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INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA — Professor Nilton Ken Ota

CADERNO SEMESTRAL
Laís Chain Martins (190 - 11)

UNIDADE I — EMERGÊNCIA E FORMAÇÃO DO PENSAMENTO IDEOLÓGICO


14/08
Karl Polanyi — A grande transformação: as origens de nossa época
O moinho satânico: Habitação versus progresso; Sociedades e sistemas econômicos; Evolução
do padrão de mercado; O mercado autorregulável e as mercadorias fictícias: trabalho, terra e
dinheiro (página 51 a 98)

Assunto: crítica ao liberalismo econômico(Polanyi)

O autor vai fazer uma análise histórica de conjuntura. O que é a economia autorregulada pelo
mercado? Polanyi vai tentar desnaturalizar essa ideia, a concepção da autorregulação dos
mercados como um dado quase que natural(não é apenas uma discussão ideológica). Essa
discussão do Polanyi é importante para acentuarmos os traços desse momento histórico que
serviram como objeto, como um conjunto de problemas, que serão estudados pela sociologia. Ela
se dispõe contra esses traços. O pensamento da sociologia é historicamente situado.

Primeiro, Polanyi desnaturaliza o liberalismo econômico e, depois, destaca um componente


central de tal liberalismo e considera seus efeitos históricos(quais foram as consequências de
alguns desses mecanismos desse liberalismo econômico). Ele não procura reconstruir os
processos históricos que serão analisados; não vai fazer uma historiografia do liberalismo
econômico. Ele vai na história e constrói os problemas que ele procura desenvolver.

Portanto, vai fazer o diagnóstico da especificidade histórica do liberalismo econômico, que diz
respeito à autorregulação do mercado, da economia que funciona a partir da autorregulação dos
mercados.

Diagnóstico: liberalismo econômico está intimamente ligado com os princípios que giram em torno
dessa autorregulação do mercado. Para que ele coloque em perspectiva essa tese, ele recorre ao
Malinowski. Ele se dedica a analisar alguns fenômenos que Malinowski descobriu e, a partir de
então, procura desnaturalizar a ideia de que o homem, naturalmente, é um ser econômico.
Procura quebrar esses argumentos pressupostos do liberalismo econômico. No fim, ele mostra
que a economia está, sim, internamente dentro do ser humano, entretanto, ele não defende esse
tipo de economia que os liberais defendem, mas outro(qual? Acho que uma coisa mais primitiva).
É um contra-argumento aos pressupostos do liberalismo econômico. O homem econômico não
existia na época do Adam Smith, a não ser em suas próprias construções teóricas. Tal concepção
de foi uma realidade histórica apenas muito tempo depois.

A grande tese desse livro é que a história do liberalismo pode ser contada por dois movimentos:
1) Moinho satânico: diz respeito à expansão do padrão institucional da economia de mercado, à
expansão do processo de mercantilização de dimensões da vida social individual.
2) Movimento de autoproteção da sociedade.

Vamos trabalhar só com o moinho satânico, que diz respeito a especificidade histórica da
economia de mercado. O segundo movimento seria uma forma de autoproteção do primeiro
movimento, o moinho. Seria essa duplo movimento que explicaria a historia social do século XIX.

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Para ele, a economia de mercado(laissez-faire) é um movimento artificial, enquanto a
autoproteção da sociedade seria um espontâneo. Dessa forma, ele inverte o pensamento liberal.

Por que ele atribui a espontaneidade ao lado da sociedade? O que ele precisa pressupor para que
esse argumento tenha força teórica? Ele se apoia em alguns postulados ontológicos muito pouco
usados na sociologia clássica. Ele usa a expressão substância humana e natural, e é isso que
seria destruído por esse movimento de autonomização da esfera econômica.

Essa inversão do pensamento liberal só é possível de ser feita através dessa existência do
postulado humano, a existência da substância humana. O argumento da substância humana
serve para desarmar esse argumento do homem econômico: diz que algo(a substância?) está
sendo profundamente transformado pelo modelo liberal. Ele não entra numa discussão sobre o
que é tal discussão, ele apenas diz “não é isso”. Diz que em todas as sociedades existe uma
dimensão econômica, mas ele não diz qual dimensão é essa, ele não explica. Malinowski entra
em seu livro para entrar no argumento contra o argumento de que o homem é naturalmente
econômico. Economia, em primeiro momento, para ele, é minimalista.

Além disso, temos que entender o que ele chama de economia de mercado. Ela tem
desdobramentos que levaram essas ideias de autonomia e de autorregulação de mercado a um
nível quase que de observações naturais. A ideia de que a economia seria autorregulada pelo
mercado era uma ideologia tão enraizada na sociedade que era preciso construir um edifício
teórico e discursivo para enfrentar essa tradição.

Por que a economia de mercado ameaça a sociedade? O problema é que o trabalho, a terra e o
capital se tornam mercadorias e, consequentemente, a sociedade se torna mercadoria. Para ele,
essas 3 dimensões da vida social não são passíveis de se tornarem mercadorias. Nessa teoria de
mercado que ele procura desconstruir, o que ocorre é que elas se tornam justamente mercadorias,
mesmo não sendo passíveis de ser mercantilizadas.

Além disso, é importante perguntar: como Polanyi justifica o fato dessas três mercadorias serem
tão estruturantes para as relações sociais? Por que trabalho, terra e dinheiro? Temos essa
resposta com a seguinte frase: “trabalho é apenas um outro nome para atividade
humana”(postologia ontológica —> trabalho é o que faz o homem).
- O elemento trabalho, para ele, não é mercantilizável, visto que sem a referida atividade
humana, não existe homem. O trabalho é constitutivo da própria forma de vida do homem(ele
não qualifica o trabalho aqui, se é assalariado ou não).
- Já o elemento terra é outro nome para a natureza(que não é produzida para o homem); você
não mercantiliza a natureza, ela não é ontologicamente constituída para a venda.
- Dinheiro é apenas um símbolo do poder de compra, de troca; ele não nasce com significado,
ele adquire um significado nas nossas relações humanas.

Mercantilizar essas 3 dimensões, então, dá a prerrogativa do liberalismo, visto que a economia de


mercado só existe se esses 3 elementos forem mercantilizáveis, o que ocorreu a partir do século
XIX. O que tem de especifico do século XIX é essa grande invenção de autorregulação e,
consequentemente, a ideia de uma sociedade que é acessório dessa economia(economia se
destaca e autonomiza e passa a regir os outros campos sociais).

Atualidade do Polanyi hoje são esses processos de mercantilização de dimensões antes não
mercantilizáveis. Existem, também, as anti-mercadorias(SUS, por exemplo).

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A sociedade se subordina, nesse momento, à economia. Por que a economia tem esse caráter
totalizante extensivo, de moinho satânico? O que existe nela de estrutural para que ela faça isso?
Para que ela continue existindo, essas mercadorias têm que estar disponíveis. A economia, para
que continue se desenvolvendo, precisa que essa mercadoria tenha um fluxo constante, tem que
ter trabalho disponível, terra disponível, o dinheiro tem que ser mercadoria. Ou seja, mesmo que
não se utilize, tem que estar disponível.

Para tornar essas 3 dimensões disponíveis é preciso que a sociedade se adaptasse a se tornar
acessório do sistema. Entretanto, Polanyi não fala como isso aconteceu.
21/08
Jacques Donzelot — La invención de lo social: ensayo sobre la declinación de las pasiones
políticas
La cuestión social: El atolladero de la soberanía; La fractura del derecho; El vacío social (página
15 a 53)
La invención de la solidaridad: Émile Durkheim; León Duguit y Maurice Hauriou; León Bourgeois
(página 53 a 88)

O texto tem uma característica “ensaio". Ele não procura, tal como Polanyi, fazer uma construção
histórica; caracteriza seu texto como uma análise ensaística histórica e, como tal, é possível
apreender uma quantidade temporal muito vasta. Não vai entrar numa discussão metodológica/
epistemológica sobre o uso do ensaio histórico/sociológico(a forma ensaio permite isso).

Anuncia uma categoria intuitiva: social. Esta diz respeito ao conjunto da sociedade, a partir de um
ponto de vista específico, de que a situação da totalidade, o conjunto da sociedade, de que algo
vai mal, de que algo não está dando certo, e é preciso fazer alguma coisa. Ele diz que esse
fenômeno sempre existiu, e o que muda é que ele variou, durante a história, em relação à
preocupação, à significação, que ele portava. Perceber a desigualdade social e se importar com
essa é recente(Revolução Francesa).

É como se o Donzelot fizesse um recorte preciso em relação à discussão do Polanyi, em relação à


dimensão da autoproteção da sociedade. O que fez com ela se protegesse? Qual o processo
histórico que permitiu que isso ocorresse? O ponto de partida são os empasses, que são
estruturais, ao princípio fundante da comunidade política, que é princípio da soberania. Ele parte
das contradições que são imanentes ao princípio político liberal e vai localizar, em termos
histórico-políticos, qual é a configuração que fez com que nós nos sentíssemos implicados como
um conjunto da sociedade(concepção abstrata mas que pode ser sentida — categoria social).

O moinho satânico traz consequências devastadores para as relações sociais, as formas de


desenvolvimento etc, mas Donzelot não parte daí(o Polanyi sim?), mas sim dessas contradições
estruturais. Existe um consenso em relação aos problemas; e uma divergência em relação as
soluções. Donzelot parte daí. Não é apenas um processo material, mas sim um político também,
que pode trazer essas soluções(é o que ele defende, eu acho).

O outro lado na problematização do pensamento sociológico leva a outro ponto de partida: ao


invés da estrutura, parte da perspectiva dessa invenção histórica, política; parte do que essa
invenção não conseguiu dar conta. Quais foram os impasses estruturais imanentes que não foi
decorrente das virtudes revolucionárias do liberalismo? Ele localiza os impasses na emergência
da ideia da soberania popular. Esta é uma soberania que tem duas entradas que são ambíguas
entre si. Contradição: é uma soberania do indivíduo(soberania que precisava ser defendida), ao
mesmo tempo em que é soberania manifestada pela vontade geral, que se expressava como
estado. É uma ideia, então, de tudo ou nada: soberania de todos, do estado, ao mesmo tempo em
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que era uma soberania individual, contra o estado. Esse princípio de soberania que foi instituído
em 1789 entra em contradição consigo mesmo, na medida em que era um princípio de
legitimação política que não garantia o princípio de estabilidade social. Era extremamente eficaz
do ponto de vista da legitimação do poder, mas que não encontrava seu correspondente na
estabilidade social. O próprio princípio gerava instabilidade social; essa que é a contradição
imanente. Isso é importante para o direito porque foi por meio deste último que uma certa
estabilidade foi instalada(incapaz de instituir uma ordem social).

Questão social é aquilo que ameaça a sociedade, impõe uma fratura na sociedade, gera uma
percepção de que algo precisa ser feito para que a sociedade não se rompa. O direito do trabalho,
nesse sentido, é importante porque foi o primeiro momento em que a sociedade se descobre
como ameaçada e luta por seus direitos. Ele obrigada todos à pensar a função e as prerrogativas
do estado; todos os debates giravam em torno disso.

É um direito do trabalho, mas quem garante isso? Ao estado deve caber essa tarefa? Quais as
consequências dele assumir essas responsabilidades? O estado não dava garantia que os
princípios seriam respeitados, além disso, eles próprios usurpavam dos princípios que permeavam
esse assunto. O direito ao trabalho próprio fornecia os elementos de instabilidade. O direito do
trabalho colocava sobre a mesa a própria existência de algo, que depois vai virar objeto e
problematização política, a realidade em uma sociedade que era estratificada. Foi a grande
descoberta de uma realidade sociológica.

Com a descoberta da questão social é o próprio objeto da sociologia que é descoberto. É uma
realidade dissociada da força política. A realidade persiste e, portanto, o novo movimento não
deveria ser criado, mas poderia apenas ser modificado.

Matrizes políticas que Donzelot explica/desenvolve: são intuitivas? Em que medida essas
categorias, que serão retrabalhadas, também não invadem nossos pensamento critico, nossa
tradição, sem a devida contextualização; e como nossos trabalhos, nossa sociologia, não
reproduz um tipo de impasse que desrespeita nossa história?

Os conceitos da sociologia são determinados pelos contextos históricos presentes. É preciso


historicizar os conceitos sociais.

UNIDADE II — INTEGRAÇÃO SOCIAL, NORMAS E INSTITUIÇÕES


28/08
Émile Durkheim — Émile Durkheim: Sociologia
Objeto e método: Método para determinar a função da divisão do trabalho (página 63 a 72)
Divisão do trabalho e suicídio: Solidariedade mecânica; Solidariedade orgânica; Preponderância
progressiva da solidariedade orgânica; Divisão do trabalho anômica (página 73 a 102)

Durkheim tenta conceituar a categoria política da solidariedade(classe social); tenta responder os


dilemas da sociologia. A solidariedade é uma tradução cientifica de uma categoria política, e é
uma resposta inteiramente republicana. É uma alternativa aos extremos ideológicos que estavam
em choque naquele momento(liberalismo x socialismo). A sociologia durkheimiana seria uma
alternativa, então, aos impasses da república que essas duas ideologias não conseguiram
resolver. Não propõe nenhuma forma de ruptura política institucional.

A solidariedade seria uma forma de ficção eficaz, que se coloca como uma mediação entre outras
duas medições que não serão tão eficazes, que eram a ideia de luta de classes e a própria

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categoria do indivíduo(não apenas categorias políticas, mas são princípio de inteligibilidade
política). Ou seja, a solidariedade apresenta um terceiro princípio, ao lado propondo uma
mediação entre outros dois princípios. Ele não é liberal nem conservador. Se você o dizer, você
mata a alternativa da sociologia como impasse entre as duas ideologias. Durkheim faz crítica à
modernidade, com concepções pré-modernas(isso não é ser conservador). Portanto, temos a
solidariedade como categoria política e como conceito durkheimiana.

O que todo o debate coloca é que não basta apenas o princípio da legitimidade, baseado na
soberania popular. Sua proposta era sanar o ciclo de produção sistemática insistente de
instabilidade política. A solidariedade não é uma criação durkheimiana. Propõe a noção de
solidariedade orgânica(tipo novo), que apresenta a possibilidade de uma solidariedade
inteiramente moderna.

Qualifica como social o trabalho, e não a divisão deste. A primeira menção que faz ao Adam Smith
é quando diz que a divisão do trabalho não é um fenômeno exclusivamente econômico. A divisão
do trabalho é um processo anterior ao fenômeno analisado pela economia política. Ou seja, diz
respeito a uma outra temporalidade histórica, mais sedimentada. Para isso, é preciso que uma
nova forma de conhecimento científico seja fundamentado.

Durkheim lança mão de uma estratégia na qual que ele é inteiramente especulativo(constrói as
questões assim). O que isso tem a ver com a ciência? Por que faz isso? Porque não há,
primeiramente, muito como não ser e, nos termos desse livro, ser especulativo tem a ver com o
estabelecimento de uma relação adequada entre os elementos do problema, ou seja, estabelecer
uma coerência racional entre os fenômenos que ele propõe. Coloca como especulativo aquilo que
é racional, mas que se restringe ao processo do pensamento, buscando a coerência interna.
Basicamente, tem que ser especulativo porque tem que ser racional(?)

O problema(que a sociologia trata) tem a ver, também, a ter o conhecimento da experiência


sensível(que seria o bom-senso, atualmente). Significações que são partilhadas. Nesse senso
comum existe uma sociologia espontânea. A apresentação de forma especulativa tem a ver com o
reconhecimento de que existe essa instância intuitiva/sensível do conhecimento, que é em razão
desta que a sociologia tem que se diferenciar. Portanto, essa estratégia tem a ver com destacar/
sublinhar que trata-se de reconhecer a racionalidade da coerência que é estabelecida, e tem a ver
com o reconhecimento do seu oposto, que é essa dimensão mais intuitiva. Basicamente, coloca-
se o problema para romper com as raízes. Existe, assim, uma diferenciação entre a questão, o
método, o conceito e a teoria.

Voltando à questão de Smith, perguntamo-nos: pra que estudar a divisão do trabalho?


Compreender e organizar os formar é compreender as relações da sociedade e para isso é
necessário investigar o estatuto moral do trabalho. Durkheim procura investigar, também, quais
são as condições(histórico, culturais, metodologias que é preciso respeitar) pra que esse estatuto
seja possível. A divisão do trabalho corresponde a qual necessidade? Qual sua função? Dizer
função é se alinhar a um campo já sedimentado, que busca referencias nas ciências naturais,
especificamente na biologia. Ele importa essa noção que não é sociológica mas vai qualificar isso
em noções sociológicas. É uma noção transitiva e relacional, ou seja, ela convoca uma outra
dimensão que é necessária para que aquele fenômeno exista, se reproduza. Quando usa essa
noção, ele já está implicando que é uma relação que tende para uma noção sistêmica. Portanto
esse livro é um tentativa insistente de estabelecer relações e que permite que Durkheim apresente
as condições de uma análise que ultrapassa o fenômeno sociológico.

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Portanto, a sociologia já esta indicando qual é seu estatuto epistemológico. Estabelece uma
hipótese para tentar descobrir o que é a sociedade. Mas é apenas uma hipótese, não quer dizer
que é certa. O grande objeto da sociologia são os fenômenos da coesão social, e, portanto,
nomeado dessa forma, é a solidariedade. Para tanto, ele distingue dois tipos de
solidariedade(orgânica e mecânica). Embora a sociedade seja o objeto da sociologia, é a
impossível de ser observada diretamente. Então o que é propriamente o objeto das ciência
sociológica? São as representações sociais, e dentro disso, o direito. E é por isso Durkheim
coloca o direito como símbolo da sociologia.

Além disso, como principio de legitimação, o princípio da soberania era ok. Entretanto, ele não
estabiliza uma ordem social, mas apenas o desestabiliza. Quando ele elabora e posiciona a regra
jurídica, é uma forma de responder esse impasse. Faz isso dizendo que a regra é posterior ao
fenômeno que é regulamentado. Inverte, portanto, o postulado republicano. Diz que o direito é
retrospectivo, é consequência de uma ordem social ou de uma solidariedade. Nenhuma regra
jurídica, nenhuma forma de regulamentação é capaz de instituir a solidariedade. Se existe regra
ou sanção codificada, significa dizer que há solidariedade. A regra pertence de um tempo histórico
de longa sedimentação. Se ela é posterior, essa solidariedade precisou ser muito sedimentada.

Solidariedade mecânica: é a mais primitiva. Qualifica-a não como uma máquina, mas como corpos
imóveis. Se dá por semelhança.
Solidariedade orgânica: é a moderna. É nessa que tem a ver com biologia. Assim como um corpo,
um órgão(por isso que é orgânica), é extremamente especializada; porque a integração das partes
se dá entre a especialização das partes. É aquela própria das sociedades modernas/complexas e
da divisão do trabalho num estágio avançado(diz respeito a um processo de integração maior).

Cada pessoa, nessa individualidade, some, e é diluída nessa grande consciência coletiva. O
direito civil que seria o correspondente à solidariedade orgânica, visto que ele sanciona uma
realidade extremamente especializada; nesse direito, portanto, a sociedade não existe tal como
existe no direito penal.

Ademais, mais do que compreender qual são os conceitos dos tipos, é necessário compreender
como se dá a relação entre eles. Como poderia ser feita uma análise da nossa estabilidade?
Sociedades que tem o direito civil muito desenvolvido, estão falando de um processo de
pacificação, porque um direito pode ser o indicador sociológico de uma ordem mais estável e
portanto mais pacifica. Essa, no entanto, é apenas um dos tipos de resposta. No meio de um
processo revolucionário, a solidariedade é mecânica, visto que implica na formação de multidões,
de reuniões. A consciência coletiva ali é ativada, que tem uma matriz mais arcaizante(mais
apaixonada). Uma sociedade que tem essa solidariedade mecânica eclodindo no interior dela o
tempo inteiro significa que tem alguma coisa que faz com essa solidariedade seja aflorada. A
mecânica não é só para sociedades primitivas. Nenhuma sociedade existe só um tipo de
solidariedade, existe apenas a predominância de uma.

Entretanto, existem fenômenos em que a solidariedade mecânica aflora, por exemplo, o


linchamento. É um bom sinalizador de estabilidade política, visto que naquele momento uma
ordem social que foi afrontada esta sendo restituição imaginariamente. O aumento de
linchamentos, então, diz que, imaginariamente, pode ser lido como uma análise de estrutura, diz
que não funciona bem. Não é funcional, mas estrutural. A pergunta durkheimiana não é por que as
pessoas estão linchando, mas por que as pessoas estão topando faze-lo.
18/09
Émile Durkheim — Sociologia e filosofia

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Capítulo 2 e 4: Determinação do fato moral (página 57 a 94); Julgamentos de valor e julgamentos
de realidade (página 121 a 145)

A atualidade da sociologia durkheimiana não é uma atualidade restritamente autoral, é algo que
tem a ver com o contexto histórico específico, que tem a ver com a gravitação política específica.
Não é uma invenção de Durkheim, é uma assinatura de Durkheim sobre o contexto
contemporâneo.

Neste livro ele prepara as condições de o desenvolvimento de uma ciência antropológica


francesa. Anuncia a possibilidade de uma ciência específica sobre as representações sociais.

Nesse texto, fica exposto o fato de a moralidade de Durkheim ser algo ambíguo. Procura
responder o que é moral, qual a dimensão da moralidade e por que está é a própria objetividade
da sociologia. Era este o horizonte de fundação de uma ciência da sociedade: era preciso fundar
uma nova objetividade que não fosse uma ciência biológica ou exata. Vai restringir o campo dessa
objetividade propriamente sociológica para os fenômenos morais. Para Kant, a moral não é um
aparato sociológico que possibilita construir e observar essa objetividade, ele visualiza a moral
apenas como algo metafísico. Durkheim certamente faz referência ao Kant, mas não chega a
concordar com ele.

Por isso, a primeira preocupação de Durkheim é definir o que é o fato moral e o que este faz. O
fato moral deve ser desejado, não importa ser apenas imposto. Tem um caráter obrigatório mas
que precisa ser almejado. Essa dualidade(obrigatoriedade + desejabilidade) possui uma aparente
tensão, visto que é algo obrigatório e ao mesmo tempo desejado, um teorema dogmático. Essa
dualidade não é hierárquica e nem é oposição(são complementares, existe ume relação de
dependência mútua).

Colocando de cara que existe uma dualidade, procura responder a um problema liberal. Estuda a
dualidade que existe não apenas no caráter sagrado, no ato moral, mas aquela existente na
relação entre sujeito e sociedade. Soluciona um problema daqueles que se posicionam ao lado de
um individualismo que tentam garantir a liberdade do indivíduo em oposição a uma esfera estatal
e que, portanto, seria exterior, uma ameaça, ao indivíduo. Diz que entre sociedade e indivíduo não
há uma oposição mútua, mas o indivíduo é a consequência dessa ordem moral, ele é um ideal,
um valor moral. Inclusive, a resposta que Durkheim é é que não existe oposição excludente, mas
que o indivíduo pensado a partir do liberalismo só é possível pela ótima dessa dualidade moral. Ao
contrário do que a aparência faz acreditar, o sujeito moral é o sujeito coletivo. Com isso, ele não
exclui o sujeito particular, mas expõe que essa dualidade também está no indivíduo, que ela o
define. E é esse o problema que essa dualidade que caracteriza o fato moral procura responder.

De um ponto de vista mais racional, cita um reagente que obriga as regras morais a colocar em
destaque o seu caráter específico; ou seja, destaca o que tem de específico ou o que tem de
moral na sanção. O reagente é: observaremos o que se produz quando essas regras são
violadas, e veremos se não se produz nada que diferencia, neste particular, as regras morais das
regras técnicas. Quando uma regra é violada, produzem-se duas espécies de consequências para
o agente, dentre elas as que têm lugar mecanicamente, no ato mesmo da violação(vínculo
analítico) e aquele que há uma heterogeneidade entre o ato e sua consequência(é um vínculo
sintético). É esse segundo elemento de sanção que define o que é o fato moral. Chegamos, pois,
a uma noção mais profunda da sanção da ordem moral: é uma consequência do ato que resulta
da circunstância de que este não se acha de acordo com uma regra preestabelecida. Seria um
desacordo entre ato e regra.

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Com isso, ele rebate à argumentação da moral, por alguns outros cientistas, como utilitária(na
qual ela teria uma função a priori). Responde a esses dizendo que o fato moral tem de tudo, mas
que ele absolutamente não se orienta segundo sua utilidade.

Ademais, diz que são nos momentos de efervescência(de criação de norma, de invenção da
solidariedade) que cria-se a moral. Esses momentos são extremamente raros, e é por isso que
continuamos o representando continuamente; são representações fracas de um momento
efervescente. Mas justamente porque somos modernos, a distância entre os valores ideais ou a
ordem moral e a realidade é grande. Quando ele localiza os momentos em que a moral é criada,
nos quais a consciência individual some e tem-se somente a coletiva(solidariedade mecânica), diz
que a ordem moral é possível e existe mesmo numa sociedade moderna, cuja solidariedade é a
mecânica. Quando a distância entre o real e o ideal some, é algo como se deus descesse à terra.
É aqui que o sentimento religioso encontra seu lastro, é daqui que vem o caráter sagrado.

(ver melhor sobre o linchamento que ele mencionou aula passada)

A ideologia, para Belfare(?), estanca a distância entre as pessoas que fazem a mesma coisa que
eu e faz com que a passagem seja imaginariamente sentida, pensada. Numa sociedade moderna,
a experiência da solidão é pressuposto, de não ter um vínculo de solidão imediato. A solidão é a
figura, uma das figuras, à modernidade.

Qual o ponto de partida dos sociólogos? É o reconhecimento da anomia no tempo moderno(o


mundo antigo acabou e estamos num momento de indeterminação total). Entretanto, podemos
dizer que Durkheim, “criador” deste conceito, parte da anomia? Não! Seu ponto de partida é a
crise política, mas o ponto de partida teórico e político não é o da anomia. Seu argumento é que a
ordem moral já existe, mas cabe a nós produzirmos uma ciência para fortalecer os vínculos já
existentes. Ele reconhece uma crise, mas seu argumento é que uma ordem moral/social que é
tipicamente moderna já existe, cabe a nós apenas estuda-las, desenvolve-las, criar formas de
intervenção que fortaleçam esta ordem, porque a moral surge nos momentos de efervescência,
não tem como prever isto. A moral é uma ordem, no texto do Durkheim, uma ordem social. Ele
deseja a ordem moral e portanto ele deseja a obrigação. É por isso que é uma dualidade e não
uma oposição. É por isso que Foucault critica Durkheim: diz que o que Durkheim acha que é
sociedade é, na verdade, o poder. Mas, mesmo que ele indique Durkheim dessa forma, ele parte
do ponto de vista do Durkheim(anomia).
25/09
Michel Foucault — Vigiar e Punir
Quarta Parte: Prisão (página 205 a 269)

Durkheim trabalha a ideia de que conseguiríamos deslumbrar uma espécie de políticas de


sociedades. Uma certa ideia de políticas de intervenção social, de coesão da
solidariedade(social). Seria possível entender até uma espécie de programa implícito nessa ideia
durkheimiana, mesmo que ela não se torne claramente num programa de intervenção. A melhor
forma de fazer isso seria fazer uma ciência, que é justamente o que Durkheim procurava. Naquela
época, as ciências já tinham em sua criação um estatuto político, mesmo que na de Durkheim
esta concepção esteja mesclada.

Essa ideia de políticas e sociedades, o que Donzelot chamaria de “o social”, que fez a mediação
entre a economia política e os debates da 3a República. Um campo de intervenção social e,
dentre este, um campo situado entre a economia e política, que promove essas políticas(sociais)
na sociedade. Durkheim estaria nesse campo. Pode ser chamado de campo prático, da ideologia
de estado solidarismo; mas esse campo é muito mais vasto que a produção do solidarismo. O
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social se confunde com a sociedade. E é nesse capo que a matriz republicana se escorou; este
que deu as respostas para a república francesa; foi uma resposta prática, objetiva. Hoje o que
chamamos de social(política social, programa social), quando o fazemos, o qualificativo social tem
justamente essa valência. A ação estatal era sinônimo de uma condução desse tipo de política, e
é por isso que as pessoas confundem tanto os conceitos de social e de Estado social. O Estado
social teria se construído a partir desse campo social.

Para Donzelot, em seu último capítulo, 1968 foi o maior símbolo de proteção operária desde o
pós-Guerra. Portanto, é entendido como um processo de contestação que envolveu fração de
classes muito diferentes. Seu subtítulo, "O declínio das paixões políticas” nos leva a perguntar:
que paixões são essas que declinaram a partir do social? São as paixões dos extremos
ideológicos, as paixões ideológicas, que enfraqueceram/se desmobilizaram devido ao social.
Consequentemente, instabilizou-se a república. Portanto, o social pode ser visto como uma
grande pactuação do social, que vai dar no direito social, no que hoje chamamos de políticas
sociais. O ano de 1968 foi ao mesmo tempo o ápice, porque deu vazão política a uma certa forma
de conduta política/militante generalizada entre os trabalhadores, estudantes, que segundo suas
especificidades setoriais realizou os ideais(a própria ideia de proteção social porque ela implica
uma perda significativa de liberdade individual) nesse social; ao mesmo tempo que os criticou.

Durkheim diz que, ao contrário, isso seria o resultado do desenvolvimento da sociedade. Não
significa desconsiderar a existência desse indivíduo ao todo, mas também não significa dar vazão
à ideologia que coloca todo assento na sociedade. Diz que os termos do debate estão valorados
de forma diferente, essa tensão é fundadora da nossa própria vida social. Precisaríamos reforçar
os efeitos de coesão social, e não fundar uma nova forma de solidariedade, de criação de novos
vínculos sociais. A política é aquela que se dirige a essa nova dimensão de descoberta(os
fenômenos de solidariedade, morais, o fato moral) e tenta de forma quase profilática interferir,
reforçar, e não mudar qualitativamente a solidariedade. Isso se daria intervindo nas
representações da solidariedade.

O estado é um ente mais elevado de racionalidade que uma sociedade pode ter; esse é o ideal
durkheimiano, construído teoricamente. Essa noção de estado quase tecnocrático é uma noção
durkheimiana. Para ele, a ideia de servidor público, por exemplo, não é apenas uma
especialização do trabalho, mas uma força especializada do trabalho social no estado. Ele ganha
um caráter de universalidade, por conta dessa concepção de estado.

Foucault defende a ideia de poder como um poder microfísico, ou seja, ele é relacional, ele é
miúdo, e portanto ninguém pode detê-lo. é essa critica que ele faz ao Marx, já que Marx acredita
que o poder está concentrado no estado. Foucault diz que o poder não se concentra, justamente
porque ele é miúdo. Ao contrário de Durkheim, ele não procura fazer os conceitos, as porções
serem sistemáticas; ele faz o contrário.

Ele inicia o livro já dando um recado para algumas canônicas: a primeira coisa que faz é se
posicionar contrariamente a essa grande canônica, a esses grandes cânones, sendo um deles a
sociologia durkheimiana. Um recado que dá é para a sociologia durkheimiana, para o campo da
sociologia clássica francesa, dizendo que o objetivo do livro é realizar uma genealogia do atual
complexo cientifico judiciário onde o poder de punir se apoia. Ao contrário de Durkheim, ele diz
que analisar as variações do próprio direito, da instituição judiciária, isso não vai ao ponto, não
ajuda a entender a determinar os efeitos jurídicos. Diz que não adianta tomar o direito que torna
visível a solidariedade, porque esse símbolo visível, isto que Durkheim acha que é a superfície de
um processo, não apenas não reflete(a sociedade?), mas como ele é efeito de um outro processo
que não tem nada a ver com a sociedade. Segundo Foucault, o que Durkheim chama de
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sociedade é, na verdade, o poder, e ao contrário do que presumiu, ele não pode ser nomeado a
partir de grandes entidades, tais como a sociedade, o estado etc, justamente porque o poder é
microfísico, é relacionado(não pode ser substanciado).

Diz que essa tendência de suavização de punição, essa pacificação da sociedade, não tem a ver
com os processos de individualização(que é uma das teses de Durkheim); essas técnicas devem
ser compreendidas porque são produto de uma inversão social, elas fazem parte de um grande
processo de tecnologia. Inverte toda sociologia durkheimiana: requalifica o próprio campo de
objetos que foram "descobertos” pelo Durkheim. Não simplesmente refuta existencialmente, diz
que existem, mas que a interpretação é outra, porque o estatuto deles é outro(não é sociológico
tal como Durkheim tentou defender). Só a partir de uma genealogia é possível aprender a
dimensão da sociologia durkheimiana, que aparece como a própria dimensão da sociedade.

Foucault diz que estado, a concepção de estado que coordena as técnicas de controle social, não
existe. Estado seria o nome de um conjunto heterogêneo de técnicas, tecnologia etc. Estado é
para indicar qual a heterogeneidade para indicar essas formas de controle e devido ao fato de que
elas são reuníveis, que podem podem ser totalmente generalizadas, é que se pode fazer uma
genealogia. Um dos pontos explícitos em relação à Durkheim é que Durkheim localiza o
surgimento da prisão num argumento tipicamente sistemático. Nesse sentido, no texto sobre as
duas leis da evolução penal, ele localiza o surgimento da prisão e associa com um processo de
divisão de trabalho, na ideia de mudança de uma solidariedade de tipo mecânico para uma
solidariedade de tipo orgânico. É essa passagem que faz com que os antigos grupos elementares
percam sua coesão interna e se dissolvam, o que faz com que a infração ataque a sociedade(?).

É justamente por isso que é necessário privar a liberdade dos indivíduos que cometem a
transgressão. Durkheim faz uma associação funcional: a prisão surge por contra do processo de
especialização. É quase como se fosse uma consequência do avanço da divisão do trabalho. Uma
transgressão é sensivelmente mais fraca numa sociedade diversificada(do ponto de vista do
trabalho social) e justamente por isso é preciso privar o indivíduo de liberdade. Foucault discorda,
dizendo que a prisão é muito mais antiga do que as formas de regulação penal. A forma penal se
apoia em formas que são interiores à privação de liberdade. A sanção penal se apoia em formas
anteriores de controle.

A genealogia ganha caráter mais denso, metodológico: ele anuncia essa noção nietzschiana de
genealogia. Foucault pega ao pé da letra a ideia de conhecimento de Nietzche(concepção de
poder relacional). Diz que não existe saber que não seja poder, e não existe poder que não seja
saber. Essa concepção de poder que ganhou essa primeira imagem, diz que o poder não é uma
qualidade que está num agente ou na espada, não é objeto que está em disputa; ele é justamente
que se produz numa luta, por isso ela é relacional. Na concepção de Foucault, ele não tem uma
forma específica, ele é relação. Por isso que diz que onde há poder há resistência. Adota uma
referência metodológica diferente da historiografia para procurar explicar esse poder ao longo da
história; procura explicar tudo, inclusive a critica à origem, porque não é origem mas emergência
etc.

A sociologia(ou qualquer ciência) não teria uma origem, mas uma emergência inesperada, e é
justamente por causa dessa emergência que é necessário adotar a genealogia. A genealogia é
definida como uma espécie de conhecimento da história que leva em conta não os grandes
acontecimentos, o monumento, mas estuda o insignificante, o desprezível. Diz que se
compreende mais o que foi a sociedade liberal estudando as instituições prisionais do que os
grandes movimentos; lá é que entenderíamos as formas miúdas de controle, a invenção da

10
delinquência, as experiências, as técnicas, as tecnologias de individualização. Essa história
miúda, portanto, que é objeto da genealogia.

Por que estudar o esquecido? Porque nessas vidas infames, o ponto de contato com o poder é
muito mais próximo. É uma vida que é, de certa forma, um ponto de contato com essas
tecnologias. A experiência individual mais individualizante(a consistência do indivíduo), no Brasil, é
no detento. Sobre ele incide muito mais tecnologia de poder e controle do que sobre a gente. Na
sala de aula: o professor consegue nos ver, mas não conseguimos ver a nós mesmos. Nós somos
mais individualizados do que o professor(frequência individual, nota, participação etc). É isso que
seria a sociedade disciplinar. As técnicas de controle disciplinar não buscam a especificidade da
prisão, mas uma entrada estratégica para entender esse processo normativo generalizado para
entender a sociedade disciplinar. Essa técnica é anterior à forma penal da prisão, porque faz parte
desse complexo cientifico judiciário que inventou saberes específicos sobre isso. São essas
técnicas(e sua eficácia) que produzem as condições para a própria ideia moderna de homem.
Portanto, as ciências humanas só existem porque existem essas formas disciplinares. Existe uma
espécie de contaminação das formas de cultura que vão inventando as outras coisas; a história se
move dessa forma, em apoios múltiplos, não intencionais, que podem ter finalidade mas que
nunca acontecem tal como foram pensadas.

Habermas critica Foucault ao dizer que essa ideia de que tudo é poder envolve uma ideia de que
nada poder. Essa ideia generalizada recai num outro tipo de metafísica. Essa concepção, esse
modelo jurídico do poder, faz a gente não entender como funciona o poder. Daí, Habermas retoma
a ideia de que o poder é algo que pode ser apreendido, substanciado, que pode estar centralizado
nas mãos de uma determinada classe etc.

"História do presente”(que é um "método" de Foucault), para Foucault, implica num anacronismo.


Ou seja, ao pensar na nossa atualidade, nos nossos problemas de hoje, e ir para a história ou
fazer uma genealogia das questões do presente. Um argumento que é claro é que as prisões são
consensuais como forma de sanção. Politicamente, seria possível viver numa sociedade sem
prisão? É por isso que ele fala da obviedade da prisão, dizendo que a prisão é quase natural. A
prisão é uma questão da nossa atualidade e seria por isso que precisamos fazer a história dela;
isso, no entanto, é um anacronismo, sendo que jamais deveríamos levar o nosso ponto de vista
para fazer uma narrativa do passado. Mas Foucault diz que é isso, fazer exatamente esse
anacronismo. As duas razões porque a prisão é natural são:
1. Seria óbvia porque ela lida com o principal valor humano, que é a liberdade; é uma obviedade
porque ela é uma medida dessa liberdade, é uma medida tempo.
- É por isso que ele aproxima a forma prisão da forma salário, visto que os dois são uma
medida do tempo(quantas horas, qual a jornada de trabalho).
2. A segunda razão seria porque ela lida com a tecnologia de informação.

O delinquente já é objeto do saber, sobre ele já é extraído o saber. Ele é produto dessas técnicas
de individualização de disciplina. O que está em questão, aqui, não é o ato, mas a vida. No
detento, a questão vira em torno do ato, do seu comportamento, o que vai incidir sobre quanto
tempo você vai ficar na prisão. Delinquência tem a ver com a vida daquele sujeito que está ali,
mais do que isso, a delinquência seria essa realidade incorpórea que atravessa todos(juiz, o
carcereiro, qualquer um). E é por isso que Foucault diz que a delinquência funciona como um
observatório politico: é a partir desta que as outras ilegalidades seriam medidas. É quase como se
ela fosse uma legalidade da ilegalidade; ela tem uma característica diferente, extremada. Não é
simplesmente falar quem está dentro ou quem está fora, quem transgrediu ou não; a gestão
diferencial é que existe gradiente, só que para você operar o gradiente do legalismo, que precisam

11
também ser controlados, a figura da delinquência é central, porque ela é medida a partir da qual
os legalismo são diferencialmente geridos.

As relações sociais estão o tempo inteiro entrando em ondas de ilegalismo. Por isso que a
delinquência é um observatório político de toda a sociedade, porque é a partir da relação que
cada um desses ilegalismo estabelecem com a delinquência que faz-se uma administração/gestão
diferencial. Essa é a grande sacada do Foucault.
- Formas de vigilância atuais: facebook, a moda, uniforme, indústria cultural, programas de
realidade(BBB e tal, nos quais parafraseia-se o mundo do trabalho, o consentimento deste;
todas as técnica utilizadas são técnicas de organização/divisão do trabalho) etc. O que se
vende nestes últimos(programas de realidade) é o consentimento do sofrimento de si e do
outro, sofrimento do mundo do trabalho. A solidariedade se enraizou nos processos de trabalho,
a partir da divisão de trabalho, é isso que o BBB implode. Seria um laboratório do
consentimento da injustiça social.

UNIDADE III — RACIONALIZAÇÃO E DOMINAÇÃO


02/10
Max Weber — Marx Weber: Sociologia
Textos de Weber: Os três tipos puros de dominação legítima (página 128 a 141)

A matriz weberiana é uma das mais importantes na sociologia; é a mais familiar ao longo da nossa
graduação. O professor procurará expor os alicerces de sua teoria.

As principais contribuições de Weber são de qualificações sociológicas, mesmo que ele seja um
economista e jurista de formação. Não existe uma troca intelectual entre Weber e Durkheim, pelo
menos não explicitamente. Portanto, ele não é um contemporâneo do Marx, mas dá para dizer
que todo seu pensamento é prioritariamente voltada para constituir Marx como seu principal
adversário intelectual(mesmo que não diga isso o tempo inteiro). Fazendo isso, é esperado
conseguirmos traduzir as relações sociológicas, através de um “fio" de locução intelectual, de
oposições tensas, que ao final construirão a sociologia.

Ocidente, no texto weberiano, não incluía apenas a Europa ocidental, mas também a Persa. A
singularidade desta região é que somente no ocidente é observado um desenvolvimento universal
dos seus valores e significados. Essa ideia de universalidade, no entanto, é muito difícil de ser
trabalhada, mas é uma tese que Weber constantemente utiliza. A ideia central é associar a
universalização com a racionalização. A ideia de que o desenvolvimento só se desenvolveu no
ocidente tem a ver com a racionalização e tem a ver com um certo tipo de racionalidade.
(Obs.: sempre que algum autor falar sobre racionalização é uma noção weberiana.)

Essa racionalidade formal é uma espécie de parâmetro weberiano. Essa razão não é
procedimental, porque ela não se restringe a procedimentos. Ela, genericamente, é um tipo de
racionalidade que se mede/define pela melhor relação entre meios e fins. Não é definida pelo
conteúdo que está presente, ela é quase vazia. E é um tipo de parâmetro porque é uma forma
como Weber vai definir as outras racionalidade e a forma como ele vai medir o desenvolvimento
universal. Em nenhum momento se desenvolveu uma racionalidade formal tal como ela se
desenvolveu no Ocidente, e é isso que lhe dá o caráter de universal. Essa racionalidade formal
permite ele fazer um estudo comparativo.

O que faz com que esse postulado, no entanto, não se transforme numa apologia do Ocidente? O
que permite com que Weber faça uma comparação histórica a partir disso, e, a partir daí, consiga

12
extrair a singularidade do Ocidente? Weber sistematicamente recusa isso(?). Por isso que ele
constrói, posteriormente, os tipos ideais. A ideia de que a razão é definida como uma melhor
relação entre meios e fins, e não definida por seu conteúdo ou por um conjunto de valores ou por
um processo específico. Quais são os meios que eu devo adotar para atingir essa finalidade? Por
isso essa relação entre meios e fins, e é por isso que faz uma ação mais racional se essa relação
entre meios e fins for mais eficaz.
- Exemplo disso: a ciência moderna, que utiliza da natureza para conseguir objetiva-la.
- A tecnologia de uma metralhadora ou um arco e flecha é mais racional? Numa cultura indígena
seria o arco e flecha, tanto pelo fato de que este não faz barulho(daí não assusta o bicho) e
pelo fato de que você não precisa de mais de um animal(que seria o que metralhadora faria).
Esse é um exemplo para dissociar essa associação imediata que temos entre tecnologia e
racionalidade.

O que tem de singular no Ocidente, no "Ensaio de Sociologia da Música", é a notação musical,


que permite que aquela música seja reproduzida a partir da partitura e que ela seja escrita numa
linguagem que pode ser lida daqui 50 anos. O desdobramento disso é uma forma de reproduzir a
música, uma forma de criar classificações. É daí que surgem as diferentes escolas musicais. Essa
especificação a ponto da própria esfera musical ganhar uma autonomia é o que Weber chama de
processo de racionalização, que é um longo processo, que ainda hoje ocorre. E faz parte desse
processo de racionalização esse tipo de especificação e autonomização. Weber tem um
diagnóstico do que seria o tempo moderno, que leva em conta justamente essa autonomização a
partir desse processo de racionalização. Dessa forma, a música, por exemplo, se descola da
religião e passa a ter um desenvolvimento próprio e passa a ser regrada por critérios da própria
música, e não critérios religiosos. Isso acontece, também, com a esfera das relações eróticas, que
se descola da moral e passa a se autonomizar e, portanto, se racionalizar.

Estado, para Weber, é o portador do monopólio do uso legítimo da violência. Embora ele trabalha
sociologicamente com a noção de estado, este não usa propriamente uma noção sociológica. Ele
utiliza esse conceito não como um conceito, mas como uma definição, uma convenção. A
definição de Estado, para Weber, é operatória, ela é mais um instrumento dentre a teoria
weberiana. Um instrumento extremamente sintético que hoje, para a análise política, não pode
abrir mão. Esta definição está diretamente ligada ao texto(a ideia de dominação).

(ver quais são os 3 tipos ideais de dominação para Weber: dominação legal, dominação
tradicional e dominação afetiva)

Qual a noção que podemos obter desses 3 tipos ideais de Weber. Weber qualifica as relações
entre estes 3 tipos. A noção de dominação que transparece nessa tipologia é uma ação social, é
uma relação de força que precisa ser legitimada por aquele que é objeto desse controle. Para ele,
a dominação deve ser legítima; o subordinado deve reconhecer que ele é objeto desta. Portanto, a
legitimidade está do lado de quem sofre a dominação. É por isso que pagamos o imposto,
paramos quando o policial manda etc: porque somos dominados e reconhecemos tal dominação.
A Catalunha, nesse sentido, está pleiteando a dependência porque não reconhece/legitima essa
dominação do Estado espanhol. Utilizar somente este critério de legitimação da dominação, no
entanto, é restringir demais a teoria de Weber. Mas de qualquer forma, percebe-se que o poder da
dominação é reacional.
(Obs.: toda vez que aparecer a ideia de dominação, remete ao Weber.)

A diferença entre dominação e poder é justamente o que é o caráter mais importante para Weber,
que é esse processo histórico de racionalização. A ideia de racionalidade formal é definida
historicamente, juntamente com a ideia de Estado. É por isso que Weber, tal como Durkheim,
13
precisa produzir comparações históricas, porque através dessas ele vai trabalhar com essa ideia
de singularidade do Ocidente. Ele conceitua o estado de formas e morfologias diferentes, e é por
isso que ele precisa da história. Ele não fica apenas numa análise comparativa, mas essa
contextualização histórica permite que ele localize quais são os traços dessa singularidade do
Ocidente.

Weber é um grande crítico de todas as matrizes culturais que presumem que a história possui
uma finalidade(tal como Hegel), pois diz que todo processo histórico é construído por afinidades
eletivas, como algo que não é planejado, algo que possuia uma finalidade x, que estabelece uma
afinidade com um outro campo e, daí, sai algo diferente. Ele ataca isso, e por isso que em seu
texto não existe o capitalismo como processo histórico. Em sua concepção, não existe a economia
e a sociedade, assim como não existe o Estado. Weber faz uma espécie de uma injunção do
lucro, ao mesmo tempo que condena o lucro. Diz que é importante estudar todo o processo
histórico, e não doutrinas que se passam em apenas determinadas épocas.

Conduta acética de Weber(de sua religião): uma conduta sem nenhum luxo, na qual você
acumulava capital para você investir, para você trabalhar mais e ter mais lucro, e investir mais etc.
Não tinha nada de bloqueio moral, mas era uma incitação para que a conduta utilize desse capital
acumulado para investir mais capital.

Nos próximos textos: tentar localizar a noção de dominação, o que tem de singular do Ocidente no
direito e as relações entre os tipos ideais. Como ele constrói seu argumento se apoiando na
análise histórica.
09/10
Max Weber — Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva
Capítulo VII(Sociologia do Direito): Racionalização formal e racionalização material do direito.
Direito teocrático e direito profano (página 100 a 116); As qualidade formais do direito moderno
(página 142 a 153)

Os dois estratos disponibilizados fazem parte de um grande ensaio chamado Sociologia do direito,
de Weber. Os recursos metodológicos que Weber criou para instituir essa sociologia(também
chamada de sociologia compreensiva), todos eles, são extremamente coerentes com o que ele
postula como o campo dos fenômenos da sociologia. Então, existe uma diferença importante em
relação a outras correntes, outras tradições, visto que Weber nunca tentou garantir uma
objetividade específica para sua ciência, tal como Durkheim quis instituir. Weber, em nenhum
momento presumiu a existência de uma objetividade propriamente sociológica e, portanto,
propriamente especifica de uma ciência chamada sociologia.

Isso tem consequências profundas em relação ao que o programa weberiano propôs, visto que
em nenhum momento em Durkheim iremos detectar a ideia de fenômenos sociais como coisas, ou
seja, que ela por si só já carrega essa materialidade que diz respeito única e exclusivamente a
esse novo campo que está sendo descoberto. Esses fenômenos deveriam se tratados como
coisas, eles teriam uma externalidade em relação ao sociólogo que faz a pesquisa. Weber se
opõe a isso, ou seja, ele diz que os fenômenos socais não são codificáveis, ou seja, não só
porque a referência teórica e a tradição teórica são diferentes, mas porque existe toda uma
concepção que bloqueia esse tipo de presunção.

Então, Weber diz que os fenômenos sociais são fenômenos que são apreendidos mas a partir de
uma mediação fundamental que é construída pelo proprio pesquisador. Essa tipologia é a maior
invenção de Weber. Não existe processo histórico que existe por si mesmo, que é inelegível a
partir dessas características que são imanentes. Com isso, Weber prepara as condições com um
14
certo tipo de abordagem histórica mais contemporânea. Ele não defende uma autonomia do
processo narrativo desse processo histórico. Esse postulado não é apenas metodológico, mas é
mais profundo, é epistemológico. A história só é compreendida a partir de seus sentidos, a partir
dos sentidos que o agente social dá; a partir do sentido do processo histórico. Nesse texto, vê em
que medida e como essa estratégia metodológica aparece no texto, que é um texto de análise
histórica.

O tipo ideal da dominação legal é uma prerrogativa do ocidente. Quando acaba o livro, dá a
prerrogativa da generalização da dominação. A generalização seria uma espécie de condição de
atualização do universo teórico do Weber, mas isso não pode ser confundido como se essa
generalização já estivesse no próprio Weber. Generalidade é uma racionalidade que se espalha
para todas as sociedades e comunidades do mundo inteiro, independente de sua culturalidade
mais específica.

Não vai existir em seu texto passagens em que ele deixe clara a ideia de que racionalidade formal
seja uma espécie de tipo ideal e que, a partir deste, existe o parâmetro da própria sociologia de
Weber, a racionalidade dos outros tipos. Weber vai no próprio material, superfície dos fenômenos
históricos, medindo as diferenças entre os parâmetros dessas racionalidades, na qual se extrai os
principais traços dessa singularidade.

Weber divide seu livro em 3 tempos(esqueminha):


1. Apresenta alguns traços que qualificariam da racionalidade
2. Contrapõe isso com realidades históricas que não são modernas
3. Indica qual é o conjunto de traços que está vinculado a isso que eles está chamando de
singularidade do ocidente.

Existe uma tipologia da ação que permite compreender os fenômenos de dominação tomando
como escala o agente, a dimensão da ação. Tipologia são tipos ideais.
(Obs.: existe diferença entre tipo ideal e tipo empírico(não é o que Weber adota). A classificação
de tipos não é uma análise originária weberiana.)

Weber diz que não é possível objetivar os processos do processo histórico, a partir de uma
construção racional construída para a história, usando esses recursos tipológicos. Se misturadas
as duas concepções, perde-se os benefícios e a força da uma tipologia e da outra.

O homem cordial, em "Raizes do Brasil” de Sérgio Buarque de Holanda, é um tipo ideal. Seu
principal traço é o terror à distância, na sua sociabilidade cordilheira. Não tem a ver com ser gentil,
tem a ver com terror a distância.

Weber é extremamente coerente com os recursos metodológicos que ele apresenta e desenvolve.
Não tem uma cronologia, não tem uma narrativa linear do desenvolvimento do direito moderno.
Isso aparece no estilo de escrita dele, que aparece em todo momento como um ziguezague. Isso
dá uma característica que diz respeito a essa característica epistemológica do futuro(?). Na sua
sociologia, embora exista uma história sem cronologia, existem comparações. Ou seja, seu texto
não é cronológico no sentido de tentar mimetizar um suposto desenvolvimento linear da histórica,
mas é historio porque constrói/promove comparações históricas.

Por que ele faz isso? Como Nietzche, Weber critica radicalmente essa concepção de
desenvolvimento linear da história. ou seja, no Weber, ele atacou o tempo inteiro essa paradigma
da filosofia da histórica(Hegel, por exemplo), a qual defende que a história teria uma finalidade.
Existe a ideia, de última substância, que a finalidade carrega uma finalidade que lhe é própria.
15
Essa é uma outra forma de se aproximar desse recurso metodológico, ou seja, se ela não carrega
nela própria os sentidos objetivos de suas ações, a ação pode ter uma finalidade, mas os objetos,
as consequências subjetivas não correspondem à finalidade da sociologia, e elas podem se
associar, entrementes, a escritórios que são contrários a ela. Para Weber, isso seria o paradoxo
da ciência da sociologia(?).

Não é a finalidade que define as ações econômicas modernas. Para o Weber, isso não define, não
caracteriza. Diz que, para ser moderna, a ação econômica e suas consequências têm que ser
previsíveis, sistemáticas. Deve haver uma grande previsibilidade cada vez maior, e de forma
pacífica.

Por que o desenvolvimento da economia moderna é associado ao desenvolvimento do direito


moderno? Weber diz que o direito traz segurança jurídica em relação aos negócios. A
previsibilidade da ação econômica propriamente moderna passa a ser associada ao
desenvolvimento do direito moderno porque este fornece instrumentos que permitem a
previsibilidade e, portanto, a segurança jurídica. Ou seja, permitem a sistematicidade da
reprodução da relação.

Para ir a terceira parte de seu texto, ele não fecha a relação entre direito moderno e economia
moderna. O direito não se torna mais formal para garantir a segurança jurídica, isso é um
paradoxo. Se levarmos em conta que o diagnóstico apresenta uma modernidade como autonomia
das esferas, o direito tem uma legalidade que não é propor se é isso(?). Não faz o menor sentido
você dizer que a segurança jurídica foi construída para que propostas pudessem ser melhores.
Esferas tem autonomia, então, não teria razão porque o valor atravessar e determinar a esfera
jurídica. Isso não seria weberiano.

Uma das afinidades foi o problema. Diz que a segurança jurídica não é da esfera econômica; eles
são autônomos. E como existe essa dissociação entre a função estreita e essas vinculação? Ele
bloqueia a realização dos interesses econômicos. Em um momento, essa afinidade vai se
dissolver pelo próprio desenvolvimento do direito, ou do formalismo jurídico.

Ao mesmo tempo que aproxima o processo de racionalização na esfera do direito e na


econômica, em um outro momento isso separa e entra em conflito. Mas como? O que cada uma
dessas esferas porta com a legalidade própria que vai ter conflito. … . A política é uma esfera
autônoma, vai estabelecer associações mas que…

Extrai a ideia de ética da responsabilidade e da ação política. A primeira é a orientada para os


efeitos da sua ação, e não pelas finalidades. São os efeitos das ações que definem a ética. É
sobre os efeitos das consequências que os políticos devem ser quebrados, não só os políticos, se
julgado não pelas suas intenções mas pela ciência, por exemplo.

Aceitar que o processo de produção é cientifico é muito superior do que a produção cultural. Valor,
para o Weber, é sempre irracional. O que é curioso para ele é que o grande sociólogo que propor
um tipo ideal vai definir as esferas de valor a partir de uma medida que era irracional. Nenhuma
espera vai atingir completamente o processo de racionalização.

Tipo de conflito entre a esfera econômica e a religiosa:


Weber desenvolve esse conflito a partir da esfera da desigualdade, sendo que esta supera todas
as esferas. É dai que ele estabelece o conflito de economia, que também defende um princípio de
igualdade que é uma espécie de conflito de equivalência. Existem critérios de expansão da
equivalência para tudo; tudo tem uma medida. Ou seja, o princípio da igualdade avança em
16
segmentos da dimensão social inimagináveis no processo de racionalização. É a partir da ideia de
que a economia, mais que qualquer outra esfera, avançou no processo de racionalização que
permite tornar o mundo inteiro equivalente; tornar equivalente as coisas que se quer imagina, que
se quer exista. Ser equivalente significa ter dinheiro, visto que este permite medir mercadorias ou
bens que são qualitativamente diferentes, e estabelecer uma relação de troca. Equivalente
permite a troca ou comparação entre qualidades diferentes. O conflito é marcado onde existe o
ponto de contato.

Um exemplo mais contemporâneo é que a afinidade tem que ter a ideia/noção de estratégia. A
noção de estratégia é uma noção que vai ganhando formas da mais variadas, sendo que foi
pensada como uma espécie de administração das coisas. Ou seja, numa sociedade comunista
que vai implementar o comunismo, a sociedade burguesa não vai mais ter a necessidade de um
politico, visto que não vai mais ter luta de classes, política etc. Na sociedade socialista, que é uma
sociedade sem estado, é preciso tomar o poder para depois destruí-lo. A racionalidade moderna
para o Weber é uma racionalidade estratégica.

Ademais, Weber tem uma apreciação enorme por um líder carismático. Para ele, este tipo de
dominação é uma dominação pessoal, porque ela depende dos atributos carismáticos do político.
São as características da uma determinada pessoa, que legitime a dominação. O tipo ideal de um
líder carismático, pro Weber, são os profetas, aqueles que fundam as religiões, tais como Jesus
Maomé etc, são esses que levam milhões de pessoas a entregar diretamente suas vida, ou que
vinculam diretamente sua fé a uma figura, uma pessoa. A fascinação de Weber vem porque o líder
carismático é anti-racionalização, é quase que uma aparição que corta o processo de
racionalização. Também é imprevisível, e é por isso que esse líder carismático pode imprimir uma
nova direção do processo histórico político. Ou seja, ele corta o processo histórico, ele institui uma
nova direção para a dominação do direito. Ele não faz um julgamento de valor, mas coloca isso
em oposição ao processo de racionalização que vai definir seu século. Essa fascinação tem a ver
com algo que é do mundo moderno, mas que contraria o sentido do processo de racionalização. É
um tipo ideal que não estabelece uma hierarquia etc.

Numa dominação racional leal há uma sobreposição entre legalidade e legitimidade. O argumento
de que "é legitimo porque é legal" só funciona se a legitimidade for extraída pelo fato de que a
reprodução política se faz a partir da lei. O argumento de que é "legal portanto é legitimo" não
necessariamente vale. Transformações judiciais legislativas não necessariamente são legitimas, e
por isso que a sociologia weberiana de dominação vai muito além e uma analise da conjuntura. A
questão toda é: como se faz uma sociologia que uma sociedade cuja dominação é carismática. A
sociologia daquilo que rompe, que não é racional. Qual seria o direito dessa sociedade? Essas
são questões tipicamente weberianas.
16/10
Max Weber — A ética protestante e o "espírito” do capitalismo
Parte 1: O espírito do capitalismo (página 41 a 69)
Parte 2: Ascese e capitalismo (página 141 a 167)

(Obs.: ideal, para Weber, significa dizer que a sociologia não necessita de qualquer vinculação
real para ser validada. É ideal no sentido de estar no mundo das ideias, alguma coisa assim. Não
dá para falar que o tipo ideal é um estereótipo. É um recurso metodológico que ter a ver com uma
concepção histórica e com a possibilidade de se fazer sociologia histórica. Não é um instrumento
técnico solto pendurado no ar.)

A forma como Weber aplica e utiliza os recursos da tipologia são muito diferentes conforme os
textos. Um bom exercício é tentar identificar as passagens em que o Weber utiliza desse recurso
17
para as construções das questões e para a reconstrução de um processo histórico determinado.
Nessa estratégia de leitura, é bom lembrar o esquema passado na última aula(que é: identificação
do que seria a singularidade do ocidente, contraposição o primeiro ponto, e indexar os traços da
singularidade e responder ao grande problema desta), o que ajuda a ler Weber no primeiro
momento, mas que, depois, deve ser deixado de lado. Esse recurso de leitura não pode ser
confundido como um recurso que é construído pelo próprio Weber, visto que em nenhum
momento ele propõe uma elaboração desse tipo de esquema. Esse recurso weberiano de
triangulação, por excelência, atravessa os textos de analise histórica de Weber, sem se nomear
como tipologia.

O tipo de análise marxista, e Weber se contrapõe em duas passagens muito velhas mas muito
pontuais(nas quais ele se contrapõe a esse grande campo de análise marxista), no caso é o
materialismo histórico. Diz porque a análise não é conveniente para entender essa questão que
ele propôs na ética protestante, sendo que em outras passagens ele não nomeia claramente, mas
deixa implícita essa questão.

Essa discussão sobre a forma e o fundamento teórico que permite a análise histórica do Weber
transparece. Tem um determinado momento de sua análise em que o tipo ideal ganha relevância
histórica, se converte em realidade histórica. É como se ele cristalizasse todos os traços de um
tipo ideal. Isso permite ao Weber, pontualmente, selecionar qual é o discurso que permite
apresentar de forma quase tipológica as questões que ele propõe trabalhar no livro. É o tipo de
"Benjamim Franklin": ele é uma espécie de tipo ideal incorporado.

Dentro do arcabouço teórico do Weber, a figura de Franklin imediatamente lembra de um tipo


ideal, é como se o Franklin encarnasse os principais traços de um determinado tipo de conduta, e
é isso que o Weber chama de o espírito do capitalismo. A figura de Franklin é um exemplo sobre
como Weber mantém os pressupostos para a construção do tipo ideal, mas também é uma
espécie de pérola, é um momento raro na histórica(haver personagens cuja conduta, cuja ação é
tão reveladora que ela de certa forma se converte numa manifestação quase tipológica). Ele
consegue, na análise do processo real, introduzir os recursos weberianos por excelência. Ele vai
se beneficiar dos efeitos como a ética protestante se beneficiou, dizendo em poucas linhas qual é
o espírito. Esse personagem é uma existência histórica e, ao mesmo tempo, expressa uma
sensibilidade.

Por que Weber justifica a validade das pregações de um pastor? Weber explica porque utiliza da
fonte, rapidamente, dizendo que existia uma época em que as pessoas achavam que a salvação
era a coisa mais importante da vida, e nesse época esses discursos tinham uma importância
central. Essa é uma forma diferente da do Benjamim Franklin: na época deste, esse tipo de
pensamento já não existia mais, visto que tal tipo já estava em um mundo moderno. O problema
que o pregador coloca em seu discurso era uma questão vital, essencial para cada um dos
crentes. Weber trabalha o tempo inteiro com dois registros históricas diferentes; uma questão é
saber como ele conseguiu articular esses dois, sabendo que são duas temporalidades totalmente
diferentes(uma diz respeito ao mundo moderno, ao capitalismo; a outra, não é capitalista, é um
mundo protestante mais antigo). O texto inteiro do livro adota esse movimento.

O que faz esse livro ser tão importante não é o fato de Weber ter conectado a religião com o
capitalismo. Alguns dizem que o livro foi uma espécie de resposta a um livre anterior a este, que
fazia um estudo conectando religião com o capitalismo. Ou seja, essa relação como um problema
importante não foi inventada pelo Weber, mas fazia parte do debate do momento em que esse
livro foi concebido. Então, não é isso que faz a prerrogativa da ética protestante.

18
Dito isso, conseguimos estudar uma escala mais importante da sociologia weberiana, que é uma
análise do processo histórico, mas que toma a perspectiva do agente, da ação social, como
conflito ativo. Pro Weber, a ação social é a ação do indivíduo. Em nenhum momento Weber nega
a existência de processos estruturais(ele faz a analise destes afinal), mas defende que a
compreensão desses processos só é possível se o ponto de partida for a dimensão do agente, da
ação social. Por que da ação social? Dai, voltados de novo para o conjunto de postulados
epistemológicos. Pro Weber não existe uma estrutura social já dotada de sentido. É isso que
justifica ele partir tomar como ponto de partida essa dimensão da ação social, ou a dimensão do
agente. com isso, ele não reduz a história a essa escala, mas ele parte dela, porque pra ele só a
ação individual é carregada de sentido, visto que a priori o processo histórico não é dotado de
sentido.

Weber nunca qualifica o que é sentido e o que é compreensão, que são duas ideias fundamentais
para a sociologia weberiana. No entanto, a sociologia weberiana dá elementos(e é isso que é
genial) para tanto. O sentido não tem nada a ver com uma atribuição a uma qualidade
psicológica(sentido da vida, por exemplo), porque nesse significado o sentido é a priori, para
Weber, no entanto, não é, visto que para ele o sentido tem a ver com o motivo da ação, o que leva
alguém a agir daquela forma. Ou seja, o sentido tem mais a ver com a projeção que a ação terá, e
não tem nada a ver com a priori. Essa noção só faz sentido com a noção de ação social, e é para
isso que serve.

Weber toma a dimensão do agente não para compreender o agente, mas para compreender sua
ação(social), que é o objeto da sociologia. É uma opção de Weber que não é aleatória, mas é
essencial, porque o agente é a unica entidade que pode dotar algo de sentido. Ação social é a
ação que leva em consideração a reação dos outros. Essa concepção de ação social, no ponto de
partida, lida exclusivamente com uma escala sociológica, é um ponto de partida sociológico. É
dotado de sentido, e portanto, é o que me permite trabalhar com a ideia de racionalidade, e aí vai
na cadeia weberiana para suas principais noções.

A ideia de ação social e sentido permite que os grandes processos ou a história(?), que se ela não
tem um sentido a priori, não tem como ela acessar esse sentido, o processo histórico não tem um
sentido objetivo. É como se na sociologia o sentido tivesse uma ideia objetiva objetivamente
histórica. Cabe, portanto, ao sociólogo, construir os nexos, a coerência, a racionalidade desses
processos, e é por isso que ele não propor uma demonstração narrativa desse processo histórico,
mas ele propõe uma reconstrução no sentido estrito do Weber que é uma reconstrução sempre
parcial, para compreender a singularidade desse processo de racionalização no ocidente. E o que
permite que os nexos de coerência sejam estabelecidos é a noção fundamental de ?, além dos
tipos ideais(recurso metodológico).

Cadeia motivacional: a consequência de uma ação é premissa para outra ação. Mas isso não é
feito de forma sistêmica. É o ponto de partida que já carrega todos os pressupostos metodológicos
e todas as estratégias que ele inventou para fazer a análise do processo histórico. A análise é
importante para observarmos que esse ponto de partida atravessa a análise do processo histórico,
e daí o recurso do tipo ideal é fundamental. Essa analise não é cronológica, não é ascendente,
mas ela já indica a direção da própria estratégia que Weber estabeleceu para reconstruir o
processo de racionalização. portanto, é o sentido que permite fazer a conexão interna, racional, de
determinado processo histórico. Para Weber, uma cosia só faz sentido se você reconhecer os
limites que a própria ideia de tipo ideal estabelece. A cadeia motivacional não é um tipo ideal, mas
o tipo ideal serve para você compreender essa cadeira; compreende-se o tipo da ação.

19
E como isso aparece no Weber? Qual a diferença mais evidente entre a abordagem que o Weber
desenvolve para analisar o processo de racionalização na "Sociologia do direito" e a abordagem
que ele adota para analisar o processo de racionalização na ética protestante(esfera religiosa)?
Qual a estratégia? A diferença seria que a questão da ética protestante, sendo que nesse texto ele
vai direto para a conduta, ele vai em cima da dimensão mais evidente, da dimensão da conduta
do agente; enquanto no outro texto(A Ética Protestante) isso é mais residual. Ou, a questão sobre
a legitimidade na sociologia do direito é trabalhada não a partir da conduta, mas de uma análise
mais instrumental. Habermas diz que essas sociologias(mais instrumental e mais conduta) estão
interagindo o tempo inteiro. Seria uma análise da conduta que legitima ação legal, por exemplo;
enquanto que na ética protestante ele vai entrar em cheio na conduta.

Como isso é possível, qual foi o o processo histórico de racionalização que fez com que Weber
conseguisse trabalhar com isso? É uma diferença entre a sociologia mais voltada as questões da
legitimidade, da dominação legitima, e essa sociologia voltada mais para a conduta. Uma grande
novidade dos estudos weberianos ou daqueles que se inspiram nesta é justamente fazer essa
junção de forma mais evidente, de maneira que nem Weber conseguiu fazer. Quem tentou fazer
isso foi Habermas, por exemplo. A discussão sobre legitimação do estado liberal, por exemplo, vai
transitando e vai se articulando como uma discussão relacionada à conduta. Procura entender
qual é a conduta que possa ser conciliada com o desenvolvimento radical desse processo e
racionalização, que botou o estado liberal em crime; quais as condições para uma outra conduta
possa emergir, ser fundamentada racionalmente e que possa ser adequeada ao processo
moderna, visto que é um momento que a sociedade moderna atingiu.

Weber, portanto, vai para os neo-kantianos, mas isso tem a ver com esse grande programa de
pesquisa, do programa político, que dá uma fundamento racional para uma conduta, nos termos
weberianos, que sejam normativamente adequados ao processo de latinização(?) americano.
Essa é uma das características mais atuais do Weber. Na ética protestante também fica visível
uma outra prática de Weber, visto que o conflito entre as esferas sociais do valor desaparecem
nas ações dos agentes. É importante porque, mais do que a sociologia da dominação, a
sociologia da religião evidencia essa conflitualidade no âmbito da conduta, cada ação do agente.

A doutrina da predestinação é que apresenta a salvação como uma escolha de deus, e é essa que
é a aposta psicológica. A salvação não é todo mundo, sendo que no calvinismo o terceiro
elemento(?) são impossíveis de ser compreender. Isso para o calvinista era o terror, porque a
ideia traz uma desvinculação do mundo; ele é rejeitado, e nada no mundo dirá se eu serei salvo
ou não. Isso gera um terror porque tem a ver com uma doutrina religiosa que ao mesmo tempo
tenta propor uma interpretação sobre o mundo.

É que modificar o mundo através do trabalho, em nome de deuses, tem um efeito psicológico
sobre a conduta do agente, que faz com que ele se submeta. É pois isso que ele tem considerada
a ideia esse trabalho é o que mais se aproxima da ideia de eleição; é uma ação religiosa, visto
que você faz isso em nome de deus(não porque vai aumentar o lucro ou alguma coisa assim),
mas quanto mais você trabalhar de forma sistemática. E em nome de deus mais próximo de uma
concepção vocacional, mas por isso que a ação de Weber é extremamente racionalizada.
Portanto, temos uma afinidade da ação religiosa pelo trabalho e a própria esfera religiosa(o valor
religioso). São nesses termos que a afinidade entre a esfera religiosa e a econômica são
apresentadas dentro das esfera do calvinista. Com isso, não diz que a condição de possibilidade
do desenvolvimento do capitalismo tenha sido a ética protestante, visto que para isso deveria ter
uma ética mais moderna, um sistema mais orgânico etc. nada indicava que isso acontecesse.

20
Como isso se contrapõe ao argumento marxista? Como ele desmonta esse argumento? Weber
diz que foram nas regiões menos desenvolvidas que esse ethos se desenvolveu. Weber diz que
ethos não é causa do capitalismo, ele é traço distintivo da caracterização do capitalismo moderno,
e por isso que a dimensão da conduta é chave para entender um processo histórico cultural que
os marxistas vão tentar entender, completamente fora da ação da conduta. Esse é um dos pontos
de diálogo e de tensão com a referência marxista.
(Obs.: conduta, no Weber, tem que ser carregada de ethos)

O desenvolvimento moral tem a ver com desenvolvimento cognitivo, e quanto Weber usa dessa
teoria ele procura fazer um processo de racionalização, ao contrario de várias condutas ao longo
do curso, principalmente da eficácia. A esfera social de valor é um tipo ideal sem ser uma
tipologia. O que Weber chama disso, Bourdieu chama de um campo de relações objetivas.
23/10
Pierre Bourdieu — O poder simbólico
Capítulo VIII: A força do direito: elementos para uma sociologia do campo jurídico (página 209 a
254)

Nesse texto ele fica produzindo categorias, lançando-as no texto. Algumas delas são centrais, que
ao final se transformam em conceitos. Apenas com a leitura isolada desse texto, no entanto, fica
impossível saber o que é conceito ou categoria. Não é um texto para introduzir o leitor ao
pensamento do autor. Trabalhamos com ele, no entanto, porque ele propõe neste a sociologia do
campo jurídico, mas também porque neste conseguimos observar o desenvolvimento com
algumas teses centrais do Weber. É próximo ao curso e é importante ver como um autor
contemporâneo vê/estuda os pensamentos clássicos(de Weber, por exemplo). Neste texto,
Bourdieu explicita mais claramente seus pressupostos teóricos aplicados num campo específico, o
campo jurídico.

Essa é uma leitura mais dirigida. Ele tem uma interlocução não apenas com Weber, mas também
tem uma ligação forte com a sociologia francesa(durkheimiana, portanto) e com Marx. Não vamos
nos deter com as conversas marxistas, visto que é o próximo bloco, mas depois disso falaremos
alguma coisa.

Em relação à aula passada, vale a pena ressaltar um ponto, que é um ponto central na
argumentação da ética protestante. A centralidade que Weber dá a dimensão vocacional do
trabalho profissional(que é convertido em um dever) para entender o ethos do capitalismo que é
datado historicamente não significa dizer que ele tem uma origem religiosa. Entre a ética
protestante e a conduta cética do calvinismo existe descontinuidade. Não é apenas dizer que a
origem do ethos é religiosa, e Weber não faz isso. É o traço que distingue dentro daquela
argumentação orientada por essa construção que, em Weber, aparece como recurso tipológico,
embora ele não fale isso na ética protestante.

Um dos pontos centrais é uma noção muito flexível, então, a passagem entre a dimensão
vocacional de uma concepção religiosa que incide sobre um dado mundo(trabalho profissional)
converte esse trabalho num elemento vocacional, ético, sendo a passagem que ele faz isso é
flexível: quando ele atribui isso como uma espécie de impulso psicológico, a doutrina diz que não
há nada no mundo que possa dar certeza sobre sua salvação, a respeito disso essa valorização
ética religiosa de um trabalho mundano é o impulso psicológico que faz com que o trabalho seja
tomado como o engajamento da vida do protestante. É como se a conduta no mundo que faz com
que ele, do ponto de vista psicológico, amenize essa força avassaladora que é não saber se você
quer ser salvo ou não.

21
Se pensar no Weber, é uma noção flexível, que sequer é sociológica. Ele não atribui uma
causalidade a isso, ele diz que poderia ser diferente, que os protestantes poderiam não sofrer os
efeitos desse tipo de injunção psicológico, que isso poderia assumir outra direção, mas que foi
dessa forma que aconteceu. Injunção que é extraída de um texto doutrinário, essa passagem não
tem causalidade histórica, e é explicada em termos quase psicológicos. A doutrina da
predestinação bloqueia isso. A despeito disso, a conduta prática efetiva foi uma solução de
compromisso entre a doutrina religiosa, a construção racional e a sua efetividade prática. Esse
gap não é preenchido por Weber por meio de uma relação de causalidade. É importante marcar e
ressaltar isso. NÃO podemos fazer essa associação direta.

É esse ponto que pode partir do ponto de partida weberiano para a sociologia moderna. É bom
para estabelecer diferenças entre alguns sociólogos contemporâneos. O Habermas é um bom
exemplo disso: uma sociologia mais voltada para a compreensão do que Habermas chama de
racionalidade instrumental(racionalidade formal para Weber), uma sociologia do racionalismo que
deu o que Habermas chama de racional, concebida para uma adequação de meios e fins.

Habermas diz que, de um lado, estaria a sociologia de formação, virada para a compreensão
histórica da sociedade, e, de outro lado, aquela mais dirigida a esfera da conduta prática-
moral(Weber). Não são duas sociologias, mas fazem parte do mesmo corpo teórico, mas existe
entre elas uma distância não suficientemente articulada, ou seja, entre a dimensão da
dominação(instituições da dominação legítima) e a esfera prático-moral que legitima essa
dominação do ponto de vista do agente, não teria existido uma articulação entre essas duas
sociologias, segundo Habermas. É justamente isso que ele faz, em seus termos. Os problemas
que ele toma para fundar sua principal teoria, ela parte desse ponto, que é weberiano na origem,
no problema, e não na resolução. Ele tenta articular essas duas dimensões.

Então, ele propõe essa articulação, não se apoiando apenas no Weber, e com objetivo de propor
uma teoria normativa(ou seja, ele propõe algo que tem eficácia prática, no sentido politico). Ele
responde a esse diagnóstico pessimista e resignado de Weber de que entre as esferas não existe
nenhum eixo que atravesse e não consiga, em termos modernos, articular as diferentes esferas
de valor. Ele vai justamente seguir de perto o fio da análise do Weber no processo de
racionalização. Ele inverte Weber e diz que por ter avançado tanto e por continuar avançando é
que existe a possibilidade das esferas de valor serem articuladas em termos racionais. É por isso
que ele vai pra teoria do agir comunicativo.

Weber não diz que as esferas são separadas, no sentido que elas não se influenciam diretamente,
por isso a ideia de conflito entre as esferas. Weber pressupõe que ela são comunicantes entre si.
O que ele fala é que os critérios de julgamento são particulares a cada uma delas, e por isso que
são esferas de valor. Ele procura apresentar analisar e compreender essa conflitualidade entre
economia direito, economia e religião, política e ciência etc. Por isso que a construção é hipotética
e hipoteticamente teórica. Esse diagnóstico entre as esferas sociais de valor é uma construção
tipológica. Em termos teóricos, é possível você expo-las de modo separado, tipologicamente
distinto. Na realidade histórica, na realidade concreta, no entanto, isso não acontece.

O uso público da razão sociologicamente historicamente possível que é capaz de conciliar


interesses variados, ou a individualidade, não é em termos filosóficos que ele propõe isso. É por
isso que Habermas parte de Weber e segue o fio da argumentação weberiana sobre processo de
racionalização, que fornece concretamente as condições para que esse uso público da razão seja
possível. É um processo histórico, e não uma formulação filosófica. Ele inclui esse diagnóstico
weberiano e vai para a ciência. Ele vai no Piaget e nos neo-Piagetianos porque ele precisa
articular um desenvolvimento moral e cognitivo. Entre o moral, no plano do indivíduo, tem um
22
desenvolvimento, uma psicologia que detecta esse desenvolvimento como conjugado entre
cognição e moral. Se não, não teria como ter uma teoria normativa que propusesse uma
regulação da conduta e, ao mesmo tempo, fosse racional. Habermas não faz isso só com os neo
piagetianos.

Bourdieu, em relação a esse ponto de partida(a leitura de Habermas entre uma sociologia mais
vontade a dimensão da dominação e a da conduta), propõe uma sociologia do campo jurídico. Ao
fazer isso, ele coloca o campo jurídico como o espaço social onde se dá a competição, no qual os
agente compartilham de uma divisão de trabalho especializada e essa concorrência se dá em
termos de bens. Essas noções não definem apenas o campo jurídico, mas a própria noção de
campo, tal como Weber fez na esfera social de valor. O diagnóstico do que é a modernidade é
parecido, sendo que, para Weber, são as esferas de valor; enquanto para Bourdieu, são os
campos distintos que têm autonomia relativa. A diferença fundamental entre esfera social de valor
jurídico e do campo jurídico é a ideia de concorrência, de que esta se dá para o monopólio da
violência simbólica. É isso que os agentes jurídicos disputam, visando esse monopólio que os
agentes concorrem. Essa violência é simbólica, é representacional, não é o uso da força física.

Para Weber, no entanto, a força é física, sendo que em sua teoria a ideia de poder se confunde
com a ideia de violência. A violência simbólica é parte da argumentação de Bourdieu para
qualificar o campo jurídico. O estatuto da força do direito é uma força simbólica, ou seja, ela se dá
por meio das representações. Isso é mais próximo de Durkheim do que de Weber. Essa noção de
campo simbólico e hábitos são as duas noções centrais de Bourdieu. A recorrência dessa noção
não está aqui por acaso, porque ela é a estrutura da sociologia do autor.

Hábitos:
Pensamos hábitos como disposição incorporada, como uma disposição internalizada/subjetivada.
Qual a associação com Weber? É uma espécie de resposta a uma tentativa de solução conceitual
que tenta articular o plano da ação social do indivíduo, ou seja, a dimensão da conduta em termos
weberianos, com plano estrutural. Ao contrario do Weber, que faz isso de forma muito mais
construtivista(é uma formulação teórica), no caso de Bourdieu ele atribui isso a uma realidade
objetiva, ele tem uma realidade empírica sociológica, objetiva, que pode ser observada
empiricamente. Quando ele diz que há uma disposição incorporada, é uma disposição da
gravitação do campo incorporada.

Uma sociologia do hábito é aquela que trabalha sem a dimensão da conduta, mas a própria noção
de hábito já reflete a necessidade de que ele seja pensado a partir dessa gravitação do campo(ou
seja, ele encontra a competição entre os agentes, os bens simbólicos que estão envolvidos
naquele campo etc). Ele incorpora esse jogo, é como se no interior de cada um dos campos a
grande referência fosse o jogo. É só no campo jurídico que se dá os efeitos de universalização.
Os agentes de cada um dos campos são dotados, se orientam, por estilos de vida, que é um estilo
que a conduta assume, é uma orientação da conduta(tem a ver com o sentido desta — isso para
Weber?).

Como Bourdieu estuda essa noção de estilo de vida, como orientação da conduta? Bourdieu
coloca que, diferentemente do Weber, esse estilo de vida é objetivo, é engendrado pelo jogo ou
pela gravitação de um campo específico. Ele estudaria não a trajetória de escolhas individuais,
mas são trajetórias sociais dentro de um campo e, para analisa-las, a peça chave para entende-la
seria, no caso de um estudante, por exemplo, entender a formação da pessoa, onde estudou,
onde faz faculdade etc. Mas por que? Porque quando há concorrência ele quer dizer que o campo
é heterogêneo e, portanto, assertivo, entre os atores jurídicos. Entre eles existem relações
assimétricas(polo dominante e polo dominado) e isso tem uma especificação que varia inclusive
23
entre as várias áreas do direito. Ele coloca como um dos elementos o direito social, que é
acionado pelo dinheiro. Quando ele lança mão a ideia de concorrência, de bem simbólico, de
capital simbólico, no sentido econômico, ele está dizendo que luta simbólica é tudo uma espécie
de paráfrase.

As consequências desse tipo de formulação em relação ao exemplos dado(do aluno da SF) o que
se apreende dessa noção de campo é que a vida social é, nos termos de Bourdieu, que se ao
criarmos uma concepção de concorrência, não conseguimos entender as relações sociais. O
modelo da competição ou do jogo concorrencial do mercado seria esse, mas ele não trabalha isso
nos termos estritamente econômicos, mas em termos simbólicos. O campo jurídico tem como
específico efeito social a legitimidade, a eficácia do campo jurídico, que o torna um campo
diferente dos outros, sendo que a eficácia simbólica, nesse caso, pode se aplicar a reconhecer
esse ato de nomeação como legítimo e natural aquilo que é arbitrário. De um outro jeito, ai, ele
está dialogando com a tradição marxista, que é uma formulação da burguesia controlando
ideologia. O ponto onde se apoia a eficácia no direito são os efeitos de universalização, e o campo
jurídico é aquele dotado disso, cuja produção do registro da nominação tem essa especialidade. É
um campo que produz os efeitos de universalização, é dotado de produção de legitimidade
política. Só que ai, ao contrario do que algumas leituras poderiam presumir, ele reafirma a ideia de
que o direito não produz nada, do sentido de uma nova ordem social etc, mas ele consagra a
ordem estabelecida. É um campo de reforço, e não simplesmente de reflexo. Não tem inovação
no sentido de ruptura.

O direito parte de estruturas pré-existente(estruturas estruturadas), ele tenta reforçar essa ordem
estabelecida, e é por isso que ele diz que o campo do direito, as praticas jurídicas, com a força da
forma, faz a passagem da ortodoxia paradoxa(aquela que é reproduzida sem pensar). Isso é um
efeito de naturalização da dominação. Não é que o campo jurídico produz a dominação por si só,
mas ele tem de específico esse elemento de uma espécie de um campo cujo efeito principal é a
produção desse tipo de grande ocultação social em razão da dominação. O hábito é uma espécie
de reprodução da doxa em determinado campo. Ela é reproduzida normal e é normalizada dentro
dos campos, e por isso dizem que seus efeitos são de normalização. Para fechar, a partir disso
tudo ele fala em racionalização, que é diferente da do Weber. A diferença é que Bourdieu
comenta mais no sentido freudiano, por isso que ele não fala no processo de racionalização, mas
no trabalho de racionalização, que se forma numa espécie de técnica jurídica, que é carregada de
uma eficácia simbólica específica ao campo do direito.

Uma questão interessante é trabalhar como essa racionalização que reaparece em outros
campos. É uma forma de ver o diálogo com a sociologia weberiana que se altera conforme o
campo realizado. A racionalização da estética, vanguardas, também existe uma racionalização,
mas não é esta que vemos atualmente. É necessário um diálogo com Weber e um diálogo que se
altera conforme o campo. Portanto, não existe uma leitura certa sobre o processo de
racionalização geral de Weber.

Não dá para isolar e formular uma questão de forma isolada, mas sim deve-se convocar tudo
junto. A própria formulação seria que influir uma especificação do que você esta chamando de
direito. Bourdieu é o grande sociólogo da reprodução social, influenciado diretamente pela escola
francesa(voltada para a forma como a sociedade se produz) e ele dá mostras disso, do campo
jurídico como uma espécie de campo que explicita essa orientação com essa dimensional
revolução. Todos os outros também fazem isso, mas esse está muito direto. A prerrogativa do
campo jurídico: presunção não é de valor, mas é presunção objetiva. Pra fechar, vamos ver uma
matriz que tem um horizonte para além de si mesma, e isso tem consequências(não é

24
simplesmente uma diferença de cunho teórico, mas tem consequências políticas também).
Analisar a partir de um ponto de fuga que é sua ponta do trabalho, muita diferença.

Só para fechar, a sociologia, no caso de Bourdieu mas também no caso de Durkheim, elas têm
uma relação extremamente conflituosa, tensa, com a ideia de estratégia. Ela é um pensamento
politico ocidental, é quase como se fosse um marco de poder. As condições sociológicas são uma
razão tensa com esse ponto.

Obs. 1: A sociologia marxista necessita elementos de pensamento anti-estratégicos e elementos


que tentem estudar historicamente a estratégia.
Obs. 2: Weber incorpora o elemento estratégico, sendo que cada vez mais essa dimensão se
reelabora a ponto de sumir. Ela se desarmou de instrumentos que permitissem reconhecer os
fenômenos de estratégia política.

UNIDADE IV — IDEOLOGIA, EXPLORAÇÃO e LUTA DE CLASSES


30/10
Karl Marx e Friedrich Engels — Manifesto do partido comunista
O curso histórico das civilizações: Burgueses e proletários (página 365 a 375)

Marx não é contemporâneo nem do Weber nem do Durkheim. É um autor, por excelência, das
ciências humanas, do século XIX. Ele caracterizou maior parte dos debates políticos do século
XIX/XX. Toda sua produção teórica sempre foi polêmica, voltada para se inscrever no debate
político de sua época. E por razões históricas, sua obra continua tendo uma atualidade que ainda
é extremamente polêmica, inclusive entre os marxistas. O livro de hoje é uma espécie de
documento histórico, o que traz umas dificuldades adicionais, que não é apenas trabalhar o texto
de forma teórica, mas também uma dificuldade porque o Manifesto não é documento teórico, mas
um documento político com presunções políticas, ainda mais porque ele ganhou camadas
segmentadas de interpretações e releituras. Por que atribuir a essa texto, no entanto, uma
atualidade? Ele está aqui não só porque é um elemento histórico da formação sociológica, mas
porque ele tem uma camada de leituras que se acumularam(de defesa e de ataque) em mais de
um século e meio.

Ele escreve esse texto no mesmo contexto que Donzelot, num ciclo de reação popular que varreu
a Europa. Ele já no início se posiciona politicamente, mas isso não quer dizer que seu
posicionamento não tem uma base teórica(e tem). Esse texto, tal como Marx propriamente diz, é a
melhor introdução ao pensamento, ao seu trabalho ao longo da vida. As principais teses que ele
tentou fundamentar ao longo de sua vida constam no Manifesto, numa linguagem que não é
teórica. Ele carrega esse conteúdo histórico denso que depois será radicalizado.

Filme “Eles não usam blacktie”: sindicalismo = invenção de um novo sujeito político; emergência
de um trabalhador sindicalizado que pleiteia seus direitos. Proletarização: expansão da noção
capitalista que vai dar condições que você ao mesmo tempo expanda essa expansão, mas
também expanda essas condições para que a forma de produção capitalista seja superada. Diz
como existe diferença entre as classes até mesmo no momento em que as pessoas riem de
certas partes do filme. Quem aplaudiu? Qual foi o estímulo do aplauso? Tudo isso tem a influência
de classe. Cada um se manifesta segundo os termos de sua própria classe. É uma espécie de
conflito entre dramatizações: uma fora da tela e outra na tela. A dramatização também está
exterior ao filme.

25
Intuitivamente imaginamos a classe associada intimamente à renda. Se fosse apenas isso, no
entanto, não precisaríamos do Marx. O que é a classe social, então? No momento em que ele
tenta juntar a classe social(político) e o capital(análise do capital), no entanto, ele morre. A maior
parte acha que o Manifesto seria uma espécie de introdução à essa junção e um diagnóstico do
desenvolvimento do capitalismo. Ele tenta fazer esse diagnóstico num discurso político. O projeto
de unificar na mesma análise os dois tipos de diagnóstico fracassou, não porque Marx era
incompetente, mas porque não é possível fazer um programa(de pesquisa e política) e presumir o
sucesso desse projeto se isso de fato não aconteceu historicamente. E conhecer essas falhas é
ser materialista.

Para melhor entender Marx, é necessário reconhecer que o próprio Marx reconhece a separação
entre a formação histórica da sociedade burguesa e a análise do funcionamento da lógica, que é
uma lógica sistema do capital. Ele conheceu uma disjunção entre essas duas lógicas. O
programa/presunção objetiva que unificaria essas duas dimensões é o que tem de atual, na
verdade. Esse é o problema, a atualidade que recebe o pensamento de Marx. É justamente o
autor, com a ajuda de Engels, que melhor conseguiu diagnosticar essa disjunção, o que até
mesmo seus adversários reconhecem. A atualidade de Marx, paradoxalmente, está no seu
fracasso do maior programa que marxista já desenhado.

É preciso ler o Manifesto especificamente de forma critica no sentido forte, não para ser contra,
mas para que a gente consiga estabelecer os laços que tecem uma rede de problemas a partir do
que Marx e Engels propuseram, e não a partir de um ponto exterior, projetando no texto
imaginando aqui que o texto diga ou não diga. O Manifesto tem um estatuto ambíguo, visto que é
politico, mas também é carregado de uma fundamentação teórica, embora o discurso não seja
teórico. Isso faz com que a gente seja obrigado a ter uma dupla localização desse documento em
específico, uma localização no conjunto da obra. A primeira localização seria justamente para
pensar esse estatuto estratégico que os autores atribuíram ao texto, não só porque ele carrega
uma finalidade política, mas qual função estratégica o Manifesto carrega no pensamento político e
no interior do desenvolvimento da teoria. Essa última, no interior da teoria, diz respeito a o que
eles entendem como materialismo histórico.

Esse estatuto ambíguo entre a política e a teoria também é ambíguo porque os autores
defenderem que o Manifesto carregava um outro tipo de estatuto, que é o de documento histórico.
Eles propositalmente redigiram o texto pensando que este Manifesto fosse lido como uma espécie
de documento histórico, porque fazendo isso ele seriam coerentes com a concepção materialista
histórica que eles queriam dar à ciência revolucionária que eles estavam propondo. Isso significa
que o Manifesto expressava esse objetivo, e suas consequências de compreender um texto
político com presunção de documento histórico é que eles não se arrogavam mais em retificá-lo.

Se é histórico ele é, portanto, intocável, porque ele faz parte do próprio objeto que é analisado.
Esse documento não só apresenta dados históricos, mas ele próprio é parte disso. Marx e Engels
se propõe não a representar o processo histórico, mas é de certa maneira uma apresentação do
processo histórico. Essa é a construção sui generis do Manifesto. Isso é muito diferente porque
ele tem esse estatuto ambíguo e essa presunção de ser um documento da história. Portanto, é
como se o Manifesto fosse uma espécie de janela que abrimos e vemos o que esta acontecendo
na rua. Uma janela que faz parte do que está acontecendo na rua, e não um quadro que
representa o que acontece.

A única classe revolucionária genuína que vai botar um fim à história é o proletariado. A história se
encerra, o grande ciclo histórico se encerra com a superação da sociedade burguesa. Então, é
extremamente iluminista, tem uma função tática de engajar esse sujeito e, ao mesmo tempo, faz
26
parte dessa tática não colocar o problema da ideologia. Não colocam o problema da ideologia,
mas ao mesmo tempo não este não é um processo mecânico. O Manifesto é para engajar o
sujeito. A imparcialidade e a neutralidade são traços ideológicos de uma concepção do que seria a
objetividade histórica. A partir do pensamento marxista, esse tipo de questionamento não participa
desse campo, porque para garantir a objetividade de um fenômeno histórico e, portanto, a
possibilidade de analisá-lo, a condição necessária para isso não é a imparcialidade do
investigador, ou neutralidade ideológica de quem está observando. Então o que garante? Vamos
responder ao longo das próximas semanas. Aqui já tem um primeiro sinal: embora seja um texto
com um estatuto tão diferente, esse texto justamente por essa qualidade emite um sinal da
concepção do materialismo histórico.

O momento da exposição e maneira como se faz afeta o conteúdo daquilo que está sendo
estudado. Uma teoria materialista histórica de cara tem que colocar esse problema; a exposição
tem que ser logicamente coerente com o conteúdo ou com o objeto; tem que ser retirada do
próprio objeto. É como se o documento fosse retirado do processo analisado. Uma forma de
compreender essa tática do texto que está carregado de pressuposto históricos epistemológicos e
políticos é levando a sério o Manifesto como documento ou essa pretensão dos autores em
construir um texto como se fosse um documento histórico. O Manifesto é uma sequência, não tem
argumentação no sentido mais usual, mas é uma consequência de grandes teses que tem um
laço teórico, embora eles não coloquem isso no texto(tese 1: a história da sociedade é a história
da luta de classes) e, para Marx, essa seria a maior introdução ao pensamento. O problema que
está sendo colocado faz parte do objeto e incorpora-se essa lógica no momento da exposição.

O Manifesto é, em ultima instância, um texto doutrinário, uma referência a partir da qual uma
conduta ou uma interpretação é extraída. Mas essa não é uma leitura marxista do texto de Marx.
Dentro da leitura imanente, a gente aceita os termos(devem ser respeitados) e nesse sentido não
tem nenhuma ideia de ethos aqui. Faria sentido utilizarmos as categorias weberianas para avaliar
o texto do Marx? Não! Por que a partir disso vai sair uma coisa absolutamente diferente tanto
sobre Weber quanto Marx. O primeiro tempo da crítica é a crítica imanente, precisa-se entender a
lógica racional que está no texto.

A primeira tese da sessão 1(na qual concentra a maioria das teses) do Manifesto é que a história
que foi vivida, experimentada e desenvolvida é a história da luta de classes, é o principio marxista
que ele vai manter até o final da vida, é o princípio do que podemos chamar de desenvolvimento
histórico, da transformação histórica. É um princípio de como a história se faz, como o processo
histórico se desenvolve e como esse desenvolvimento é um que envolve ao mesmo tempo
produção e reprodução. Não é um desenvolvimento que apresenta novidade, mas não é como se
a classe revolucionária burguesa produzisse só coisas novas, porque para que algo novo seja
produzido ele tem que se apoiar nas ruínas do que se passou. Esse desenvolvimento é a principal
tese do Manifesto. Agora, para defender essa tese não é simplesmente organizando
encadeamentos com todos os recursos complexos que irá conseguir demonstrar essa tese. Marx
dedica sua obra toda a tentar fazer isso. Marx desenvolveu sua argumentação para criticar o
sistema contemporâneo.

No Manifesto, embora tenha aplicações de recursos como este, a classe operária não tem carga.
Onde está a experiência, no sentido de "carga" da classe operária? Ela é pensada, aqui, de forma
filosófica. A boa parte dos autores marxistas procura representar a luta de classes, entretanto,
como representá-la? Como essa transformação ocorre? Como a luta de classes se dá? Tem-se
uma ideia de que a classe só se faz na luta, ou seja, é a luta de classe que constitui a classe
social; não consegue-se pensar a classe social isolada ao conflito. Ela se constitui a partir do

27
antagonismo com outras classes, ou seja, não existe nenhum atributo que por si mesmo defina
classe. Ou seja, a classe não é definida nem pela renda ou pelo consumo, mas pela???

O Manifesto é uma espécie de começo do fim histórico. A luta de classe como princípio do
desenvolvimento histórico, no momento em que escreveram o livro, não era uma situação
descontextualizada, mas era o que ocorria no momento. Esse clico de seguição popular era um
ciclo revolucionário, que reivindicava para a superação de algo. A luta de classe atual não se dá
nos moldes que eles descreviam, visto que naquele momento a classe social estava na grande
indústria. As classes estavam ali e elas não são fáceis de identificar. A dificuldade toda é que foi
ele que colocou uma primeira pressão/versão de uma figuração de uma luta de classes. A
atualidade se realiza em trabalhos em pensar qual é a atualidade da luta de classe, como a classe
social ganha existência hoje, naquele momento determinado. Isso não é trivial; esse é o grande
tema atual. Justamente aqueles que criticaram validade das teorias marxistas se fazem da ideia
de classe. A importância do Manifesto é atualidade dele na atualidade da luta de classe, que é
pensar como essa luta de classe se manifesta hoje.
06/11
Karl Marx e Friedrich Engels — Manifesto do partido comunista
A consciência revolucionária da história: A história dos homens(a ideologia alemã) (página 182 a
214)

Esse trecho foi retirado de um outro livro, chamado "A Ideologia alemã". Este livro não foi
publicado, sendo que não podemos perder de vista que é uma obra póstuma que teve uma
repercussão imensa quando foi publicada. Foi uma publicação que não foi revisada/publicada/
debatida publicamente pelos próprios autores, mas foi uma espécie de “copião" de quase 1000
páginas, que eles não desejavam publicar. Marx diz que é um livro que devemos deixar à crítica
dos fatos, que serviu para afiar as facas, é uma espécie de estudo preparatório para o que viria
depois; foi pensado para abrir uma polêmica para um grupo específico de intelectuais, como
estratégia de colocar as teses do que chamam de materialismo da história.

Dito isso, "A Ideologia alemã” e o Manifesto são contemporâneos. Algumas teses do Manifesto
estão na Ideologia alemã, com pequenas alterações, mas com o mesmo sentido. Então, o
trabalho de redação da Ideologia também preparou as teses que constam no Manifesto, fazem
parte do mesmo processo de formulação. A Ideologia é o primeiro passo mais sistemático em
direção à crítica à economia política que o Marx faz na segunda parte de seu trabalho de
maturidade. Portanto, tem uma relação com o que ele produziu depois, mas também existe uma
diferença entre as produções.
(Obs.: alguns falam que existe uma cissão entre o Marx jovem e o Marx adulto. Seria uma forma
de corte epistemológico.)

O título da Ideologia é a ideologia desse grupo de esquerda idealista e o livro é justamente contra
este grupo, contra esta perspectiva, que Marx e Engels vão dedicar esse trabalho crítico. É uma
coisa curiosa que faz parte do pensamento de esquerda, no seu próprio campo ideológico; faz
parte de uma tradição do pensamento de esquerda que remete ao século XIX. Esse debate que é
endógeno a um campo político, ou seja, no interior num mesmo campo de partilha das convicções
mais profundas é que se elegem seus adversários. Isso envolve também a crítica de que a
esquerda estaria muito centrada no paradigma bélico. Por exemplo, no final da Internacional, a
imagem da batalha final é uma imagem bélica.

A especificidade da forma do Manifesto não é uma elaboração formal, mas é uma construção que
se preocupa ou defende, de forma categórica, a importância de que a forma de exposição do
objeto do processo histórico não entre em contradição com o próprio objeto, de tal forma que a
28
forma exponha e não reapresente o próprio movimento. Isso tem a ver com o discurso político,
mas também tem a ver com uma discussão de fundo mais teórico. O Manifesto é um momento de
invenção da forma Manifesto, porque existe a presunção de que o Manifesto manifesta a história,
ele expõe a história e faz parte da objetividade que está sendo exposta. Não é simplesmente uma
forma que abarca o conteúdo. É como se fosse uma tese subjacente ao texto do Manifesto, uma
tese que sobretudo é um pressuposto de Marx que a forma de exposição tem que apresentar ou
se identificar logicamente com as questões que estão colocadas e se estas são de ordem material
essas são historicamente objetivas, então ela apresenta, expõe essa objetividade histórica. Um
dos desdobramentos dessa estratégia é que a argumentação que esta ali está voltada pra engajar
os trabalhadores mas ela pensa isso nos termos de uma espécie de eficácia da própria exposição,
uma eficácia que está alocada inclusive na forma do Manifesto.

Isso tem a ver com o testo de hoje(que é um texto teórico), que tem uma finalidade política. Ele
não tem o mesmo estatuto que o Manifesto, ele é um texto teórico pensado a partir dessa relação
com essa especificidade do Manifesto que conseguirmos extrair algumas consequências
interessantes. A ambiguidade que está cravada no texto do Manifesto está ausente na Ideologia
alemã, mas este lança luz sobre estas contradições.
- Exemplo: uma das consequências que poderíamos extrair da leitura cruzada entre os dois é
que existe na formulação do Marx algumas observações críticas que ele faz sobre os jovens
hegelianos, mas o processo histórico também pode ser aplicado ao proprio Marx. Então, uma
das consequências disso é que o Manifesto é uma plataforma de exposição das teses do
materialismo histórico, que são trabalhadas anteriormente na Ideologia alemã. Permite que
vejamos que as teses do Marx não correspondem a obra que contém essas teses, ou seja, é o
pensamento do Marx. Existe uma dissociação, um desencontro, entre as teses e o pensamento
que sustenta essas teses. Isso seria muito complicado de ver sem um documento com estatuto
diferente tal como é o Manifesto. É dele essa ideia de que existe um descompasso entre a
exposição das teses e seu momento de argumentação/fundamentação.

O fato de a teoria do Marx ter fracassado é o que nos obriga a pensar na validade dessa doutrina
ou não. Se não tivesse fracassado, o Manifesto se tornaria apenas mais um documento histórico.
Marx é um crítico do capitalismo, e não um teórico do socialismo.

O argumento desse livro é que esse tipo de socialismo(utópico) é uma crítica fraseológica, se
limita a belas imagens, a fazer frases. Aqueles que acreditam que os problemas do mundo vão ser
resolvidos com frases. É isso que ele chama de Ideologia alemã, é contra essa concepção
idealista da história, a esses homens socialistas, a essas correntes de esquerda, e é por isso que
dentro desse programa o fundamento é constituir uma ciência da história, o materialismo da
história é isso, porque é justamente essa concepção científica da forma de produção e reprodução
do modo capitalista que vão permitir uma cação política revolucionária fundada na história. A
ciência é meio para isso, e não a ideologia, a moral, a filosofia. E é essa nova ciência que eles
colocam no centro de seus trabalhos até o final da vida, esse é o grande programa. Outro
formulação desse programa é dizer se essa ciência de história é possível. Socialismo cientifico.

Logo no início revela-se o tipo de dificuldade que estão passando no início. É evidente que o
ponto de partida adotado para constituir essa ciência da história são os pressupostos históricos.
Estes são vários, encadeados:
- Primeiro: são os indivíduos humanos vivos, a existência dos indivíduos que se põem a produzir
os seus meios de vida. É quase um truísmo: a história é feita por indivíduos vivos. Ele tem que
retroagir a um momento que é pré-história, é um momento zero da história. Este é o primeiro
pressuposto, é uma noção lógica, de que a história se faz por indivíduos vivos, que diante de

29
suas condições naturais e da sua própria realidade corporal, se põe a produzir os seus meios
de vida.
- Segundo: condições naturais que são externas e que são do proprio indivíduo, que se pondo a
construir os seus meios de vida produzem um modo de vida.
- Terceiro: essa produção acarreta na elevação da população que permite o intercâmbio, a troca.
Este está vinculado à divisão do trabalho, com o aprofundamento desta, que produz
antagonismos cidade-campo, trabalho industrial-agrícola, antagonismos entre as nações. Estes
não só se estendem se variam, mas também se aprofundam. Outro desdobramento desse
terceiro pressuposto são as formas de propriedade, que também são instituídas e tem um
desdobramento histórico especifico que também se aprofunda em relação ao seu antagonismo.

Todas essas ideias estão no Manifesto, mas como eles abordam da Ideologia alemã? Eles
colocam como pressupostos, são encadeamentos destes. É uma figuração imaginária
construída(não tem nada de imaginário), é quase como se fosse uma necessidade lógica para se
pensar o que está antes da história. São os pressupostos da lógica de história. Isso é figurado em
termos históricos. A fundamentação, no entanto, não é histórica, sendo que a linguagem dos
pressupostos é uma linguagem lógica e, portanto, a história permite pensar quais são os
pressupostos da própria lógica desses processo histórico que Marx e Engels se permitem fundar.

Esse momento inaugural é pensado como se fosse algo fora, é uma racionalidade coerente,
sendo que não tem muitas imagens aqui. São esses pressupostos que vão permitir o texto da
ideologia afirmar suas teses e dai retirar seus principais noções e conceitos. Tudo isso daria para
ser diferente, mas não foi isso que aconteceu nesse programa. Para que esse programa na
fundação dessa ciência seja válido é preciso que a história entre por meio de investigação
específica que comprove aquilo que está sendo colocado em termo lógicos de desenvolvimento
histórico. Ou seja, a linguagem lógica tem que ter uma fundamentação histórica e, para que isso
aconteça, o materialismo histórico tem que incorporar o desenvolvimento de recursos da análise
histórica.

Essa é a diferença que existe entre a forma e a formulação do O Capital e da Ideologia: no Capital
de Marx não existe essa ordem de pressupostos, visto que a perspectiva marxista teria invertido o
que a tradição positivista teria feito em relação à sociologia(e também em relação ao Weber, para
o professor). Essa inversão seria que a história seria a ciência, e o método seria a sociologia. Em
Durkheim, o uso da história se dava como um meio, com um uso metodológico, enquanto no Marx
a sociologia é objeto. Para Florestan Fernandes, um dos avanços necessários seria o
desenvolvimento de uma sociologia materialista, ou seja, uma sociologia que permitisse que a
história se constituísse como objeto de ciência.

Ademais, o sociólogo Fernando Novais lê nesse programa uma resposta à leitura mais
contemporânea, sendo que, para ele, a sociologia se fundou como um ciência das esferas de
existência, que seria algo muito próximo das esferas de valor de Weber(economia, política,
ciência), ou seja, não apenas a sociedade moderna(tal como diz Weber), mas a história como um
todo seria estruturada pela diversidade destas esferas. A sociologia seria a primeira a reconhecer
isso e se propor a analisar as esferas de existência. Seria uma sociologia das esferas de
existências. Ainda, para ele, o objeto da sociologia seria a explicação, o método e a reconstrução
histórica. É isso que marcaria a diferença da sociologia com a historiografia(método:
conceitualização; objeto: reconstrução). Se pegarmos Weber, é exatamente isso, corresponde ao
que Novais diz sobre a sociologia. No Weber não existe uma preocupação que existiria na
historiografia, ou seja, seu objeto não é a reconstrução histórica, por isso ele faz uso da
triangulação o tempo inteiro. Ele assimila tratações históricas e culturas diferentes o tempo inteiro,

30
ou seja, não tem nenhuma reconstituição(a história entra como recurso), ou seja, é isso que
Novais chama de conceitualização.

Novais acrescenta um elemento importante em relação à historiografia: ele diz que o que constitui
o objeto desta é a reconstituição dos processos históricos, mas que para que isso possa ser feito
de uma forma que a diferencia em relação à sociologia, seira necessária uma nova dimensão da
historiografia. Então, ao lado das esferas de existência, ele introduz os níveis de realidade, que é
uma escala própria de legalidade da historiografia, que seria a realidade de curta duração, média
duração e longa duração. O historiógrafo teria que reconstruir o acontecimento até o âmbito do
acontecimento, até o evento deste. Para fazer isso, no entanto, é preciso que a análise histórica
atravesse os níveis de realidade. O sociólogo não faz isso, não existe a preocupação de trabalhar
os níveis de realidade, não é isso que define a sociologia. Essa abordagem dos níveis de
realidade é uma que dá uma identidade à historiografia, é um campo de objetos em questões
científicas.

Esse debate é importante porque é uma resposta a uma leitura ortodoxa que se dá em boa parte
da tradição do pensamento marxista. Para ele, o marxismo ortodoxo confunde a esfera de
existência de econômica com o nível de realidade da longa duração. O objeto, até onde chegar a
análise do historiógrafo, é a análise da longa duração. O economicismo, no entanto, confunde a
esfera de existência da economia como nível de realidade de duração. Marx diz que a economia
determina as outras esferas da realidade histórica, mas isso é lido como se a economia
determinasse o resto. Na leitura de Novais, Marx diz que a história determina as esferas de
existência, a longa duração determina estas, porque o economicismo vulgar numa esfera de
existência, que numa imagem dela seria horizontal em relação às outras esfera(o que é muito
weberiano), a economia leria essa esfera e determinaria as outras. Novais disse, no entanto, que
a tradição sociológica descobriu que isso não acontece no mundo moderno. Marx diz que a longa
duração determina as esferas de existência, e não que uma determina a outra.

Marx e Engels formulam ontologicamente a história, portanto, dizendo que a história é feita por
indivíduos que produzem os seus meios de vida e, produzindo estes, eles produzem suas vidas
materiais. Tem uma ideia de autoprodução que não é aprendida pela ideia, pelo desenvolvimento
ou pela dialética, mas o que define essa constituição não é o reviramento da ideia sobre si
mesmo(isso é material), tal como os ideólogos alemães dizem, mas essa autoprodução se dá,
para tanto, através da atividade objetiva, que é história, que produz os meios de vida e,
consequentemente, os modos de vida e, consequentemente, o desdobramento desses
pressupostos todos. Na Ideologia alemã, então, é inteiramente articulada a produzir em termos
materiais, embora eles não se dêem de uma estratégia que é materialista. Não tem nenhuma
propensão à troca, mas a troca é consequência dessa atividade de autoprodução, que não se dá
a partir só de suas condições ou vontades, mas através da limitação da própria realidade orgânica
e, nesse momento, do seu meio natural. Então, o que define o homem é a praxis, é esta que
produz a história.

No Manifesto não há essa visão ontológica tal como tem na ideologia alemã. Um dos pontos para
diferenciar as duas metades do trabalho do Marx é de que nos trabalhos da crítica à economia
política ele vai construir uma estrutura de categorias que permitem compreender e apreender o
movimento da lógica do capital. Ele precisou desenvolver para dar conta de como a lógica do
capital funciona, que não é a mesma lógica que ele atribui ao desenvolvimento histórico. Por isso
que na critica à economia política("Teoria da mais-valia") tem uma diferenciação lógica da história,
sendo que ele vai dividi-la em dois momentos:

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1. A história da formação do capital: o momento em que o capital impõe, vai assimilando, as
formas não capitalistas e vai incorporando-as é um momento de expansão do capital e a
imposição de sua lógica.
2. A história universal: é a história do capitalismo. A diferença é que nesse momento a história se
dá a partir da transformação do capital, das condições que o próprio capital impôs(portanto, é
endógeno), a história do capital como sujeito histórico, sendo que o próprio capital coloca as
suas condições ou coloca seus próprios pressupostos de desenvolvimento, não tem
exterioridade, outra cultura para passar por cima etc. Pra analisar essa segunda história é
preciso compreender a lógica do capital.

Uma das discussões infinitas que se tem dentro do campo marxista é onde está a luta de classes
no livro "O Capital", na análise da lógica sistêmica? Depende da interpretação.

Os elementos que vão viabilizar a revolução da sociedade e a própria ideia de luta entre classes
são retirados do próprio desenvolvimento do capital. São duas dimensões do processo histórico.
Esse é o grande problema do Marx, e é aqui que se diz que ele fracassou. É nesse sentido que se
diz que Marx fracassou, visto que seus argumentos não condizem com seus pressupostos. O
fracasso é a ideia de que a lógica dos termos da transformação da história faz parte da lógica do
desenvolvimento do capital. Isso daria elementos para que a classe proletária superasse essa
sociedade, esse sistema.

A contradição é do desenvolvimento do sistema, é explicar cientificamente a partir desse tipo de


extração, compreender como é esse modo de produção funciona(aprofundar os elementos dessa
lógica), porque é ele que vai dar os elementos para superar essa própria lógica. Ele tenta colocar
na mesma lógica duas dimensões do processo históricos que são colocadas, em suas lógicas, de
forma diferente. A questão toda é que o ideal de Marx fracassou no sentido de que unidade não
aconteceu, visto que ele não conseguiu dar uma conclusão teórica a esta. Mas isso se constitui
como uma ciência da história? Pro Novais é impossível ter uma ciência da historia, visto que essa
não pode ser objetivada cientificamente. Se você reconhece que o programa não realizou, a obra
se atualiza.

Alguns dizem que Marx e Freud não fundaram ciência, mas discussões. Isso significa que é um
processo dinâmico de transformação, de leitura interna e de própria concepção de quem é
marxista ou não.
13/11
Karl Marx — O Capital: Crítica da economia política (livro um)
Mercadoria e dinheiro: A mercadoria(capítulo um) (página 97 a 128)

O primeiro capítulo do livro 1 de O Capital é o capítulo mais discutido do livro, visto que ele já
expõe o programa que ele vai trabalhar, que ele pretendeu trabalhar(O Capital é uma obra
inacabada), sendo que ele já tem o conjunto das principais premissas. A nossa perspectiva será
expor como o método de apresentação é defendido nesse capítulo, que é forma que ele escolheu
para expor suas teses e premissas. As primeiras questões que ele trabalha no capítulo são
questões que não trabalhamos no curso, e por isso não vamos trabalha-las em aula.

Começa falando sobre como não tem menção a palavra ideologia no livro, visto que ela é
trabalhada em outros termos. Existe uma diferença significativa da forma como ele introduz o
trabalho em seus textos de juventude falando sobre ideologia, e seus textos mais maduros que
dizem respeito à critica da economia política, no qual o problema da ideologia vai se colocar em
termos significativamente mais diferentes. Ele basicamente fala sobre o problema da ideologia
sem, no entanto, mencionar tal palavra.
32
Marx sumariza quais são as suas premissas nesse trabalho de pesquisa sobre a Ideologia Alemã.
Na 11a tese, que é a mais conhecida, ele diz que o pensamento da classe dominante são os
pensamentos dominantes de cada época. Virou uma espécie de senso comum, de tão
disseminada que foi essa premissa. Essa tese é clara nos textos do Manifesto, mesmo que eles
não a reafirme exatamente, a ideia de que a ideologia diz respeito a uma dominação de classe
que é próprio da ideologia de ocultação dessa pertinência de classe. A hipótese de que a classe
revolucionária também seria sujeita a esse tipo de processo histórico não é colocada no texto do
manifesto por uma estratégia histórica.

A questão é por que essa dominação, por meio da ideologia, não aparece com a dominação de
classe no O Capital, por que Marx não trabalha-a por meio da crítica à economia política? Em que
termos essa dominação ideológica é trabalhada, então, nesse primeiro capítulo? A questão
ideológica no O Capital é trabalhada em termos de fetiche da mercadoria, que não é um problema
em si. É uma das consequências desse livro, programa de pesquisa, que é a problematização da
ideologia e o deslocamento em direção à própria forma em que se da a troca numa sociedade
capitalista, que é mediada pela mercadoria.

Qual o impacto desse deslocamento, o que ele permite em termos conceituais? Quais são os
ganhos e as limitações em relação à critica à ideologia, e o que ele traz de forma complementar à
teoria crítica da ideologia em relação a formulação do fetiche? Isso é o que tentaremos responder
hoje.

Por que uma crítica da economia política, em várias passagens do capítulo, se apoia não só em
conceitos dos autores da economia política, mas também o estio de argumentação são iguais?
Por que isso acontece? No campo marxista, existe um tipo de leitura que crítica desse estilo pelo
Marx, no O Capital. Algumas leituras críticas que indicam o aspecto problemático dessa estratégia
do Marx vão se alocar ao redor da ideia de que, a despeito da direção e da finalidade do programa
do capital, a despeito do que o próprio Marx critica em relação aos ideólogos, ele reproduziria ou
recolocaria algumas teses que ele tanto criticou. Fazendo, isso, o primeiro capítulo ganharia um
perigoso caráter metafísico. O Marx reproduziria algumas fundamentações de caráter metafísico,
que aqui tem uma conotação muito pontual, significa dizer que ele atualizaria algumas categorias
à história. Uma espécie de apresentação e invenção de categorias histórias como se elas
existissem desde sempre ou fossem concorrentes de uma própria construção ontológica. Essa é
uma crítica clássica, e a partir de algumas respostas, eles elaboram um desenvolvimento para
além do que Marx foi possível realizar no seu momento histórico.

Diferentemente de Marx, por exemplo, Weber constrói seu aparato teórico-metodológico através
do tipo ideal, para que não se caia em retificação teórica, ou seja, ele deliberadamente reconhece
que a própria história é encharcada de categorias, mas que do ponto de vista da análise não é
recomendável que você adote essas categorias dentro do seu aparato de análise. A questão sobre
o tipo ideal, portanto, é estratégica porque esse reconhecimento está apoiado nesse postulado e,
fazendo isso, Weber dá partida recusando qualquer tipo de presunção de caráter que tenta olhar
para história e extrair leis gerais da história. Diz que isso não só é não recomendável, mas que
isso é impossível. No limite, fala que as próprias categorias para analisar o processo histórico são
históricas, são construídas. Por isso que Weber é um autor de uma teoria perspectiva. No Marx,
no entanto, as principais características se apoiam nesse caráter metafísico, no transhistórico, o
que é um problema grave e poderia botar em risco o pensamento do Marx.

Outra corrente, mais hegemônica, reconhece esse aspecto metafísico, mas justifica-o atribuindo
esses aspectos metafísicos como uma estratégia de Marx, que diz respeito ao materialismo
33
histórico. É uma estratégia porque a história da sociedade capitalista, de certa forma, tem essa
aparência metafísica, essa é a chave de como podemos estabelecer uma conversa entre como o
Marx vai trabalhar as questões sobre a ideologia nos textos de juventude e na maturidade.

No Marx existe uma ideia que ele desenvolveu, ao analisar os teóricos da economia, tendo uma
noção de que o processo histórico pode ser trabalhado num registro de dois tempos históricos.
Para analisar a especificidade do modo de produção capitalista ou da sociedade capitalista, para
que compreendamos essa singularidade histórica, é preciso tomar o processo histórico numa
chave que o divide em duas temporalidades diferentes.
1. O primeiro é o da formação, da pré-história do capitalismo: no O capital essa história é
dispersa. Marx diz que nesse registro o capital vai assimilando e se expandindo na direção de
uma dimensão que não é capitalista, então, por exemplo, quando capital avança via
colonização, é a expansão dessa forma, dessas categorias, da lógica do capital em contextos
em que essa lógica não existe, e por isso que a ideia é a formação do capital. Ou seja, o
capital transforma os pressupostos de uma sociedade determinada, ou de uma mesma
sociedade que não é propriamente capitalizada. o capital subjuga esses pressupostos
históricos e submete essas formas pré-capitalistas ao capital.
2. O segundo é a história contemporânea: essa história e sua diferença em relação ao primeiro é
que a lógica do capital transforma seus pressupostos nessa história contemporânea. Mas
essas pressusposto são os próprios pressupostos que a lógica do capital colocou, ou seja, não
é exterior. Não existe uma subordinação de elementos pré-capitalistas ao capital, mas é uma
transformação interna. As condições dadas já são produto da lógica do capital, ao contrário
das condições dadas de uma sociedade neocapitalista. O capital, então, invade esse primeiro
tempo e transforma. quando ele escreve que burguesia faz o mundo a sua semelhança, é
disso que ele está falando.

O moinho satânico, portanto, seria o avanço em dimensões da vida social que não são
mercadorias(terra, dinheiro e trabalho), que submete as dimensões da forma humana que não são
mercantilizáveis. Numa chave marxista, nesse momento ou na própria formulação conceitual de
Polanyi sobre a mercadorização, isso é um momento de formação do capital, é uma incorporação
dos aspectos não mercadológicos, não relacionados à forma mercadoria.

Marx propõe: existiu isso e existe ainda. Quando ele diferencia esses dois tempos históricos
lógicos diz que é possível existir(como existe) a concomitância desses dois tempos dentro de uma
sociedade ou dentro desse processo capitalista. A diferença é que é uma diferença histórica, mas
também lógica. Na reprodução da lógica do capital, se pensarmos a reprodução lógica das
categorias do modo de produção capitalista, o que vigora é essa segunda temporalidade, e não a
primeira. É importante e fundamental para compreender qual a diferença estabelecida entre os
textos da economia política entre os textos da juventude, e qual a temporalidade, o tempo
histórico, do primeiro capitulo. É na forma mercadoria que o processo pode ser apreendido em
sua totalidade.

Como ele articula essas duas temporalidades? Como é possível ler o primeiro capítulo nesse tipo
de articulação? Na Ideologia Alemã, por exemplo, quanto aos pressupostos históricos, os autores
reconhecem que esse recurso é uma abstração necessária, é uma estratégia necessária, porque
sem a abstração não é possível dá forma a esse tempo histórico pré-capitalista. De certa forma,
na Ideologia Alemã eles não lançaram mão de recursos que poderíamos aproximar de recursos de
construção mítica. Entretanto, poderia ser diferente? Como seria?

Entretanto, é isso que Marx fala no O Capital? Não. Ele trabalha esse termo da formação do
capitalismo em termos que não são os mesmos. Ele faz isso, no entanto, investindo na gênese
34
dessa lógica, incorporando no movimento do próprio texto o movimento de constituição da
categorias do capital, do capitalismo. Então, são categorias lógicas, fundantes dessa lógica que
temos.

Essas categorias são, por meio da mercadoria: o valor e, em decorrência deste, o dinheiro e o
capital. Então, nesse primeiro capítulo, ele expõe a gênese das categorias lógicas do capital e,
fazendo isso, ele trabalha o registro dessas duas temporalidades, tanto no momento em que
essas categorias vão ter uma relação de exterioridade com aquilo que servirá de objeto para
expansão dessa lógica, quanto também permite que Marx trabalhe a própria reprodução interna
dessa lógica histórica-contemporânea. Ele propõe investigar a gênese, a origem do capitalismo.
Isso é genial, porque investigando, tendo compreensão de como isso se deu, você tem condições
de também analisar a sua reprodução e a sua superação.
(Obs.: aqui não é genealogia.)

O comunismo, pro Marx, não é um ideal, não é um programa/valor político, mas é uma realidade
histórica e é isso que faz a necessidade de fundar uma ciência de história, ao contrário dos
ideólogos alemães, que supunham a construção de uma sociedade socialista em termos ideias.
Isso não é uma realidade histórica suposta, mas é uma pressuposta, que faz parte do próprio
processo de desenvolvimento do capitalismo. O elemento que definiria o que seria o comunismo
seria, além de abolir a propriedade privada, a livre associação de indivíduos que produzem e uma
associação consciente, que se autodetermina, passa pela real ideia de liberdade. Não é uma
sociedade que supera a divisão do trabalho, mas uma na qual tem-se um controle consciente
dessa organização. Na Ideologia, o foco da crítica é a divisão do trabalho, mas essa contradição
na sociedade é resolvida não negando a especialização, mas dizendo que no comunismo a
especialização não vai dar uma identidade à indivíduo. Na Ideologia, a figuração que eles dão ao
comunismo é totalmente outra, eles estudam o aspecto alienante da organização. É um aspecto
que domina conscientemente a produção e as consequências desta.

É isso que aparece na Ideologia e no Manifesto. A questão é que no Capital, no livro, é possível
manter essa ideia? Para o jovem Marx: quando o trabalho se especializa no trabalho intelectual é
nesse momento que é possível a ideologia surgir. Quando Marx está apresentando o processo
histórico que constitui as categorias do próprio modo de produção capitalista, quando ele expõe a
gênese dessa lógica do capital, ele ao mesmo tempo apresenta a ideologia(sem usar essas
palavras) como um fator que é imanente a esse processo, sendo que não tem como retirar isso e
atribuir a ideologia um aspecto pontual do processo. Na discussão da mercadoria, Marx diz que o
fetiche da mercadoria é indissociável da própria forma da mercadoria numa sociedade que é
voltada para a própria forma de produção de mercadoria.

O fetiche da mercadoria é o feitiço, está vinculado não ao caráter formal, mas à forma mercadoria
porque há uma inversão aí. Numa sociedade que tem a mercadoria como sua principal forma de
mediação, esta é tomada como quase que um ente autônomo, como se o valor da mercadoria
fosse embutida nela mesma; ou uma apreensão coisificada das relações sociais que produziram
essa mercadoria. Isso é o feitiço. A utilidade é um elemento subjetivo mas o valor do uso é social.

História da velhinha(que o professor contou): mulher que guardava dinheiro na poupança e ela
quis retira-lo só para ver se ele realmente estava lá, e não realmente retira-lo. Crítica ao fetiche.
Ela radicaliza as categorias do senso comum numa sociedade capitalista, ao falar “eu sei que ele
está ali, agora pode devolver”. Crítica, por meio da alienação, sobre o fetiche. Ao mesmo tempo
que ela expõe como o fetiche está funcionando, ela denuncia-o ao mesmo tempo criticando-o.

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É quase como se o fetiche, ao radicaliza-lo, ele vacilasse. Provavelmente veríamos uma lógica de
senso comum muito parecida com essa histórica da senhora do ônibus. É só essa forma de
equivalente geral que é capaz de produzir isto. Por que ela carrega esse poder de inversão, de
colocar a relação social como coisa, e as mercadorias como portadoras sobre si mesmas? O que
ele faz com valor, com o trabalho? O movimento do capitulo inteiro é um movimento de redução, e
não de mostrar materialidade.

Mas por que ele faz isso? O movimento para chegar na ideia de trabalho abstrato é a partir da
sequência de dedução; o trabalho abstrato não é simplesmente oposição do trabalho concreto, ele
parte dessa dualidade. O trabalho simples é o máximo de redução do trabalho. É um conjunto de
operações de redução à abstração, no sentido de que ele está retirando as qualidades do
trabalho, do valor(que é qualitativo). Tem redução a ponto, inclusive, de ele propor medidas; são
reduções das categorias. E é nesse sentido que temos abstração, abstração dos conteúdos, de
seus termos específicos. Esse conjunto de operações de redução ou para exposição da produção
abstrata dessas categorias não qualificam Marx como um idealista(é material), ou seja, o próprio
processo de construção de abstração é materialista.

As estratégia de exposição tem que reproduzir o próprio movimento de abstração real da


constituição da lógica das categorias das mercadorias. Não é mais uma abstração nos termos
criticados por Marx e Engels na ideologia, mas á uma abstração real, sendo que esse resíduo
metafísica é parte do real. Se isso tudo é verdade, a produção tem que reproduzir esse aspecto, e
é por isso que no Capital o movimento é de espiral, não é sucessivo.

Obs.: mais-valia(categoria lógica) é diferente de lucro(forma da aparência que a categoria mais-


valia expressa)!!!!

No Capital tem sempre um rebatimento, nunca é uma categoria solta/isolada. Por exemplo: preço
é entendido como expressão de valor, não tem o mesmo estatuto categorial que as categorias
lógicas. No primeiro capítulo, Marx faz a gênese das categorias lógicas. Reconhecendo isso, um
dos principais problemas é como você pensa a dominação de classe nesses termos. Definir um
modo de produção capitalista pela exploração do trabalho(que é a mais-valia) é preciso entender
qual trabalho é esse e o que é mais-valia. É nesse movimento que uma primeira leitura do capítulo
1 é a melhor forma de ser introduzida, é tentar observar o movimento que o Marx opera e constrói
no texto, deste tipo de gênese, de como essas categorias vão aparecendo ao longo do texto de
Marx. A sequência de operações é parte da estratégia do Marx, de expor o próprio processo de
redução das qualidades, dos conteúdos históricos, que é uma redução histórica(não é feita a partir
de um contexto específico da história), mas que é o modo mais histórico, porque por meio do
fetiche ele expõe a lógica do capital, que é enfeitiçada, é metafísica, nesse sentido.

Se como materialista, Marx levava muito à sério essas categorias. No fundo, ele mostra a gênese
historicamente determinada dessas categorias que são tomadas como categorias não históricas.
É trabalhar a questão ideológica numa outra chave, por isso que começamos com a diferenciação
dos tempos históricos de Marx, porque uma coisa é você ler no Manifesto a principal tese do
Partido Comunista, e outra é a forma como ele começa O Capital. Nesse texto ele vai expor o que
a gente diz como o método dialético, a dialética é a lógica de transformação histórica. A própria
lógica do capital é a lógica de evolução, desenvolvimento, por meio da contradição; no primeiro
capítulo ele trabalha justamente a contradição entre as categorias. E é isso que faz diferença na
forma como ele expõe a ideologia.

Obs.: nesse capítulo, tem parte falando sobre luta de classe, mas não é uma parte pontual, mas é
uma gradação.
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27/11
Conclusão do curso:
Na leitura dos textos e na discussão em sala de aula, quando pensamos as questões trabalhadas
durante o curso, é necessário colocarmos as diferenças entre os textos. São três matrizes do
pensamento sociológico clássico e a primeira é tentar perceber quais as diferenças entre os
problemas que são tratados numa matriz durkheimiana, weberiana e marxista. Isso significa
pensar quais são as questões que os próprios autores priorizam, constroem, nos textos. A
segunda abordagem, que é consequência da primeira, é, entre os textos, quais as diferenças
entre eles e quais os impactos dessas diferenças. As perspectivas são diferentes em relação a
outro momento, a outro conjunto de tempo.

A ideia de capital simbólico de Bourdieu é uma paráfrase anti-marxista, portanto existe um diálogo
com a teoria marxista.

(Fizeram uma pergunta sobre capital em Marx, não lembro qual)


Esse problema é, na verdade, com esse objetivo que ele foi introduzido no curso. É o capítulo(1
do Capital), dentro do que Marx imaginou que seria o Capital, ele já havia concebido uma
estrutura da obra inteira. Esse capítulo tem uma função não só metodológica, mas ele reflete/
carrega todas as premissas teóricas que Marx tentou desenvolver. De certa forma, o capítulo 1 vai
condensar e expor o que Marx quer dizer, sem anunciar isso, em todo o programa do Capital e,
mais do que isso, é deliberadamente pensados para que sejam refletidos na forma como ele é
exposto. Por isso tem um método de exposição, sendo que a exposição faz parte do problema
que está sendo analisado.

Marx começa com a mercadoria entendida como uma forma porque essa forma, é a mais
aparente da sociedade, da sociabilidade capitalista. É a mediação social mais aparente e a que
carrega a totalidade de retrocessos. Dizer isso é dizer que a forma na exposição, na teoria, tem
que ser parte do próprio objeto que é analisado, e isso explica a opção pela mercadoria. Não a
toa, esse seu capítulo se encerra com problema ao caráter misterioso e misto do
capital(mercadoria é uma das formas deste). Não podemos cristalizar a forma mercadoria como
se fosse uma forma definida determinada rígida, mas esta assume, do ponto de vista social, uma
variedade de percepções sobre estas. Uma coisa é pensar que a mercadoria é trabalho, e outra
uma mercadoria a partir do momento em que ela é consumida. São poucas passagens sobre a
reconstrução histórica do capital, sobre o que seria uma gênese histórica. Não existe uma
separação entre forma do conteúdo.

Ele começa pela essa primeira modalidade, e o texto do Capital começa por essa exposição de
uma dualidade que vai ganhando camadas de determinação(portanto, é determinável). Ele vai
percebendo um momento de disposição dessas dualidades, desvelando como esses
antagonismos/dualidades são reveladas. É retirar do próprio objeto as formas que fazem esse
objeto ter efetividade histórica. Por isso que existe uma diferença enorme entre os textos da
Ideologia alemã, por exemplo, e outros que são estudos históricos. Marx faz uma conjuntura de
um conjunto de acontecimentos, ali existe uma análise de classes. No Capital não, sua questão é
analisar e ver quais são as categorias estruturantes dessa lógica, a forma como elas ganham
efetividade histórica e como conformam essa lógica da acumulação.

No primeiro capítulo, no entanto, ele está interessado em colocar a questão do problema, que é o
problema do valor. No fundo é saber porque as mercadorias ou objetos têm valor. Não basta dizer
que é o trabalho, se fosse, a economia política seria o suficiente, mas tem outros valores. Esse
problema que é colocado no primeiro capítulo e que deveria ser respondido pela totalidade do livro
é saber qual que é lógica de determinação do valor. Pra responder isso, deve-se explicar uma das
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principais categorias que armam a sociologia. E no primeiro capítulo ele apresenta os problemas
na sua totalidade. A forma mais aparente é o início da resposta para tanto, porque é a forma que é
utilizada como mediação em todas as relações sociais.

Um dos pontos importantes, que depois Marx irá trabalhar com outra abordagem, em O Capital, é
a discussão sobre o fetiche, que se fosse evidente não precisaria de estudos sobre isso. Relação
invertida que faz que a gente pense que é um relação de objeto, que o valor está cravado na
mercadoria, e não que a relação de mercadoria são relações entre as pessoas. É outra forma de
colocar um problema que está posto em A Ideologia e outros textos. A questão ideológica parece
no primeiro capítulo do capital sem a palavra ideologia e sem a divisão do trabalho. O núcleo de
inversão da Ideologia está na divisão do trabalho(material — intelectual); é aí que se tem as
condições de possiblidade para que as ideias sejam percebidas como autônomas, ou seja, é ai
que surgem a ideologias. O processo é inscrito e localizado na divisão do trabalho. É claro que
tem divisão de trabalho, mas esta não é tão central quanto era na Ideologia.

Por que é difícil localizar materialmente a fonte de valor de algo? Se formos ler o primeiro capítulo
a partir da imagem da dança das formas, não é aleatória, mas progressiva, no sentido da
abstração. Cada vez mais, uma dimensão mais qualitativa vai sumindo. É um processo de
redução/abstração, sendo que toda a discussão sobre equivalente é isso. O equivalente geral é a
própria forma e o movimento do livro inteiro é justamente depurar essa forma. A ordem de redução
ou abstração não é uma operação da cabeça, não é um movimento de Marx, mas do próprio
processo. Ou seja, a lógica do capital pressupõe esse tipo de movimento que é sua abstração, por
isso que ele trabalha de forma não explícita, que no marxismo a ideia de abstração real é uma das
formas utilizadas para designar esse processo. É real porque não há o movimento das ideias, mas
um material, histórico, efetivo e é esse movimento de abstração que faz com que a a aparência
toma a uma inversão do que realmente ela é. Por isso é um fetiche. Mediação está no meio das
relações, é por meio dela que se concretizam as relações sociais etc.

Essa expansão implica o processo de produção de uma equivalência geral ou de uma lógica de
produção de equivalente com que qualquer coisa possa ser medida em relação ao restante. Esse
movimento significa que, do ponto de vista das formas-valor, o conteúdo não faz a menor
diferença, no sentido que ela não é determinante, e a consequência disso é essa percepção
fetichizada das relações.

No próprio Capital existem ordens, níveis de dimensões que são diferentes. Ou seja, no livro 3 ele
trabalha com categorias que são reconhecíveis empiricamente(o preço, por exemplo). Lucro como
categoria é uma expressão empírica da categoria lógica do mais-valor. O Capital são categorias
logicamente extintas, é como se passa do valor para o preço, como se explica essa passagem. Na
passagem teórica é feita concretamente pelos próprios agentes e essa é uma das dificuldades
que são apresentadas, que é como se dá essa passagem. Para explica-la, ele vai ter que
desenvolver uma espécie de modelo de produção e distribuição, é um modelo econômico, mas
não aquele que explica suficientemente a passagem, mas é um recurso teórico metodológico do
qual ele lançou mão para fazer essa passagem. Existem diferenças lógicas, diferentes níveis, e
esse é um dos problemas da crítica marxista. É a diferença ou não de duas categorias lógicas
empíricas.

No Durkheim, a moral é uma espécie de sinônimo do próprio objeto da sociologia durkheimiana —


> fatos morais = fato sociais.

É um campo por excelência da sociologia. A partir dela, é possível trabalhar com uma diferença do
que usualmente entendemos como moral, e daquilo que Durkheim define como moral, porque se
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o fato moral é apresentado como sinônimo do fato social, portanto, o que define a natureza do
proprio objeto sociológico. Pro Durkheim, a moral tem uma realidade objetiva à sociologia, e é por
isso que não é possível sair dela uma vez participando, porque ela já a constituiu. É a melhor
parte de nós mesmos, e a dualidade de Durkheim faz isso: de um lado, diz que essa dualidade
constituiu um indivíduo moderno, e do outro lado, que a compor tem uma função social.

Existe uma dimensão da moral que é idiossincrática, mas não é ela que conta, inclusive pra um
indivíduo que defende a reação para seus desejos particulares. Quando Durkheim defende que a
ordem moral é o capo da sociologia dos fatos que são analisáveis, isto é justamente porque as
sociedades são dinâmicas, estão em transformação, e a moral também é uma realidade em
transformação, que permite um comentário e permite a política. No Durkheim, a noção de política
e a social reconhece a limitação da ciência, do direito. O direito não funda a sociedade, isso
significa uma limitação, mas ao mesmo tempo que uma vez conhecendo essa questão de reforço
da coesão, e não a invenção de uma nova coesão. Por isso é possível julgar a moral, debater
sobre ela etc.

A concepção que Durkheim tem de estado(durkheimiano) não é revolucionário, visto que nada
institui a sociedade além dela própria. Não existe nenhum mecanismo/agente que seja capaz de
criar a sociedade, ou a solidariedade. Seu estado é como se fosse um órgão, no sentido biológico,
da racionalidade nesse organismo. É como se fosse um sistema nervoso. É o agente de
racionalidade do contigente, por isso que, pra ele, a ideia de servidor público é tão importante(ele
foi um grande defensor dessa ideia). É porque o servidor público é, na verdade, um servidor da
sociedade: ele serve a sociedade, é aquele indivíduo que tem como objetivo e razão de existência
servir a sociedade, e ele faz isso no Estado. O Estado não é só agente da racionalidade, mas é
como se tem uma ideia, um sistema de comunicação. Ele elabora melhor o que vem da
sociedade, e devolve pra elA o que ela tem de melhor, de mais racional, a partir da coesão. por
isso que nos debates ele era contra sindicalização dos servidores públicos, porque pro Durkheim
isso significa a defesa de interesses particulares, no interior de um órgão que era justamente
voltado contra isso.

Servidor público, então, seria aquele que se restringe, se especializa, da garantias de que a
direção da coesão social está sendo trabalhada/desenvolvida por um agente cuja função é essa.
Pro Weber, no entanto, não existe nenhuma função funcionalista do Estado. Pra ele, o Estado
seria definido pelo seu meio, e não pela sua finalidade. Ela não se define pelo bem comum, por
representar a soberania popular, as definido pelo meio através do uso legítimo da força. Esse é
caráter quase instrumental que ele atribui ao estado, que é um meio qualificado, sendo que sua
qualificação, suas noções fundamentais para qualificar esse meio, é a legitimidade. Não é a
violência que define o Estado, mas o uso legitimo da violência. Por isso que para ele Estado está
diretamente associado com soberania, e no Weber esses desdobramentos são o domínio sobre o
território.

Esse uso legitimo da violência, portanto, diz sobre o controle soberano sobre o território. Por isso
que no Weber há uma concepção minimalista de Estado e esta é muito próxima a ideia de
princípio que define o tipo ideal e permite inclusive que o Weber trabalhe com textos históricos e
se utilize de uma forma normativa em realidade que tenham a sua ordem de legitimidade política
contestada. Legitimidade, aqui, não é o consenso, porque se fosse isso não daria para analisar a
crise do estado, da democracia etc. O que é colocado em cheque é justamente a legitimidade da
dominação. (ver Catalunha). Essa noção de estado é uma noção forjada no contexto de crise
sobre a delimitação do que seria o estado alemão. Então, ela ja é o reflexo de uma crise política
aguda, como também o Durkheim é.

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Sobre a prova: é sem consulta, do conteúdo inteiro das 3 últimas unidades: Durkheim, Weber e
Marx. São questões mais voltadas para dissertar/problematizar sobre um assunto e muito menos
uma solicitação mais pontual, específica de algum texto.

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