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A Educação na transição da Primeira para a Segunda República1

O final do século XIX e o início do século XX foram marcados por mudanças no sistema econômico e
produtivo do mundo ocidental pós-revolução industrial.
A Revolução Industrial (ocorrida no século XVIII) já tinha seus reflexos bem definidos com a queda dos
sistemas absolutistas, o enriquecimento e consolidação da classe burguesa enquanto classe dominante e dirigente,
a hegemonia política e econômica dos países Europeus (Inglaterra, Alemanha e França), a industrialização dos
países europeus, o crescimento populacional nos centros urbanos, a formação de uma classe assalariada composta
principalmente por operários das fábricas, a formação de uma população consumidora dos bens nacionais e
internacionais, a formação de uma elite intelectual identificada com os ideais burgueses, o início do
desenvolvimento tecnológico e científico atrelado a produção econômica e política, a consolidação do capitalismo
(mercantil e concorrencial) e o expansionismo e exploração colonial em todos os continentes do globo.
É neste contexto que se estabeleceu o Imperialismo, sobre o qual Hobsbawn (1988, p.95), discute que:
o fato maior do século XIX é a criação de uma economia global única, que atinge progressivamente as mais
remotas paragens do mundo, uma rede cada vez mais densa de transações econômicas, comunicações e
movimentos de bens, dinheiro e pessoas ligando os países desenvolvidos entre si e ao mundo não desenvolvido.

Este fato transformou os países coloniais em produtores especializados de um ou dois produtos primários de
exportação para o mercado mundial. Desta forma, as economias tornaram-se cada vez mais dependentes e
vulneráveis ao contexto internacional (HOBSBAWN, p.98 -99).

A partir desta divisão implanta-se um novo contexto social, econômico e produtivo e o sistema capitalista
concorrencial característico desde o início da Revolução Industrial passa para o Capitalismo Monopolista.
O Capitalismo Monopolista pode ser caracterizado por um financiamento econômico dos países não
desenvolvidos em troca de escoamento populacional, compra de matéria-prima barata, ampliação dos mercados
consumidores.
Na prática isso se traduz em redução dos impostos de importação dos produtos vindos dos países
desenvolvidos e desvalorização dos produtos exportados (pelos países não desenvolvidos).
A tabela abaixo mostra resumidamente as principais características dos dois sistemas capitalistas:
CAPITALISMO CONCORRENCIAL CAPITALISMO MONOPOLISTA
Capitalismo comercial e mercantil Capitalismo financeiro
Século XVIII Final do Século XIX e início do século XX
Primeira Revolução Industrial – Inglaterra Segunda Revolução Industrial - EUA
Apoiado pelos Estados Absolutistas Apoiado pelos Estados Burgueses
Ideais identificados com o sistema monárquico e com a Ideais identificados com o sistema republicano e com o liberalismo
aristocracia pautado na igualdade, fraternidade e liberdade pregada pelos burgueses
Apoiado na exploração de produtos tropicais e metais Apoiado na exploração de matéria-prima, de mercados consumidores,
de mão de obra barata
Início do crescimento populacional e da acumulação de Problemas decorrentes do rápido crescimento populacional dos centros
capital urbanos com necessidade de criação de escoamento populacional e de
escoamento de capital acumulado
Produção têxtil Produção de bens de consumo em larga escala
Fábricas como alternativa de trabalho assalariado Necessidade de mão de obra barata para a produção
Tear mecânico, máquina a vapor e locomotiva Desenvolvimento de maquinaria para a produção
Primeiros investimentos em tecnologia Tecnologia e ciência juntas em prol do desenvolvimento

Contexto Nacional
Partamos agora para o contexto do Brasil, não esquecendo que este está diretamente relacionado ao
contexto internacional apresentado acima.
Para que se possa entender um golpe de Estado ou uma revolução é preciso ter um conhecimento amplo
da época, é preciso saber quais as transformações que se processam no quadro econômico, social e institucional.
É preciso familiarizar-se com as ideias em voga. Não basta conhecer os seres humanos e os episódios, nem mesmo

1
Autoria do texto: Ana Priscilla Christiano, Rosilene Rodrigues da Silva Souza, Sarah Maria f. Machado Silva. Disponível em:
http://navegandohistedbr.comunidades.net/a-educacao-na-primeira-republica-1889-1930. Acesso em 21.12.2017
é suficiente saber quais suas opiniões e ideias, qual sua forma de participação. Não basta conhecer as razões que
os contemporâneos invocam, uns para justificar o movimento, outros para criticá-lo ou detê-lo.
Ao estudar um golpe de Estado ou uma revolução é necessário que o historiador procure além dos fatos
aparentes as razões de ordem estrutural que o motivaram, e que frequentemente escapam à consciência dos
contemporâneos. É preciso indagar quais os grupos sociais que se associam para dar o golpe ou fazer uma
revolução, contra quem e contra que se dirige o movimento e em favor de quem e de que, e ainda quais as forças
que se aglutinam na resistência. É preciso avaliar a extensão do movimento e acompanhar os sucessos posteriores,
para verificar se constitui uma revolução que subverte um regime renovando os grupos dirigentes, alterando a
ordem social e econômica, ou se não passa de mero golpe de Estado motivado por interesses de minorias que
procuram assumir a liderança deslocando outras minorias do poder.
É necessário ainda verificar se o movimento atende a aspirações de extensas camadas da sociedade ou se
satisfaz apenas à ambição de alguns indivíduos. O conhecimento dos acontecimentos posteriores e das mudanças
que se operam na sociedade, na administração, na política, na economia permite em parte responder a essas
questões, mas é preciso indagar até que ponto as mudanças correspondem ao programa oficial, aos anseios do
grupo revolucionário e até que ponto a revolução se distancia dos objetivos iniciais e toma novos rumos, às vezes
mais avançados, às vezes mais retrógrados do que pretendia, negando-se a si mesma, apegando-se a fórmulas
passadas. Estas e muitas outras questões se impõem na análise de um movimento revolucionário. (COSTA, 1987,
p.267).
De acordo com Costa (1987, p.27) os princípios liberais que chegaram até o Brasil foram importados da
Europa, pois aqui não existia uma burguesia que desse suporte a estas ideias. O comportamento dos
revolucionários locais, pequenos comerciantes, industriais ou profissionais liberais era identificado com a elite,
racista e escravocrata.
Os acontecimentos da segunda metade do século XIX que iram refletir em mudanças na estrutura
econômica e social do país durante o período da República Velha, favoreceram o desenvolvimento do mercado
interno e o processo de urbanização. Podemos citar entre estes acontecimentos: a transição do trabalho escravo
para o trabalho livre, com a entrada dos imigrantes no Brasil (introdução do trabalho assalariado); a instalação da
rede ferroviária (desde 1852) e consequente aperfeiçoamento do sistema de transportes (o que propiciaria a
exportação do café em maiores escalas), as primeiras iniciativas de industrialização principalmente em São Paulo
e no Rio de Janeiro, o desenvolvimento do sistema de crédito.
Assim, neste contexto, é que a Primeira República começa com a queda da monarquia em 1889 após um
golpe de Estado que contou com o apoio de representantes de diferentes grupos sociais da época, nos quais
estavam envolvidos o setor progressista da lavoura, os fazendeiros de café das áreas mais dinâmicas e produtivas,
alguns elementos ligados à indústria, profissionais liberais e militares (COSTAS, 1987, p.276).
Com a Proclamação da República as oligarquias cafeeiras conquistaram o domínio absoluto do aparelho
do Estado instaurando o governo representativo, federal e presidencial.
De acordo com Saviani (2007, p.188) o período da República Velha foi marcado pela presença das
oligarquias rurais, chamadas também de “Barões do Café”, que se mantiveram no poder através de uma aliança,
entre os partidos republicanos paulista e mineiro (política do café com leite) com base nas “eleições a bico de
pena” e no coronelismo.
Foi Campos Salles que entregou os estados ao domínio das oligarquias locais, concedendo a eles
autonomia para dirigir suas regiões, em troca do apoio destes governantes na esfera federal que tornava
desnecessário a preocupação com a ampliação de sua sustentação política, ou seja, de criação de uma base popular
de representação política.
Este período foi marcado por uma Política de Defesa e Valorização do Café – o sistema econômico
nacional era subjugado para atender aos interesses dos cafeicultores. Com os altos lucros resultantes da
exportação do café começa um progressivo desenvolvimento urbano e uma complexificação social (SAVIANI,
p.189).
As oligarquias cafeeiras, em especial as de São Paulo, foram beneficiadas em detrimento dos militares.
Foi um período de grandes revoltas e manifestações para adquirir o poder do país, com início das primeiras
greves, do movimento anarquista e da introdução dos primeiros ideais comunistas no país.
Após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) começa uma mudança no modelo econômico agrário-
exportador. Com o início da industrialização, vem também a necessidade de mão de obra assalariada, atendida
principalmente pelos imigrantes que ficaram ou se deslocaram para os centros urbanos. Surge uma classe de
operários que ao mesmo tempo em que trabalhavam, contribuindo para o desenvolvimento do país, também
começaram a reivindicar melhores condições de trabalho nas indústrias. Ao mesmo tempo, a formação de uma
burguesia industrial urbana, cujos interesses muitas vezes não eram os mesmo dos produtores cafeeiros e dos
sistemas oligárquicos dominantes irá influenciar a decadência destes sistemas e na mudança da organização
social, política e econômica durante a década de 30.
A educação no contexto legislativo
No que concerne à organização política e legislativa, é importante ressaltar que após a Proclamação da
República instaura-se no país o governo provisório de 1889 a 1891, quando a Constituição é promulgada.
Durante o governo provisório algumas medidas foram instituídas para âmbito educacionais: por meio do
decreto nº 7 (1889), fixa as atribuições dos Estados, determina a educação, em todos os graus, como de
competência das unidades federais; incentiva a criação da Secretaria da Instrução Pública, Correios e Telégrafos,
em 19/04/1890, através desta criou-se o Pedagogium, uma espécie de Capes/Inep da época; empreende a Reforma
da Instrução Pública Primária e Secundária do Distrito Federal; atenta-se para a Reforma do Ensino Superior,
possibilitando faculdades livres e oficiais. Essas reformas apresentam ideias descentralizadoras em relação à
educação, a qual foi palco de discussão a partir dos direitos civis e dos direitos não sociais. (CURY, 2001)
A Constituição de 1891, que teve alguma inspiração no ideário liberal, não faz menções que explicite os
direitos sociais, nem dispõe de um capítulo específico para educação. De acordo com Cury (2001), é possível
recapitular a presença direta da educação escolar no Congresso Constituinte em três temas:
A organização: cabia aos Estados e Municípios a responsabilidade de manter o Ensino Primário, ao Estado
também a garantia do Ensino Secundário, podendo ser mantido também pela União e pela iniciativa privada. O
ensino superior oficial ficou sob controle da união, aberto aos Estados e livre à iniciativa privada. Percebe-se uma
ampla atuação dos entes federados na garantia da educação nacional e a expansão do setor privado no campo
educacional.
A laicidade: a determinação de uma posição não religiosa da escola pública. No entanto, a exclusão do
ensino religioso das escolas foi algo que a Igreja jamais aceitou. Em 1890, fora criada a Pastoral dos Bispos, que
se mobilizou a partir duas estratégias: a pressão para o retorno do ensino religioso no ensino público e a difusão
do seu ideário pedagógico mediante a publicação de jornais, revistas e livros didáticos. Em 1928, fora criada as
Associações de Professores Católicos (APCs) que vieram a ser aglutinadas na Confederação Católica Brasileira
da Educação.
A obrigatoriedade/gratuidade: a Constituição licenciou-se quanto à obrigatoriedade e à gratuidade da
instrução pública, o último pode ser explicado pelo princípio do federalismo, já o primeiro “seja por causa do
federalismo, ou seja sobretudo pela impregnação do princípio liberal de que a individualidade é uma conquista
progressiva do indivíduo que desenvolve progressiva e esforçadamente a sua virtus” (CURY, 2001, p. 78). A
oportunidade educacional era vista como demanda individual e não social.
A estrutura organizacional da educação
No que se refere à estrutura organizacional o sinal mais evidente da tendência se encontra na retomada,
intensa e sistemática, dos princípios do liberalismo. O ideário liberal se compunha basicamente de dois elementos,
em torno dos quais girava a luta para alterar o status quo: representação e justiça. De acordo com Nagle, é através
dessas vias que se pretendia mudar o sistema de representação vigente e alcançar a recomposição do poder. O
pensamento liberal precisa ser combinado com duas ocorrências. De um lado, com a passagem do sistema agrário-
comercial para o sistema urbano-industrial, de outro o lado, rompem-se os alicerces da sociedade estamental.
O entusiasmo pela educação e o otimismo pedagógico da década de 1920, começaram por ser, no decênio
de 1910, uma atitude que se desenvolveu nas correntes de ideias e movimentos político-sociais e que consistia
em atribuir importância cada vez maior ao tema da instrução, nos diversos tipos e níveis. O tema da escolarização
era proposto e analisado de acordo com um amplo programa desta ou daquela corrente, para se ajustar ou
beneficiar suas ligações com problemas de outra ordem, geralmente problemas de natureza política. Nesse
momento a escolarização era tratada por homens públicos e por intelectuais, que ao mesmo tempo eram
“educadores”. Apenas na década de 1920 a situação vai ser alterada, com o aparecimento do “técnico em
escolarização”, a nova categoria profissional.
Em relação ao ensino primário na época de 1907-1912, de acordo com Ribeiro (1998), este ensino era
comum a presença de um só professor e uma só classe, agrupando alunos de vários níveis de adiantamento. Para
o educador se colocava o dilema – atender menos e melhor ou mais e pior.
Segundo Nagle (1985), a escola brasileira nos anos de 1920 se transformou radicalmente, no tocante, aos
objetivos, conteúdos e função social. À medida que se torna a instituição mais importante do sistema escolar
brasileiro, a escola primária se transforma no principal ponto de preocupações de educadores e homens públicos.
Procurou-se justificar e difundir o seu caráter obrigatório, mostrar seu significado profundamente democrático e
republicano, quando comparada á escola secundária e superior, pois é por meio dela que a massa se transforma
em povo e contribui para diminuir o fosso existente entre “povo” e “elite”. A escola primária, no entanto,
manteve-se, durante as primeiras décadas da República, nos mesmos moldes da velha “escola de primeiras letras”.
Afrânio Peixoto, em 1923, realiza a seguinte declaração sobre a formação das elites no ensino secundário:
No Brasil se está processando a seleção de incapazes feita pelo ensino secundário, na escola primária, o filho do
rico, irmanado com o pobre, são bons e maus alunos, mas, como os pobres são infinitamente mais numerosos se
tem numerosos maus alunos, têm também muitos bem dotados: digamos, se em 10 ricos há um aluno inteligente,
em 90 alunos pobre haverá 9 alunos iguais a um rico. {...} Vai começar o ensino secundário. Mas o pobre não
pode frequentá-lo, o liceu, o ginásio, o colégio custa muito caro. Os 90 pobres vão para as fábricas, para as lavouras,
para a mão-de-obra. Os 10 ricos, esses farão exames, depois serão bacharéis, médicos, engenheiros, burocratas, a
constituição da elite nacional {...} Mas como nesses 10, apenas um é inteligente, essa “elite” tem apenas 0,1 de
capacidade (MOACYR, 1944).

A escola secundária tem, portanto, uma posição singular, os padrões de ensino e cultura não se alteraram.
O problema da escola secundária se apresenta polarizado em duas concepções (humanidades literárias versus
humanidades científicas).
Quanto à escola superior, em 1920, fora criada a Universidade do Rio de Janeiro, como junção da Escola
Politécnica do RJ, a Faculdade de Medicina do RJ e a Faculdade de Direito do RJ; ficam, portanto, reunidas em
Universidade do Rio de Janeiro. O governo federal em janeiro de 1925 decreta a autorização de criação dos cursos
de Farmácia e Odontologia na Universidade do Rio de Janeiro e ficava autorizada a criação das universidades
nos estados de Pernambuco, Bahia, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, desde que pudessem ser
satisfeitas as mesmas exigências nos moldes da do Rio de janeiro – com patrimônio, expresso em edifícios e
instalações, não inferior a três mil contos e patrimônio, em títulos de dívida pública, com renda suficiente ao seu
custeio, de modo a dispensar subvenção da União.
Em 1906, ocorre outra criação do governo federal, no campo do ensino, o ensino profissionalizante,
subordinado ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Ressalta-se neste período, especificamente na
década de 1920, a contratação do engenheiro João Luderitz, feita com o objetivo de efetuar desejada reformulação
do ensino profissional. Forma-se, assim, a Comissão Luderitz, mais conhecida com a denominação de Serviço de
remodelação do Ensino Profissional Técnico.
Até 1920, o ensino técnico-profissional se mantinha nos moldes que se estruturam durante o período
imperial, com a mesma linguagem e os mesmos propósitos que sempre acompanharam e influenciaram o
desenvolvimento desse ramo de ensino. Cujo objetivo expresso de atender as “classes populares”, às “classes
pobres”, aos “mais desvalidos”, “órfãos”, “abandonados”, “desfavorecidos de fortuna”. Portanto, figurava, menos
que um programa propriamente educacional, e mais como um plano assistencial. O objetivo central antes da
reformulação de 1920 era de “formar operários e contramestres, ministrando-se o ensino prático e os
conhecimentos técnicos necessários aos menores que pretenderem aprender o oficio, de trabalho manual ou
mecânico que forem mais convenientes e necessárias no Estado em que funcionar a escola”.
As Reformas Educacionais
No que diz respeito às Reformas do Governo Federal, ela foram amplamente difundidas diante do
entusiasmo educacional da Primeira República, ocorrendo várias iniciativas e reformas dos governos Federais e
Estaduais. Não se encontra durante todo período da história brasileira, até 1930, outra etapa tão intensa e
sistemática discussão, planejamento e execução das reformas da instrução pública. Vale destacar que estas
reformas não aconteceram de modo igual a todos os Estados e na sociedade brasileira: tiveram maiores
oportunidades regiões mais desenvolvidas (São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro).
Reforma Leôncio de Carvalho (1879) trata-se de um longo texto composto de 174 itens agrupados em 29
artigos, tendo em vista o ensino primário, secundário e superior no município da Corte. A essência dessa reforma
consiste em garantir as condições de moralidade e higiene, este último foi influenciado pela constituição da
medicina como um campo disciplinar autônomo. A Reforma Leôncio sinaliza na direção do método de ensino
intuitivo.
Reforma Benjamim Constant (1890) e na reforma secundária paulista, sob a direção de Caetano de
Campos (1892), que se pautava no princípio democrático-liberal. Surge então o rompimento com o modelo
educacional do Brasil Colônia com sua tradição humanista, adotando em sua reforma princípios positivistas.
Assim, começou a ser implantado um ensino enciclopédico, seriado, obrigatório e gratuito.
Reforma Epitácio Pessoa (1901) mudando o ensino secundário para 6 anos, porém não mudou o objetivo
estabelecido na reforma anterior de “ preparar para o ensino superior, no entanto, dava liberdade para ensinar”.
Complementou o processo de desoficialização do ensino promovendo a equiparação entre as escolas privadas e
oficiais, sob inspeção nos currículos.
Reforma Rivadávia Correa (1911) deu liberdade e autonomia aos estabelecimentos de ensino que
acabaram preferindo o retorno ao ensino parcelado, tirou, portanto, o caráter oficial do ensino, que já não
controlava a concessão de títulos e diplomas, que propunha a autonomia entre os dois graus, fixando que o
certificado de conclusão do ginásio serviria apenas como atestado de frequência e aproveitamento de estudos no
superior e desoficializou completamente o ensino, concedendo plena autonomia didática e administrativa,
acabando com o monopólio estatal na concessão de diplomas e títulos e retornando ao sistema de admissão nas
próprias faculdades.
Reforma Carlos Maximiliano (1915) determinando o cancelamento das alterações de 1911. Criou-se
exames de vestibular aos cursos superiores, a obrigação da conclusão do curso secundário para o ingresso nas
faculdades. E o ensino superior não foi alterado e recuperou a oficialização do ensino, colocando limites estreitos
à equiparação, concedendo-a por meio de rigorosa inspeção, e resolveu o problema da expansão controlada com
a criação do vestibular e a obrigatoriedade do diploma do secundário para a matrícula no superior.
Reforma Rocha Vaz (1925) esta foi reacionária e conservadora, completando o ciclo da educação elitista;
não aceitando as ideias da Escola Nova, mantendo o controle ideológico sob o Estado, através de inspeção escolar
e cerceando e policiado os afazeres dos professores e alunos, inclusive criando a disciplina “moral e cívica” como
obrigatória nas escolas e liquidou definitivamente a autonomia didática e administrativa, fixou o currículo no
superior e aperfeiçoou o vestibular.
Dentre as Reformas Estaduais, destaca-se a Reforma Estadual Paulista, por ter se expandido por todo país.
Essa reforma foi inspirada na experiência da Alemanha, Suíça e Estados Unidos. Para tanto, cria-se escola-
modelo, anexa à Escola Normal em São Paulo, na qual compreendia duas classes, uma feminina e outra
masculina. Em 1892, a Lei. Nº 88 de 8 de setembro institui a reforma geral da instrução pública. Apesar desta
reforma abranger todo ensino público, o seu foco foi o ensino primário. E a grande inovação constitui na
instituição dos grupos escolares, “[...] criados para reunir em um só prédio de quatro a dez escolas, compreendidas
no raio da obrigatoriedade escolar”. (SAVIANI, 2007, p. 172)
Na estrutura anterior, as escolas primárias, também conhecidas por “primeiras letras” eram classes
isoladas ou avulsas, numa mesma turma compreendia alunos em níveis ou estágios diferentes de aprendizagem,
na maioria das vezes, as escolas eram regidas por um único professor. O grupo escolar substituiu as escolas
isoladas, portanto, o ensino até então não seriado, passa a ser seriado. A partir de 1893 os grupos escolares foram
disseminando-se pelo estado de São Paulo, chegando, em 1910, a 101, sendo 24 na capital e 77 no interior. De
São Paulo o modelo irradiou-se pelos demais estados. (SAVIANI, 2007).
Com base nos dados estatísticos sobre o analfabetismo e os níveis de ensino: primário, médio e superior,
dentro das possibilidades de acesso aos levantamentos, nota-se que as reformas educacionais da Primeira
República, não corresponderam com a resolução dos problemas da organização escolar.
Neste sentido, as políticas educacionais não corresponderam com a realidade, ao passo que “[...] o
desconhecimento dessas causas fundamentais e peculiares da situação, bem como o puro consumo de ideias,
comprometem basicamente a concretização dos objetivos dos educadores ‘novos’” (RIBEIRO, 1998, p.124).
Todavia, Ribeiro (1998, p 12) ressalta que “o aspecto positivo resultante de males deste transplante
cultural está no fato de ter levado os educadores a diagnosticar as deficiências da estrutura escolar brasileira e
denunciá-las categórica e permanentemente [...]”.
Finalmente de acordo que as reformas se aproximam da década de 30, construindo, assim, outro período
histórico, começa a ser notado um conjunto de particularidades no seu planejamento e na sua execução. Esse
movimento reformista define a primeira e mais profunda mudança que sofre a educação brasileira: a substituição
de um “modelo politico” por um “modelo pedagógico”.

A Era Vargas e a questão da industrialização2


Considerando a variedade de forças que concorreram para a Revolução de 1930, firmou-se na
historiografia a seguinte interpretação: não havendo nenhum grupo com legitimidade para assumir o controle
governamental, teria emergido do movimento vitorioso um “Estado de compromisso", sustentado pelo Exército
que passou a operar como um “liame unificador das várias frações da classe dominante (FAUSTO, 1981, p. 106).
Mas, mesmo se admitindo que essa interpretação se sustente numa análise empírica das forças que atuaram
na Revolução de 1930 e nas características do governo provisório dela resultante, seria necessário explicar o
significado histórico desse fenômeno, isto é, qual a tendência histórica que se impôs como vitoriosa com o triunfo
da Revolução. Isso, evidentemente, seria difícil de alcançar no calor dos acontecimentos, ou seja, analisando-se
o processo logo após o seu desfecho, por exemplo, nos anos de 1930. Mas, com suficiente recuo histórico obtido
já a partir dos anos de 1960, é possível perceber que, no referido período, o processo de urbanização e
industrialização avançou celeremente com base no modelo de “substituição de importações”. Ora, do ponto de
vista da análise histórica global do modo de produção capitalista e, portanto, da teoria decorrente dessa análise,
o desenvolvimento do capitalismo implicou o deslocamento do eixo da vida societária do campo para a cidade e
da agricultura para a industria, ocorrendo, inclusive, um progressivo processo de urbanização do campo e
industrização da agricultura. Portanto, para considera-se que o caso brasileiro implica uma singularidade que
escapa a essa tendência geral, seria necessário mostrar os fatos históricos, com seus encadeamentos que
evidenciariam essa discrepância.
No entanto, diferentemente dessa possibilidade indicada, as fontes disponíveis mostram que a burguesia
industrial assimilara, na década de 1920, a orientação taylorista-fordista; e o governo provisório, assim que foi
instalado praticou “políticas keynesianas , como assinala Cardoso de Mello:
Tenho em vista, ao contrário, os déficits públicos de 1930 e 1932, que encontram suas raízes nas despesas com a
Revolução de 30, nos gastos com a “Guerra Paulista” de 1932 e no auxílio prestado aos estados nordestinos
assolados pela forte seca de 1930/33. Em 1930, o déficit contribuiu, poderosamente, para deter a queda da renda;
em 1932, proporcionou o impulso decisivo para a recuperação. Pouco importa constatar que o equilíbrio
orçamentário não era perseguido pelo Estado. Não se pode ir contra os fatos: o comportamento efetivo do Estado
foi keynesiano em 1930 e 1932, ainda que as intenções fossem bem outras [MELLO, 1982, p. 173].

Constata-se, ademais, que antes da Revolução se delineava um projeto claro de hegemonia por parte da
burguesia industrial, como fica patente na análise desenvolvida por Edgar De Decca quando explicita em 1930:
O silêncio dos vencidos o “tema da industrialização e a burguesia industrial” (pp. 135-182), especialmente nas
duas dezenas de citações que faz de Roberto Simonsen e de Circulares da Fiesp, referidas ao ano de 1928. E, após
a Revolução, esse projeto de hegemonia tem sequência, emergindo como um de seus pontos chaves a criação, em
1931, do Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT), que teve como seu primeiro presidente
Armando de Salles Oliveira e como principais dirigentes e colaboradores Roberto Simonsen, Rohert Mange e
Lourenço Filho, além de Noemy Silveira, Júlio de Mesquita Filho e Raul Briquet, os quais, como Lourenço Filho,
foram signatários do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” (PICHELI, 1997, pp. 44, 55 e 95). Esse
grupo, em especial Salles Oliveira, Roberto Simonsen e Júlio de Mesquita Filho, também esteve à testa da
fundação da Escola de Sociologia e Política da Universidade de São Paulo (USP), em 1934. O IDORT, exerceu
influência decisiva na formulação das políticas governamentais em todo o período Pós-Revolução de 1930 que
se estende até 1945, marcando fortemente a reorganização educacional, não apenas no que se refere ao ensino
profissional, no qual sua orientação foi decisiva. Roberto Mange e Lourenço Filho atuaram como consultores na
relabora das Reformas Capanema de 1942 e 1943, das quais resultaram a criação do Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial (SENAI) e as leis orgânicas do ensino industrial, secundário e comercial (idem, p. 61).

2
Texto extraído do Livro: SAVIANI, Dermeval. História da Ideias Pedagógicas no Brasil. Campinas, SP: 2008. pp191-193.
A Revista do IDORT (1937, n. 72, p. 275) expressa a satisfação da entidade com a Constituição do Estado Novo
que consagrou a "vitória da idéia que norteia nossas atividades" (idem, p. 60).
À luz do exposto, conclui-se que, se o que resultou politicamente da Revolucão de 1930 foi um "Estado
de compromisso", caberia considerar que esse Estado se pôs como agente, no plano governamental, da hegemonia
da burguesia industrial. Não importa se isso foi, ou não, resultado de uma diretriz politica deliberadamente
formulada e intencionalmente conduzida. A análise dos fatos subseqüentes conduz a essa conclusão.
Caracterizado o contexto, parece claro que foi no clima de ebulição social característico da década de
1920 que, no campo educacional, emergiram, de um lado, as forças do movimento renovador impulsionado pelos
ventos modernizantes do processo de industrialização e urbanização; de outro lado, a Igreja Católica procurou
recuperar terreno organizando suas fileiras para travar a batalha pedagógica. Essas duas forças desempenharam
um papel de relativa importância como dispositivos de sustentação do "Estado de compromisso", concorrendo,
cada uma à sua maneira e independentemente de seus propósitos explícitos, para a realização do projeto de
hegemonia da burguesia industrial. Guiando-se por esse projeto, o Brasil consolidou, sob a égide do modelo de
substituição de importações, as industrias de bens de consumo não duráveis ate o início dos anos de 1950 e
instalou nos anos finais dessa década, no governo de Juscelino Kubitscheck, as indústrias de bens de consumo
duráveis, Tais realizacões foram possíveis sobre a base da “pequena indústria do aco" e da indústria de cimento
(MELL0, 1982, p. 164-166) implantadas na década de 1920, e da indústria pesada, instalada pelo Estado Novo.

Estado e Educação de 1945 até 19643

O sustentáculo ideológico da burguesia industrial, para assegurar os interesses de classe nessa fase de
transformações econômicas e sociais do país, deu-se com o chamado nacionalismo. Esse fenômeno teve o
objetivo de pactuar as contradições políticas desse período; procurou conciliar os interesses de classe ou intentou
superar as contradições entre a burguesia industrial nacional e a classe trabalhadora. A ideologia nacionalista
burguesa teve um caráter de luta emancipatória econômica do país face ao capitalismo internacional; para tanto,
buscou aliança com o proletariado e a classe média, subordinando-os aos interesses de apropriação do produto de
seu trabalho. Em verdade, burguesia e proletariado tinham uma relação conciliatória contraditória. Se, de um
lado, uniram-se contra os trustes, que queriam o Brasil como uma economia periférica, subserviente aos países
europeus e aos Estados Unidos, de outro lado, no plano nacional, as relações de classe se antagonizaram,
sobretudo referente à exploração da burguesia sobre o produto da força de trabalho do proletariado (IANNI,
1963).
A análise desse período nacional-desenvolvimentismo mostra que o capital industrial, enquanto elemento
decisivo do sistema produtivo nacional a ser investido, nessa fase, estava em condição direta e indireta, em seu
surgimento, do capital agrícola. Essa situação nos leva a pensar que a relação estrutural entre a economia
brasileira e a economia internacional, significativamente a economia americana e europeia, fez com que o
processo de transição, complexo e mediato, do capital agrícola para o industrial fosse realizado pelo capital
financeiro e comercial. A diversificação do sistema produtivo, com foco na industrialização nos espaços urbanos,
foi proporcionada, em seu cerne, pelo capital agrícola. Com isso, o Estado transfere consideráveis excedentes
produzidos pela economia agrícola para a indústria urbana. Igualmente, a política cambial e fiscal do governo
Vargas, com a instrução nº 70, em 1953, terá a função de orientar o fluxo de capital e transferi-lo para o
desenvolvimento industrial.
Vale ressaltar que essa proteção só foi viabilizada por causa da coalizão de classes atreladas à produção
industrial (burguesia industrial, pequena burguesia, provenientes do setor de serviços, e o proletariado). Decerto,
no período que durou a implantação e consolidação da industrialização – 1930 e 1961 – com o intuito de substituir
a importação, as classes sociais ligadas à produção industrial, ao setor de serviços e à burocracia estabeleceram
entre si uma aliança que possibilitou o acobertamento da contradição entre o capital e o trabalho, e garantiu a
“paz social” disseminada pela burguesia, através de seus representantes no governo (WARDE, 1979, p. 65).
Com as transformações introduzidas nas relações de produção e a concentração cada vez mais ampla da
população em centros urbanos, tornaram-se fundamentais novos requerimentos de qualificação para o trabalho;
do mesmo modo, de oferecer instruções básicas à população, pela premência do consumo que essa produção
requer. Portanto, as exigências do novo modo de produção e do consumo ocasionaram modificações importantes

3
Autoria do texto: Daniela Moura Rocha de Souza, Denise Camargo Gomide, Desirê Luciane Dominschek, Wilson da Silva Santos.
Disponível em: http://navegandohistedbr.comunidades.net/a-educacao-no-nacional-desenvolvimentismo. Acesso em 21.12.2017
na forma de conceber a educação, tendo o Estado como o principal fomentador das políticas educacionais. Isto
se observa nas propostas em relação a reforma da educação brasileira, a partir de 1930. Sucessivamente, a luta
pela Escola Nova, a escola industrial e profissionalizante (SENAI, SESI, em 1942), a reforma de Capanema
(1942), a primeira Lei de Diretrizes e Base (1961) e a Reforma do Ensino Superior (1968) e de 1° e 2° graus
(1971), até a institucionalização do Mobral (1967), têm procurado realizar o ajustamento da escola para a
efetuação das funções caracterizadas como necessidades do modelo de desenvolvimento implantado
(RODRIGUES, 1987, p. 48).
A constituição de 1946 (no período da chamada etapa educacional populista: 1946-1960) levou à precisão
de elaborar leis e diretrizes para o ensino. Começa a longa peregrinação da lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, sancionada somente em 1961. Essa lei visava substituir a Reforma Capanema de 1942. Em 1948, o
Ministro Clemente Mariani encaminha o primeiro Projeto-de-Lei, que propõe a rede escolar gratuita até o
secundário e cria a equivalência dos cursos de nível médio, mediante prova de adaptação. Esse anteprojeto
correspondia, em seu cerne, ao que previa a Constituição, pois aludia aos direitos à educação; apresentava a
obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário e gratuidade da escola pública em seus vários níveis de ensino;
de igual modo, colocava as obrigações e responsabilidades do Estado relativas ao “sistema” de ensino: financeiro,
administrativo e pedagógico. Entretanto, esse projeto foi engavetado. Surgiu, então, em 15 de janeiro de 1959, o
Projeto-de-Lei chamado de “Substitutivo Lacerda”, o qual propôs, entre outras coisas, que a sociedade civil
assumisse o controle da educação, defendendo, à vista disso, uma das formas de privatização do ensino: a
educação seria financiada pelo Estado, porém a responsabilidade do financiamento estatal estaria vinculada às
entidades privadas; uma forma de delegação do financiamento público aos usuários do sistema, cuja prestação
educacional caberia às instituições privadas. Para isso, argumentava e alegava-se a chamada “liberdade de ensino”
(SAVIANI, 1999).
Em verdade, com a discussão da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, durante o
longo período que compreendeu de 1946 a 1961, constatou-se uma disputa de duas propostas de LDB, que
traduziu a relação contraditória no âmbito político-econômico, cujo embate aconteceu entre dois grupos: o que
defendia o nacionalismo desenvolvimentista, no qual o Estado seria o carro-chefe no planejamento da economia,
estratégico para o desenvolvimento do mercado nacional, sem a dependência total e asfixiante do capital externo;
e o outro grupo, que sustentava a tese de que a iniciativa privada seria o mecanismo de gerir a economia e a
educação institucionalizada, ao objetar qualquer intervenção normatizadora e fiscalizadora do Estado, tanto na
área econômica como na educacional. Essas observações são vitais para compreender exatamente a onipresença
do Estado no planejamento das instituições econômicas, sociais e educacionais (SANTOS, 2007).
Assim sendo, a educação, nesse período, foi pensada sob essa influência nacional-desenvolvimentista. De
1956 a 1961, o Brasil passou por um momento crucial, que sistematizou o plano setorial e global, e a educação
foi pauta de um plano setorial do governo. Uma das posições proeminentes, que se colocou nesse período, foi o
pensamento segundo o qual a relação entre educação e desenvolvimento era condição indispensável para a
plataforma de metas. No governo de Kubitschek, em 1956, a defesa do desenvolvimentismo se converteu na
implementação de diretrizes para o Plano Nacional de Desenvolvimento. O primeiro passo nesse sentido foi a
criação do Conselho de Desenvolvimento, subordinado ao presidente da República e cujos membros eram
compostos por ministros do Estado, chefes da Casa Civil e Militar e pelo presidente do BNDE. Nesse conselho,
foi proposta a criação de Grupos de Trabalho, formados, em sua maioria, por técnicos que já haviam participado
de planejamentos econômicos em governos anteriores e que, agora, seriam responsáveis por traçar um Plano
Econômico, conhecido comumente como Programa de Metas.
Nesse Programa de Metas, destacam-se quatro eixos norteadores para a política econômica: 1 – detecção
de áreas com demandas não atendidas que estrangulavam a economia (planejamento das áreas de energia,
transporte, etc.); 2 – construção de infraestrutura, mormente o investimento de rodovias com a finalidade de
integrar as diversas regiões do Brasil; 3 – restrições de importação. Elemento fundamental, balizador da política
de substituição de importações, instituindo quais seriam os bens de consumo e de produção que deveriam ser
produzidos no Brasil; 4 – o atendimento de exigências da produção de outros setores, provocando, com isso, um
sistema econômico em que as premissas fossem intercaladas, ou seja, metas que demandariam o surgimento de
outras metas na política econômica (HORTA, 1982).
A educação que, inicialmente, não estava em nenhum dos setores do Conselho de Desenvolvimento, passa
a ser considerada na Política de Metas; isto porque, com a demanda derivativa, como foi especificado no item 4,
logo acima, a produção econômica gerava a necessidade de formação de técnicos em diversos níveis e áreas.
Desse modo, em 1957, o primeiro indicativo da importância da educação no Programa de Metas foi a instituição
da Comissão de Educação e Cultura, do Conselho de Desenvolvimento. Essa comissão delineou em dois meses
um projeto de metas educacionais para atender o desenvolvimento econômico do Programa de governo. Em 1958,
o ministério da Educação integrou-se ao Conselho. Esse foi um sinal explícito da relação entre educação e
desenvolvimento, cabendo à educação a incumbência de preparar técnicos para atender a produção econômica
em ascensão. Segundo a Comissão, uma educação que não esteja pautada nos quatro eixos do Programa de Metas
pode se tornar uma barreira para o desenvolvimento das atividades produtivas. Os motivos anunciados pelos
mentores do programa tentaram apresentar uma justificativa “humanística” da proposta que não causasse um
impacto negativo entre os educadores e pesquisadores da educação:
A educação para o desenvolvimento não é, como a referência às transformações econômicas da sociedade
pode deixar parecer, uma educação puramente técnica, sem objetivo ético e conteúdo humanístico. No que diz
respeito ao objetivo ético, cumpre notar que a educação para o desenvolvimento requer, tanto o preparo intelectual
do indivíduo, como a sua formação moral, o domínio de si próprio, o senso do bem-estar coletivo; a austeridade
do consumir, a formação da gama de virtudes do realizador, que não é outra senão a das virtudes cristãs, a que a
educação de hoje, completamente intelectualizada, voltou as costas inteiramente. No que diz respeito ao
humanismo, cabe lembrar que o verdadeiro humanismo pressupõe integração do homem nas condições
circunstanciais do seu meio e do seu tempo e procura a equação dessas condições e do que há de perene no próprio
homem. Na educação para o desenvolvimento, concebida como um novo humanismo pedagógico, cada indivíduo
é visto como protagonista da sua época, como veículo de soluções comuns reclamadas pela coletividade, soluções
em que se harmonizam o permanente e o circunstancial (Brasil, Conselho de Desenvolvimento, Programas de
Metas, 1957 apud HORTA, 1982, p. 31 e 32).
Nota-se, nessa exposição de motivos, que a educação condiciona-se, com uma estrutura de dispositivos e
de ações no Programa de Metas, aos requerimentos de uma economia em rápida expansão. Esse fato puxa uma
discussão sobre a função da educação no processo de desenvolvimento. De um lado, havia posicionamentos que
defendiam o desenvolvimento educacional como decorrência do crescimento econômico. De outro, a educação
seria uma exigência já estabelecida antes do desenvolvimento econômico (HORTA, 1982; ABREU, 1963).
As ideias Pedagógicas: pedagogia tradicional, escola nova e tecnicismo4
A Pedagogia Tradicional
A constituição dos chamados “sistemas nacionais de ensino” data de meados do século XIX. Sua
organização inspirou-se no princípio de que a educação é direito de todos e dever do Estado. O direito de todos
à educação decorria do tipo de sociedade correspondente aos interesses da nova classe que se consolidara no
poder: a burguesia. Tratava-se, pois, de construir uma sociedade democrática, de consolidar a democracia
burguesa. Para superar a situação de opressão, própria do “Antigo Regime”, e ascender a um tipo de sociedade
fundada no contrato social celebrado “livremente” entre os indivíduos, era necessário vencer a barreira da
ignorância. Só assim seria possível transformar os súditos em cidadãos, isto é, em indivíduos livres porque
esclarecidos, ilustrados. Como realizar essa tarefa? Por meio do ensino. A escola é erigida no grande instrumento
para converter os súditos em cidadãos, “redimindo os homens de seu duplo pecado histórico: a ignorância, miséria
moral, e a opressão, miséria política” (Zanotti, 1972, pp. 22-23).
Nesse quadro, a causa da marginalidade é identificada com a ignorância. É marginalizado da nova
sociedade quem não é esclarecido. A escola surge como um antídoto à ignorância, logo, um instrumento para
equacionar o problema da marginalidade. Seu papel é difundir a instrução, transmitir os conhecimentos
acumulados pela humanidade e sistematizados logicamente. O mestre-escola será o artífice dessa grande obra. A
escola organiza-se como uma agência centrada no professor, o qual transmite, segundo uma gradação lógica, o
acervo cultural aos alunos. A estes cabe assimilar os conhecimentos que lhes são transmitidos.
À teoria pedagógica acima indicada correspondia determinada maneira de organizar a escola. Como as
iniciativas cabiam ao professor, o essencial era contar com um professor razoavelmente bem preparado. Assim,
as escolas eram organizadas na forma de classes, cada uma contando com um professor que expunha as lições,
que os alunos seguiam atentamente, e aplicava os exercícios, que os alunos deveriam realizar disciplinadamente.
Ao entusiasmo dos primeiros tempos suscitado pelo tipo de escola anteriormente descrito de forma
simplificada, sucedeu progressivamente uma crescente decepção. A referida escola, além de não conseguir

4
Extraído do Livro: SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. Campinas, SP: Autores Associados, 2008. pp. 5-13.
realizar seu desiderato de universalização (nem todos nela ingressavam e mesmo os que ingressavam nem sempre
eram bem-sucedidos) ainda teve de curvarse ante o fato de que nem todos os bem-sucedidos se ajustavam ao tipo
de sociedade que se queria consolidar. Começaram, então, a se avolumar as críticas a essa teoria da educação e a
essa escola que passa a ser chamada de Escola Tradicional.
A Pedagogia Nova

As críticas à pedagogia tradicional formuladas a partir do final do século XIX foram, aos poucos, dando
origem a uma outra teoria da educação. Esta teoria mantinha a crença no poder da escola e em sua função de
equalização social. Portanto, as esperanças de que se pudesse corrigir a distorção expressa no fenômeno da
marginalidade, por meio da escola, ficaram de pé. Se a escola não vinha cumprindo essa função, tal fato se devia
a que o tipo de escola implantado - a Escola Tradicional - se revelara inadequado. Toma corpo, então, um amplo
movimento de reforma, cuja expressão mais típica ficou conhecida sob o nome de “escolanovismo”. Tal
movimento tem como ponto de partida a Escola Tradicional já implantada segundo as diretrizes consubstanciadas
na teoria da educação que ficou conhecida como pedagogia tradicional. A pedagogia nova começa, pois, por
efetuar a crítica da pedagogia tradicional, esboçando uma nova maneira de interpretar a educação e ensaiando
implantá-la, primeiro, por intermédio de experiências restritas; depois, advogando sua generalização no âmbito
dos sistemas escolares.
Segundo essa nova teoria, a marginalidade deixa de ser vista predominantemente sob o ângulo da
ignorância, isto é, o não domínio de conhecimentos. O marginalizado já não é, propriamente, o ignorante, mas o
rejeitado. Alguém está integrado não quando é ilustrado, mas quando se sente aceito pelo grupo e, por meio dele,
pela sociedade em seu conjunto. É interessante notar que alguns dos principais representantes da pedagogia nova
se converteram à pedagogia a partir da preocupação com os “anormais” (ver, por exemplo, Decroly e Montessori).
A partir das experiências levadas a efeito com crianças “anormais” é que se pretendeu generalizar procedimentos
pedagógicos para o conjunto do sistema escolar. Nota-se, então, uma espécie de biopsicologização da sociedade,
da educação e da escola. Ao conceito de “anormalidade biológica” construído a partir da constatação de
deficiências neurofisiológicas se acrescenta o conceito de “anormalidade psíquica” detectada por testes de
inteligência, de personalidade etc., que começam a se multiplicar. Forja-se, então, uma pedagogia que advoga um
tratamento diferencial a partir da “descoberta” das diferenças individuais. Eis a “grande descoberta”: os homens
são essencialmente diferentes; não se repetem; cada indivíduo é único. Portanto, a marginalidade não pode ser
explicada pelas diferenças entre os homens, quaisquer que elas sejam: não apenas diferenças de cor, de raça, de
credo ou de classe, o que já era defendido pela pedagogia tradicional; mas também diferenças no domínio do
conhecimento, na participação do saber, no desempenho cognitivo. Marginalizados são os “anormais”, isto é, os
desajustados e inadaptados de todos os matizes. Mas a “anormalidade” não é algo, em si, negativo; ela é,
simplesmente, uma diferença. Portanto, podemos concluir, ainda que isto pareça paradoxal, que a anormalidade
é um fenômeno normal. Não é, pois, suficiente para caracterizar a marginalidade, a qual está marcada pela
inadaptação ou desajustamento, fenômenos associados ao sentimento de rejeição. A educação, como fator de
equalização social, será um instrumento de correção da marginalidade na medida em que cumprir a função de
ajustar, de adaptar os indivíduos à sociedade, incutindo neles o sentimento de aceitação dos demais e pelos
demais. A educação será um instrumento de correção da marginalidade na medida em que contribuir para a
constituição de uma sociedade cujos membros, não importam as diferenças de quaisquer tipos, aceitem-se
mutuamente e respeitem-se na sua individualidade específica.
Compreende-se, então, que essa maneira de entender a educação, por referência à pedagogia tradicional,
tenha deslocado o eixo da questão pedagógica do intelecto para o sentimento; do aspecto lógico para o
psicológico; dos conteúdos cognitivos para os métodos ou processos pedagógicos; do professor para o aluno; do
esforço para o interesse; da disciplina para a espontaneidade; do diretivismo para o não-diretivismo; da
quantidade para a qualidade; de uma pedagogia de inspiração filosófica centrada na ciência da lógica para uma
pedagogia de inspiração experimental baseada principalmente nas contribuições da biologia e da psicologia. Em
suma, trata-se de uma teoria pedagógica que considera que o importante não é aprender, mas aprender a aprender.
Para funcionar de acordo com a concepção anteriormente exposta, obviamente a organização escolar teria
que passar por uma sensível reformulação. Assim, em lugar de classes confiadas a professores que dominavam
as grandes áreas do conhecimento, revelando-se capazes de colocar os alunos em contato com os grandes textos
que eram tomados como modelos a serem imitados e progressivamente assimilados pelos alunos, a escola deveria
agrupar os alunos segundo áreas de interesses decorrentes de sua atividade livre. O professor agiria como um
estimulador e orientador da aprendizagem cuja iniciativa principal caberia aos próprios alunos. Tal aprendizagem
seria uma decorrência espontânea do ambiente estimulante e da relação viva que se estabeleceria entre os alunos
e entre estes e o professor. Para tanto, cada professor teria de trabalhar com pequenos grupos de alunos, sem o
que a relação interpessoal, essência da atividade educativa, ficaria dificultada; e num ambiente estimulante,
portanto, dotado de materiais didáticos ricos, biblioteca de classe etc. Em suma, a feição das escolas mudaria seu
aspecto sombrio, disciplinado, silencioso e de paredes opacas, assumindo um ar alegre, movimentado, barulhento
e multicolorido.
O tipo de escola acima descrito não conseguiu, entretanto, alterar significativamente o panorama
organizacional dos sistemas escolares. Isso porque, além de outras razões, implicava custos bem mais elevados
do que aqueles da Escola Tradicional. Com isso, a “Escola Nova” organizou-se basicamente na forma de escolas
experimentais ou como núcleos raros, muito bem equipados e circunscritos a pequenos grupos de elite. No
entanto, o ideário escolanovista, tendo sido amplamente difundido, penetrou nas cabeças dos educadores
acabando por gerar conseqüências também nas amplas redes escolares oficiais organizadas na forma tradicional.
Cumpre assinalar que tais conseqüências foram mais negativas que positivas uma vez que, provocando o
afrouxamento da disciplina e a despreocupação com a transmissão de conhecimentos, acabou a absorção do
escolanovismo pelos professores por rebaixar o nível do ensino destinado às camadas populares, as quais muito
freqüentemente têm na escola o único meio de acesso ao conhecimento elaborado. Em contrapartida, a “Escola
Nova” aprimorou a qualidade do ensino destinado às elites.
Vê-se, assim, que paradoxalmente, em lugar de resolver o problema da marginalidade, a “Escola Nova”
o agravou. Com efeito, ao enfatizar a “qualidade do ensino” ela deslocou o eixo de preocupação do âmbito político
(relativo à sociedade em seu conjunto) para o âmbito técnico-pedagógico (relativo ao interior da escola),
cumprindo ao mesmo tempo uma dupla função: manter a expansão da escola em limites suportáveis pelos
interesses dominantes e desenvolver um tipo de ensino adequado a esses interesses. É a esse fenômeno que
denominei de “mecanismo de recomposição da hegemonia da classe dominante” (Saviani, 1980).
Cabe assinalar que o papel da “Escola Nova” previamente descrito manifestou-se mais nitidamente no
caso da América Latina. Em verdade, na maioria dos países dessa região os sistemas de ensino começaram a
assumir feição mais nítida já no século XX, quando o escolanovismo estava largamente disseminado na Europa
e principalmente nos Estados Unidos, não deixando, em conseqüência, de influenciar o pensamento pedagógico
latino-americano. Portanto, a disseminação das escolas efetuada segundo os moldes tradicionais não deixou de
ser de alguma forma perturbada pela propagação do ideário da pedagogia nova, já que esse ideário ao mesmo
tempo que procurava evidenciar as “deficiências” da escola tradicional, dava força à idéia segundo a qual é melhor
uma boa escola para poucos do que uma escola deficiente para muitos.
A Pedagogia Tecnicista

Ao findar a primeira metade do século XX, o escolanovismo apresentava sinais visíveis de exaustão. As
esperanças depositadas na reforma da escola resultaram frustadas. Um sentimento de desilusão começava a se
alastrar nos meios educacionais. A pedagogia nova, ao mesmo tempo que se tornava dominante como concepção
teórica - a tal ponto que se tornou senso comum o entendimento segundo o qual a pedagogia nova é portadora de
todas as virtudes e de nenhum vício, ao passo que a pedagogia tradicional é portadora de todos os vícios e de
nenhuma virtude —, na prática revelou-se ineficaz em face da questão da marginalidade. Assim, de um lado
surgiam tentativas de desenvolver uma espécie de “Escola Nova Popular”, cujos exemplos mais significativos
são as pedagogias de Freinet e de Paulo Freire; de outro lado, radicalizava-se a preocupação com os métodos
pedagógicos presentes no escolanovismo que acaba por desembocar na eficiência instrumental.
Articula-se aqui uma nova teoria educacional: a pedagogia tecnicista. A partir do pressuposto da
neutralidade científica e inspirada nos princípios de racionalidade, eficiência e produtividade, essa pedagogia
advoga a reordenação do processo educativo de maneira a torná-lo objetivo e operacional. De modo semelhante
ao que ocorreu no trabalho fabril, pretendese a objetivação do trabalho pedagógico. Com efeito, se no artesanato
o trabalho era subjetivo, isto é, os instrumentos de trabalho eram dispostos em função do trabalhador e este
dispunha deles segundo seus desígnios, na produção fabril essa relação é invertida. Aqui, é o trabalhador que
deve se adaptar ao processo de trabalho, já que este foi objetivado e organizado na forma parcelada. Nessas
condições, o trabalhador ocupa seu posto na linha de montagem e executa determinada parcela do trabalho
necessário para produzir determinados objetos. O produto é, pois, uma decorrência da forma como é organizado
o processo. O concurso das ações de diferentes sujeitos produz assim um resultado com o qual nenhum dos
sujeitos se identifica e que, ao contrário, lhes é estranho.
O fenômeno acima mencionado ajuda-nos a entender a tendência que se esboçou com o advento daquilo
que estou chamando de “pedagogia tecnicista”. Buscou-se planejar a educação de modo a dotá-la de uma
organização racional capaz de minimizar as interferências subjetivas que pudessem pôr em risco sua eficiência.
Para tanto, era mister operacionalizar os objetivos e, pelo menos em certos aspectos, mecanizar o processo. Daí
a proliferação de propostas pedagógicas tais como o enfoque sistêmico, o microensino, o telensino, a instrução
programada, as máquinas de ensinar etc. Daí também o parcelamento do trabalho pedagógico com a
especialização de funções, postulando-se a introdução no sistema de ensino de técnicos dos mais diferentes
matizes. Daí, enfim, a padronização do sistema de ensino a partir de esquemas de planejamento previamente
formulados aos quais devem se ajustar as diferentes modalidades de disciplinas e práticas pedagógicas.
Se na pedagogia tradicional a iniciativa cabia ao professor - que era, ao mesmo tempo, o sujeito do
processo, o elemento decisivo e decisório - e se na pedagogia nova a iniciativa desloca-se para o aluno - situando-
se o nervo da ação educativa na relação professor-aluno, portanto, relação interpessoal, intersubjetiva -, na
pedagogia tecnicista, o elemento principal passa a ser a organização racional dos meios, ocupando o professor e
o aluno posição secundária, relegados que são à condição de executores de um processo cuja concepção,
planejamento, coordenação e controle ficam a cargo de especialistas supostamente habilitados, neutros, objetivos,
imparciais. A organização do processo converte-se na garantia da eficiência, compensando e corrigindo as
deficiências do professor e maximizando os efeitos de sua intervenção.
Cumpre notar que, embora a pedagogia nova também dê grande importância aos meios, há, porém, uma
diferença fundamental: enquanto na pedagogia nova os meios são dispostos em função da relação professor-
aluno, estando, pois, a serviço dessa relação, na pedagogia tecnicista a situação inverte-se. Enquanto na pedagogia
nova são os professores e alunos que decidem se utilizam ou não determinados meios, bem como quando e como
o farão, na pedagogia tecnicista dir-se-ia que é o processo que define o que professores e alunos devem fazer e,
assim também, quando e como o farão.
Compreende-se, então, que para a pedagogia tecnicista a marginalidade não será identificada com a
ignorância nem será detectada a partir do sentimento de rejeição. Marginalizado será o incompetente (no sentido
técnico da palavra), isto é, o ineficiente e improdutivo. A educação estará contribuindo para superar o problema
da marginalidade na medida em que formar indivíduos eficientes, isto é, aptos a dar sua parcela de contribuição
para o aumento da produtividade da sociedade. Assim, estará ela cumprindo sua função de equalização social.
Nesse contexto teórico, a equalização social é identificada com o equilíbrio do sistema (no sentido do enfoque
sistêmico). A marginalidade, isto é, a ineficiência e improdutividade, constitui-se numa ameaça à estabilidade do
sistema. Como este comporta múltiplas funções, às quais correspondem determinadas ocupações, e como essas
diferentes funções são interdependentes, de tal modo que a ineficiência no desempenho de uma delas afeta as
demais e, em conseqüência, todo o sistema, cabe à educação proporcionar um eficiente treinamento para a
execução das múltiplas tarefas demandadas continuamente pelo sistema social. A educação será concebida, pois,
como um subsistema, cujo funcionamento eficaz é essencial ao equilíbrio do sistema social de que faz parte. Sua
base de sustentação teórica desloca-se para a psicologia behaviorista, a engenharia comportamental, a ergonomia,
informática, cibernética, que têm em comum a inspiração filosófica neopositivista e o método funcionalista. Do
ponto de vista pedagógico, conclui-se que, se para a pedagogia tradicional a questão central é aprender e para a
pedagogia nova, aprender a aprender, para a pedagogia tecnicista o que importa é aprender a fazer.
À teoria pedagógica acima exposta corresponde uma reorganização das escolas que passam por um
crescente processo de burocratização. Com efeito, acreditava-se que o processo se racionalizava na medida em
que se agisse planificadamente. Para tanto, era mister baixar instruções minuciosas sobre como proceder com
vistas a que os diferentes agentes cumprissem cada qual as tarefas específicas acometidas a cada um no amplo
espectro em que se fragmentou o ato pedagógico. O controle seria feito basicamente pelo preenchimento de
formulários. O magistério passou, então, a ser submetido a um pesado e sufocante ritual, com resultados
visivelmente negativos. Na verdade, a pedagogia tecnicista, ao ensaiar transpor para a escola a forma de
funcionamento do sistema fabril, perdeu de vista a especificidade da educação, ignorando que a articulação entre
escola e processo produtivo se dá de modo indireto e por meio de complexas mediações. Além do mais, na prática
educativa, a orientação tecnicista cruzou com as condições tradicionais predominantes nas escolas bem como
com a influência da pedagogia nova que exerceu poderoso atrativo sobre os educadores. Nessas condições, a
pedagogia tecnicista acabou por contribuir para aumentar o caos no campo educativo, gerando tal nível de
descontinuidade, de heterogeneidade e de fragmentação, que praticamente inviabiliza o trabalho pedagógico.
Com isso, o problema da marginalidade só tendeu a se agravar: o conteúdo do ensino tornou-se ainda mais
rarefeito e a relativa ampliação das vagas tornou-se irrelevante em face dos altos índices de evasão e repetência.
A situação descrita afetou particularmente a América Latina já que desviou das atividades-fim para as
atividades-meio parcela considerável dos recursos sabidamente escassos destinados à educação. Sabe-se, ainda,
que boa parte dos programas internacionais de implantação de tecnologias de ensino nesses países tinham por
detrás outros interesses como, por exemplo, a venda de artefatos tecnológicos obsoletos aos países
subdesenvolvidos (cf. Mattelart, 1976 e s.d.).

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