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Conselho Federal de Economia

Viagem Pela Economia - 3


Contribuição de Luiz Machado (*)
01 de June de 2009

Depois do longo trecho percorrido na primeira etapa de nossa viagem, que se estendeu por mais de 300 anos, parando
nas estações das Escolas Mercantilista, Fisiocrata e Clássica, é chegada a hora de fazermos uma conexão. Essa
conexão, que antecede a próxima etapa da nossa viagem, corresponde à fase de transição entre o pensamento econômico
antigo (PEA), que dava mais ênfase aos aspectos ligados à produção da riqueza – qualquer que fosse a noção
predominante de riqueza –, e o pensamento econômico moderno (PEM), que passa a dar mais ênfase aos
aspectos sociais, ligados à distribuição da riqueza.

“[...] até agora se questiona se todas as invenções

mecânicas já feitas aliviaram a luta do ser humano.

Elas permitiram que maior população vivesse a

mesma vida de fadiga e aprisionamento e que maior

número de manufatureiros e outros fizessem fortuna.”

John Stuart Mill

Leia também:

Viagem pela Economia - 1

Viagem pela Economia - 2

Notas introdutórias

Depois do longo trecho percorrido na primeira etapa de nossa viagem, que se estendeu por mais de 300 anos, parando
nas estações das Escolas Mercantilista, Fisiocrata e Clássica, é chegada a hora de fazermos uma conexão.

Essa conexão, que antecede a próxima etapa da nossa viagem, corresponde à fase de transição entre o pensamento
econômico antigo (PEA), que dava mais ênfase aos aspectos ligados à produção da riqueza – qualquer que fosse a
noção predominante de riqueza –, e o pensamento econômico moderno (PEM), que passa a dar mais ênfase aos
aspectos sociais, ligados à distribuição da riqueza.

Tendo lugar na primeira metade do século XIX, essa conexão é caracterizada pela influência simultânea de três
correntes de pensamento econômico: a influência da Escola Clássica, que é a mais forte; a dos socialistas pré-
marxistas, também conhecidos como socialistas utópicos; e a de alguns dissidentes da Escola Clássica, que
incorporaram à teoria econômica as primeiras noções de utilitarismo.

A evolução do pensamento econômico na primeira metade do século XIX

O século XIX iniciou sob a influência crescente das idéias do liberalismo clássico e dos efeitos da revolução industrial.
Graças a essas influências, os principais países europeus foram consolidando a organização de suas economias pondo
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em prática os princípios consagrados por aquela corrente de pensamento: propriedade privada dos meios de produção,
livre iniciativa empresarial, busca incessante do lucro, mercado e sistema de preços como principais orientadores das
decisões dos agentes econômicos (o que, quanto, como e para quem produzir), tudo isso sob um cenário em que o
Estado reduzia cada vez mais sua presença na economia, em contraste com o elevado grau de intervenção que havia
prevalecido nos séculos anteriores em razão do predomínio da visão mercantilista, que pode ser sintetizada no binômio
absolutismo político + intervencionismo econômico.

Foi nesse cenário que os países pioneiros no processo de industrialização foram expandindo sistematicamente o volume
de produção, aumentando consideravelmente a oferta de bens e serviços colocados à disposição de suas respectivas
populações. Além disso, ampliavam mais e mais a diferença que os separava dos países que não conseguiam dar início a
seus processos de industrialização, tanto na Europa como, principalmente, fora dela, nas longínquas terras da Ásia, da
Oceania, da África e da América do Sul. A única exceção fica por conta dos Estados Unidos da América, cuja população
constituída em boa parte de imigrantes europeus e seus descendentes já demonstrava um espírito empreendedor, o que
permitiu que em algumas regiões do norte e do leste a industrialização começasse precocemente, poucas décadas depois
de haver sido iniciada nos países pioneiros da Europa.

Porém, ao contrário do que imaginara Adam Smith, a revolução industrial não conduziu ao paraíso. Decorrido mais de
meio século do início da revolução industrial observava-se que a segurança da antiga economia agrícola - quase artesanal -
dos vilarejos fora destruída. Com a urbanização desordenada que ocorreu em torno dos centros industriais emergentes, o
novo industrialismo trouxe fábricas cada vez maiores, e os trabalhadores passaram a viver apinhados em sua
vizinhança, em favelas ou cortiços, onde o vício, o crime, as doenças, a fome, a miséria, a prostituição e a promiscuidade
constituíam o cenário mais comum. Os acidentes industriais ocorriam com freqüência, quer em função das longas
jornadas de trabalho, quer em virtude do despreparo dos trabalhadores para interagirem com máquinas que iam sendo
incorporadas ao processo produtivo sem que houvesse qualquer treinamento para os que teriam que manejá-las. Tais
acidentes traziam miséria, não havendo qualquer compensação para as famílias dos aleijados ou mortos. Não existiam
direitos políticos para os assalariados e os sindicatos eram proibidos.

Nessas condições, a pobreza das massas parecia cada vez mais opressiva (uma vez que agora ficava mais aparente já
que concentrada nos centros industriais emergentes) e contrastante (à medida que as grandes fortunas se
multiplicavam).

A constatação de que o simples aumento do volume e da diversidade dos bens e serviços produzidos não significava o fim
da pobreza, uma vez que a concentração excessiva da renda e da riqueza dava a muitos a impressão de que a
desigualdade estava até se expandindo provocou, nas décadas iniciais do século XIX, o surgimento de duas correntes
na história do pensamento econômico, que vieram se opor às idéias então dominantes do liberalismo clássico: a primeira,
de diversos reformadores sociais, entre os quais Saint-Simon, Fourier e Robert Owen, que se tornaram conhecidos
como socialistas utópicos, e que acreditavam numa mudança para uma sociedade mais justa por meio de reformas
pacíficas e até apoiadas pelos grandes detentores de terra e de capital; a segunda, que tem em Stuart Mill seu exemplo
mais ilustrativo, e onde podem ser enquadrados também Jeremy Bentham e Nassau William Senior, é de uma espécie
de dissidência clássica, ou seja, pensadores que tiveram formação econômica através das idéias clássicas de Smith e
de Ricardo, mas que foram pouco a pouco se afastando delas e incorporando em suas proposições doses crescentes de
preocupação social juntamente com as primeiras idéias utilitaristas.

Esse período, que corresponde à primeira metade do século XIX, e que teve a co-existência dessas três correntes do
pensamento econômico disputando a capacidade de exercer influência sobre a sociedade, ficará registrada, portanto,
como uma etapa de conexão na nossa viagem pela economia. Se antes dela a principal preocupação residia na produção
da riqueza, depois dela passou a estar relacionada com a distribuição da riqueza, significando que preocupações de
caráter social foram se tornando cada vez mais fortes na cabeça dos formuladores das teorias, doutrinas e mesmo das
políticas econômicas. É o que veremos na próxima etapa da nossa viagem, com paradas nas estações das Escolas Socialista
Marxista, Marginalista (ou Neoclássica) e Keynesiana.

Iscas para ir mais fundo no assunto

Referências bibliográficas

BAIROCH, Paul. Revolução industrial e subdesenvolvimento. Tradução de José Augusto Guilhon Albuquerque. São Paulo:
Brasiliense, 1976.
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BRESCIANI, Maria Stella M. Londres e Paris no século XIX: o espetáculo da pobreza. São Paulo: Brasiliense, 1985.

BUCHHOLZ, Todd G. A mente tempestuosa de John Stuart Mill. Capítulo V de Novas idéias de economistas mortos.
Tradução de Luiz Guilherme Chaves e Regina Bhering. Rio de Janeiro: Record, 2000, pp. 111 – 135.

ENGELS, F. Do socialismo utópico ao socialismo marxista. Tradução de Roberto Goldkorn. 6ª ed. São Paulo: Global, 1984.

MILL, John Stuart. Princípios de economia política: com algumas de suas aplicações à filosofia social (2 volumes). Introdução
de W. J. Ashley; apresentação de Raul Ekerman; tradução de Luiz João Baraúna. São Paulo: Abril Cultural, 1983 (Os
Economistas).

______________ Sobre a liberdade. Tradução e prefácio de Alberto da Rocha Barros; apresentação de Celso Lafer. 2ª
ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1991 (Clássicos do Pensamento Político).

PETITFILS, Jean-Christian. Os socialistas utópicos. São Paulo: Círculo do Livro, s/d.

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Este texto foi publicado originalmente em http://www.lucianopires.com.br.

A publicação deste artigo no site do COFECON foi autorizada pelo autor.

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(*) Economista, formado pela Universidade Mackenzie em 1977. É Vice-Diretor da Faculdade de Economia da Fundação
Armando Alvares Penteado - FAAP, na qual é Professor Titular das disciplinas de História do Pensamento Econômico e
História Econômica Geral.

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