Prazo -
560 Outros Capitais -230
(6) ERROS E OMISSÕES -160
(7) SUPERÁVIT OU DÉFICIT (4+5+6) -950

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