Você está na página 1de 73

Economia Marxista

UNIDADE 1 - Visão Histórica Geral da Economia Marxista

Unidade 1 / Aula 1
Uma visão geral do socialismo e suas doutrinas

Introdução
Olá, estudante!
A economia marxista é parte integrante do entendimento do capitalismo;
é muito difícil falar sobre capitalismo com propriedade sem utilizar os
conceitos marxistas para esse modo de produção, aliás, seus conceitos
estão tão naturalizados no entendimento do capitalismo que temos
dificuldade em discutir um sem citar o outro.
Por isso, nesta aula, vamos entender o cenário de surgimento do
pensamento marxista com ênfase no contexto histórico, entendendo que
parte da metodologia marxista está em olhar para o passado para
entender os padrões da história que motivariam os padrões do futuro da
economia. Vamos começar pela transição do feudalismo para o
capitalismo abordando as duas revoluções que marcaram esse momento:
a Revolução Industrial e a Revolução Francesa, que são marcos
históricos importantes para as conversas que teremos a seguir.
Vamos lá?
Socialismo Utópico: ideias básicas de
Saint-Simon, Charles Fourier e Robert
Owen
Produção Feudal
Assim como não é possível estudar o marxismo sem a compreensão do
capitalismo, também é difícil entender o modo de produção capitalista
sem considerar o seu antecessor: o modo de produção feudal, que se
baseava na agricultura como principal atividade econômica. Quem
praticava a agricultura eram os camponeses ou servos, que moravam e
cultivavam a terra. Os mesmos eram responsáveis por toda a produção
agrícola, desde a preparação do solo, plantio e colheita. A terra era de
propriedade do senhor feudal, geralmente, um membro da nobreza, que
recebia a maior parte da colheita como pagamento pela sua concessão,
também chamada de feudo.
O pouco que sobrava para os camponeses era usado para consumo
próprio e trocado, nos pequenos centros comerciais, por outros produtos
de necessidade deles. Existiam moedas, mas elas eram locais e pouco
intercambiáveis, por isso, as trocas eram a principal forma de atividade
comercial. No entanto, a produção era pequena para toda a necessidade
local; os impostos, na sua maioria, cobrados em forma de produção, eram
altos, e os camponeses estavam cada vez mais famintos e desapropriados.
Paralelamente a isso, as justificativas religiosas que sustentavam a
condição de dominação dos nobres estavam sendo questionadas. A
pobreza e a fome pareciam, cada vez mais, causadas pelas condições
sociais desiguais e não pela fúria divina; nessa realidade, surgiram os
burgueses, moradores das pequenas cidades em expansão – os burgos –
que praticavam atividades comerciais, na sua maioria, oferecendo
produtos manufaturados de produção artesanal.
Revolução Industrial – Período de transição
A Revolução Industrial, historicamente, marca o processo de transição do
feudalismo para o capitalismo, o surgimento das fábricas, da produção
com máquinas movidas a vapor e a transformação do camponês em
operário. O trabalho não estava mais no campo, no cultivo da terra, mas
na cidade, o que gerou um grande êxodo rural; o trabalhador não era
mais movido pelo tempo da natureza, mas impulsionado pelo ritmo da
máquina; o processo de produção não era mais controlado por ele,
passando a participar de parte da fabricação e receber um salário em
dinheiro pelas horas trabalhadas, usado para pagar por tudo na cidade.
Enfim, estava instituído o capitalismo como modo de produção.
Se a Revolução Industrial marcou a transição econômica do modo de
produção feudal para o capitalista, a Revolução Francesa marcou a
transição política do Estado Absolutista para o Estado Moderno. O
Estado feudal era absolutista; o poder era exercido pelo rei, aquele que
tinha o direito divino de governar e plenos poderes para tomar todas as
decisões. Na sua corte, estavam: os nobres, que exerciam o seu direito de
sangue ou eram escolhidos pelo rei, autoridade máxima na escolha dos
nobres; e o clero, membros da Igreja Católica que legitimavam e
asseguravam o status divino da nobreza. Aos camponeses, cabia se
curvar ao poder divino da nobreza, aceitando a sua condição por escolha
divina, mas, assim como a justificativa divina não cabia
economicamente, politicamente falando, cada vez mais, pessoas se
levantavam contra a situação de pobreza e fome que se abatia sobre a
maior parte da população.
Impulsionados pelo poder econômico, cabia aos burgueses conquistar o
poder político que lhes pudesse garantir que seus interesses fossem
levados em conta pelo Estado; era preciso regulamentar o trabalho nas
cidades e nas fábricas; e o poder divino de governar estava com os dias
contados. Em 14 de julho de 1789, a queda da Bastilha marcava o fim do
absolutismo e o início do Estado moderno, marcado pelo lema da
Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade.
Mas não podemos pensar que esse tenha sido um processo harmonioso e
que o Estado que se formou seguia esse princípio. Os anos que se
sucederam à queda da Bastilha foram marcados por muitas lutas entre os
nobres, que viam o seu poder político e econômico diminuir de maneira
brusca; entre os burgueses, que queriam a consolidação de um Estado
que atendesse aos seus interesses econômicos; e entre o povo, que
reivindicava que o Estado os representasse, recusando-se a permanecer
na condição de pobreza e exploração de Estado Absolutista.
As revoluções que alçaram a burguesia à condição de classe dominante
também legitimaram o dinheiro como grande objetivo a ser alcançado,
independentemente da moralidade e dos meios para se atingir esse fim.
Surgia, então, um novo Deus a quem servir: o dinheiro.

Revolução Francesa e Industrial: o mundo


em mudança
Início da socialização
Nesse contexto de mudanças econômicas e políticas, com a existência de
guerras e rebeliões tanto na França quanto na Inglaterra e o surgimento
das primeiras fábricas como espaços de trabalho em ambientes de grande
desigualdade social e condições de trabalho precárias, surgiam os
primeiros socialistas utópicos, pensadores que acreditavam ser possível
alcançar uma sociedade igualitária por meio da colaboração e da
supressão do poder controlador do Estado. Entre os principais pensadores
utópicos estavam: Saint-Simon, Charles Fourier e Robert Owen.
Para os primeiros pensadores utópicos, o grande problema da sociedade
capitalista em formação estava na sua camada ociosa: os nobres
aristocratas, que nada produziam, e os membros do clero, que se
sustentavam num discurso religioso baseado em critérios divinos e
excludentes, bem como, prioritariamente, a nobreza desempoderada, que
formava as primeiras organizações do que viria a ser o Estado Moderno.
Já os donos dos meios de produção (industriais, banqueiros e
comerciantes) queriam um poder político de
caráter determinista e positivista, baseado na organização da sociedade
para o progresso, conforme o pensamento racional e científico; eles
acreditavam que o progresso e o reconhecimento do papel de cada um na
sociedade levariam todos a uma realidade de compartilhamento dos
frutos desse progresso, de acordo com a sua necessidade e capacidade.
Os socialistas utópicos acreditavam, assim, que era possível sensibilizar
os detentores do poder político e econômico quanto à necessidade de
proporcionar melhores condições de trabalho e renda aos trabalhadores
empobrecidos, enxergando, nessa atitude, uma forma de proporcionar
uma sociedade mais harmoniosa, sem a necessidade da revolução. Entre
os utópicos, destaca-se Saint Simon (1760-1825), que tinha grande
apreço pelos produtores que ele acreditava serem, assim como os artistas
e cientistas, aqueles que deveriam exercer o poder político e econômico,
por terem a sabedoria e a sensibilidade para conduzir uma sociedade
justa e harmoniosa. Outro pensador utópico importante foi Charles
Fourier (1772-1837) cuja maior contribuição foi apresentar a forma
degenerada e imoral da sociedade burguesa. Segundo ele, o que deveria
mover os homens era o desenvolvimento das paixões, livres da moral e
das limitações impostas pelas restrições religiosas do catolicismo feudal;
só assim a sociedade degenerada e desigual que ele chamava de
civilização alcançaria a Harmonia, seu último estágio (WALTER,
2011).
Robert Owen (1771 – 1858) talvez seja aquele de maior destaque, porque
protagonizou uma experiência próxima à utopia que pregava, com a
criação de uma comunidade em que tudo o que era produzido deveria ser
dividido entre os seus membros, de acordo com a sua necessidade e
capacidade. A produção não visava ao acúmulo do excedente, mas a
produção para a comunidade; a experiência foi malsucedida e, em alguns
anos, as ideias de progresso, a partir da comunidade, ruíram e Owen
percebeu que não adiantava pensar numa comunidade em que ele guiasse
os trabalhadores, era preciso que os trabalhadores estivessem na sua
concepção.
Alinhado a esse pensamento e à experiência do movimento operário e
sindical que se formava na Inglaterra, Owen passou a atuar junto aos
movimentos de operários, orientando-os para o modelo comunitário
pretendido, mas o que o pensamento de Owen e demais socialistas
utópicos da época não percebiam é que faltava aos trabalhadores o seu
reconhecimento enquanto classe social e o entendimento de que os
problemas que enfrentavam estavam na constituição do próprio sistema
capitalista e não na sua situação individual.
Por isso, Marx e Engels reconhecem a importância dos socialistas
utópicos ao perceberem que a sociedade capitalista era marcada pela
desigualdade e produtora de pobreza e concentração de renda, mas
consideram ingênua a ideia de que a burguesia iria se solidarizar com
essa situação e conduzir a sociedade ao progresso harmônico
(ENGELS apud SIQUEIRA; PEREIRA, 2014).
A transformação do socialismo utópico para o científico estava em
situá-lo na realidade e promover uma volta à história como forma de
compreender como as sociedades de classes se formaram e como as
contradições internas de cada período levaram a uma transformação da
sociedade a partir da revolução.
Estavam lançadas as bases do materialismo histórico, conceito
fundamental do socialismo científico, que consistia em fazer uma análise
histórica, buscando identificar as características mais relevantes dos
modos de produção anteriores, bem como quem eram as classes sociais
que compunham a sociedade, como eram as relações entre elas, como as
suas contradições internas se tornaram tão fortes e relevantes que
promoveram a ruptura do sistema e permitiram o surgimento de outro
modo de produção.
Crise de valores após revoluções
burguesas: dinheiro como Deus
Socialismo utópico
Você é economista e foi convidado por uma cooperativa agrícola para
fazer uma palestra para os cooperados sobre os problemas que estão
enfrentando por lá. A cooperativa conta com uma série de produtores de
leite que fornecem matéria-prima para a produção e venda do leite e seus
derivados. Há alguns anos, os cooperados fizeram um grande
investimento para que a produção se modernizasse e eles pudessem se
tornar mais competitivos no mercado. Na ocasião, alguns cooperados que
tinham mais conhecimento desses processos de modernização
conduziram-nos com a promessa de que isso não mudaria em nada a sua
relação com os outros cooperados e que todos se beneficiariam com a
modernização. No entanto, agora, esse grupo de cooperados que
conduzia a modernização está ditando todas as regras na cooperativa,
dizendo que podem tomar as decisões porque seu trabalho tem mais
valor, eles têm mais conhecimento e, por isso, têm legitimidade.
Os outros cooperados vão continuar produzindo o leite e fornecendo para
a cooperativa, mas esse grupo que conduzia a modernização vai ter que
receber mais, porque é assim que as coisas passaram a funcionar. Para
piorar, alguns cooperados foram conversar individualmente com esse
grupo, ganhando benefícios diferenciados, o que deixou o grupo de
insatisfeitos ainda mais descontentes e o grupo de conhecedores ainda
mais empoderados. Será que você consegue ajudar esse grupo de
cooperados?
Para começar a conversa, você, economista convidado da cooperativa,
decidiu falar um pouco sobre socialismo utópico, reforçando que houve
um momento em que se acreditava que era possível que todos chegassem
a um acordo, pensando no bem comum, e que a modernização dos
processos, como a produção de derivados do leite, levaria a uma
distribuição igualitária dos benefícios, mas que isso acabou não dando
certo, porque aqueles que detinham recursos (dinheiro, fábricas,
conhecimento) acabavam querendo se beneficiar da sua condição para
impor a sua vontade.
Essa camada detentora do conhecimento está claramente reivindicando
um tratamento diferenciado pela sua condição, mesmo que, inicialmente,
tenha dito que nada mudaria na relação dos cooperados. Para dialogar de
igual para igual com esse grupo, aqueles que fornecem o leite e estão
descontentes precisam se fortalecer enquanto grupo; enquanto estiverem
negociando individualmente com o grupo que está no poder, os
cooperados vão continuar desunidos e sair perdendo enquanto grupo. Se
querem uma relação mais igualitária, precisam se unir para ter força para
negociar.
Um dos cooperados perguntou: “Nossa, você está propondo uma
revolução na nossa cooperativa?”, e você respondeu: “Não sei se faremos
uma revolução, mas vamos mostrar que eles sugeriram algumas
propostas utópicas de que a modernização levaria a uma distribuição
igualitária dos lucros (que não aconteceu) e mostrar algumas ideias do
socialismo científico, que mostra que a relação de desigualdade está
presente em todos os lugares e que aqueles que querem promover uma
sociedade mais igualitária ou cooperativa mais igualitária, nesse caso,
deve lutar por isso.”

Videoaula: Uma visão geral do socialismo e


suas doutrinas
Para o vídeo desta aula, vamos retomar o processo histórico de transição
do feudalismo para o capitalismo e entender como as revoluções
Industrial e Francesa promoveram mudanças profundas na sociedade,
promovendo as condições para os estudos sobre socialismo que viriam
posteriormente, lembrando que o marxismo que estudaremos ao longo
desta disciplina utiliza, o tempo todo, da história como fundamento para
as suas colocações.

Saiba mais
Para entender o socialismo utópico e o socialismo científico, nada
melhor do que ler os seus pensadores principais: Marx e Engels. Para ir
se familiarizando com os conceitos marxistas, leia o texto: "Do
socialismo utópico ao socialismo científico"

Referências
ENGELS, F. Do socialismo utópico ao socialismo científico. [s. d.].
Disponível em: https://www.portalabel.org.br/images/pdfs/socialismo-
utopico-cientifico.pdf. Acesso em: 11 maio 2022.
SIQUEIRA, S. M. M.; PEREIRA, F. Marx e Engels: luta de classes,
socialismo científico e organização política. Salvador: LeMarxs, 2014.
Disponível em: http://www.lemarx.faced.ufba.br/arquivo/marx-engels-
luta-socialismo-organizacao.pdf. Acesso em: 11 maio 2022.
WALTER, C. O socialismo utópico e a crítica à razão utilitária. 2011.
Monografia (Ciências Econômicas) – Departamento de Ciências
Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
2011. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/34857. Acesso
em: 11 maio 2022.

Unidade 1 / Aula 2
Biografia e formação acadêmica de Karl Marx

Olá, estudante!
Nesta aula, vamos nos dedicar a conhecer um dos pensadores mais
significativos da era moderna: Karl Marx, bem como as suas primeiras
obras, acompanhar as mudanças na sua forma de pensar e o surgimento
da parceria com Friedrich Engels, que resultou numa grande
coparticipação intelectual.
A extensão da teoria marxista é tão significativa que muitos conceitos
elaborados por Marx e Engels já estão naturalizados, fazendo parte do
nosso cotidiano quando nos referimos ao estudo de história e do
capitalismo. Além disso, vamos nos dedicar a entender quem foram os
primeiros interlocutores de Marx e Engels na formulação do comunismo,
buscando acompanhar o caminho que trilharam até a escrita do
Manifesto Comunista, um dos seus clássicos, elaborado diretamente para
a classe trabalhadora.
Vamos começar?

O jovem Marx e a ideologia alemã


Para entender o pensamento construído por Marx e Engels, é importante
entender as suas primeiras influências, além do contexto da época em
que escreviam. Esta aula pretende recuperar o período que se estende
desde o início do século XIX até a publicação do Manifesto Comunista
(1847), reforçando a postura revolucionária que vinha sendo gestada nos
escritos desses autores até então.
A essência do comunismo
Marx (1818 – 1883) nasceu na província de Trèveris, que, na ocasião,
fazia parte da Alemanha. Membro da classe média, iniciou seus estudos
em Direito, mas logo passou para o curso de Filosofia, devido à
influência dos jovens hegelianos. No entanto, sua postura era crítica
quanto ao pensamento de Hegel, que defendia que a monarquia
constitucional seria o ápice da razão. Já Marx se autodeclarava um
materialista, renegando perspectivas metafísicas e religiosas, e pregava o
Estado como laico e democrático.
As críticas de Marx, nesse sentido, concentravam-se no princípio da
separação entre Estado e sociedade civil, que, segundo Marx, levava a
população a uma alienação política, já que o Estado e a política deveriam
ser exercidos por uma camada esclarecida, chamada por Hegel de
superior, que se manteria separada da sociedade civil e da população em
geral. Os textos de Marx e Engels evidenciavam essa percepção de que
era preciso incluir o povo na sua forma de pensar, além da economia e
política, e foi esse desejo de conhecer profundamente a classe
trabalhadora que aproximou Marx e Engels.
Friedrich Engels (1820 – 1895) nasceu na cidade alemã de Barmen. Filho
de um rico industrial alemão, foi acompanhando o pai nas suas indústrias
que Engels se indignou com as péssimas condições da classe operária.
Seu pai era proprietário de uma fábrica de linhas em Manchester, na
Inglaterra, para onde Engels foi enviado e onde teve um intenso contato
com a classe operária inglesa. Além do trabalho como industrial, outra
coisa que aproximou Engels da vivência da realidade da classe operária
foi o romance com Mary Burns, uma operária irlandesa que trabalhava
em uma de suas fábricas e com quem Engels viveu um casamento por
muitos anos. Com Burns, Engels pôde entender mais profundamente as
suas condições e participar ativamente das organizações de trabalhadores
que se formavam na Inglaterra, na época. Como resultado dessa
experiência, Engels escreveu As condições da classe trabalhadora na
Inglaterra, publicado em 1845, e a vivência como parte da burguesia e o
conhecimento da classe operária consolidaram ainda mais a amizade de
Marx e Engels, que passaram a trabalhar juntos para a elaboração do que
viria a ser o comunismo.
Outra área que aproximava Marx e Engels era o interesse pela influência
da religião nas questões políticas, como uma identidade que dividia e
alienava politicamente. Marx escreveu A Questão Judaica (1843) para
discutir esse tema, que tratava da influência do judaísmo nas questões
políticas, evidenciando que essa identidade religiosa prejudicava o
desenvolvimento do Estado como laico e democrático, já que as questões
religiosas apareciam em primeiro lugar.

Conceito original do homem como sujeito


da práxis
Partindo dos contextos históricos e da trajetória de Marx, é possível
compreender melhor alguns dos conceitos desenvolvidos por esse
pensador, com ênfase para aqueles que terão desdobramentos a partir da
“tomada de consciência de classe”, do próprio Marx.
Marx e Engels iniciaram seus escritos a partir de uma visão idealizada da
sociedade industrial, e cabe destacarmos que, por idealizada, queremos
dizer uma visão de quem não compartilhava da realidade da classe
trabalhadora e, por isso, pensava as transformações como resultado dos
pensamentos de intelectuais e filósofos.
Quando Marx e Engels pensaram o socialismo científico, certamente,
estavam considerando a importância de situá-lo na realidade do mundo
do antagonismo de classes a partir do materialismo histórico, mas a
classe trabalhadora, que, no capitalismo, era chamada de proletariado,
não estava pronta para fazer a revolução; esses termos só vão ganhar
força com o Manifesto Comunista.
Na obra A Ideologia Alemã, Marx e Engels fazem uma crítica à visão
hegeliana de que o mundo das ideias influencia e reflete o mundo real,
por isso, cabia aos pensadores construir o mundo das ideias, o mundo
ideal que iria influenciar o mundo real. Marx e Engels criticavam essa
visão de que a burguesia se renderia ao pensamento idealizado pelos
filósofos, por isso, Marx se declarava um materialista, tendo se dedicado
tanto para explicar o materialismo histórico, ou seja, o que ele chamou de
mundo real. Por meio da análise histórica do mundo real é que seria
possível entender e auxiliar a transformação do proletariado, da classe
social descrita, para uma classe social da ação, da práxis.
Para discutir a transformação do proletariado de uma classe formada pelo
homem idealizado para o homem capaz de fazer a revolução, Marx
desenvolveu o conceito do homem da práxis, aquele voltado para a ação
revolucionária. Considerando a referência que está sendo feita ao
materialismo histórico, vale lembrarmos que, durante o Feudalismo, a
desigualdade social tinha uma justificativa religiosa, que mantinha os
servos como pobres com a promessa de que a vida pós-morte traria o céu
como recompensa. Nesse sentido, riqueza e pobreza eram condições
definidas de maneira divina, e cabia tanto a ricos quanto a pobres aceitar
a sua condição, esperando a recompensa ou punição. Essa dinâmica
mantinha a sociedade feudal numa simbiose; com o declínio do
feudalismo e a ascensão do capitalismo, a desigualdade social se tornou
um problema causado pelas condições desiguais de acesso aos recursos, e
se todos somos iguais e a desigualdade social e a pobreza são fruto do
meio, consequência da exploração dos proletários pelos burgueses, então,
era possível pensar numa sociedade em que as relações desiguais não
existissem. Nasceu, disso, a semente do comunismo, e Marx e Engels
regaram-na com as ideias de revolução.
Assim, enquanto Hegel prevê um debate entre classes sociais opostas
(trabalhadores e proprietários dos meios de produção) no mundo das
ideias, a práxis revolucionária de Marx é a ação, o movimento em busca
de uma solução para acabar com a desigualdade social, em que o
proletariado tomasse o poder por uma revolução.
A parceria de Marx e Engels
A formação do pensamento de Marx
O centro acadêmico da faculdade em que você ministra aulas está
fazendo uma semana de palestras intitulada A importância do
Pensamento Marxista e convidou você para fazer uma das ministrações.
Motivados pelas suas aulas no curso de Economia, os alunos pediram
para você falar sobre o jovem Marx, destacando as primeiras publicações
dele, sua parceria com Friedrich Engels e um pouco da biografia dos
dois, já que a maioria das imagens que se tem de Marx é de uma pessoa
mais velha. Você, então, aceitou o desafio, pois percebeu que vai ser
legal retomar algumas obras do início da carreira de Marx; frente a isso,
agora, vamos preparar os tópicos da apresentação.
Para iniciar a apresentação, você pode colocar um pouco da formação de
Marx, ressaltando a sua origem judaica, o fato de ser um homem de
classe média e que, inicialmente, seguia o pensamento idealista
hegeliano, que acreditava que o poder seria exercido por um grupo
de experts. Num segundo momento, seria interessante falar sobre a
origem de Engels, que era filho de um industrial alemão e que, logo
cedo, foi estimulado pelo pai a trabalhar em suas indústrias. Além disso,
vale destacar que foi o trabalho na fábrica de Manchester que levou
Engels a conhecer mais profundamente as condições degradantes de
trabalho da classe operária inglesa, o que fez com que ele se posicionasse
cada vez mais como crítico da sociedade capitalista burguesa. Foi lá,
também, que Engels conheceu Mary Burns, uma operária irlandesa com
quem ele se casou e que lhe apresentou o modo de vida da classe
operária.
Faz-se interessante ressaltar que um dos elementos que aproximou Marx
e Engels foi a admiração do primeiro pelo conhecimento antagônico do
segundo, que conhecia profundamente a burguesia pelas condições da
sua família, pelo conhecimento da classe operária, pela proximidade com
Burns e por acompanhar a realidade dos operários nas fábricas de seu
pai.
Esse contexto é importante para a sua palestra, porque mostra o processo
de desenvolvimento do pensamento marxista, ressaltando a mudança do
homem idealista, de influência hegeliana, para o homem da práxis, com o
desenvolvimento do materialismo histórico e a tomada de consciência
que somente a transformação do homem idealista em homem da ação –
da práxis – prepararia o proletariado para a revolução que
levaria à sociedade comunista.
Para auxiliar no entendimento do jovem Marx, duas leituras interessantes
são: o texto A Questão Judaica, que discute a forma como a religião
mantém o homem preso no mundo idealizado, e o livro publicado em
parceria com Engels, Ideologia Alemã, que reforça a importância do
materialismo histórico para a consolidação do proletariado como classe
revolucionária.
Lembrando que os escritos atribuídos ao jovem Marx se encerram com a
publicação do livro Manifesto Comunista, de autoria de Marx e Engels,
que vai consolidar a ideia de transformação do modo de produção por
meio da revolução.
Agora, sua palestra parece estar completa. Os alunos já sabem um pouco
sobre as origens de Marx e a parceria desse com Engels, que foi muito
marcante para os dois pensadores.

Videoaula: Biografia e formação


acadêmica de Karl Marx
Neste vídeo, vamos conhecer o jovem Marx, o seu processo de
amadurecimento, passando do idealismo hegeliano para o materialismo
histórico e o homem da práxis, bem como descreveremos um pouco o
início da parceria com Engels, que trouxe uma perspectiva mais prática
das condições de trabalho da classe operária, culminando na publicação
do livro Manifesto Comunista, em 1847.
Saiba mais
Marx e Engels têm uma bibliografia extensa e diversificada, mas a
sugestão, aqui, é o "Filme - O Jovem Karl Marx - Completo e
legendado", que faz uma leitura muito interessante do início da teoria
marxista, mostrando a formação dos pensadores ao longo dos anos, o
início da parceria entre os dois e, ainda, um retrato de Marx e Engels em
família.

Referências
FAUSTO, R. Sobre o jovem Marx. Revista Discurso, São Paulo, v. 13,
p. 7-52, dez. 1980. Disponível
em: https://www.revistas.usp.br/discurso/article/view/37889/40616.
Acesso em: 11 maio 2022.
MARX, K. A questão judaica. Tradução: Artur Mourão. [S. l.]: Luso
Sofia Press, 1843. Disponível
em: http://www.lusosofia.net/textos/marx_questao_judaica.pdf. Acesso
em: 11 maio. 2022.
MARX, K.; ENGELS, F. Ideologia alemã. [S. l.: s. n.], 1867. Disponível
em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000003.pdf.
Acesso em: 11 maio 2022.
SILVA, R. A. O conceito de práxis em Marx. 2017. Dissertação
(Mestrado em Filosofia) – Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2017.

Unidade 1 / Aula 3
Materialismo histórico e dialético

Introdução
Olá, estudante!
A partir de agora, vamos nos aprofundar nos conceitos fundamentais do
marxismo, aqueles que foram mais importantes para entender a
construção do pensamento de Marx. Para isso, vamos começar com os
conceitos de materialismo histórico e materialismo dialético,
considerando essas ideias como as bases sobre as quais os conceitos
referentes à economia capitalista são desenvolvidos.
Vamos acompanhar o desenvolvimento das ideias de modo de produção
e filosofia da práxis como conceitos construídos a partir dos
desdobramentos do materialismo histórico e dialético, lembrando que
esses conceitos já fazem parte da construção de uma teoria materialista e
revolucionária.
Você deve compreender esta aula como o “pano de fundo” sobre o qual
os conceitos serão desenvolvidos, buscando entender os princípios que
orientaram a construção dos demais conceitos.
Vamos começar?

Materialismo histórico
Entendo o que é o material histórico
Podemos dizer que, por meio do materialismo histórico, a maioria de nós estudou história
até aqui, e para entendê-lo, é preciso pensar na forma como a história da humanidade é
contada ao longo do tempo. Vamos começar contando o tempo de forma linear, com a
sucessão de um período a outro, sendo que a mudança é marcada por algum fato, que é
colocado para identificar essa mudança.
Segundo o materialismo histórico marxista, a história da humanidade é contada a partir dos
seus modos de produção, que são a forma como as pessoas, em um determinado tempo,
organizam-se coletivamente para a produção de bens que atendam às suas necessidades, e
para entender um modo de produção, é preciso compreender como se dão as forças
produtivas e as relações de produção.
As forças produtivas são a forma como os recursos naturais são apropriados e modificados
a partir das técnicas e instrumentos utilizados. Nesse sentido, o indivíduo é a principal força
produtiva (há, também, as máquinas e as terras), que desenvolve e opera as técnicas e os
instrumentos que transformam os recursos naturais em bens adaptados as suas
necessidades. Já as relações de produção são a forma como os indivíduos se organizam para
executar as atividades produtivas, ou seja, como se organizam para a execução das forças
produtivas (COSTA, 1997).
A análise da relação das forças produtivas com as relações de produção, gerando o
atendimento da materialidade das necessidades humanas ao longo dos tempos, é o que se
entende por materialismo histórico. Para melhor compreensão dos modos de produção,
vamos ver como se organizaram alguns dos principais modos de produção ao longo da
história:

fonte: elaborado pela autora.


Segundo Marx, a análise dos modos de produção evidenciava a importância da economia
como força motriz da história, por isso, Marx dizia que a economia era a estrutura que
determinava como as necessidades humanas seriam atendidas por meio da análise das
forças produtivas e das relações de produção.
No entanto era importante, também, entender quais os elementos que garantiam a coesão
social dentro de cada modo de produção, ou seja, quais as demais características — cultura,
religião, política etc. — que mantinham o modo de produção existindo para além da
economia (estrutura), e esses elementos eram definidos por Marx como superestrutura. É o
exemplo da importância da Igreja Católica para o modo de produção feudal, que oferecia
uma justificativa religiosa para a desigualdade social e a manutenção do poder político por
meio do direito divino de governar, caracterizando o modelo político feudal como
absolutista.
Outro ponto importante do materialismo histórico é que, por meio dele, era possível
perceber que todos os modos de produção seguiam uma trajetória comum: surgiam,
desenvolviam-se, sofriam uma série de contradições internas e acabavam sendo
substituídos por um novo modo de produção. Isso tinha sido observado por Marx em todos
os modos de produção, baseando a sua teoria de que o capitalismo também entraria em
contradição e seria substituído por um novo modo de produção, cabendo ao proletariado ser
a classe social responsável pela transformação do capitalismo em socialismo, o próximo
modo de produção, segundo Marx.

Materialismo dialético
O materialismo histórico instituiu uma nova forma de pensar a
sociedade a partir do olhar para a realidade e para a forma como os fatos
se materializaram em forças produtivas e relações de produção. Com a
ideia de materialismo histórico, Marx desenvolveu a ideia de
materialismo dialético, ou seja, a forma como se poderia repensar a
Filosofia e, consequentemente, a maneira de interpretar o mundo; nesse
sentido, o materialismo dialético é uma forma de Filosofia focada na
transformação da realidade e não somente na sua explicação.
O idealismo hegeliano de grande influência no século XIX, e que
inspirou Marx no início dos seus estudos, defendia a ideia de que era
possível mudar a realidade a partir do pensamento metafísico, ou seja, do
pensamento idealizado, que refletia a sociedade pensada, idealizada. Já
Marx vai propor o seu materialismo dialético por se contrapor à ideia de
que era possível criar a realidade a partir do idealismo, propondo que a
realidade concreta é que deveria mover o pensamento filosófico, ou seja,
a filosofia deveria parar de se basear no mundo ideal para pensar o
mundo real e, assim, possibilitar que os indivíduos se desprendessem das
relações sociais que os mantinham presos a uma vida idealizada.
Nesse sentido, o materialismo dialético propõe que observemos que,
com a dominação econômica, também há uma dominação ideológica,
construída a partir da propagação dos seus valores e de sua cultura, para
manter a ordem social sem precisar do uso da força. É como uma
dominação latente, que mantém a burguesia (no caso do capitalismo)
como classe hegemônica. Essa dominação pode ser percebida nos valores
familiares, forma de educação, religião, cultura de massa etc.
Se pensarmos do ponto de vista do materialismo dialético, como sujeitos
que vivem no modo de produção capitalista, precisamos refletir sobre as
nossas relações de produção e a forma como nos mantemos presos numa
visão idealizada de enriquecimento por meio do trabalho. Marx critica a
forma individualizada como atuamos em busca das transformações que
pretendemos, acreditando que a nossa ação individual é capaz de
promover mudanças.
Com o materialismo histórico, aprendemos que devemos olhar para a
história para entender como as transformações acontecem ao longo do
tempo, promovendo a mudança do modo de produção e delegando novos
papéis para os sujeitos. Já com o materialismo dialético, Marx e Engels
pretendem que os sujeitos percebam que essas mudanças estão focadas
numa mudança nas relações sociais entre os sujeitos e não numa ação
individual, como, muitas vezes, a história nos faz acreditar.
Se pensarmos no exemplo do capitalismo, com que temos maior
familiaridade, percebemos que a mobilidade social é uma das suas
possibilidades, já que qualquer sujeito pode ascender socialmente por
meio do trabalho e deixar de ser proletário para se tornar um burguês. No
entanto, segundo o pensamento marxista, essa é uma visão idealizada que
mantém o proletariado desunido e focado na sua própria ascensão
individual, quando deveria perceber que a materialidade do capitalismo
dificulta essa ascensão, porque as relações de produção capitalistas são
construídas para que o proletário só tenha o suficiente para a sua
reprodução e subsistência

Materialismo histórico versus dialético


Trabalho x cotidiano
Imagine que você é professor de Economia e, quando chega para a sua
aula, encontra um grupo de alunos comentando sobre as suas trajetórias
profissionais. Alguns comentam que trabalham desde bem pequenos e
que só tiveram a oportunidade de estudar quando mais velhos; já outros
dizem ter tido o apoio dos pais para terminar os estudos antes de começar
a trabalhar. Você, então, percebe que se trata de trajetórias profissionais
bem diferentes, mas que a maioria deles tem a ideia de que o trabalho
duro é o caminho para ficarem ricos, aproveitarem as coisas boas da vida
e deixarem de trabalhar exaustivamente, ficando a sensação de que só
trabalham para pagar as contas.
No meio da conversa, um dos alunos lança a pergunta: “Vocês acham
mesmo que vão conseguir ficar ricos trabalhando?” A pergunta incomoda
alguns colegas, crentes nessa certeza, enquanto faz outros pensarem
diante do pessimismo do colega instigador. Então, eles lançam a
pergunta para você: “Professor, você acha que é possível ficar rico
trabalhando duro? É possível virar patrão por meio do trabalho?” Você,
então, acha que essa é uma boa oportunidade de retomar alguns conceitos
marxistas com os alunos. Vamos lá?
Principais transformações sociais
Começando pelo materialismo histórico, você retoma o conceito de
relações de produção, que são as formas como os sujeitos se organizam
para execução do processo de trabalho; depois, mostra como, na história
da humanidade, as grandes transformações sempre aconteceram pelas
mudanças coletivas, impulsionadas por contradições internas nos modos
de produção que culminavam com a sua substituição por um novo modo
de produção. Então, você chama a atenção para o fato de o capitalismo
permitir a mobilidade social, sendo essa uma das suas características,
mas se volta ao questionamento de quantas pessoas conhecidas por nós
realmente ascenderam por meio do trabalho. A partir disso, você conclui
afirmando que, certamente, é possível melhorar de vida com trabalho
árduo, mas, ainda assim, poucas são as pessoas que conseguem parar de
trabalhar, definitivamente, ou virar burguesas de verdade, lucrando a
partir do trabalho de outras pessoas.
Essa é uma ilusão vendida para nós trabalhadores, pra gente
trabalhar com mais vontade, professor — comenta um dos alunos.
Você, então, aproveita para falar sobre o materialismo dialético como
uma filosofia da transformação, que analisa a realidade e pensa em
estratégias para propor a transformação por meio da ação, e completa
dizendo que Marx e Engels afirmavam que somente a união dos
proletários poderia produzir mudanças profundas nas relações socais.
O materialismo histórico e dialético nos mostra que só a união é capaz de
mudar o modo de produção. “E como podemos nos unir professor?”
“Esse é um assunto para uma próxima aula” — você respondeu,
deixando a curiosidade no ar.

Videoaula: Materialismo histórico e


dialético
Para este vídeo, vamos buscar compreender a forma como o
materialismo histórico se consolidou enquanto modo de explicar a
materialidade da história por meio dos exemplos de como os modos de
produção se organizaram ao longo dos tempos, bem como pensar na
força do materialismo dialético, propondo transformações a partir da
análise da sociedade real.

Saiba mais
Os materialismos histórico e dialético são conceitos e recursos
metodológicos importantes do marxismo. Para compreender melhor
esses conceitos, leia a seguinte referência bibliográfica:
"O método materialista histórico dialético: alguns apontamentos
sobre a subjetividade"

Referências
ALVES, A. O método materialista histórico dialético: alguns
apontamentos sobre a subjetividade. Revista de Psicologia da UNESP,
Assis, v. 9, n. 1, p. 1-13, 2010. Disponível
em: https://seer.assis.unesp.br/index.php/psicologia/article/view/422/400.
Acesso em: 12 maio 2022.
COSTA, C. Karl Marx e a história da exploração do homem. In:
COSTA, C.; COSTA, M. C. C. Sociologia: introdução à ciência da
sociedade. 2. ed. [S. l.]: Editora Moderna, 1997. p. 83-104.
MARX, K.; F. ENGELS. Ideologia alemã. 1867. Disponível
em: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?
select_action=&co_obra=2233. Acesso em: 12 maio 2022.
MASSON, G. Materialismo histórico e dialético: uma discussão sobre as
categorias centrais. Práxis Educativa, Ponta Grossa, v. 2, n. 2, p. 105-
114, jul./dez. 2007. Disponível
em: https://www.revistas2.uepg.br/index.php/praxiseducativa/article/
view/312/320. Acesso em: 12 maio. 2022.
SILVA, R. A. O conceito de práxis em Marx. Tese (Mestrado em
Filosofia) – Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2017.

Unidade 1 / Aula 4
Entendendo o capital

Introdução
Olá, estudante! Tudo bem?
Iniciaremos, a partir de agora, a discussão dos conceitos de maior
relevância para o capitalismo com base na forma como foram
apropriados, pensados e repensados ao longo da segunda metade dos
séculos XIX e XX, principalmente no que se refere à consolidação do
capitalismo e à implantação do socialismo como experiência concreta.
Nesta aula, vamos abordar os conceitos de classes sociais e modos de
produção capitalista, entendendo a sua importância como categoria
analítica para explicar uma determinada realidade e para materializar a
mudança da sociedade por meio do modo de produção. Para
compreender esses conceitos, vamos fazer a trajetória pensada por Marx
e Engels usando uma das suas obras de maior relevância e penetração,
tanto nos meios acadêmicos quanto em organizações de trabalhadores,
o Manifesto do Partido Comunista, bem como abordar a formação dos
sindicatos, como formas de organização da classe trabalhadora, voltada
para a revolução.
Vamos começar?
Conceito de classes sociais
Classes sociais
A história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a
história das lutas de classes.
Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de
corporação e companheiro, numa palavra, opressores e oprimidos, em
constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora
disfarçada; uma guerra que terminou sempre, ou por uma transformação
revolucionária, da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes
em luta. (MARX; ENGELS, 1847, p. 1)
Essa citação reflete e resume o pensamento de Marx e Engels sobre a
forma como as sociedades se firmaram ao longo do tempo pela existência
das classes sociais, assim, para confirmar a materialidade da sua
afirmação, os pensadores iniciam o Manifesto Comunista colocando
todas as classes sociais que compõem a história e ressaltando uma
constatação comum aos modos de produção de todos os tempos: a luta de
classes.
O primeiro conceito que vamos abordar é o de classes sociais.
Exemplificado de forma materializada na citação do Manifesto
Comunista, com exemplos que remetem à história da humanidade, Marx
e Engels pretendem evidenciar uma das afirmações que mais ecoaram no
mundo:
“a história de todas as sociedades que existiram até hoje é a história da
luta de classes” (1847, p. 1).
Isso consolida a materialidade dos seus conceitos que são
finalizados com as perspectivas idealistas de que era possível uma
integração entre as classes sociais, em busca de uma sociedade
igualitária, com base nos modos de produção até então existentes. Essa
perspectiva marxista propõe que a história seja revolucionada e não
somente mudada.
Segundo Marx e Engels, o conceito de classes sociais é marcado por
quatro características: a) oposição, já que, de um lado, estão aqueles que
detêm os recursos de poder (terras, fábricas, capital) e, de outro lado,
estão os trabalhadores, que vendem a sua força de trabalho;
b) antagonismo, já que as duas classes têm interesses opostos,
antagônicos; c) complementariedade, já que uma não existe sem a outra
(não há como ter o servo que cultiva a terra se não há o senhor feudal,
proprietário das terras ou o capitalista sem o proletário para vender a sua
força de trabalho, uma vez que o trabalhador despossuído de qualquer
riqueza precisa vender a sua força de trabalho para sobreviver); e
d) exploração, já que os detentores dos recursos de poder de cada
período precisam explorar a mão de obra dos trabalhadores para manter o
seu poder, uma vez que sua condição de riqueza é alcançada pela
exploração da mão de obra dos expropriados (COSTA, 1997).
O conceito de classes sociais se tornou o um dos mais relevantes para o
pensamento marxista, transformando-se numa categoria explicativa que
sustentava a ideia revolucionária de Marx e Engels; então, cabia à classe
trabalhadora se apropriar desse conceito e se identificar enquanto classe
social.

Modo de produção
Consolidação da burguesia
Olhar para a história é uma forma importante de entender o pensamento
marxista e como os modos de produção surgem, desenvolvem-se, entram
em contradições internas e são substituídos por outros modos de
produção, com uma nova estrutura econômica e
superestrutura política, social e cultural.
No entanto, neste momento, é necessário debruçar sobre o modo de
produção capitalista, no qual vivemos atualmente. Para tanto, vamos
começar descrevendo a forma como Marx e Engels descrevem a
formação e consolidação da burguesia enquanto classe. Vamos lá?
Para que a burguesia se consolidasse, foi preciso destruir as relações de
produção do feudalismo, favorecer o êxodo rural e a movimentação dos
servos do campo para as cidades. A expansão comercial para a América e
a Ásia, o intenso trânsito comercial e as oportunidades que se abriam
para os pequenos burgueses fizeram com que as pequenas manufaturas
tivessem que se adequar à expansão comercial, fazendo com que os
antigos mestres de ofício se curvassem diante do poder da burguesia
comercial. A religião, que, em outros tempos, justificava a manutenção
da condição de classe dominante da nobreza, foi se perdendo diante da
expansão das explicações científicas e do avanço da tecnologia. A
modernização das fábricas veio acompanhada da modernização do
pensamento e dos seus reflexos na política, assim, os antigos servos se
tornaram os proletários atuais. No capitalismo, os servos, que, antes,
dominavam todo o processo de produção, desde a plantação até a
colheita, transformaram-se em operários que vendiam a sua força de
trabalho por um salário, sendo parte de um processo de produção que não
dominavam e não controlavam e não eram donos dos seus resultados.
O desenvolvimento tecnológico associado às fábricas foi transformando
o trabalhador, cada vez mais, num apêndice da máquina. Enquanto os
burgueses foram enriquecendo, os operários se tornaram cada vez mais
pobres, estando sujeitos a salários e condições mais degradantes de
trabalho.
Marx e Engels discorrem sobre a forma como o capitalismo modificou o
estilo de vida dos proletários e seus valores, reforçando a sua teoria de
que as mudanças econômicas refletiam em mudanças sociais, culturais e
políticas, especialmente a relação das próprias famílias com o consumo,
devido à mudança do modo de produção.
É interessante perceber como Marx e Engels, ao longo do Manifesto
Comunista, discorrem sobre o processo de tomada de consciência do
proletariado, ressaltando, ainda, que, assim que a revolução se
aproximasse, alguns burgueses apoiariam a transição para o socialismo,
principalmente aqueles menos conservadores e mais conscientes. Os
autores também citam o lumpen proletariado, descrevendo aquela
camada do proletariado que se recusava à fazer revolução. Descrita como
desprezível, o lumpen proletariado era uma parte do proletariado que
defendia os valores burgueses, que se recusava a adquirir consciência de
classe e, por desejar ser burguesa ou por defender suas pequenas
conquistas de proletário, podia atrapalhar a revolução.

O Manifesto Comunista
O Manifesto Comunista lançou as bases para um novo modo de
produção: o comunismo, e entre as suas principais diretrizes estava a
união da classe trabalhadora, que pode ser resumida em um
clássico slogan: “proletários do mundo todo, uni-vos”. Apesar do
antagonismo de classes ser claro para Marx e Engels, mais de 170 anos
após a publicação do Manifesto Comunista, o proletariado ainda se
mantém, aparentemente, desunido e, às vezes, até contraditório com
relação aos seus interesses de classe.
Há muitas pessoas que fazem parte do proletariado que, desapropriadas
dos meios de produção ou em situações distantes de pertencimento
junto à classe dominante — dadas as suas limitações de acesso a crédito,
por exemplo — defendem reformas econômicas e políticas que vão
contra aos seus próprios interesses, como reformas trabalhistas,
previdenciárias e fiscais, que podem torná-las ainda mais empobrecidas
ou distantes de melhores condições de crédito e renda.
______
Reflita
Diante desse cenário comum de ser visto em diversos locais do mundo,
como explicar esse fenômeno à luz da teoria marxista? Por qual motivo o
proletariado ainda se mantém desunido? De acordo com o pensamento
marxista, vamos começar a resposta lembrando que a dominação
econômica é seguida de uma dominação ideológica, ou seja, a burguesia
domina o proletariado por meio da dependência econômica, comprando a
sua força de trabalho, mas também impondo os seus valores sociais e
culturais, facilitando a identificação do proletariado com a burguesia, que
reproduz o seu modo de vida, muitas vezes, de forma naturalizada.
______
Também podemos citar as características das classes sociais como parte
da explicação. Segundo Marx e Engels, as classes sociais são marcadas
por relações: a) de oposição, porque, de um lado, estão aqueles que
vendem a sua força de trabalho, e, de outro, os donos dos meios de
produção; b) antagônicas, porque têm interesses opostos e
irreconciliáveis; c) de exploração, já que a classe dominante lucra com a
exploração da mão de obra do proletariado; e d) de complementaridade,
já que uma não existiria sem a outra. Essas características parecem
evidentes do ponto de vista teórico, mas nem sempre são percebidas
pelos proletários diante da sua dependência econômica e ideológica,
favorecendo a desunião da classe trabalhadora, que, diante da
possibilidade de manter as suas conquistas, acaba se identificando mais
com a burguesia do que com o próprio proletariado, classe à qual
pertence.
Isso tudo nos leva a retomar o conceito de Marx e Engels
de lumpen proletariado, ou seja, o conceito marxista que mostra que parte
do proletariado almeja pertencer à burguesia e, por esse motivo, defende
os seus posicionamentos, convencida de que reformas que atendam aos
interesses da burguesia levarão à melhoria das suas próprias condições.
Videoaula: Entendendo o capital
No vídeo desta aula, vamos entender quais as características das classes
sociais e a maneira como Marx e Engels previram que o proletariado se
fortaleceria enquanto classe social, fazendo uma revolução e se tornando
a classe dominante do próximo modo de produção – o socialismo –, bem
como vamos acompanhar essa transformação por meio da análise do
Manifesto Comunista, que foi escrito diretamente para o proletariado.

Saiba mais
O Manifesto Comunista foi uma obra escrita por Marx e Engels, tendo
sua linguagem direcionada para a classe operária. Seu principal lema é:
“Proletários do mundo todo: uni-vos”. Por isso, para saber mais sobrea
construção e consolidação do modo de produção do comunismo, a
indicação é a leitura do Manifesto Comunista, de Marx e Engels.
"Manifesto do partido comunista"

Referências
COSTA, C. Karl Marx e a história da exploração do homem. In:
COSTA, C.; COSTA, M. C. C. Sociologia: introdução à ciência da
sociedade. 2. ed. [S. l.]: Editora Moderna, 1997.
MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do partido comunista. 1847.
Disponível
em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000042.pdf.
Acesso em: 12 maio 2022.

Unidade 1 / Aula 5
Revisão da unidade
O jovem Marx: contexto e sua importância
para o marxismo
Olá, estudante!
Nesta revisão, vamos retomar o conceito de transição do feudalismo para o capitalismo a
partir do pensamento marxista, com o objetivo de usar essa relação para entender os
conceitos desenvolvidos pelo jovem Marx, em parceria com Engels, no início da sua
trajetória de construção do pensamento comunista.
Para iniciar a nossa trajetória, vamos retomar as influências hegelianas de Marx e Engels,
que traziam consigo a separação entre política e sociedade civil, tratando a política como
uma questão a ser abordada por uma camada de experts, estudiosos e pensadores que
construiriam as bases políticas e do Estado Moderno, deixando para a população em geral
o papel de manter-se como mão de obra. Esse pensamento passou a ser criticado tanto por
Marx quanto Engels, que entendiam que essa separação alienava a classe trabalhadora das
decisões políticas e, consequentemente, da construção do Estado Moderno, além de ser um
pensamento idealista, que se baseava no campo das ideias e não na realidade.
Como consequência dessa ruptura com o pensamento hegeliano, Marx se autodenominou
materialista e construiu o conceito de materialismo histórico, que se baseia na análise da
realidade histórica e na definição dos modos de produção de cada período. A análise dos
modos de produção já existentes na história da humanidade mostra que os modos de
produção surgem para atender as necessidades humanas em um determinado
período; desenvolvem-se e sofrem uma série de contradições externas que levam ao seu
fim e a sua substituição por outro modo de produção.
O modo de produção se caracteriza pela análise das forças produtivas e das relações de
produção, que são, respectivamente, as técnicas e os instrumentos desenvolvidos pelos
sujeitos para a utilização, modificação dos recursos naturais e da forma como as atividades
produtivas são organizadas em cada período. Para entender melhor como o materialismo
histórico analisa os modos de produção, vamos acompanhar, no quadro a seguir, a transição
do modo de produção feudal para o modo de produção capitalista, evidenciando os seus
elementos mais relevantes.
Fonte: elaborado pela autora.
A análise dos modos de produção, segundo Marx e Engels, enfatiza a importância da
economia, chamada de estrutura, diante dos outros elementos que compõem a análise
material da realidade, como a política, as formas de explicar o mundo, o local de moradia
etc. Todos esses elementos se alteram a partir da modificação da economia.
O materialismo histórico, nesse sentido, é o recurso metodológico usado por Marx e Engels
para desenvolver o seu materialismo dialético e a ideia da filosofia da práxis, ou seja, a
orientação do desenvolvimento do pensamento filosófico para a ação transformadora.
Segundo o materialismo dialético, a filosofia não deveria se ocupar do pensamento abstrato,
sobre uma sociedade idealizada, pensada, mas focar uma corrente de pensamento que
estivesse acessível à classe trabalhadora e, nesse sentido, prepará-la para a revolução.
No intuito de alcançar o objetivo de preparar a classe trabalhadora para a revolução, Marx e
Engels usam de uma linguagem mais acessível na elaboração do Manifesto do Partido
Comunista, que traz um comando importante para os seus propósitos: “proletários do
mundo todo, uni-vos”, evidenciando o conceito de classes sociais e as suas características
de antagonismo e exploração ao longo da história da humanidade.

Videoaula: Revisão da unidade


Neste vídeo, vamos percorrer a trajetória de construção do pensamento
marxista a partir do jovem Marx; acompanhar a construção dos
materialismos histórico e dialético como recursos metodológicos sobre
os quais outros conceitos importantes do pensamento
marxista se desenvolveram, como: modo de produção, revolução e
classes sociais; bem como abordar a transição do feudalismo para o
capitalismo, para entender a materialidade do pensamento marxista a
partir do modo de produção sobre o qual temos mais familiaridade.

Estudo de caso
Você trabalha em uma montadora de uma grande cidade e anda bastante
preocupado com a sua situação profissional. Diante das perdas da
empresa, com a queda das vendas dos automóveis, a montadora tem
planos de fechar a fábrica, encerrar as operações no país e demitir os
funcionários. Sob ameaças constantes de desemprego, você e seus
colegas estão tensos e os conflitos na fábrica são cada vez mais
frequentes, sendo que cada trabalhador quer defender o seu emprego
(tem até colega dedurando, para os patrões, as ações pensadas pelo
sindicato). Os funcionários da montadora estão muito desunidos e
preocupados somente com os seus interesses individuais, mas você
acredita que a união dos trabalhadores pode trazer mais resultados do que
atuações individuais.
Como um dos membros do sindicato local, você conversa com alguns
colegas sobre a necessidade de retomar alguns cursos de formação sobre
economia e política no sindicato. Sua sugestão é começar a formação
pelo jovem Marx, explicando um pouco os primeiros conceitos
marxistas, o modo de produção capitalista, as condições de trabalho dos
primeiros operários das fábricas e as conquistas trabalhistas ao longo dos
anos; em seguida, retomar a história da parceria de Marx com Engels e
finalizar com o Manifesto Comunista.
Essa é uma sugestão que vai ao encontro do objetivo de vocês de ter um
sindicato mais revolucionário, que reflita sobre o seu papel político. O
desafio é grande, mas você acha que pode montar uma boa formação
para os colegas. Imaginando que sua sugestão foi aprovada pelo
sindicato e aceitando a responsabilidade de montar o curso, como você
faria essa estruturação?
Reflita
Agora que você já refletiu sobre a importância da teoria marxista para a
organização da classe trabalhadora, que tal pensar sobre a atuação dos
sindicatos ao longo da história do capitalismo? Qual será a sua
contribuição para a melhoria das condições de trabalho? Será que os
sindicatos conseguiram se firmar como organizações representativas dos
trabalhadores?

Videoaula: Resolução do estudo de caso


Para começar o curso, é possível abordar a crítica de Marx ao
pensamento hegeliano, que separava a política da sociedade civil,
deixando a política para uma camada de experts e acreditando que o
poder deveria ser exercido por uma camada de pensadores, sem a
participação da classe trabalhadora, que ficaria restrita à sociedade civil e
às atividades de produção.
Marx se declarava um materialista, o que significa que a realidade era
pensada a partir da análise da história, da realidade concreta e dos
elementos da forma como se apresentavam. Nesse sentido, Marx
elaborou o conceito de materialismo histórico, que explica a realidade de
todos os modos de produção que compõem a história da humanidade.
Os modos de produção são construídos a partir da relação entre as forças
produtivas e as relações de produção, sendo que a primeira se refere aos
instrumentos e técnicas desenvolvidas em cada período para transformar
os recursos naturais de acordo com as suas necessidades, enquanto o
segundo se refere à forma como as atividades produtivas são
estabelecidas em cada período.
Outro ponto importante a ser abordado no curso é o materialismo
dialético, que é um desdobramento do materialismo histórico e pretende
desenvolver uma filosofia voltada para a práxis, ou seja, para a ação
transformadora. É a filosofia da ação, que preparará a classe trabalhadora
para ser a classe revolucionária que liderará a transição do capitalismo
para o comunismo.
Será necessário, também, abordar o Manifesto Comunista, que não pode
ser descrito sem se falar na parceria entre Marx e Engels. Ambos eram
alemães e hegelianos, mas o encontro entre os dois aconteceu em Paris,
quando eles já haviam rompido com o pensamento hegeliano. A
admiração mútua gerou uma parceria muito frutífera, com uma
quantidade significativa de obras que marcou os estudos sobre o
capitalismo e o Estado Moderno.
Voltando ao Manifesto Comunista, faz-se importante ressaltar que o livro
foi escrito para ser lido pela classe trabalhadora, por isso, a sua
linguagem é mais acessível e direta, apresentando os princípios para a
transição do feudalismo para o capitalismo. Nesse ponto, é possível
discutir o conceito de classe social, referir-se à importância da
consciência de classe e a união do proletariado para tornar a revolução
possível.
Para finalizar o curso, é possível citar a famosa frase que inicia o
Manifesto Comunista: “proletários do mundo todo: uni-vos”, lembrando
do papel do sindicato de defender os interesses coletivos dos
funcionários da montadora.

Resumo visual
O objetivo desta aula é compreender o pensamento marxista a partir do contexto histórico
em que Marx está inserido, considerando suas principais influências e publicações.
Para alcançar esse objetivo, percorremos a seguinte trajetória: analisamos o contexto de
transição do feudalismo para o capitalismo cujas consequências e consolidação foram o
contexto encontrado por Marx para os primeiros de seus escritos, que incluíam:
instabilidade política e formação do Estado Moderno; e o sistema capitalista se
consolidando com a formação das fábricas, a transformação dos servos em proletários, a
mudança do meio rural para o meio urbano, as condições degradantes de trabalho e a
consolidação da burguesia enquanto classe dominante.
Continuando nossa trajetória, chegamos ao rompimento de Marx e Engels com o
pensamento hegeliano e a afirmação de Marx como um materialista. Nesse sentido,
ocupamo-nos do entendimento dessa mudança na forma de pensar de Marx e da elaboração
dos conceitos de materialismos histórico e dialético. A partir desses conceitos, foi possível
apresentar os modos de produção desenvolvidos ao longo da história e, com isso, concluir
que todos têm uma trajetória semelhante, ou seja, surgem, desenvolvem-se, sofrem uma
série de contradições internas e são substituídos por um novo modo de produção.
Para finalizar a trajetória percorrida pelo jovem Marx, chegamos à escrita do Manifesto
Comunista, livro escrito em parceria com Engels e que traz a apresentação do modo de
produção comunista. O livro foi escrito diretamente para a classe trabalhadora. Para o
objeto educacional, foi feito um mapa mental sobre os acontecimentos históricos que
sustentaram o pensamento do jovem Marx:

 Revolução Industrial: formação das primeiras fábricas, trabalho assalariado e


primeiras revoltas de trabalhadores, êxodo rural e vida nas cidades.
 Revolução Francesa: fim da monarquia absolutista, formação do Estado Moderno,
disputas pelo poder político na França.

Mapa mental
Fonte: elaborado pela autora.

Referências
COSTA, C. Karl Marx e a história da exploração do homem. In:
COSTA, C.; COSTA, M. C. C. Sociologia: introdução à ciência da
sociedade. 2. ed. [S. l.]: Editora Moderna, 1997. p. 83-104.
MARX, K. A questão judaica. In: MARX, K. Manuscritos econômico-
filosóficos. São Paulo: Martin Claret, 2005.
MARX, K. Crítica à filosofia do direito de Hegel. In: MARX,
K. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Martin Claret,
2005.
MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. 1847.
Disponível
em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000042.pdf.
Acesso em: 12 maio 2022.
MASSON, G. Materialismo histórico e dialético: uma discussão sobre as
categorias centrais. Práxis Educativa, Ponta Grossa, v. 2, n. 2, p. 105-
114, jul./dez. 2007. Disponível
em: https://www.revistas2.uepg.br/index.php/praxiseducativa/article/
view/312/320. Acesso em: 12 maio. 2022.

UNIDADE 2 - Valor e Seus Componentes

Unidade 2 / Aula 1
Valor de uso e valor de troca

Introdução
Olá, estudante! Bem-vindo a mais uma aula de economia marxista!
Uma das contribuições mais significativas do pensamento de Karl Marx
se refere as suas análises do sistema capitalista; seu livro O
Capital descreve, detalhadamente, os aspectos mais relevantes do
capitalismo, buscando explicar como esse modo de produção se
consolidou a partir da economia, considerada, por Marx, como
estrutura.
Para esta aula, vamos nos concentrar nos conceitos de valor de uso e
valor de troca, buscando explicar como os bens de consumo deixaram de
ser percebidos como itens meramente naturais (ou coisas) para se
transformarem em mercadorias com valor de uso e valor de troca, bem
como compreender esses conceitos relacionando-os com algumas
dimensões inerentes a sua existência: o equivalente e a sua forma
universal (o dinheiro), a noção de trabalho útil e como esse conceito se
relaciona com o trabalho social agregado ao valor da mercadoria.
Vamos aos nossos estudos?

Valor de Uso e Valor Troca a Partir de


Mercadoria e Trabalho
Definição de valores
De acordo com Marx (1867, [s. p.]), “a riqueza das sociedades em que
domina o modo de produção capitalista, apresenta-se como uma imensa
acumulação de mercadorias. A análise da mercadoria, forma elementar
dessa riqueza, será, por conseguinte, o ponto de partida da nossa
investigação”. Essa citação dá início ao estudo de valor, enfatizando a
sua importância e introduzindo as discussões sobre valor de uso e valor
de troca a partir do conceito de mercadoria.
Marx entende mercadoria como um objeto exterior que tem como
objetivo satisfazer alguma necessidade humana, seja ela de estômago ou
de fantasia. Ele enfatiza que as necessidades de estômago são aqueles
referentes à subsistência e as de fantasia são as necessidades que trazem
consigo o modo de produção. Sobre as características das mercadorias
descritas por Marx, ainda é possível apontar a qualidade e a quantidade,
pensando que a qualidade se refere aos itens essenciais para a
subsistência dos sujeitos (como alimentos e vestuário), enquanto a
quantidade tem relação com os recursos que são usados para a produção
de mercadorias, que serão manufaturadas e vendidas.
Ao analisar a quantidade, Marx também discorre sobre a necessidade de
valoração das mercadorias, mas ele ainda não está falando sobre
precificação e sim sobre a forma de se criar equivalência entre as
matérias-primas. Por exemplo, qual a equivalência entre o ferro e o trigo,
duas matérias-primas necessárias para a manufatura? A partir dessa
equivalência, é possível saber qual o valor de uso de cada produto (ou
seja, a utilidade relacionada às suas propriedades físicas), considerando,
ainda, o seu processo de transformação até chegar a ser uma mercadoria.
No entanto, vale destacarmos que todas as mercadorias são compostas do
duplo valor (de uso e de troca), já que uma mercadoria só pode ser assim
chamada quando, nela, há valor agregado à forma de trabalho social
despendido para sua transformação. Vamos tentar entender isso?
Acabamos de ver que, quando falamos sobre valor de uso, estamos
falando de utilidade, e essa utilidade é medida pelas condições sociais
adquiridas por aquela mercadoria, sendo que, quanto mais útil ela for,
maior será o seu valor de uso. Mas é importante considerarmos que o
valor de uso de um bem está relacionado com o contexto em que ele está
inserido. Marx parece reconhecer que o valor de uso das mercadorias
está ligado à importância que elas têm naquele determinado contexto
histórico e social, sendo sua utilidade reconhecida pelo grupo,
realizando-se somente pelo consumo, pelo uso da mercadoria.
Já o valor de troca está relacionado com elementos mais abstratos, que
precisam ser analisados com mais cuidado, por isso, vamos
voltar à quantidade, uma das características essenciais das mercadorias.
Sobre a quantidade, por meio dela, é possível equiparar as mercadorias
entre si, construindo uma equação que mostre a quantidade necessária de
uma determinada mercadoria para ser trocada por outra. Marx
exemplifica isso usando o trigo e o ferro; para saber o valor de troca, é
preciso fazer a relação de quanto de trigo é preciso para se obter um
quilo de ferro, por exemplo.

A Importância do Trabalho para a Criação


do Valor
Afinal, o que concede valor a mercadoria?
Segundo Marx, para explicar o valor de uma mercadoria, não é possível
considerar somente o valor de uso, já que, retirando sua utilidade, o que
resta para a análise é o trabalho empregado para a produção daquela
mercadoria. O que concede valor para a mercadoria é o quanto de
trabalho foi agregado na sua produção e que elevou o seu valor social. A
qualidade, nesse sentido, está associada ao quanto a mercadoria foi
modificada pelo trabalho empregado na sua transformação.
Inicialmente, vamos pensar naquilo que tem valor de uso sem ser,
necessariamente, uma mercadoria. Parece estranho, mas não é, quer
ver? É o caso dos bens naturais, que estão disponíveis na natureza e
podem ser acessados livremente, como o ar que respiramos, a água ou a
madeira (que podem ser retirados e consumidos diretamente na
natureza); esses bens têm um grande valor de uso sem que sejam,
essencialmente, uma mercadoria, não havendo trabalho social empregado
para a sua modificação.
Nós não vamos nos estender nessa questão, até mesmo pelo
desenvolvimento do acesso aos bens naturais atualmente, que coloca em
pauta várias questões relacionadas à apropriação de recursos naturais
(como a propriedade e o trabalho social empregado na sua utilização),
como é o exemplo da água. A questão que surge, então, é: “o que
transforma um bem em mercadoria, concedendo-lhe valor?” Vamos
começar esse entendimento com uma fala de Marx citada por Miranda
(2016):
O camponês medieval produzia o trigo do tributo para o senhor feudal, o
trigo do dízimo para a cura. Mas, embora fossem produzidos para
terceiros, nem o trigo do tributo nem o dízimo eram mercadoria. O
produto, para se tornar mercadoria, tem de ser transferido a quem vai
servir como valor-de-uso por meio de troca. Finalmente, nenhuma coisa
pode ser valor se não é objeto útil; se não é útil, tampouco o será o
trabalho nela contido, o qual não conta como trabalho e, por isso, não
cria nenhum valor (MARX, 2008 apud MIRANDA, 2021, p. 4).
Aqui, já fica evidente que Marx não entendia que os bens produzidos
durante o feudalismo eram mercadorias, tendo outra função, como tributo
ou oferta, relacionada com questões religiosas. Mas o que transformou o
valor em mercadoria? Para Marx, o que concede valor a um bem é a sua
utilidade, e o que transforma o bem em mercadoria é o trabalho útil
empregado na sua transformação. Assim, um bem só tem valor quando é
útil e só se transforma em mercadoria quando a sua utilidade é alcançada
por meio do trabalho social empregado na sua produção (MIRANDA,
2021).
Diante disso, o que significa dizer que esse bem, transformado em valor
de uso, é uma mercadoria? Significa estabelecer regras para a sua
comercialização por meio da sua equivalência de troca. Assim, sabendo
que uma das características do capitalismo é o surgimento do equivalente
universal, já podemos afirmar que a troca é feita usando-se o dinheiro.
Entendendo que as mercadorias têm essa dupla definição (valor de uso e
valor de troca), a partir desse ponto, vamos refletir sobre o significado do
valor de troca e sua relação com o trabalho social empregado na sua
produção.
Já vimos que o valor de uso está relacionado à utilidade daquele produto
e se relaciona com o trabalho social útil empregado na sua produção, mas
como é definido o valor de troca? É fato que nenhum empresário se
dedicará à produção de algo que não tenha valor de troca, ou seja, que
não possa ser comercializado, levando-se em conta o seu valor social,
então, o valor de troca está relacionado com a quantidade de dinheiro que
é possível trocar por aquela mercadoria, numa transação mercantil. Outra
característica é que o valor de troca é relativo e determinado
historicamente, ou seja, para definir por quanto determinada mercadoria
poderá ser trocada, é preciso calcular o seu significado social para aquele
grupo naquele determinado tempo.
A Importância do Contexto para o Valor
Análise de contexto para definição do valor
O conceito de valor em Marx está impregnado em todas as mercadorias
que consumimos, sendo usado para determinar quais os rumos que uma
determinada produção irá alcançar a partir da análise do contexto,
fazendo surgir novas utilidades e, consequentemente, novos valores de
uso e troca.
Vamos pensar na pandemia do Corona Vírus que assolou o mundo, a
partir do ano de 2020, e como essa pandemia modificou o valor social
das mercadorias, alterando os seus valores de uso e troca? Dados da
revista Seu Dinheiro apontam que, no primeiro semestre de 2020, os
pedidos de falência de empresas avançaram 34,2%; os de recuperação
judicial, 32,8%; e as recuperações judiciais deferidas, 45,3% em relação
ao mesmo período do ano de 2019 (GAZZONI, 2020), uma vez que o
efeito da pandemia colocou muita gente em casa e afetou diversas
empresas que dependiam da circulação de pessoas para que seus
negócios continuassem existindo (GAZZONI, 2020).
Temos como exemplo as companhias aéreas, que viram as suas ações
paralisarem quase por completo. Com as restrições de deslocamento e o
fechamento das fronteiras de vários países, o turismo, praticamente,
deixou de existir por um período, assim como as viagens corporativas,
que foram muito reduzidas diante do risco de contaminação. As empresas
não queriam arriscar seus funcionários nem desgastar suas imagens, logo,
alternativas tiveram de ser pensadas.
Situação oposta viveu o mercado de tecnologia. Com as pessoas
trabalhando de casa, as reuniões deixaram de ser presenciais e se
transformaram em reuniões online, fazendo com que aumentasse o valor
de uso da internet residencial. As empresas que atuam nessa área tiveram
que orientar o trabalho dos seus funcionários para esse atendimento, em
detrimento do suporte ao acesso corporativo; da mesma maneira, o
serviço se tornou mais caro, e o valor de troca, o cálculo do seu
equivalente, também teve de ser alterado.
Pensando nessa situação, quais mercadorias deixaram de ter valor de uso
e quais tiveram o seu valor de uso alterado? Como os conceitos de valor
e mercadoria ajudam a pensar na forma como o mercado se modifica, a
depender do contexto apresentado?
Se pensarmos nos conceitos de valor de uso e valor de troca
desenvolvidos por Marx, vamos perceber que o contexto é o que define o
que é útil num determinado momento. No caso do contexto da pandemia,
as mercadorias associadas com compartilhamento de espaços físicos
pelas pessoas perderam o seu valor, como as companhias aéreas e de
prestações de serviços relacionados ao trabalho presencial, abrindo
espaço para o aumento do valor de uso de tudo o que fosse feito para o
ambiente online e produzido para ser consumido individualmente. Para
essas mercadorias, houve aumento do valor de troca, acompanhando a
alteração da sua utilidade,o que Marx chamou de relatividade
associada à ideia de valor de troca.

Vídeo Resumo
Para este vídeo, vamos focar a construção dos conceitos de valor de uso e
valor de troca elaborados por Marx com ênfase na importância do valor
social das mercadorias, sendo essa a base para entendermos as discussões
sobre a constituição do capital a partir dos seus elementos, como valor e
mercadoria.

Saiba mais
Para entender os conceitos de valor de uso e valor de troca, é importante
compreender a importância do valor social agregado às
mercadorias. Para saber mais sobre esses conceitos, leia o seguinte
texto: "A origem social do valor: valor-de-uso e valor-de-troca numa
perspectiva dialética".

Referências
CARCANHOLO, M. D. A importância da categoria valor de uso na
teoria de Marx. Revista Pesquisa e Debate, São Paulo, v. 9, n. 2, p. 17-
43, 1998. Disponível
em: https://revistas.pucsp.br/index.php/rpe/article/view/11757/8478.
Acesso em: 13 maio 2022.
GAZZONI, M. Os “falidos” do coronavírus: veja as empresas que
quebraram na pandemia. 2020. Disponível
em: https://www.seudinheiro.com/2020/empresas/os-falidos-do-
coronavirus-veja-as-empresas-que-quebraram-na-pandemia/. Acesso em:
13 maio 2022.
MARX, K. O capital: livro I. [S. l.: s. n.], 1867.
MIRANDA, G. A origem social do valor: valor-de-uso e valor-de-troca
numa perspectiva dialética. Revista Primordium, Uberlândia, v. 6, n.
12, p. 1-30, jul./dez. 2021. Disponível
em: https://seer.ufu.br/index.php/primordium/article/download/59179/33
313/280720. Acesso em: 13 maio 2022.

Unidade 2 / Aula 2
Os componentes do valor e a composição orgânica do capital

Introdução
Olá, estudante!
Para esta aula, vamos nos concentrar em expandir o significado de valor
para o conceito de mercadoria, buscando entender como esse valor é
transformado em preço. Para isso, vamos nos dedicar ao entendimento do
significado do fetiche da mercadoria, ou seja, quais os elementos que
contribuem para aumentar o valor daquele produto, independentemente
da sua utilidade e equivalência.
Além disso, também vamos compreender o significado da composição
orgânica do capital a partir dos elementos que a formam, e para essas
análises, vamos trazer a importância do trabalho e do valor da matéria-
prima para o entendimento, tanto da composição orgânica do capital
quanto do fetiche da mercadoria, expandindo o caráter abstrato do
significado da mercadoria para Marx.
Vamos aos estudos?

Entendendo a Composição Orgânica do


Capital
Influência do convívio social no capitalismo
Para Marx, o que concede valor a um bem é a sua utilidade, e o que o
transforma em mercadoria é o trabalho útil empregado na sua
transformação. É interessante notarmos que isso mostra que a teoria de
Marx é construída tendo a mercadoria como centro de análise.
No livro O Capital, por exemplo, a mercadoria é percebida como a forma
elementar da riqueza das sociedades capitalistas, sendo que a sua
produção acontece mediante a exploração feita pelos proprietários dos
meios de produção, também entendidos como capital constante
(matérias-primas, maquinário, prédios), e a classe trabalhadora, que só
tem a sua força de trabalho (também conhecida como capital variável)
para sobreviver.
Cabe ressaltarmos que, em uma empresa, a proporção utilizada de capital
constante e capital variável na produção de uma mercadoria (razão
chamada por Marx de Composição Orgânica do Capital – COC) é o que
vai trazer maior ou menor lucro ao capitalista, segundo a teoria marxista,
no entanto, não pode ser esquecido o fato de que o trabalho é uma
atividade social, já que representa as relações que são construídas a partir
do trabalho coletivo. É exatamente nesse ponto que Marx traz uma
colocação muito importante para a sua teoria. O marxismo entende que o
modo de produção capitalista desumaniza as relações entre as pessoas, já
que ele estimula que as relações sociais sejam materializadas em coisas,
em produtos (mercadorias), levando a um processo de coisificação das
relações sociais (em que as relações humanas passam a ser relações entre
coisas).
Na visão marxista, o capitalismo leva a uma coisificação humana (das
relações humanas) e a uma humanização (ou personificação) das coisas
(das mercadorias), mas o que isso significa? De acordo com Marx, as
relações humanas passam a ser influenciadas fortemente pelos objetos,
pelas coisas, pelas mercadorias, que parecem adquirir vida própria ou
um status até maior do que as próprias relações humanas. As pessoas
passam a se fazer representar e reconhecer pelos bens materiais de que
são detentoras.
Esse pensamento marxista parece bem atual, não é mesmo? Afinal,
quantas vezes já não vimos pessoas ostentando roupas, celulares,
motocicletas, joias etc. que, sabidamente, estão acima de seus poderes
aquisitivos (ou não) para que sejam invejadas e bem quistas dentro de
determinados grupos sociais? Isso as faz se sentirem mais valorizadas,
destacadas e aceitas. As mercadorias parecem ter vida própria, enquanto
as relações sociais construídas no trabalho parecem racionais e
desumanizadas.
Obviamente que as empresas, no sistema de produção capitalista,
entendem essa personificação das coisas, fazendo com que essas
organizações tenham uma atuação direcionada para chamarem a atenção
das pessoas para as mercadorias que produzem. Marx descreveu isso há
mais de um século e nós vivenciamos o mesmo fenômeno nos dias de
hoje, não é mesmo? Mas como Marx explica esse processo de
personificação dos produtos? E a resposta é: pelo fetichismo das
mercadorias.

O Fetiche da Mercadoria: entendendo a


parte abstrata do capital
O desejo de compra
Marx é um autodeclarado materialista que, na juventude, fazia crítica à
alienação provocada pela religião e pela idealização individualista do
capitalismo. No O Capital, ele busca explicar como o valor transforma
coisas em mercadoria e como essa mercadoria se transforma em lucro
por meio da composição orgânica do capital. Tudo isso é explicado
levando em conta as suas análises materiais e passíveis de serem
calculadas por meio de fórmulas, no entanto, há uma característica da
mercadoria que Marx classifica como abstrata e metafísica e que precisa
ser cuidadosamente explicada: o caráter fetichista da mercadoria.
O valor de uso é explicado pela utilidade das coisas, num determinado
contexto social e histórico, que, composto com o valor de troca,
estabelece a equivalência da mercadoria com o equivalente universal – o
dinheiro. No entanto, existem algumas características que concedem, a
algumas mercadorias, um valor excessivo, que não está relacionado com
a sua utilidade.
O fetiche da mercadoria é essa característica abstrata que está
relacionada a elementos que não podem ser entendidos segundo a sua
realidade material.
A questão a ser respondida é: por que mercadorias de mesmo valor de
uso têm valores de troca tão diferentes? O que faz uma mercadoria valer
tão mais dinheiro que outra de mesma utilidade? Para deixarmos a
pergunta mais contemporânea, poderíamos questionar por qual motivo há
sapatos (ou quaisquer outros produtos) sendo vendidos por algumas
dezenas de reais enquanto há outros vendidos por milhares de reais.
Para responder a essas questões, vamos partir de alguns pontos
levantados por Marx. O primeiro se refere à matéria-prima utilizada para
a sua produção. Algumas matérias-primas têm valor mais elevado, como
é o caso dos metais preciosos, que elevam o valor da mercadoria (essa
seria uma característica que explicaria parte do valor elevado de algumas
mercadorias: produtos de maior qualidade conferem maior valor em
dinheiro.
Outra característica é o trabalho aplicado para a produção de algumas
mercadorias, e, nesse caso, estamos falando de trabalho social intelectual
ou artístico que também confere maior valor às mercadorias. Para
entender isso, basta pensar em produtos de alta tecnologia: eles tiveram
grande emprego de desenvolvimento para a sua elaboração e produção, o
que justifica o seu alto custo. Essas características explicam por que
algumas mercadorias têm um alto valor de troca, ainda que o valor de
uso seja o mesmo.
No entanto, é fato que essa característica não encerra as discussões sobre
o fetiche da mercadoria, já que algumas mercadorias de características e
propriedades semelhantes têm um valor de troca muito diferente. Bem,
nesse caso, estamos falando do valor social desses produtos, ou seja, do
que significam para aqueles que os possuem.
O caráter fetichista da mercadoria, nesse sentido, está relacionado mais
com as características sociais das mercadorias do que com as suas
características concretas, como matéria-prima ou trabalho social
empregado na sua produção. A palavra fetichismo deriva da palavra
francesa fétiche ou feitiço, em português, e esse feitiço a que se refere
Marx é o poder que a mercadoria exerce sobre as pessoas, fazendo-as
enfeitiçadas por itens materiais que possuem vida própria, deixando, sob
esse ponto de vista marxista, de ser fruto de trabalho humano (esse fato
passa a ser completamente ignorado pelas pessoas).
Marx identifica esse fetichismo com uma adoração semelhante à
religiosa, afirmando que “à primeira vista, a mercadoria parece ser coisa
trivial, imediatamente compreensível. Analisando-a, vê-se que ela é algo
muito estranho, cheio de sutilezas físicas e argúcias teológicas” (MARX,
1867, apud TFOUNI, 2014, p. 18). O sujeito, nesse sentido, passa a ser
definido, identificado e até classificado de acordo com as suas coisas, ou
seja, com as mercadorias que possui, logo, está aí o seu caráter fetichista
e a importância que algumas mercadorias assumem no capitalismo.

O Caráter Fetichista da Mercadoria: me


diga o que tens e te direi quem és
Conhecendo o mercado de luxo
O caráter fetichista das mercadorias, essa característica tão significativa
delas, no capitalismo, pode ser mais bem explicado observando-se o
mercado de luxo. Nesse sentido, observe o seguinte trecho de uma
notícia publicada recentemente:
Ao contrário de marcas nacionais e setores que sofreram impacto
econômico durante a pandemia, o mercado de luxo vem ganhando
destaque e crescendo. [...]
A maior movimentação acontece nos principais shoppings que oferecem
variações de marcas internacionais como Iguatemi e Cidade Jardim, em
São Paulo, Village Mall e Rio Designer, no Rio de Janeiro; Flamboyant
Shopping, em Goiânia, além do Diamond Mall, em Belo Horizonte.
O boom de vendas dessas lojas aconteceu, principalmente, por meio do
e-commerce, com 694% de crescimento do consumo. Mesmo com as
restrições da pandemia, as vendas nos shoppings não foram tão afetadas
por conta dos serviços de entregas e vendas por aplicativos e redes
sociais.
O destaque do levantamento vai para os produtos cosméticos da
companhia Estée Lauder, que engloba diversas marcas, que
representaram cerca de 15% do mercado de bens de luxo. São produtos
como perfumes, cuidados com a pele, cremes, máscaras faciais,
maquiagens, entre outros. (COUTO, 2021, s. p.)
Como o mercado de luxo é explicado pelo caráter fetichista da
mercadoria? Como essa característica da mercadoria é evidenciada na
teoria marxista?
A partir do que foi visto nesta aula, é possível perceber que o mercado de
luxo é um exemplo de como o fetichismo da mercadoria se concretiza na
exclusividade daquele que consome determinados produtos de alto valor
aquisitivo. O fragmento da notícia exemplifica produtos e lugares
identificados por aqueles que compram essas mercadorias, mostrando o
caráter de desejo associado ao consumo dessas mercadorias, não
evidenciando o seu valor de uso, mas essa condição de desejo, status,
sensação de poder, pertencimento a um grupo social específico.
A notícia também mostra como a aquisição e a posse desses produtos
evidenciam e diferenciam aqueles que os possuem, tanto que a venda
desse tipo de produto aumentou, ainda que o poder aquisitivo da
população tenha caído, e isso reforça o enunciado da teoria marxista
sobre o fetichismo que realça como algumas mercadorias caracterizam
quem você é e que são usadas para diferenciar as pessoas em diferentes
classes sociais, seja por pertencimento ou pelo desejo de pertencer, já
que, muitas vezes, esses produtos não são consumidos somente por quem
tem alto poder aquisitivo mas por aqueles que querem se assemelhar a
esse grupo.
De acordo com a teoria do fetichismo da mercadoria de Marx, as
pessoas ficam enfeitiçadas, fascinadas pelas mercadorias; os produtos
têm quase um poder sobrenatural sobre os seres humanos, deixando-os
hipnotizados. As mercadorias (como alguns bens de luxo ilustrados na
notícia) deixam de manter o seu valor real de venda (baseado, na teoria
marxista, pela quantidade de trabalho empregado em sua produção),
acumulando uma valoração irreal e infundada (explicada pelo
fetichismo) como se não tivessem sido resultantes do trabalho humano
(que passa a ser coisificado), ou seja, as mercadorias parecem ganhar
vida própria, afastando-se da sua relação com o trabalho.

Vídeo Resumo

Para o vídeo desta aula, vamos acompanhar como a teoria marxista faz
uma análise bem particular das mercadorias e abordar uma característica
abstrata dos produtos, quase mística, que é o fetichismo das mercadorias,
que as torna valiosas e desejadas, enfatizando o significado social
daqueles que as possuem.

Saiba mais
Marx foi muito detalhista nas análises dos elementos que compõem o
capital, como o caso das explicações sobre a composição orgânica do
capital e do caráter fetichista da mercadoria, fazendo com que muitos
estudiosos evoluíssem o pensamento marxista a partir dos seus escritos.
Para compreender essas características, dois textos são de grande
contribuição: "A composição do capital: uma sugestão de
interpretação" e "O fetichismo da mercadoria em slogans e
propagandas".

Referências
ARAÚJO, E. S. A composição do capital: uma sugestão de
interpretação. Revista Crítica Marxista, [S. l.], n. 44, p. 87-107, 2017.
Disponível
em: https://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/
artigo2017_10_01_17_52_31.pdf. Acesso em: 13 maio 2022.
COUTO, C. Na contramão da crise econômica, mercado de luxo
cresce no Brasil. 2021. Disponível
em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/na-contramao-da-crise-
economica-mercado-de-luxo-cresce-no-brasil/#:~:text=Ao%20contr
%C3%A1rio%20de%20marcas%20nacionais,a%20partir%20do%20ano
%20passado. Acesso em: 11 maio 2022.
LAPIDUS, I.; OSTROVITIANOV, K. V. Conceitos fundamentais de o
capital: manual de economia política. [s. d.]. Disponível
em: https://www.marxists.org/portugues/lapidus/1929/manual/07-
03.htm. Acesso em: 13 maio 2022.
MARX, K. O Capital. [S. l.: s. n.], 1867. Disponível
em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ma000086.pdf.
Acesso em: 13 maio 2022.
TFOUNI, F. E. V. O fetichismo da mercadoria em slogans e
propagandas. Revista Comunicação Midiática, Bauru, v. 9, n. 2, p. 12–
28, out. 2014. Disponível
em: https://www2.faac.unesp.br/comunicacaomidiatica/index.php/CM/ar
ticle/view/182/183. Acesso em: 13 maio 2022.

Unidade 2 / Aula 3
Marx: valor, dinheiro e valorização

Introdução
Olá, estudante!
Você já deve ter percebido que o capitalismo está calcado em alguns
pontos, sendo que o dinheiro tem uma posição central, já que é em torno
dele que as riquezas são calculadas e expressas. Nesta aula, vamos
refletir sobre a importância do dinheiro para a consolidação do
capitalismo. Vamos acompanhar a consolidação do dinheiro como
equivalente universal, que permitiu que as mercadorias pudessem ser
trocadas pelo dinheiro — equivalente universal, compondo, com o lucro
e os cálculos de produção, a formação do valor a partir da produção. O
dinheiro substituiu as trocas entre mercadorias, como acontecia no
feudalismo, e também foi possível tornar o valor da força de trabalho
abstrato trocando-a por um valor monetário sem relacioná-lo com as
mercadorias produzidas.
O dinheiro se tornou esse elemento central no capitalismo, sendo
relacionado com todos os aspectos do capital e podendo ser entendido
como a sua expressão máxima, como percebemos atualmente.
Vamos começar?
A constituição do dinheiro como
equivalente universal
A materialização do valor universal
O valor é o conceito fundamental pelo qual perpassa toda a teoria
marxista do capital. Para entender sua importância, é fundamental
conceituar mercadoria como objeto externo composto de valor de uso e
valor de troca.
Para consolidar o capitalismo, foi preciso criar uma economia mercantil
que regulasse as trocas comerciais e que fosse base para a construção de
teorias sobre o cálculo dos salários e sobre a produção. Para isso, foi
preciso criar um equivalente universal, que fosse intercambiável e tivesse
a finalidade de equiparar todas as equivalências, independentemente do
valor de uso e do valor de troca das mercadorias, o que abriu espaço para
que o dinheiro aparecesse e se desenvolvesse, aumentando a sua
importância nas trocas comerciais, no cálculo dos salários e da produção,
permeando todos os aspectos da economia capitalista, sendo a base e o
fim do capitalismo. Mas, como o dinheiro se tornou esse equivalente?
Para que o dinheiro assumisse essa função de equivalente universal foi
necessário que ele se materializasse e fosse lastreado por algo valioso e
palpável, tornando-se (ele também) uma mercadoria particular com alto
poder de circulação. Em primeiro lugar, o ouro foi o metal que assumiu
essa função, sendo a medida para a emissão das moedas pelos países, e,
posteriormente, que manteve a equivalência da circulação das moedas.
Esse lastreamento durou até 1944, quando o acordo de Bretton Woods
reorganizou a economia mundial no pós-Segunda Guerra e o dinheiro
passou a ser fiduciário, ou seja, sua legitimidade passou a ser assegurada
pelos critérios do sistema financeiro internacional. O dinheiro passou a
ser emitido pelo Banco Central de cada país, bem como regido e
regulamentado pelas características de cada um, tendo as funções de
circulação e intercambialidade entre os países acordadas por um sistema
bancário com regras internacionalmente fundamentadas e que compõem
o sistema capitalista (SOUZA; CARNEIRO, 2015).
Se o dinheiro, na sua forma legitimada, compra todas as mercadorias, ele
também é aquele que compra e está na base do cálculo da força de
trabalho, que, assim como as demais mercadorias, também pode ser
equiparada e trocada por este equivalente universal: o dinheiro.
Com o crescimento e a legitimidade do dinheiro, foi possível calcular o
valor da hora de trabalho dos trabalhadores e, assim, somá-lo aos demais
custos de produção (matéria-prima, depreciação etc.) para saber o valor
das mercadorias e a sua equivalência com relação aos salários pagos,
permitindo relacionar os salários recebidos com o valor das mercadorias
produzidas por ele, já que sabemos que o trabalho agrega valor às
mercadorias, sem, no entanto, converter esse salário em mercadorias
produzidas, pois, agora, o trabalhador recebe pelo seu trabalho em
dinheiro (e não em mercadoria).

Valor e necessidade social: a constituição


do trabalho como valor
Agregando valor ao trabalho
O dinheiro enquanto equivalente universal é aquele que pode ser trocado
por qualquer mercadoria, inclusive pela força de trabalho da classe
trabalhadora no capitalismo. Já o trabalho é essa condição que concede
valor às mercadorias, agregando seu valor social no processo de
produção.
Assim, o trabalho social é essa categoria abstrata que concede valor às
mercadorias e o dinheiro é o elemento que torna possível contratar e
remunerar o trabalhador pelas horas trabalhadas, sem relacioná-las com a
mercadoria produzida.
O capitalista utiliza o dinheiro para comprar uma quantidade de horas de
trabalho, e a forma de usar esse trabalho é definida pelo capitalista, não
estando, necessariamente, relacionada com a mercadoria produzida, que
não pertence ao trabalhador.
Para entender o significado do trabalho no capitalismo, é preciso lembrar
que, no feudalismo, a classe trabalhadora era formada pelos servos que
viviam, prioritariamente, no meio rural, bem como tinham como
principal função cultivar a terra. Nesse sentido, era sua responsabilidade
estar à frente de todo o processo, como preparação da terra, cultivo e
colheita. Não existia, nesse sentido, um controle do senhor feudal, dono
da terra, com relação ao processo de produção (ele não controlava as
horas de trabalho do servo, não media a sua produtividade), recebendo
parte da colheita como pagamento pelo uso da terra. O servo controlava
todo o processo de produção, enxergando o seu trabalho ao longo de todo
o processo; ainda que o fruto do trabalho não ficasse com ele, já que
grande parte da produção era paga como imposto pelo uso da terra, havia
uma materialização clara do seu trabalho por meio da colheita.
Já no capitalismo, de acordo com a visão marxista, o trabalhador é
desapropriado do processo e do produto do seu trabalho, que passa a ser
controlado pelo capitalista. Nesse sentido, o trabalhador não enxerga
mais o seu trabalho na produção daquela mercadoria; o seu trabalho está
presente, com certeza, mas o proletário quase nunca é capaz de
identificá-lo no objeto produzido, que nunca é de sua propriedade,
diferentemente do que acontecia no sistema feudal.
Cabe destacarmos também que, no que se refere ao trabalho, o dinheiro é
a medida do valor pago pelo trabalho socialmente dispensado na
produção daquela mercadoria, sendo o trabalho socialmente necessário
para a sua produção e reprodução. Além disso, o cálculo do valor a ser
pago pelo capitalista leva em consideração a garantia de subsistência do
trabalhador, sendo suficiente para sua subsistência e reprodução, além de
garantir que ele volte ao trabalho no dia seguinte, ou seja, de mantê-
lo como um trabalhador constante, que precisa manter a regularidade do
trabalho, garantindo, assim, o ciclo do capitalismo e vinculando o
trabalhador ao seu emprego.
Para explicar melhor como isso funciona, é preciso considerar que parte
da importância do valor de produção e lucro é a importância dos salários
para a circulação mercantil no capitalismo: o salário pago ao trabalhador
volta a circular quando este usa o dinheiro para comprar as mercadorias
necessárias para a sua subsistência, e aquele que vende as mercadorias
como parte do sistema capitalista também se organiza para manter o seu
comércio, solicitando mais mercadorias ao capitalista que mantém ou
expande a sua produção de acordo com a necessidade do mercado,
fazendo com que o dinheiro pago para o trabalhador na forma de salário
circule e fortaleça o sistema capitalista.

O impacto da queda de salário e da renda


do trabalhador para a economia capitalista
Influencia capitalista no trabalho
Vimos, nesta aula, que o dinheiro é a medida do capitalismo, sendo a
forma de expressão do valor de todas as mercadorias, ou seja, o
equivalente universal que pode ser trocado por todas as mercadorias,
desde os bens de consumo até os salários. Mas o que acontece com o
capitalismo e com as relações comerciais quando há queda na renda do
trabalhador, pagamento de salários mais baixos e aumento do
desemprego, tornando as mercadorias mais caras e o dinheiro mais raro
nas relações comerciais?
Para exemplificar, uma pesquisa publicada pela Fundação Getúlio
Vargas (2021) mostra que o poder de compra do brasileiro caiu com o
aumento de preço dos produtos, como cesta básica, combustíveis e
aluguel – o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor) aumentou 9,8%
entre agosto de 2020 e agosto de 2021, período em que o índice foi
calculado –, bem como com a queda nos salários pagos aos
trabalhadores, que foi de 6,6%, no segundo trimestre de 2021, em
comparação com o mesmo período de 2020, fruto do aumento do
desemprego e da crise econômica provocada pela pandemia do Covid-19
(PIERI, 2021).
Com base na importância do dinheiro e da sua circulação para o
capitalismo, é interessante percebermos que os dados levantados pela
FGV nos mostram o impacto para a sobrevivência do trabalhador quando
há queda no seu poder de compra e a forma como o aumento do
desemprego impacta a sociedade como um todo. Pensando na função
social do dinheiro, quanto menor o poder de compra do trabalhador,
menos dinheiro circula no comércio e o sistema é prejudicado pelo
menor consumo, que é a base do capitalismo. Sob essas condições, o
trabalhador, que só tem a sua força de trabalho para vender e garantir a
sua sobrevivência, expõe a sua fragilidade da forma como a falta do
dinheiro impacta a sobrevivência dele.
Também podemos estender a nossa reflexão sobre essa situação
pensando em como o desemprego afeta o sistema capitalista como um
todo. A reportagem citada também ressalta a queda nos salários com o
aumento do desemprego e a maior oferta de mão de obra, mas também
podemos pensar nas consequências sociais que podem advir desse
aumento do desemprego, como a necessidade de políticas sociais de
ajuda para a população que não consegue se (re)colocar no mercado de
trabalho.
Assim sendo, podemos perceber que a teoria marxista discorre sobre a
relação entre o salário pago ao trabalhador, a produção e o cálculo do
valor das mercadorias. Com a queda do salário dos trabalhadores,
diminui-se a relação entre o valor da mercadoria e o salário pago a eles.
mas a diminuição do valor do salário não afeta o valor da mercadoria,
expondo, ainda mais, a fragilidade dos salários diante do valor das
mercadorias.

Vídeo Resumo
Para o vídeo desta aula, vamos ressaltar a importância do dinheiro como
equivalente universal, que permitiu que as relações comerciais se
expandissem, bem como entrar em contato com a forma como o dinheiro
se tornou a medida de valor de todas as mercadorias produzidas, no
cálculo dos salários, na remuneração do trabalhador e no sustento da
expansão e consolidação do capitalismo.

Saiba mais
A importância do dinheiro para o capitalismo é evidente e já foi muito
debatida. Por isso, é importante sabermos como esse conceito tão
relevante para o capitalismo se expandiu, consolidou e se diversificou no
processo de consolidação do capitalismo.
Para saber mais sobre a relação entre dinheiro e valor na visão marxista,
sugerimos a leitura do seguinte artigo: "A problemática do dinheiro em
Marx."
Referências
GONÇALVES, R. R. A problemática do dinheiro em Marx. Revista
LEP, Campinas, v. 1, set. 1995. Disponível
em: https://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/artigos/LEP/L1/ART
IGO3.pdf. Acesso em: 13 maio 2022.
PIERI, R. G. de. Pandemia e a queda do poder aquisitivo dos
brasileiros. 2021. Disponível em: https://portal.fgv.br/artigos/pandemia-
e-queda-poder-aquisitivo-brasileiros. Acesso em: 13 maio 2022.
SOUZA, G.; CARNEIRO, J. Notas sobre dinheiro em Marx:
fundamentos teóricos. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL MARX E
ENGELS, 8., 2015, Campinas. Anais [...]. Campinas: Unicamp, 2015.
Disponível
em: https://www.ifch.unicamp.br/formulario_cemarx/selecao/2015/trabal
hos2015/Giliad%20souza%20e%20jarbas%20carneiro%2010090.pdf.
Acesso em: 13 maio 2022.

Unidade 2 / Aula 4
Processo de trabalho e valorização em Marx

Introdução
Olá, estudante!
Nesta aula, vamos falar sobre um conceito fundamental para se entender
o capitalismo: o trabalho. Você já parou para pensar em como o trabalho
surgiu e como se transformou no capitalismo? Vamos entender como o
trabalho passou a ser uma atividade tão valorizada que até artistas e
pensadores se referem as suas obras como o fruto do seu trabalho. Até
mesmo as crianças, desde que vão para a escola, aprendem a valorizar os
seus feitos e a se expressar por meio dos seus trabalhos.
Vamos ver que Marx dividiu e qualificou o trabalho de várias formas,
evidenciando como essa categoria vai além da questão econômica e se
desdobra em vários aspectos da sociedade, justificando o entendimento
do trabalho como uma categoria fundamental para o entendimento do
capitalismo.
Vamos ao trabalho?

Trabalho e natureza: caracterização ao


longo do tempo
Relevância do trabalho
De acordo com Marx (2013, p. 255), “o trabalho é, antes de tudo, um
processo entre o homem e a natureza, processo este em que o homem,
por sua própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo com a
natureza”. Assim, para entender o trabalho em Marx, é preciso saber que,
para ele, o trabalho é o que faz o homem um ser social. Marx afirma que
o trabalho são as atividades realizadas pelo homem para transformar a
natureza, adequando-a as suas necessidades; nesse sentido, o trabalho
existe desde o início da humanidade, caracterizando-se por ser um
processo que permitiu que a humanidade se desenvolvesse e se
humanizasse, no sentido materialista do termo, já que o homem,
trabalhador humanizado, foi capaz de elaborar uma série de processos e
ferramentas que cumpriram essa função ao longo do tempo. Dessa forma,
o trabalho transforma a natureza e o próprio homem, revelando e
expressando a forma como essa categoria permitiu que o homem
mudasse a sua realidade e se adaptasse às mais diversas situações e
adversidades.
A relevância do trabalho humano, em comparação com as outras
espécies, está na extensão e diversidade de atividades que é capaz de
realizar. Enquanto aranhas, abelhas e macacos estão limitados as suas
determinações biológicas, reproduzindo o que a sua espécie é capaz de
fazer e habitando os ambientes nos quais conseguem sobreviver, o
homem é o único que tem a capacidade de refletir sobre a sua prática e
expandir suas limitações biológicas por meio da sua tenacidade
intelectual de produzir ferramentas e processos conscientemente.
Nesse sentido, o trabalho, ao longo da história, esteve associado aos
processos de adaptação e socialização, permitindo que a humanidade
convivesse e se desenvolvesse enquanto comunidade, criando processos
e ferramentas que favorecessem essa convivência. Podemos pensar na
cultura, política e seus desdobramentos como exemplos desse processo
de convivência (FARIAS, 2010).
Nesse sentido, diferentemente dos demais animais, os homens são
capazes de orientar o seu trabalho de acordo com as necessidades do seu
tempo. É o que Marx chamou de trabalho livre, útil e consciente. E o que
aconteceu com o trabalho no capitalismo? Segundo Marx, nesse modo de
produção, o trabalho sofreu modificações significativas; em primeiro
lugar, ele se tornou propriedade do capitalista, que, por meio do dinheiro,
adquire, orienta e direciona o trabalho dos operários de acordo com os
seus interesses privados, medindo-o e adequando-o ao uso das
ferramentas e matérias-primas, garantindo que ele tenha uma alta
produtividade e que seja devidamente aproveitado na produção da
mercadoria. O trabalho do operário, nesse sentido, deixou de ser
orientado pelas suas necessidades e passou a ser dirigido por aquele que
paga as suas horas de trabalho, ou seja, por aquele que define como o
trabalho deve ser executado, pensado e definido. A partir dessas
constatações, Marx expandiu o conceito de trabalho no capitalismo,
evidenciando a sua complexidade.

As variações do trabalho no capitalismo


contemporâneo
Tipos de profissão no capitalismo
Nesta aula, falaremos sobre várias características do trabalho com ênfase
no trabalho no capitalismo sob a ótica marxista. Já sabemos que Marx
está caracterizando o trabalho no século XIX e sua análise se debruça
sobre a constituição do trabalho fabril, na Inglaterra. No entanto, as suas
definições ultrapassam os tempos, sendo relidas e ressignificadas ao
longo dos tempos por uma série de pensadores que, marxistas ou não,
voltam-se para a sua caracterização para explicar o trabalho na
contemporaneidade. Nesse sentido, vamos refletir sobre algumas práticas
de trabalho contemporâneo, buscando entender como essa teoria se
aplica às situações atuais. O trabalho está em constante mudança,
surgindo, de tempos em tempos, novas releituras dele no capitalismo. Há
alguns anos, vivenciamos um desses momentos, pois está em curso uma
crise do trabalho presencial e formal, fazendo surgir uma nova forma de
trabalho no cenário do capitalismo na era da tecnologia digital. É o que
destaca o Ronaldo Borges de Abreu no seu artigo O Trabalho por
Aplicativo (2022).
Ronan, como é chamado, apresenta o trabalho por aplicativo como a
criação que coloca uma multidão de trabalhadores disponíveis, todos os
dias, em todos os lugares e a qualquer momento! Assustador, criativo e
prático. As empresas lançam sua demanda por trabalho nesse ambiente
virtual e, em poucos segundos, um trabalhador dessa multidão se
disponibiliza, aceitando as “regras do jogo” da gamificação com metas
de premiações, “bônus”, preços dinâmicos, rankings de pontuação e
falsos benefícios aos trabalhadores que estarão sempre à disposição na
plataforma. Assim, as empresas podem oferecer aos clientes do
aplicativo um atendimento just in time (imediato). Trata-se da lógica do
algoritmo desses aplicativos!
Esse tipo de trabalho é apresentado para os empregados como um
trabalho livre, em que o trabalhador faz o seu horário e os seus ganhos só
são limitados pelo seu esforço. No entanto, como será que as categorias
marxistas descreveriam esse trabalho? Será que esse trabalhador, livre
das amarras e limitações do contrato formal de trabalho, exerceria um
trabalho mais voltado para os seus interesses?
O trabalho por aplicativo pode dar a sensação de que o trabalhador é livre
e seu trabalho está voltado para os seus próprios interesses. No entanto, a
forma como esse trabalho é executado evidencia que esse é um trabalho
como outro qualquer, já que o trabalhador vende a sua força de trabalho
para um capitalista que lucra com ele. Apesar da sensação de liberdade
que o trabalhador supostamente tem por conseguir fazer o seu trabalho
no horário que mais lhe convém, ele continua, de acordo com a teoria
marxista, tendo o seu esforço físico e mental diário (trabalho abstrato)
como uma fonte de mais-valia do capitalista, com o agravante de estar
completamente desprovido de qualquer segurança social e de qualquer
direito trabalhista, estando às margens do trabalho formal.
Diante disso, não deixe de continuar acompanhando os movimentos do
mercado de trabalho e refletindo segundo o que você aprendeu sobre essa
categoria de acordo com a visão marxista, assim, você será capaz de
continuar expandindo o seu conhecimento e contribuindo com um
trabalho útil e produtivo para a sociedade como um todo.

Vídeo Resumo
O vídeo desta aula destacará o trabalho como categoria existente desde o
início da humanidade, por meio da relação entre homem e natureza, que
proporcionou que o homem pudesse se adaptar mediante a transformação
da natureza. Além disso, ele também ressaltará os diversos conceitos
associados ao trabalho no capitalismo, como trabalho concreto e abstrato,
produtivo e improdutivo, qualificado e não qualificado, que garantem o
capitalismo, mas tornam o trabalho propriedade do capital.

Saiba mais
O trabalho em Marx tem uma série de complexidades associadas ao
capitalismo, mas para entender a sua dimensão, uma sugestão é a leitura
do artigo "natureza e processo de trabalho em Marx", em que os
autores discutem a relação entre trabalho e natureza, expandindo a noção
de trabalho.

Referências

ABREU, R. B. O trabalho por aplicativo. 2022. Disponível


em: https://www.linkedin.com/pulse/o-trabalho-por-aplicativo-ronaldo-
borges-de-abreu-ronan-/?trk=articles_directory&originalSubdomain=pt.
Acesso em: 13 maio 2022.
AMARAL, G. A categoria trabalho em Marx: alguns apontamentos
sobre sua centralidade ontológica. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL
DE TEORIA POLÍTICA DO SOCIALISMO, 6., 2014. Anais [...].
Marília: UNESP, 2014. Disponível
em: https://www.marilia.unesp.br/Home/Eventos/2014/viseminariointern
acionalteoriapoliticadosocialismo/a_categoria_georgea.pdf. Acesso em:
15 abr. 2022.
CHAGAS, E. F. A determinação dupla do trabalho em Marx:
trabalho concreto e trabalho abstrato. 2012. Disponível
em: https://marxismo21.org/wp-content/uploads/2012/08/A-determina
%C3%A7%C3%A3o-dupla...-Ed.-Chagas.pdf. Acesso em: 13 maio
2022.
FARIAS, N. A categoria trabalho em Marx e Engels: uma análise
introdutória de sua legalidade onto-histórica. Revista Eletrônica Arma
da Crítica, [S. l.], ano 2, n. 2, mar. 2010.
MARX, K. O capital: crítica da economia política: livro I. Tradução:
Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.
PETO, L. C.; VERÍSSIMO, D. S. Natureza e processo de trabalho em
Marx. Revista Psicologia e Sociedade, [S. l.], v. 30, p. 1-11, 2018.
Disponível
em: https://www.scielo.br/j/psoc/a/hpxGgHT7rQVdKRChNjNgnjP/?
lang=pt. Acesso em: 13 maio 2022.

Unidade 2 / Aula 5
Revisão da Unidade

Compreendendo a importância do valor e


do capital para a sociedade capitalista
Olá, estudante!
Nesta unidade, trabalhamos alguns conceitos importantes para a
compreensão da consolidação do capitalismo enquanto modo de
produção e processo civilizatório que mudou a forma de se produzir,
consumir e trabalhar.
O primeiro conceito que abordamos foi a mercadoria, esse objeto exterior
que tem como objetivo satisfazer alguma necessidade humana. A
mercadoria é composta de valor de uso e valor de troca, sendo que o
primeiro se caracteriza pela sua utilidade, ou seja, as mercadorias são
produzidas para atender a alguma necessidade humana concreta; além
disso, quanto maior for a percepção de utilidade de uma mercadoria,
maior será o seu valor de uso. Já o valor de troca é pautado na
possibilidade de equiparação de uma mercadoria à outra, tendo a
quantidade de trabalho socialmente necessário empreendido na produção
de cada mercadoria como elemento dessa equiparação.
Cabe destacarmos também que o valor de troca é relativo e determinado
historicamente, ou seja, para se definir por quanto determinada
mercadoria poderá ser trocada, é necessário entender o seu significado
social para aquele grupo naquele determinado tempo. Quanto maior for o
valor de troca, maior será o preço pago pela mercadoria.
Marx afirma que o valor de troca é abstrato, por isso, precisa ser
analisado com mais cuidado e atenção, para se entender a sua
participação na composição do preço da mercadoria. Diante disso, Karl
desenvolveu a ideia de fetiche da mercadoria — característica subjetiva
que aumenta o valor de algumas mercadorias para além das suas
características concretas, como: trabalho agregado a sua produção e
qualidade da matéria-prima utilizada. Segundo ele, o capitalismo
desumanizou as relações humanas, que se tornaram cada vez menos
importantes diante da relevância simbólica dos objetos e passaram a ser
definidas pelos objetos que as pessoas possuem, que representam muito
quem elas são. Os objetos carregam uma grande carga simbólica
e dizem muito sobre quem os sujeitos são na sociedade, por isso,
algumas mercadorias têm um valor de troca desproporcional ao seu valor
de uso, que não pode ser calculado a partir do seu custo de produção.
Para facilitar as relações comerciais, no capitalismo, surgiu o dinheiro
como equivalente universal. O dinheiro já estava presente no feudalismo,
mas não tinha esse caráter de equivalente universal, já que cada feudo
tinha a sua própria moeda e ela não era intercambiável entre os feudos, o
que dificultava as relações comerciais. O capitalismo transformou o
dinheiro no equivalente universal, fonte principal das relações comerciais
e passível de ser trocado por qualquer tipo de mercadoria, inclusive pelas
horas de trabalho dos trabalhadores, não tendo, necessariamente, uma
relação direta com a mercadoria produzida.
O trabalho, nesse sentido, tornou-se um conceito importante para a
composição do valor da mercadoria; é ele que transforma matéria-prima
em mercadorias, por meio do desenvolvimento de técnicas, processos e
instrumentos, que transformam a natureza e buscam atender às
necessidades humanas.
O trabalho sempre existiu, já que as pessoas sempre buscaram formas de
usar a natureza para atender as suas necessidades. Esse trabalho, de
acordo com Marx, pode ser dividido em concreto (útil, vivo) ou abstrato
(morto). O trabalho concreto é aquele que considera a forma de trabalho,
ou seja, se é executado por pedreiro, marceneiro, motorista, eletricista
etc., e se manifesta no valor de uso, por isso, está presente em qualquer
sociedade (capitalista ou não). Já o trabalho abstrato é aquele trabalho
voltado para a subsistência e limitado às necessidades de reprodução do
trabalhador, não estando relacionado com a forma específica de trabalho
(se executado por carpinteiro, pintor, agricultor, artesão etc.), mas às
energias física e mental aplicadas na elaboração do produto, que é
utilizado, exclusivamente, para gerar lucro para o capitalista.
Por fim, Marx discursa sobre o trabalho socialmente necessário para a
produção das mercadorias, ou seja, a quantidade de horas necessárias
para essa produção sob condições médias de tecnologia e habilidade,
capazes de comparar o valor das diferentes mercadorias, já que viabiliza
a análise do trabalho de uma forma homogênea, padronizada e
indiferenciada.

Vídeoaula: Revisão da unidade


O vídeo de revisão pretende traçar o caminho que se inicia com o
conceito de mercadoria e discutir o seu valor de uso e de troca com
ênfase no desenvolvimento da complexidade de valor de troca,
alcançando a ideia de fetiche da mercadoria.
Para que você entenda como funciona o capitalismo, vamos abordar o
dinheiro como equivalente universal e a forma como o trabalho se
complexificou no modo de produção capitalista.

Estudo de Caso
Você trabalha numa empresa que é composta de várias marcas de bens
de consumo de luxo e que são, essencialmente, marcas
relacionadas à moda, como: roupas, bolsas e sapatos de luxo. Todos eles
são produzidos com matéria-prima de alta qualidade e mão de obra
qualificada que garantem que as mercadorias tenham grande qualidade,
por isso, os objetos têm um preço elevado e grande aceitação no mercado
(são verdadeiros objetos de desejo e significam muito para aqueles que
os possuem). Recentemente, a empresa adquiriu uma nova marca com as
mesmas características daquelas que já compõem o portfólio da empresa,
no entanto, foi uma surpresa muito grande quando surgiu, na mídia, a
notícia de que essa nova marca de roupas estava usando mão de obra
análoga à escrava, deixando todos muito preocupados com a situação.
As empresas do conglomerado entendem que algumas escolhas de
compra trazem, embutida nos produtos, a percepção de que essa empresa
respeita as leis do país, sendo que isso, aliás, é parte da estratégia de
marketing da companhia, já que aqueles que gastam altos valores para
exibir os produtos da marca querem passar essa imagem. Frente a isso,
vários departamentos da empresa foram chamados para lidar com a
situação apresentada, e o seu departamento está entre os convocados. Seu
gestor quer que você acompanhe o processo de produção e faça um
relatório para os diretores da marca explicando a real situação e como é
composto o valor das mercadorias no conglomerado, reforçando a
importância de manter o seu alto valor de troca e enfatizando os
prejuízos que essa repercussão negativa pode causar para todas as marcas
da empresa.
Dessa forma: como explicar a importância da relação entre valor de uso e
valor de troca para compor o valor abstrato da mercadoria? Você
consegue articular o conceito de fetiche da mercadoria e relacioná-lo
com a imagem da empresa, para garantir que a nova marca adquirida
entenda como esses elementos se relacionam com as mercadorias
vendidas pelo grupo? E o trabalho, é possível usar a visão marxista de
trabalho concreto e abstrato para explicar as consequências sociais de se
manter um trabalho análogo ao trabalho escravo no capitalismo?
Reflita
Para entender a importância da mercadoria, reflita sobre os demais
elementos que compõem o fetiche da mercadoria, como questões
ambientais e trabalhistas. Será que essas questões impactam a decisão de
compra do consumidor e podem ser entendidas como elementos que
aumentam o desejo por um determinado produto? Como as obras de
arte são precificadas? O fetiche da mercadoria também se aplica às obras
de arte? O setor de serviços também pode ser impactado pelo conceito de
fetiche da mercadoria, segundo Marx?

Vídeoaula: Resolução do Estudo de Caso


Você assumiu o desafio de explicar para os diretores da marca recém-
adquirida quais são os riscos de se usar mão de obra análoga à escrava na
produção.
As mercadorias são uma das formas de alcançar riqueza no capitalismo;
elas são compostas de valor de uso e valor de troca: enquanto o valor de
uso se caracteriza pela utilidade das mercadorias, o valor de troca é
responsável pelo preço de venda da mercadoria. O valor de troca da
mercadoria é composto pelos gastos com matéria-prima e mão de obra, e
quanto maior a qualidade da matéria-prima e mais qualificada a mão de
obra, acredita-se que maior é a qualidade da mercadoria e, por isso,
maior o seu valor de troca. No entanto, isso, por si só, não explica o alto
valor que algumas mercadorias atingem no mercado, que é
desproporcional aos custos apresentados aos capitalistas, e é aqui que
aparece o fetiche da mercadoria explicado por Marx, esse significado
simbólico e social que algumas mercadorias atingem na sociedade, que
faz com que esses produtos sejam muito desejados e, por isso, muito
caros.
É o caso das marcas de luxo: quem adquire um produto dessas marcas
não quer adquirir somente um produto pela sua utilidade e sim porque ele
representa um estilo de vida (status, poder etc.) almejado por quem o
detém. Assim, ainda que o preço pago pelas mercadorias de luxo não seja
proporcional aos seus custos de produção, quem se estabelece no
mercado de luxo quer passar a ideia de qualidade, tanto da matéria-prima
quanto do trabalho (quer ter a certeza de que o seu produto representará
uma postura de que está retribuindo adequadamente toda a cadeia de
produção).
Para além das questões legais, uma denúncia de trabalho
análoga à escrava, provavelmente, causará uma perda do valor de troca
da mercadoria, que poderá deixar de ser desejada e de passar uma
imagem de qualidade e retribuição da cadeia de produção. Por isso, é um
risco muito grande para o valor da marca e, consequentemente, para os
lucros do capitalista continuar usando mão de obra análoga à escrava
cuja diminuição dos custos não compensará a perda do valor atribuído ao
fetiche da mercadoria. Nesse sentido, caberia, ainda, um trabalho de
conscientização por parte da área de relações públicas da empresa,
comunicando-se de forma clara com o mercado, no sentido de a marca já
estar fazendo ajustes na maneira de contratação e relacionamento com os
colaboradores da nova marca adquirida.
Resumo visual

 O ciclo produtivo: a produção de objetos por meio do trabalho e de técnicas que


transformam matéria-prima em mercadorias dotadas de valor de uso e valor de
troca.
 O fetiche da mercadoria está relacionado com o valor e o significado que as
mercadorias passam a ter na vida das pessoas. Trabalhadores compram a
mercadoria. Sua escolha é baseada no valor de uso e no valor de troca, além do
status, do sentimento de pertencimento de um grupo e do poder que a propriedade
dela pode gerar para o consumidor (fetiche da mercadoria).

Referências
ARAÚJO, E. S. A composição do capital: uma sugestão de
interpretação. Revista Crítica Marxista, [S. l.], n. 44, p. 87-107, 2017.
Disponível
em: https://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/
artigo2017_10_01_17_52_31.pdf. Acesso em: 13 maio 2022.
CHAGAS, E. F. A determinação dupla do trabalho em Marx:
trabalho concreto e trabalho abstrato. 2012. Disponível
em: https://marxismo21.org/wp-content/uploads/2012/08/A-determina
%C3%A7%C3%A3o-dupla...-Ed.-Chagas.pdf. Acesso em: 13 maio
2022.
MARX, K. A mercadoria. In: MARX, K. O capital. [S. l.: s. n.], 1867.
MIRANDA, G. A origem social do valor: valor-de-uso e valor-de-troca
numa perspectiva dialética. Revista Primordium, Uberlândia, v. 6, n.
12, p. 1-30, jul./dez. 2021. Disponível
em: https://seer.ufu.br/index.php/primordium/article/download/59179/33
313/280720. Acesso em: 13 maio 2022.
SOUZA, G.; CARNEIRO, J. Notas sobre dinheiro em Marx:
fundamentos teóricos. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL MARX E
ENGELS, 8., 2015, Campinas. Anais [...]. Campinas: Unicamp, 2015.
Disponível
em: https://www.ifch.unicamp.br/formulario_cemarx/selecao/2015/trabal
hos2015/Giliad%20souza%20e%20jarbas%20carneiro%2010090.pdf.
Acesso em: 13 maio 2022.
TFOUNI, F. E. V. O fetichismo da mercadoria em slogans e
propagandas. Revista Comunicação Midiática, Bauru, v. 9, n. 2, p. 12–
28, out. 2014. Disponível
em: https://www2.faac.unesp.br/comunicacaomidiatica/index.php/CM/ar
ticle/view/182/183. Acesso em: 13 maio 2022.

Você também pode gostar