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O FUNCIONAMENTO DO PADRÃO-OURO ATÉ A CRISE DE 1929

Autor1
Autor2

RESUMO
O capitalismo do final do século XIX e início do século XX apresentou algumas
características sui generis que permitiram afirmações de que se tratava de uma
nova etapa de seu desenvolvimento. Dentre os elementos distintivos, cita-se o
funcionamento do padrão-ouro, que assegurava a conversibilidade das moedas
em ouro e trouxe relativa estabilidade para o funcionamento da economia
internacional. Tem-se como objetivo do trabalho resgatar o processo histórico
do funcionamento do padrão-ouro, com ênfase nos acontecimentos da
economia americana e desdobramentos para os países capitalistas. O nível da
pesquisa foi o descritivo e o procedimento técnico utilizado foi a pesquisa
bibliográfica. Quanto a forma de abordagem, utilizou-se a abordagem de cunho
quali-quantitativo. Os resultados sugerem que o colapso do padrão-ouro, em
função da Primeira Guerra Mundial, elevou a instabilidade no cenário
econômico internacional e as iniciativas para restaurá-lo não foram condizentes
com a nova realidade econômica do pós-Primeira Guerra Mundial. Ademais, a
insistência em mantê-lo operacional, após o crash de 1929, foi determinante
para o efeito contaminação, o espraiamento geográfico e a intensidade da
crise.
PALAVRAS-CHAVE: Padrão-ouro. Primeira Guerra Mundial. Crise de 1929.
Efeito contaminação.

ABSTRACT
Capitalism at the end of the 19th century and the beginning of the 20th century
presented some sui generis characteristics that allowed affirmations that it was
a new stage of its development. Among the distinctive elements, mention is
made of the functioning of the gold standard, which ensured the convertibility of
currencies into gold and brought relative stability to the functioning of the
international economy. The objective of this work is to rescue the historical
process of the functioning of the gold standard, with emphasis on the events of
the American economy and developments for the capitalist countries. The
research level was descriptive and the technical procedure used was
bibliographical research. As for the approach, the qualitative and quantitative
approach was used. The results suggest that the collapse of the gold standard,
due to the First World War, increased the instability in the international
economic scenario and the initiatives to restore it were not consistent with the
new economic reality of the post-First World War. Furthermore, the insistence
on keeping it operational after the 1929 crash was decisive for the
contamination effect, geographic spread and the intensity of the crisis.
KEYWORDS: Gold standard. First World War. Crisis of 1929. Contamination
effect.

1
Identificação. E-mail: xxxxxx.
2
Identificação. E-mail: xxxxxx.
1 INTRODUÇÃO

Considera-se que, ao longo do tempo, o capitalismo 3 acelera o ritmo da


vida, produz e reproduz as condições para ampliação da acumulação, gera,
concentra4 e destrói capital e riquezas, amolda comportamentos e normaliza o
padrão aquisitivo, coloca em movimento forças avassaladoras que impõem
seus grilhões ao mundo, constitui e intensifica relações econômicas em favor
das áreas mais desenvolvidas 5, amplia o processo de globalização e as
dependências tecnológica e de capital (financeirização crescente) e impõe a
dominância teórica6 compatível ao movimento de acumulação em escala
ampliada (LANDES, 1994; ARRIGHI, 1996; HARVEY, 2006).
O processo histórico mostra que as relações econômicas entre os
diversos países têm sido objeto de constantes mudanças ao longo do tempo,
sendo que, quase que exclusivamente, foram estabelecidas em benefício dos
países mais ricos e poderosos, por isso mesmo, em alguma medida, refletem a
assimetria de poder existente ao longo do tempo. Neste aspecto, o comércio
internacional foi um instrumento para reafirmação da riqueza e poder de alguns
países em relação aos demais, embora seja amplamente difundida a ideia que
o liberalismo econômico se constitui como o caminho preferencial para o
enriquecimento (desenvolvimento) de todas as nações.
As características da dinâmica capitalista no final do século XIX e início
do século XX, como: a intensificação da concorrência intercapitalista (controle
de mercados e de fontes de matérias primas), a crise de superprodução do
final do século XIX, o advento da Segunda Revolução Industrial, crescimento

3
“[O] capitalismo [é] uma força constantemente revolucionária da história mundial, uma força
que reformula de maneira perpétua o mundo, criando configurações novas e, com frequência,
sobremodo inesperadas” (HARVEY, 2006, P. 176).
4
O capitalismo tende a elevar a concentração da produção e do capital, substituindo a livre
concorrência pelos monopólios capitalistas e, em seu estágio superior, exacerba o papel do
capital financeiro (LÊNIN, 2011). A exuberância da financeirização representa o “[...] ‘sinal de
outono’ dos grandes desenvolvimentos capitalista [...]” (ARRIGHI, 1996, p. 166).
5
Vale salientar que, a Divisão Internacional do Trabalho (DIT) que se estabeleceu no período
decorreu do papel que a Inglaterra passou a desempenhar na economia internacional, como
centro importador de matérias primas e fábrica do mundo. A partir do sucesso industrial de
países como Alemanha, França, EUA, etc., foi que as rivalidades se intensificaram e acabaram
por precipitar a Primeira Guerra Mundial (PGM).
6
O modelo teórico dominante, até a década de 1930, partia do princípio que a economia se
encontra em equilíbrio, sendo que eventuais desvios em seu curso normal logo seriam
corrigidos pelos mecanismos de mercado e, novamente, convergiria para o restabelecimento
do equilíbrio.
da concentração e centralização de capitais (capitalismo monopolista), a
intensificação da financeirização da economia, a partilha do mundo e a
escalada nas rivalidades entre os países que culminaram na Primeira Guerra
Mundial (PGM), dentre outros aspectos, denotam como o capitalismo
apresentava um estágio mais avançado do seu desenvolvimento (LÊNIN, 2011;
BEAUD, 1999).
Outro aspecto do capitalismo no período foi a intensificação do comércio
internacional, em que a aceleração foi facilitada pela implementação do
padrão-ouro. O Sistema Monetário Internacional (SMI), sustentado pelo
padrão-ouro, foi responsável por assegurar as condições para a aceleração
das relações econômicas no período.
A operacionalização do padrão-ouro se deu pelo poder econômico
exercido pela Inglaterra, país pioneiro na utilização da moeda com lastro em
ouro, isso por que os países ansiosos para ampliar as relações comerciais com
os ingleses passaram a adotar o padrão monetário de seu interesse. A origem
e difusão do padrão-ouro a partir da Inglaterra não promove tantos
questionamentos, mas não existe consenso quanto ao início e período de
vigência do padrão-ouro (GONTIJO, 2014; COSTA, 2017).
Para Eichengreen (2000), o padrão-ouro começou em 1870; já Serrano
(2002) entende que começou no ano de 1815; Saez e Saez (2013), consideram
que o padrão-ouro vigorou somente no período de 1870 até 1914; Yeager
(1976) e Condliffe (1950) defenderam que o padrão-ouro funcionou apenas no
período de 1897 até 1914. Ou seja, com exceção de Serrano (2002), verifica-se
que o funcionamento do padrão-ouro ficou circunscrito ao período das últimas
décadas do século XIX até a deflagração da PGM.
Após o período de grandes dificuldades econômicas no final do século
XIX, de 1873 até 1896, ocorreu um período de intenso crescimento econômico
na primeira década do século XX, e essa fase de exuberância do capitalismo
foi correlacionada aos supostos benefícios de funcionamento do padrão-ouro.
Por outro lado, a Grande Depressão de 1873-1896 e a escalada de
rivalidades econômicas, que culminaram na PGM, também ocorreram no
período de primazia do padrão-ouro, mas sem despertar grandes debates
teóricos no período.
O sucesso econômico da Belle Époque, o poder que a Inglaterra exercia
sobre a dinâmica capitalista e a defesa dos mercados autorregulados 7
(dominância teórica do liberalismo clássico) foram determinantes para que os
diversos países buscassem salvaguardar o padrão monetário e também
serviram como estímulos para tentar sua restauração no pós-PGM.
As condições econômicas do pós-PGM eram muito distintas, com
destaques para a destruição da capacidade industrial dos países diretamente
envolvidos no conflito, os milhões de mortes de jovens, destruição da
infraestrutura civil e, evidentemente, a deterioração geral da situação
econômica. Ademais, a hegemonia inglesa não tinha como ser restaurada em
decorrência da ascensão econômica dos EUA.
Não obstante, os esforços de reconstrução foram superpostos às
medidas para restabelecimento do padrão-ouro e as ações implementadas
passaram, grosso modo, por pressões deflacionistas, em especial, com
reduções salariais (reduções de custos) para resgatar algum nível de
competitividade no comércio internacional. Evidentemente, que esse tipo de
medida passou a gerar enormes descontentamentos na classe trabalhadora,
mas sem prejuízo de seu uso, cada vez mais recorrente.
Acrescente-se que o aumento da competição internacional impunha
novas rodadas de medidas deflacionistas e também ao uso recorrente de
medidas protecionistas, cujo resultado mais evidente foi a impossibilidade de
adoção de medidas colaborativas e coordenadas entre as autoridades dos

7
“Os modelos neoclássicos hipotético-dedutivos são castelos matemáticos erguidos sobre o ar
e que não têm utilidade prática, a não ser para justificar mercados auto-regulados e eficientes,
ou, em outras palavras, agir como metaideologia. Esses modelos tendem a ser radicalmente
irreais na medida em que presumem, por exemplo, que não possa haver insolvências, ou que a
moeda não precise ser considerada, ou que os intermediários financeiros não têm papel a
representar nos modelos, ou que o preço de um ativo financeiro reflete todas as informações
disponíveis relevantes para seu valor etc. etc. Escrevendo sobre o estado da ciência
econômica após a crise, The Economist  observou que ‘os economistas podem ver-se
seduzidos por seus modelos, enganando-se ao pensar que o que o modelo exclui não tem
importância’. E se a teoria financeira neoclássica levou a enormes erros financeiros, a
macroeconomia neoclássica é simplesmente inútil. A percepção deste fato - da inutilidade dos
modelos macroeconômicos neoclássicos - levou Gregory Mankiw a escrever, depois de dois
anos como presidente do Conselho de Assessores Econômicos da Presidência dos Estados
Unidos, que, para sua grande surpresa, ninguém em Washington usava as idéias que ele e
seus colegas ensinavam na Academia; o que os formuladores de políticas usavam era ‘uma
espécie de engenharia’ - uma soma de observações práticas e regras inspiradas por John
Maynard Keynes. Considero esse artigo a confissão formal do fracasso da macroeconomia
neoclássica. Paul Krugman foi direto ao ponto: ‘a maioria dos macroeconomistas dos últimos
trinta anos foi espetacularmente inútil na melhor das hipóteses e positivamente danosa na pior
delas’” (BRESSER-PEREIRA, 2010, p. 64).
países europeus. Ademais, o Banco da Inglaterra, fiel zelador do padrão-ouro
até a PGM, não tinha reservas de ouro para restaurar a conversibilidade da
Libra e menos ainda para prover o fluxo de capitais de antes da guerra.
A economia americana, que saiu fortalecida após a PGM, restaurou o
padrão-ouro ainda em 1919, a Inglaterra em 1925, a França em 1928, além de
ações no mesmo sentido em praticamente todos os países mais relevantes no
capitalismo mundial (BEAUD, 1999). Assim, num cenário completamente
diferente daquele que vigeu até a PGM, ocorreu o restabelecimento do SMI do
padrão-ouro.
Ocorre que o novo país hegemônico do capitalismo, os EUA, não
assumiu o papel que a Inglaterra desempenhou como hegemon, inclusive por
que o Banco Central americano (Federal Reserve – FED) não contava com os
instrumentos e a experiência necessária para atuar como fez o Banco da
Inglaterra.
O fato é que quando eclodiu a crise de 1929 não se verificou uma
reação vigorosa por parte das autoridades americanas, mas o efeito
contaminação foi intenso, dado o papel central que a economia americana
tinha no capitalismo mundial. Ademais, entende-se que o restabelecimento do
padrão-ouro reduziu a capacidade de intervenção do FED e demais
autoridades monetárias e contribuiu para o espraiamento geográfico e para o
nível de intensidade da crise pós-1929.
Afinal, o restabelecimento do padrão-ouro no pós-PGM foi um fator
complicador para o funcionamento do capitalismo no período e contribuiu para
potenciar os desdobramentos da crise de 1929? Tem-se como objetivo do
trabalho resgatar o processo histórico do funcionamento do padrão-ouro, com
ênfase nos acontecimentos da economia americana e desdobramentos para os
países capitalistas.
O nível da pesquisa foi o descritivo e o procedimento técnico utilizado foi
a pesquisa bibliográfica, que é aquela elaborada a partir de materiais já
publicados. Quanto a forma de abordagem, utilizou-se a abordagem de cunho
quali-quantitativo.
Além desta breve introdução, o trabalho conta com mais cinco seções. A
seção 2 traz elementos sobre o contexto histórico antecedente à crise de 1929,
com ênfase no funcionamento do Sistema Monetário Internacional (SMI). A
seção 3 apresenta o contexto histórico de ascensão e colapso do padrão-ouro
em função da Primeira Guerra Mundial e o cenário de maior instabilidade
econômica. A seção 4 apresenta o contexto histórico, do pós-Primeira Guerra
Mundial, com maior detalhamento sobre a economia dos EUA. A seção 5
aborda a resistência do padrão-ouro e as repercussões da crise de 1929. Por
fim, a seção 6 se destina as considerações finais do trabalho.

2 O SISTEMA MONETÁRIO INTERNACIONAL (SMI)

Conforme Eichengreen (2000, p. 23):

O sistema monetário internacional é a cola que mantém ligadas as


economias dos diferentes países. Seu papel é dar ordem e
estabilidade aos mercados cambiais, promover a eliminação de
problemas de balanço de pagamentos e proporcionar acesso a
créditos internacionais em caso de abalos desestruturadores.

O SMI, no período de funcionamento do padrão-ouro, reduziu as


dificuldades relacionadas as transações econômicas internacionais e contribuiu
para o funcionamento dos mercados de capital mundiais (EICHENGREEN,
2000).
A primeira fase de estruturação do SMI correspondeu ao período em que
predominou o padrão-ouro, caracterizado por ser um período em que não
existia muitos instrumentos de controle do fluxo de capitais, e que colapsou
pela eclosão da Primeira Guerra Mundial (EICHENGREEN, 2000).
O segundo período correspondeu ao entre guerras, caracterizado por
ser um período em que foram instituídos controles do fluxo de capitais, com
adoção de medidas protecionistas por diversos países que tentavam se
recuperar no pós-Primeira Guerra Mundial, sem a influência exercida pelo
Banco da Inglaterra, marcado pela transição hegemônica (da Inglaterra para os
EUA), mas sem o engajamento norte-americano na retomada da estabilidade
econômica internacional. Neste sentido, o entre guerras apresentou um
panorama econômico de instabilidade nas relações entre os países, com
implicações para a redução dos fluxos de capitais e para o comércio
(EICHENGREEN, 2000).
A terceira fase foi o período em que prevaleceu o padrão dólar-ouro,
instituído pelo Acordo de Bretton Woods, em que predominou o relaxamento
dos controles sobre os fluxos de capitais, restando em expansão das
movimentações de capitais (EICHENGREEN, 2000).
A quarta fase corresponde a derrocada do padrão dólar-ouro até o
momento atual, cuja característica mais evidente se traduz nas
desregulamentações e no crescimento dos fluxos de capitais (EICHENGREEN,
2000). O colapso do padrão dólar-ouro não se fez acompanhar de uma
mudança de status do país hegemônico, nem pela perda de centralidade do
dólar como moeda internacional. Acrescente-se que neste novo arranjo 8
também foram mantidas instituições, como o FMI e o Banco Mundial, que
foram criadas pelo Acordo de Bretton Woods.
Faz-se necessário reconhecer que a implementação do SMI, nas
referidas fases, não foi um arranjo simples (EICHENGREEEN, 1995). Mesmo
em sua fase inicial, cuja influência e liderança inglesa facilitaram a
implementação, verificaram-se contratempos e momentos de turbulências
econômicas em alguns países que aderiram ao padrão-ouro.
Reconhecendo-se que o SMI apresentou características específicas aos
contextos históricos em que foram adotados, tem-se três aspectos gerais
necessários para viabiliza-lo, tornando-o exequível e confiável: “[...] capacidade
de ajustamento de preços relativos, adesão de todos os participantes a regras
monetárias robustas e habilidade para conter pressões de mercado”
(EICHENGREEEN, 1995, p. 53).
Sobre o mecanismo de acomodação de choques: “Um sistema que
realiza ajustes de preços relativos deve ser capaz de acomodar choques. Ou o
sistema cambial outorga tal capacidade, ou então um substituto adequado o
realiza.” (EICHENGREEEN, 1995, p. 54). Sobre a adesão as regras de
funcionamento do SMI: “[...] o governo [deve] ter uma reputação de defensor da
paridade estabelecida para a sua [...] moeda.” (EICHENGREEEN, 1995, p. 56).
E sobre a habilidade de conter pressões de mercado:

Enquanto as autoridades buscam obter credibilidade para seu


compromisso de defesa da taxa de câmbio, a economia pode ficar

8
“[...] no início dos anos 1970 [o padrão dólar-ouro] deu lugar a um sistema no qual dólares
totalmente inconversíveis (fiduciário ou mandatário) passaram a estar no centro do sistema de
reservas global – ainda que em potencial concorrência com outras moedas –, com flutuações
da taxa de câmbio entre as principais moedas. Os membros do FMI foram então autorizados a
adotar qualquer regime cambial que escolhessem, desde que evitassem ‘manipular’ suas taxas
de câmbio – termo que não possui, até agora, definição clara.” (OCAMPOS, 2011, p. 59).
sujeita a taxas de juros elevadas por um longo período. Tais taxas
podem ter efeitos negativos sobre o nível de investimento, o mercado
imobiliário, os custos do serviço da dívida pública e a estabilidade dos
bancos comerciais. Qualquer um desses efeitos pode minar os
esforços para adquirir reputação de mantenedor de regras monetárias
sólidas. (EICHENGREEEN, 1995, p. 57).

Assim, o governo tem que ser capaz de suportar pressões e se manter


consistente na perseguição da estabilidade. Neste sentido, o padrão-ouro foi o
sustentáculo da estabilidade do SMI até o início da Primeira Guerra Mundial,
sendo que:

[...] as nações industriais líderes mantiveram fixo o preço de suas


moedas em termos de ouro. Por meio de arbitragens no mercado do
ouro, essas políticas estabilizavam as taxas de câmbio. Enquanto se
mantivesse a conversibilidade externa e não se colocasse obstáculo
às remessas de ouro, as taxas de câmbio variavam no interior dos
gold points (bandas em torno da relação entre preço doméstico e
externo do ouro, definida pelos custos de remessa e de seguro).
(EICHENGREEEN, 1995, p. 59).

O autor afirma que a existência de “cláusulas de escape” permitiam aos


países promover a suspensão temporária da conversibilidade, sem a
ocorrência de maiores distúrbios e sem comprometimento da credibilidade:

Um exemplo típico de distúrbio excepcional é a guerra: a Inglaterra


suspendeu a conversibilidade durante as guerras francesas, sem
afetar a credibilidade de seu compromisso com o padrão ouro. Da
mesma forma, os EUA durante e após a guerra civil.
(EICHENGREEEN, 1995, p. 60).

Após análise criteriosa acerca do sucesso do padrão-ouro, o autor é


taxativo:

[...] a estabilidade do padrão ouro clássico observada no centro da


Europa é decorrente da existência dos pré-requisitos necessários
para um sistema monetário internacional viável. A ausência dos
pré-requisitos e a conseqüente instabilidade do padrão ouro na
periferia serve como contra-exemplo (EICHENGREEEN, 1995, p. 62).

Além de possibilitar estabilidade, num cenário de desregulamentação


dos mercados, redução das reservas cambiais e na inexistência, quase
completa, de cooperação, pactos e instituições internacionais, o padrão-ouro
correspondeu a

[...] um mecanismo extraordinariamente durável e eficiente de


assegurar a estabilidade dos preços e da renda, aliviar as pressões
sobre o balanço de pagamentos e de reconciliar as ações das
autoridades monetárias. A adoção do padrão-ouro também contribuiu
para diminuir a amplitude discricional dada as políticas econômicas
(EICHENGREEN, 1985, p. 02 apud GONTIJO, 2014, p. 144).

A partir da deflagração da Primeira Guerra Mundial a manutenção da


conversibilidade das moedas se tornou impraticável e as principais potências
envolvidas no conflito abandonaram a prática. Assim, durante a guerra, os
governos necessitaram de recursos para as operações e isso impulsionou uma
grande quantidade de emissões de moeda. Num cenário que exigiu forte
emissões monetárias a manutenção da conversibilidade iria ocasionar uma
troca acelerada de papel-moeda por ouro, pois se tornaria perceptível a
desvalorização da moeda e as reservas logo deixariam de existir (SAES,
SAES, 2013).
A guerra levou a desarticulação do padrão-ouro, tendo em conta que as
circunstâncias inerentes aos exorbitantes gastos, em decorrência do conflito,
não permitiram assegurar a conversibilidade das moedas dos países
envolvidos mais diretamente com a guerra, como a Inglaterra, França,
Alemanha, dentre outros. Já quando a Guerra terminou quase todas as
moedas ligadas ao padrão-ouro tinham se tornado inconversíveis (SAES,
SAES, 2013).
Não obstante, logo que a guerra acabou, ocorreram tentativas de
reerguer o padrão-ouro e quando as economias dos países da Europa
apresentaram sinais de reestruturação se deu o restabelecimento do padrão-
ouro na Grã-Bretanha, em 1925, e na França em 1928 (BEAUD, 1999).
O cenário de recuperação das economias devastadas pela Primeira
Guerra Mundial logo foi impactado pela crise de 1929 e os esforços para
restabelecer o padrão-ouro foram engolfados diante da severidade dos
problemas socioeconômicos a partir da quebra da Bolsa de Valores de Nova
York (SAES, SAES, 2013).
As controversias relacionadas ao padrão-ouro permanecem animando o
debate entre os especialistas:

A volta geral ao padrão-ouro e suas consequências, reais ou


presumíveis, constituem um dos principais tópicos da história
econômica, jogando teorias, metodologias e evidências umas contra
as outras em um debate monumental onde não há nem consenso,
que dirá unanimidade. Em defesa do padrão-ouro, havia e há o
argumento purista de que, em essência, ele promove a eficiência do
dinheiro como mecanismo de sustentação da atividade econômica
real, contribuindo assim para a eficiência e o êxito da economia real
(o mundo da produção, do emprego e do padrão de vida) (JAY, 2002,
p. 281).

Embora seja matéria de controvérsias, reconhece-se que o


funcionamento do SMI até a eclosão da Primeira Guerra Mundial permitiu a
expansão das relações econômicas internacionais, com relativa estabilidade
em decorrência do padrão-ouro.

3 O PADRÃO-OURO NO CONTEXTO HISTÓRICO

Desde a RI que a balança de poder tem pendido, primeiro em favor da


Inglaterra e, num segundo momento, em benefício dos países que
conseguiram alçar suas economias à condição de potências industriais,
principalmente, os EUA após a Primeira Guerra Mundial.
A Inglaterra, ao se estabelecer como a fábrica do mundo, buscou
ampliar os horizontes dos mercados para realização das vendas de suas
manufaturas (BEAUD, 1999). O êxito inglês contou com diversos fatores
favoráveis, tais como:
1) O pioneirismo na RI;
2) O vasto império colonial;
3) O desenvolvimento de inovações financeiras que ampliaram a
disponibilidade de recursos para investimentos;
4) A afirmação do poder da Libra: Foi a Libra Esterlina que possibilitou a
liquidez do sistema, sendo essa a peça-chave, pois foram os saldos britânicos
em conta corrente que contribuíram para a estabilização da economia
internacional (SAES, SAES, 2013);
5) O estabelecimento do padrão-ouro e sua difusão como prática monetária
predominante entre as principais economias até a deflagração da Primeira
Guerra Mundial, dentre outros fatores. Conforme Eichengreen (2000) algumas
decisões, como a da Alemanha, que decidiu abandonar a cunhagem de
moedas de prata, contribuíram para a ascensão do padrão-ouro. Contudo, o
autor afirma que foi a posição alcançada pela Inglaterra, maior potência
econômica e principal praça financeira, que assegurou a difusão do padrão-
ouro.
Vale destacar que:
[...] o padrão-ouro passou a existir quando determinado número de
países passou a aceitar os seus três princípios ou ‘regras’
estruturantes, a saber:
(i) inter-conversibilidade entre a moeda doméstica e ouro a
determinado preço oficial fixo, (ii) liberdade dos cidadãos de importar
e exportar ouro e (iii) um conjunto de regras relacionando a
quantidade de dinheiro em circulação num país ao estoque de ouro
deste país (EICHENGREEN, 1985, p. 3-4 apud GONTIJO, 2014, p.
245).

A adoção do padrão-ouro estava consolidada no início do século XX,


mas apenas quatro países dispunham de um sistema monetário sustentado, de
fato, no ouro: Inglaterra, França, Alemanha e EUA. Nos referidos países só
circulavam moedas cunhadas em ouro e o papel-moeda em circulação
correspondia a reservas de ouro mantidas pelo Tesouro. Já os demais países
mantinham compromissos relacionados a conversibilidade das moedas e do
papel-moeda em circulação em suas economias, inclusive pela adoção de
reservas monetárias de Libras, como a Índia, Filipinas, boa parte dos países da
América Latina, Japão e Rússia (EICHENGREEN, 2000).

Esses países podiam manter uma parte de suas reservas em títulos


do Tesouro Britânico ou depósitos bancários em Londres. Se suas
obrigações fossem apresentadas para resgate em ouro, o banco
central ou o governo poderia converter uma quantidade equivalente
de libras esterlinas em ouro no Banco da Inglaterra (EICHENGREEN,
2000, p. 48).

O funcionamento do padrão-ouro, em sua formulação tradicional, foi


proposto por David Hume, em seu “modelo de fluxo de moedas metálicas”
(EICHENGREEN, 2000, p. 49). É importante observar que a utilização de
metais preciosos (Existência do padrão metálico) como mercadoria aceita para
intermediação de trocas remonta aos antigos impérios, como o romano
(EICHENGREEN, 2000; COSTA, 2017).
Não obstante, seu uso mais generalizado se deveu aos mercadores
italianos e a partir de então a circulação de moedas metálicas (metais
preciosos, especialmente, o ouro e a prata) favoreceu o funcionamento da
economia: “As moedas eram usadas para compensar os déficits de transações
de mercadorias ao final de um período, como os países fazem hoje em dia para
quitar déficits em seus balanços de pagamentos” (EICHENGREEN, 2000, p.
31). Assim, os volumes das reservas aumentavam, ou diminuíam, em
decorrência dos superávits, ou déficits, nas transações com os demais países
(COSTA, 2017).
A proposição de David Hume (1752) se fundamenta no fluxo de moedas
metálicas entre os países, ou seja: numa situação de Balança Comercial
deficitária ocorreria a saída de ouro, que levaria a deflação (menor quantidade
de dinheiro em circulação), resultando na possibilidade de ampliação das
exportações, num segundo momento. Numa situação de Balança Comercial
superavitária ocorreria a entrada de ouro no pais, o que levaria a inflação (mais
dinheiro em circulação), levando a redução das exportações. Tinha-se como
resultado desse fluxo a alteração dos preços relativos e mecanismos
autocorretivos e automáticos entravam em operação, que acabariam por
reequilibrar a Balança Comercial 9 (EICHENGREEN, 2000; COSTA, 2017;
GONTIJO, 2014).
À medida que aumentava a complexidade das relações econômicas
entre os diversos países, em que as exportações de capitais se tornavam mais
importantes, intensificando-se o processo de globalização e financeirização,
percebia-se a necessidade de ampliar o modelo de Hume para dar conta da
relevância do fluxo crescente de capitais e dos papeis relevantes que as
instituições financeiras desempenhavam:

Essa modificação tornou-se imprescindível, pois, [...], ‘à medida em


que o século dezenove terminava e os mercados de capital mundiais
se tornavam mais integrados, aumentava o papel da mobilidade do
capital, ao ponto que passou a ser considerado como o mecanismo
de ajustamento dominante’ (GONTIJO, 2014, pp. 256-7).

Acrescente-se que:

De mais a mais, [...], se, por um lado, ‘as mudanças [no volume] da
circulação [monetária resultantes da entrada/saída de ouro]
produziam as mudanças na renda e nos preços requeridas para
ajustar o balanço de comércio’, por outro lado, ‘na medida em que
uma determinada variação das reservas [de ouro monetário]
requeriam uma mudança múltipla nas obrigações bancárias, o
processo normalmente envolvia uma variação nos termos em que os
bancos emprestavam ou da taxa de desconto’ [...]. Não foi sem

9
“Aplicada à balança comercial, essa teoria significa que os seus desequilíbrios, na medida em
que implicam no aumento ou na redução do montante de dinheiro em circulação, se
autoeliminam através da variação dos preços internos em relação aos preços do resto do
mundo.” (GONTIJO, 2014, p. 255). “Mais exatamente, um superávit na balança de comércio
exterior significaria entrada de ouro, pois no padrão-ouro a taxa de câmbio era fixa ou variava
dentro de uma banda estreita (entre os ‘pontos do ouro’) em torno à taxa de câmbio de
paridade, determinada pela relação entre os pesos em ouro fino das diferentes moedas. O
aumento das reservas de ouro, por sua vez, induzia os bancos a expandir a oferta de moeda e
o conseqüente ‘aumento da quantidade de moeda em circulação eleva[ria] o nível de preços
internos, o que afeta[ria] negativamente o saldo comercial externo da economia’ (GONTIJO,
2014, p. 255-6).
motivo, pois, que ‘de acordo com a abordagem tradicional, um
declínio (aumento) do estoque doméstico de moeda levava a uma
elevação (queda) da taxa de juros e, consequentemente, atraía
[repulsava] fundos do [para o] exterior’ [...] (GONTIJO, 2014, pp. 256-
7).

Assim, o modelo de Hume teria que ser adaptado para incorporar: a


relevância crescente dos fluxos de capital; os papeis dos bancos centrais
(possibilidade de intervenção, por exemplo, através da taxa de redesconto) e
das taxas de juros (por exemplo, a elevação da taxa de juros para conter a
saída de ouro, entretanto esse tipo de medida impactava, negativamente, a
atividade econômica e aumentava o custo do serviço da dívida pública), sendo
que essa releitura foi proposta apenas após a Primeira Guerra Mundial através
da elaboração do chamado “Relatório Cunliffe” (EICHENGREEN, 2000, p. 52).
A questão central, em relação ao padrão-ouro, era a manutenção da
conversibilidade e que as autoridades deveriam agir para salvaguardar a
vinculação da moeda ao ouro. Saliente-se que essa convicção conferia
credibilidade ao funcionamento do padrão monetário e, por conseguinte,
contribuía para a manutenção da estabilidade. Ademais, tal convicção reduzia
as pressões para que ações alternativas fossem utilizadas como, por exemplo,
combater o desemprego (EICHENGREEN, 2000).
Mesmo quando as autoridades descumpriam, por algum tempo, as
“regras do jogo”, tinha-se por certo que a conversibilidade logo seria
restabelecida. Vale ressaltar algumas críticas sobre a existência dessa diferença
entre o modelo e a prática: a interpretação era que os bancos centrais não operavam
da forma preconizada pela teoria clássica10, mas sem prejuízo do adequado
funcionamento do SMI (GONTIJO, 2014).
Outro aspecto importante é que o padrão-ouro não parecia funcionar de forma
completamente autônoma, mas, ao contrário, demandava ações de gerenciamento e de
atuação coordenada por parte dos bancos centrais, em especial, da Inglaterra, França e
Alemanha. Nesse tipo de arranjo, os bancos centrais eram impelidos, pelas
contingencias do funcionamento da economia, ao uso de medidas para salvaguardar a
conversibilidade das moedas (GONTIJO, 2014).
O fato relevante foi que, na prática, o sistema funcionou e por isso
mesmo o padrão-ouro foi considerado como um instrumento eficaz do SMI,
durante o período pré-PGM. O padrão-ouro foi o sustentáculo da estabilidade
do SMI até o início da PGM, uma vez que:

[...] as nações industriais líderes mantiveram fixo o preço de suas


moedas em termos de ouro. Por meio de arbitragens no mercado do
ouro, essas políticas estabilizavam as taxas de câmbio. Enquanto se
mantivesse a conversibilidade externa e não se colocasse obstáculo
às remessas de ouro, as taxas de câmbio variavam no interior dos
gold points (bandas em torno da relação entre preço doméstico e
externo do ouro, definida pelos custos de remessa e de seguro)
(EICHENGREEEN, 1995, p. 59).

Ademais, Eichengreeen (1995, p. 60) afirma que a existência de


“cláusulas de escape” permitiram aos países promover a suspensão temporária
da conversibilidade, sem ocorrência de distúrbios e nem comprometimento da
credibilidade11.
10
O modelo clássico do ajustamento do padrão-ouro pode ser apresentado da seguinte forma:
“Na hipótese de um desequilíbrio não passageiro na balança de comércio exterior, possível
graças à invariabilidade da taxa de câmbio, o país com superávit receberia ouro, ou seja,
acumularia reservas monetárias, que permaneceriam ociosas caso os bancos comerciais não
expandissem seus empréstimos. Para fazê-lo, os bancos teriam de ampliar os prazos dos
empréstimos, reduzir as garantias e cortar a taxa de desconto. A conseqüente expansão da
oferta de moeda significaria aumento da demanda agregada, tendo um efeito positivo sobre a
renda real e o nível de preços. Também a queda da taxa de desconto teria efeito similar, pois
reduziria os preços a prazo. O aumento da renda, por sua vez, faria crescer as importações, o
que seria reforçado pela elevação do nível de preços, a qual, num contexto de taxa de câmbio
fixa, significaria queda dos preços relativos dos produtos do resto do mundo. Também haveria
uma queda das exportações, pois as mercadorias produzidas no país ficariam mais caras, em
razão da inflação doméstica. Haveria, portanto, uma redução do superávit da balança de
comércio exterior, a qual perduraria até que houvesse um equilíbrio do balanço de
pagamentos. Mas os bancos, contando com reservas crescentes, também poderiam reduzir a
taxa de captação, o que impactaria negativamente a balança de capitais, que poderia tornar-se
negativa, contribuindo, assim, também para o equilíbrio do balanço de pagamentos (GONTIJO,
2014, p. 258).
11
“Um exemplo típico de distúrbio excepcional é a guerra: a Inglaterra suspendeu a
conversibilidade durante as guerras francesas, sem afetar a credibilidade de seu compromisso
com o padrão ouro. Da mesma forma, os EUA durante e após a guerra civil.”
Outro aspecto relacionado ao padrão-ouro era que mesmo não existindo
uma autoridade supranacional para assegurar a coordenação das operações
se estabeleceu uma espécie de “solidariedade internacional”, em que as
operações de um banco central levava ao ajustamento por parte de outros
bancos centrais. A sinalização dos ajustes para a harmonização 12 das políticas,
geralmente, partia do Banco da Inglaterra em função da posição de influência
que gozava (EICHENGREEN, 2000).
O padrão-ouro deveria fazer as correções necessárias dos
desequilíbrios13, a fim de garantir que a economia internacional funcionasse
com estabilidade, e as circunstâncias econômicas (crescimento econômico e
das relações comerciais) e políticas (inexistência de pressões para adoção de
medidas alternativas à conversibilidade) até a eclosão da Primeira Guerra
Mundial foram compatíveis para a experiência bem sucedida do padrão
monetário vigente no período (EICHENGREEN, 2000).
Após análise criteriosa acerca do sucesso do padrão-ouro,
Eichengreeen (1995, p. 62) foi taxativo:

[...] a estabilidade do padrão ouro clássico observada no centro da


Europa é decorrente da existência dos pré-requisitos necessários
para um sistema monetário internacional viável. A ausência dos
pré-requisitos e a conseqüente instabilidade do padrão ouro na
periferia serve como contra-exemplo.

Em síntese, considera-se que o padrão-ouro foi o responsável por


manter a estabilidade, num cenário de baixo controle do fluxo de capitais e de
inexistência de pactos e instituições internacionais consolidadas. Neste sentido,
correspondeu a “[...] um mecanismo extraordinariamente durável e eficiente de
assegurar a estabilidade dos preços e da renda, aliviar as pressões sobre o
balanço de pagamentos e de reconciliar as ações das autoridades monetárias”.
Contribuindo também para diminuir a amplitude discricional dada as políticas
econômicas (EICHENGREEN, 1985, p. 02 apud GONTIJO, 2014, p. 144).

4 O CONTEXTO HISTÓRICO DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL ATÉ A


CRISE DE 1929
(EICHENGREEEN, 1995, p. 60).
12
À medida que as rivalidades imperialistas entre as principais potências econômicas da
Europa se intensificam, verifica-se a deterioração do ambiente para a adoção de medidas
cooperativas.
13
Conforme Gontijo (2014, p. 266) o funcionamento se deu pela recorrência de “[...] desequilíbrios
cíclicos, ou seja, por crises periódicas”.
A partir da deflagração da Primeira Guerra Mundial a manutenção da
conversibilidade das moedas se tornou impraticável e as principais potências
envolvidas no conflito abandonaram a prática.
Ao longo do conflito as nações diretamente envolvidas necessitavam de
recursos para as operações e isso motivou grandes emissões de moeda,
dentre outras medidas incompatíveis com as “regras do jogo” do padrão-ouro.
A opção de manter a conversibilidade não era praticável, visto que a
desvalorização da moeda era perceptível e, certamente, ocasionaria uma troca
acelerada de papel-moeda por ouro, consequentemente, exaurindo as
reservas (SAES, SAES, 2013).
A Primeira Guerra Mundial foi o fator determinante para a desarticulação
do padrão-ouro14, tendo-se em conta que as circunstâncias inerentes aos
exorbitantes gastos, em decorrência do conflito, não permitiam assegurar a
conversibilidade das moedas dos países envolvidos mais diretamente com a
guerra, como, por exemplos a Inglaterra, França, Alemanha. O balanço sobre o
padrão-ouro no término da Guerra foi que praticamente todas as moedas em
circulação tinham se tornado inconversíveis (SAES, SAES, 2013).
Não obstante, logo que a Guerra acabou, ocorreram tentativas de
reerguer o padrão-ouro15 e quando as economias dos países da Europa
apresentaram maior robustez foi sendo restabelecida a conversibilidade, como,
por exemplos a Grã-Bretanha, em 1925, e a França em 1928 (BEAUD, 1999).
Saliente-se que os EUA restauraram a conversibilidade ainda em 1919
(PRADO, 2011).
As controversias relacionadas ao padrão-ouro permanecem animando o
debate entre os especialistas:

A volta geral ao padrão-ouro e suas consequências, reais ou


presumíveis, constituem um dos principais tópicos da história
econômica, jogando teorias, metodologias e evidências umas contra
as outras em um debate monumental onde não há nem consenso,
que dirá unanimidade. Em defesa do padrão-ouro, havia e há o
argumento purista de que, em essência, ele promove a eficiência do
dinheiro como mecanismo de sustentação da atividade econômica
real, contribuindo assim para a eficiência e o êxito da economia real
14
“Tão logo quando, em fins de julho de 1914, se tornou claro que a guerra seria inevitável, o
pânico tomou conta dos mercados europeus, com a queda das bolsas de valores, elevação das
taxas de juros, liquidação de ativos e corridas bancárias.” (GONTIJO, 2016, p. 04).
15
A elaboração do Relatório Cunliffe e as Conferências Financeira de Bruxelas, em 1920, e de
Gênova, em 1922 (EICHENGREEN, 2000; GONTIJO, 2016).
(o mundo da produção, do emprego e do padrão de vida) (JAY, 2002,
p. 281).

Controvérsias à parte, as ações das autoridades econômicas no período


após a Guerra foram no sentido de restaurar o SMI. Gontijo (2016) considerou
que o período do entre guerras representou uma fase de funcionamento do
SMI, com base no padrão ouro-divisas, e que as análises sobre essa fase
foram mais escassas em decorrência das grandes turbulências que
caracterizaram o período.

Não obstante, trata-se de um período crucial até para se entender a


formulação e as razões dos sucessos e fracassos da política
econômica de alguns países e blocos econômicos no período
recente, orientada, em larga medida, por princípios semelhantes aos
que inspiravam as políticas monetárias e fiscais implementadas no
período do padrão ouro câmbio (GONTIJO, 2016, p. 01).

O primeiro aspecto relacionado às medidas adotadas diz respeito ao:

[...] mito – caro aos formuladores da política econômica na época do


padrão ouro – câmbio, de que a estabilidade monetária, que
englobaria o equilíbrio fiscal, seria condição não apenas necessária,
mas também suficiente para o funcionamento harmonioso da
economia de mercado (GONTIJO, 2016, p. 01).

Além das medidas consideradas pelas autoridades econômicas no


período, deve-se considerar o contexto em que se tentava a restauração do
padrão-ouro: a Inglaterra não gozava mais da posição de liderança inconteste,
consequentemente a Libra não era mais a moeda universal, sendo crescentes
a força da economia americana e do dólar, a Alemanha passara de potência
econômica para uma condição de grave instabilidade econômica, social e
política, que favoreceu a ascensão do totalitarismo, boa parte dos países
europeus estavam com as economias em graves dificuldades, a Revolução
Russa, em 1917, e a maior força dos partidos trabalhistas promoveram
mudanças no ambiente interno, com pressões crescentes para a adoção de
medidas em favor da classe, ou seja, não existiam mais as condições
favoráveis que asseguraram o êxito do SMI até a Primeira Guerra Mundial.
Conforme Eichengreen (2000, p. 76): “Não era mais possível contar com
nenhum dos fatores que haviam dado sustentação ao padrão ouro no período
anterior à guerra”.
A Guerra interrompeu os fluxos de capitais, a partir da city londrina, que
faziam funcionar as relações econômicas internacionais, também exigiu grande
esforço para mobilização de recursos para financiar a guerra, inclusive
emissões de moeda sem lastro e aumento do endividamento, especialmente
junto aos EUA, durante o período do conflito.
Enquanto as economias europeias apresentavam os sinais de graves
instabilidades no pós Guerra, como endividamento, inflação (e de hiperinflação,
como Alemanha e Áustria), destruição humana e industrial etc., que implicavam
na impossibilidade de manter/restaurar a conversibilidade (EICHENGREEN,
2000; SAES, SAES, 2013). Dentre os indicadores que ilustram o período de
instabilidade econômica, tem-se a generalização de processos inflacionários,
conforme pode ser observado no quadro 1.

Quadro 1 – Índice de preços ao consumidor – países selecionados, 1914-1918-1920.


1914 1918 1920
Alemanha 100 304 990
Áustria 100 1.163 5.115
Itália 100 289 467
França 100 213 371
Suécia 100 219 269
Holanda 100 162 194
Grã-Bretanha 100 200 248
EUA* 100 203 249
Fontes: Feinstein, Timin, Toniolo (1997, p. 39); Arthmar (1997, p. 94) apud Saes, Saes (2013,
p. 326). * EUA: preços no atacado, 1913 = 100; 1918: jan/1919; 1920 = jun/1920.

De outro lado, tem-se a economia americana fortalecida, consolidando-


se como principal economia do planeta, mas avessa aos problemas dos aliados
europeus, inclusive com a paralisação da ajuda ao término do conflito
(EICHENGREEN, 2000; SAES, SAES, 2013).
Os EUA adotaram uma posição de relativo distanciamento, não aderindo
a ideia de criação de uma Liga das Nações, nem convalidando os termos
propostos no Tratado de Paz de Versalhes, envolvendo-se preferencialmente
com os assuntos internos, enquanto os países europeus, principalmente a
Inglaterra16, envidavam esforços para restaurar o padrão-ouro, posto que
significava resgatar a posição hegemônica que desfrutava na economia.
O balanço econômico do imediato pós Guerra era de uma economia
americana mantendo o ritmo acelerado de crescimento e pelos esforços de
reconstrução dos países mais diretamente envolvidos no conflito. Enquanto os

16
“[...] a [f]é no poder do padrão ouro era inquestionável. Era o selo do retorno à ‘normalidade’;
os desequilíbrios nos balanços internacionais seriam prontamente corrigidos pelos processos
‘automáticos’ de ajustamento do sistema, ainda que fosse reconhecido que poderia haver
tensões e dificuldades no período de transição” (GONTIJO, 2016, p. 09).
EUA conseguiam manter a conversibilidade do dólar, tinha-se o câmbio
flutuante nos países da Europa, com fortes flutuações cambiais, mesmo
considerando os esforços para restaurar a conversibilidade (GONTIJO, 2016).
O gráfico 1, a seguir, mostra a evolução no número de países que
restabeleceram o padrão-ouro a partir da década de 1920.

Gráfico 1 – Número de países adotantes do padrão-ouro (1921-1937)

Fonte: Palyi (1972) apud Eichengreen (2000, p. 78).

O crescimento no número de países que buscaram restaurar o padrão-


ouro mostra a força desse instrumento, como mecanismo balizador das
medidas adotadas pelas autoridades econômicas do período, contudo os
resultados não foram tão convincentes como aqueles do período anterior à
Guerra e a explicação mais eloquente é que os fatores favoráveis do pré-
Guerra não mais existiam, nem poderiam ser restabelecidos.
Dentre os aspectos teóricos que balizaram as medidas econômicas
adotadas no período do pós-Guerra, tem-se:

[...] a teoria neoclássica [e] a idéia da eficiência e resiliência dos


mercados[;] [...A] teoria quantitativa da moeda, o que, em termos de
política econômica, implicava em equilíbrio orçamentário[;] não
intervenção do estado na economia e livre comércio[;] além,
naturalmente, da aderência ao padrão ouro (GONTIJO, 2016, p. 08).

O componente teórico serviu como parâmetro para a adoção de medidas


para afrouxamento dos controles sobre os fluxos de capital e com viés de
caráter deflacionista (medidas contracionistas com vistas ao alcance de
equilíbrio fiscal). A diferença se deu em relação aos mecanismos internos de
pressão que apontavam para o abandono da conversibilidade no início dos
anos 1920 e, mais ainda, a partir da crise de 1929.
O cenário de recuperação das economias devastadas pela Primeira
Guerra Mundial não demorou para ser impactado pela crise de 1929 e os
esforços para restabelecer o padrão-ouro foram engolfados diante da
severidade dos problemas socioeconômicos a partir da quebra da Bolsa de
Valores de Nova York (SAES, SAES, 2013).

5 A RESISTÊNCIA DO PADRÃO-OURO E AS REPERCUSSÕES DA CRISE


DE 1929

O funcionamento do padrão-ouro, desde as últimas décadas do século


XIX, conferiu estabilidade cambial, estabilidade de preços, reduziu a
discricionariedade das políticas econômicas e funcionou razoavelmente bem,
gerando previsibilidade nas relações comerciais internacionais. Neste aspecto,
o padrão-ouro foi um facilitador do processo de globalização e de expansão da
financeirização em fins do século XIX e início do século XX, pois assegurou
razoável estabilidade para o SMI (SILVA, 2010).
Até o início da PGM o padrão-ouro funcionou de maneira satisfatória,
graças ao papel do Banco da Inglaterra, que atuou de forma coordenada com
os Bancos da França e da Alemanha para manter a estabilidade nas relações
econômicas internacionais. A partir da Guerra não foi possível manter a
conversibilidade das moedas e, com a intensificação do conflito, os fluxos de
capitais internacionais e o comércio foram quase que totalmente suspensos. Já
o período entre Guerras Mundiais foi de instabilidade do capitalismo, em
especial nas relações econômicas internacionais que, até o início da PGM,
funcionavam com sustentação do SMI (BEAUD, 1999).
Neste sentido, o pós-PGM foi marcado por grandes mudanças
socioeconômicas, com destaques: para o processo de reconstrução das
infraestruturas dos países devastados pelo conflito; pela difusão e
intensificação da organização cientifica do trabalho; pela mudança de eixo do
capitalismo, com a perda de poder hegemônico da Inglaterra e ascensão dos
EUA; por tentativas de restabelecimento do padrão-ouro; pela concentração de
reservas de ouro nos EUA; para a posição de credor de parte dos países da
Europa que os EUA passaram a exercer após o conflito (BEAUD, 1999).
Reafirme-se que, também, foi um período em que as economias
devastadas pela PGM envidaram esforços para reconstrução das estruturas
econômicas e para restauração da ordem no funcionamento da economia
mundial, notadamente, tentaram o restabelecimento do padrão-ouro (BEAUD,
1999).
O período da PGM e os anos seguintes ao encerramento do conflito
foram marcados por rivalidades entre as nações, limitando quaisquer medidas
coordenadas para restabelecimento do padrão-ouro. Prevaleceram medidas de
caráter recessivos como tentativas de aumentar a competitividade das
economias, também cresceu o protecionismo e o Banco dos EUA (FED) não
demonstrou comprometimento com a restauração do padrão monetário nos
demais países.
O modelo de crescimento econômico americano, demasiadamente
acelerado, foi orientado pelo mercado interno e, mesmo após o encerramento
da Guerra continuou muito aquecido. Sem assumir o papel de novo hegemon
do capitalismo mundial e com a expansão acelerada da economia se instalou
um clima de euforia e crença no crescimento contínuo, com forte tendência a
superprodução.
A economia americana apresentava sinais de força: maior produtor de
produtos industrializados, principal credor das economias capitalistas, maior
detentor de reservas de ouro, entretanto, conviveu com pressões inflacionárias,
déficits e recessão no início da década de 1920. Contudo, já em 1922, a
economia americana voltou a crescer e, cada vez mais, orientou-se pela
expansão do crédito, afrouxamento de controles e maior propensão para
realização de operações com maiores riscos, em especial, aplicações no
mercado de ações.
As circunstâncias precipitadas pela PGM representaram oportunidades e
novos desafios para a economia dos EUA, que ascendeu à posição de principal
economia do planeta, porém num período em que desmoronou o sistema
monetário do padrão-ouro17.
O otimismo americano contrastava com a realidade da economia de boa
parte dos países da Europa. Os esforços foram para a retomada do padrão-
ouro, muito embora tenham encontrado inúmeras dificuldades, como, por
exemplos: a elevação nos preços em virtude da guerra; a redução de reservas

17
No contexto histórico, somente no pós-Segunda Guerra Mundial se apresentou uma nova
perspectiva de criar um sucessor do padrão-ouro.
de ouro; o aumento do endividamento; o clima de desconfiança, rivalidade e
revanchismo entre as naçoes, aspecto que impedia quaisquer atuações
coordenadas etc.
Não obstante, os países da Europa perseguiram a retomada do padrão-
ouro e obtiveram êxito parcial, com a Inglaterra, em 1925, e a França em 1928,
dentre outros que recuperaram a conversibilidade das moedas ao longo da
decada de 1920, muitos dos quais adotando medidas recessivas, como
redução de salários para aumentar a competitividade das economias no
mercado internacional. Contudo, as experiências não se sustentaram e, no
início da década de 1930, consumou-se o abandono do padrão-ouro.
Já no período de 1928 a 1938 a produção industrial, o consumo e os
níveis de emprego tiveram reduções muito acentuadas. Foi um período de
grandes perdas econômicas e de acelerado empobrecimento de parcela
considerável da população (SILVA, 2010). Além da grande destruição,
novamente, proveniente de conflagração numa guerra mundial 18.
O balanço geral da economia dos EUA, considerando o período a partir
da PGM até o final da década de 1920, foi que o país alcançou, e consolidou, a
condição de nova potência do capitalismo mundial; tornou-se a nova fábrica do
mundo capitalista ainda antes da Guerra, mas se beneficiando da destruição
das principais economias da Europa; tornou-se a principal nação credora;
afirmou o estilo de vida americano como padrão comportamental desejado e;
difundiu os ideais do liberalismo econômico, como caminho para o progresso
material (MAZZUCCHELLI, 2009).
É importante destacar que, conforme Mazzucchelli (2009), após a PGM,
ocorreu uma retomada de valores considerados tradicionais por parte da
população americana, afirmando-se o estabelecimento de estratégias
econômicas mais arrojadas e alinhadas aos cânones do liberalismo econômico
e de incentivo à iniciativa privada, especialmente, ao longo da década de 1920.
Não obstante, os EUA, no plano internacional, mantinham-se firme no
estabelecimento de medidas protecionistas. A política tarifária foi um
instrumento muito utilizado em favor dos interesses econômicos do país e o

18
A sucessão de acontecimentos críticos: crise de 1929; Grande Depressão e Segunda Guerra
Mundial adiaram quaisquer expectativas de reestruturação do SMI.
relacionamento econômico que se entendia toleravel era com os países da
América Latina, nos termos expressos pela Doutrina Monroe.
A criação do Federal Reserve Bank (o banco central dos EUA,
popularmente conhecido como FED), ocorreu no governo do presidente
Woodrow Wilson, constituindo-se num evento importante na economia
americana. A Lei da Reserva Federal (Federal Reserve Act) foi aprovada pelo
Congresso americano, em 1913, e significou a principal medida para
estruturação do sistema financeiro no país, implicando na criação de novas
linhas de financiamento e crédito.
A criação tardia do FED é apontada como a principal razão para a city
londrina permanecer como centro financeiro mundial, mesmo quando os EUA
já tinham se tornado a principal potência industrial do capitalismo. Assim, no
imediato pós-PGM, o sistema financeiro americano nao tinha a maturidade
necessária para suceder o papel desempenhado pelo Banco da Inglaterra,
além de não se interessar no restabelecimento e salvaguarda do padrão-ouro
(ARRIGHI, 1996).
De outro lado, o clima de euforia e de crença no êxito dos mercados
autorregulados levaram ao afrouxamento da capacidade de intervenção do
Estado na economia, notadamente num momento em que alguns aspectos
deveriam merecer maior capacidade de regulação pública (contenção da
euforia) e ajustes macroeconômicos ativos para reduzir o endividamento
público, enfrentar o crescimento desbalanceado dos setores econômicos: forte
expansão da produção industrial (tendência à superprodução), queda de
preços de produtos agropecuários e redução de salários (problemas
distributivos que se acumularam e acabaram por comprometer o motor do
crescimento econômico, fortemente centrado no mercado interno)
(MAZZUCCHELLI, 2009).
O quadro 2 apresenta o funcionamento do SMI antes da crise de 1929.

Quadro 2 – SMI e o padrão monetário


Crise Características Comentários
O padrão-ouro foi instituído Estabilidade e crescimento do comércio
na Inglaterra no século XIX; internacional;
O câmbio fixo confere maior previsibilidade nas
relações econômicas internacionais;
O funcionamento do padrão-ouro acelerou a
globalização;
O Banco da Inglaterra desempenhou papel crucial
no padrão-ouro;
O padrão-ouro requereu credibilidade do hegemon
(Inglaterra) e capacidade de cooperação (Banco da
França e Banco da Alemanha);
Fluxo de capitais internacionais sem controles;
Colapso do padrão-ouro Período de forte instabilidade nas relações
durante a Primeira Guerra econômicas internacionais;
Mundial; Fluxo de capitais internacionais interrompido;
Funcionamento do padrão Fluxo de capitais internacionais comprometido;
1929 câmbio-ouro após a Transição hegemônica;
Primeira Guerra Mundial; Banco da Inglaterra sem condições de estabilizar a
economia internacional;
Rivalidades decorrentes da Guerra limitam a
cooperação entre o Banco da Inglaterra, Banco da
França e Banco da Alemanha;
FED não assumiu, completamente, a missão de
restaurar a estabilidade;
O período do câmbio-ouro foi marcado por
instabilidade na economia internacional;
Desvalorizações de moedas aumentaram
rivalidades entre países e cresceu o protecionismo;
Tentativas de As medidas para restaurar/preservar o padrão-ouro
restabelecimento do exigiram sacríficos sociais;
padrão-ouro no pós- Medidas deflacionistas representaram maiores
Primeira Guerra Mundial; custos sociais;
Reservas de ouro concentradas nos EUA;
Instabilidade na economia internacional continuou;
Anos em que restauraram o padrão-ouro: EUA:
1919; Inglaterra: 1925; França: 1928;
Breve restabelecimento do O câmbio fixo diminui margem discricionária das
padrão-ouro; políticas econômicas;
Ambiente social diferente do período anterior a
Primeira Guerra Mundial: trabalhadores mais
organizados resistem a reduções de salários
Colapso definitivo do 1929/30 – Países da periferia abandonam Padrão
padrão-ouro na década de Ouro;
1930. Ano em que alguns países abandonaram,
definitivamente, o padrão-ouro: 1931 – Áustria,
Alemanha e Inglaterra; 1932 - EUA; 1934 –
Tchecoslováquia; 1935 – Bélgica; 1936 - Suíça,
França e Bélgica.
Fonte: Elaboração dos autores (2023).

Antes da crise de 1929 o padrão-ouro foi restabelecido, mas num


cenário distinto do período em que funcionou até a PGM, em especial pelo
papel pouco ativo do Banco Central do hegemon e pelas hostilidades entre os
países da Europa, aspecto que limitava o restabelecimento de ações
coordenadas e do comércio. É importante destacar o papel que o Banco da
Inglaterra desempenhou como guardiã do padrão-ouro, cujas medidas de
salvaguarda do padrão monetário serviam como balizamento para os demais
países.
Assim, o papel de verdadeiro coordenador do SMI serviu para assegurar
a estabilidade nas relações econômicas internacional. Por outro lado, a
integração do SMI diminuía a margem de discricionariedade das políticas
econômicas e potenciavam a repercussão de choques exógenos, exatamente
por serem capazes de amortecimento num cenário de câmbio fixo.
A crise de 1929 ficou conhecida na literatura especializada como o
período da Grande Depressão, tendo como características: elevados índices de
desemprego e falências de empresas e bancos, cuja manifestação mais
aparente foi a formação de uma bolha especulativa que culminou no crash da
Bolsa de Nova York.
Saliente-se que foi a crise de 1929 que marcou o período da Grande
Depressão19, momento de grandes apreensões para as classes sociais mais
vulneráveis, de perdas exorbitantes para parte dos capitalistas, de
preocupações das autoridades governamentais com os riscos de convulsões e
revoltas e de questionamentos sobre a adequação e aplicabilidade do aporte
teórico neoclássico para o enfrentamento da devastação econômica (SILVA,
2010).
As autoridades monetárias dos EUA demoraram demais para intervir no
funcionamento da economia. A escalada da especulação financeira já estava
razoavelmente dimensionável a partir de 1925, mas quase nada foi feito para
frear a bolha que se formava e apenas em 1928 ocorreu a elevação da taxa de
juros, mas em apenas 1%, enquanto o FED aumentou a taxa de redesconto. Já
após o crash de 1929 não foram adotadas medidas de coordenação entre os
bancos centrais para tentar atenuar os efeitos.
Na verdade as autoridades econômicas pareciam incrédulas em relação
ao potencial devastador da crise. Continuaram acreditando que a crise seria
passageira e que logo as forças do mercado conduziram a economia para a
retomada do crescimento. No entanto, deu-se exatamente o oposto e o cenário

19
Todos os indicadores econômicos considerados no período corroboram a denominação de
Grande Depressão: “O PIB nominal nos Estados Unidos caiu de US$ 103,7 bilhões em 1929
para US$ 56,4 bilhões em 1932, recuperando-se para US$ 101,3 bilhões apenas em 1939”
(MAZZUCCHELLI, 2008, p. 63).
se deteriorou rapidamente, sem que medidas econômicas mais incisivas
fossem adotadas.
O aumento da taxa de redesconto realizada pelo FED incentivou ações
de mesmo caráter nos demais países e o resultado foi a paralisação do fluxo
de capitais. No geral, as medidas praticadas foram de caráter deflacionista,
com implicações recessivas, e aumento do protecionismo.
Vale ressaltar que, num primeiro momento, os países evitaram
desvalorizações monetárias, posto que esse tipo de medida representava o
abandono ao padrão-ouro e assim a ideia de preservação do SMI trouxe
implicações graves para a produção e para o emprego.
Além das medidas de viés contracionista e que reduziram ainda mais a
liquidez monetária, deve-se considerar a falta de iniciativas do FED para
preservação do sistema bancário americano. Assim, as falências de bancos
levou ao comprometimento do sistema de crédito e intensificou uma verdadeira
corrida bancaria, potenciando ainda mais os efeitos da crise.
A desestabilização da principal economia capitalista do planeta levou
inúmeros países a abandonar a conversibilidade das moedas à medida que as
reservas de ouro se exauriam. Ficou evidente que, diante da grave crise, a
solução convencional de usar medidas deflacionistas não seriam viáveis,
inclusive pela maior resistência oferecida pelos sindicatos de trabalhadores,
especialmente na Europa.
Assim, países como Inglaterra e Alemanha abandonaram o padrão-ouro
ainda em 1931 e vislumbraram perspectivas de recuperação mais rapidamente
do que aqueles países que insistiam em preservar o padrão-ouro e adotar
medidas contracionistas. O padrão-ouro foi abandonado pelos EUA em 1932,
ademais também aumentou o protecionismo e instituiu o New Deal, com
Roosevelt (BEAUD, 1999).

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observou-se que o período anterior à crise de 1929 foi marcado pela


eclosão da PGM que, dentre os inúmeros desdobramentos, levou a
desestruturação das economias da Europa e favoreceu à expansão econômica
dos EUA. O referido período representou a desestruturação do SMI, fundado
no padrão-ouro, e as tentativas de restaurá-lo no pós- PGM, marcando um
cenário de elevada instabilidade econômica na maioria dos países, enquanto
se evidenciava um clima de euforia e crescimento nos EUA. A exuberância da
economia norte-americana serviu para gestar a formação de bolhas
especulativas que, em 1929, precipitaram o início da Grande Depressão.
Os resultados sugerem que o colapso do padrão-ouro, em função da
PGM, elevou a instabilidade no cenário econômico internacional e as iniciativas
para restaurá-lo não foram condizentes com a nova realidade econômica do
pós-PGM. Ademais, a insistência em mantê-lo operacional, após o crash de
1929, foi determinante para o efeito contaminação, o espraiamento geográfico
e a intensidade da crise.
A insistência na manutenção do padrão-ouro diminuiu a margem
discricionária das políticas econômicas, uma vez que se exigia a
conversibilidade da moeda, assim o câmbio fixo foi um elemento complicador
para a adoção de medidas mais consistentes para reduzir os efeitos da crise de
1929.
Em síntese, evidenciou-se a insuficiência/equívocos na condução da
política econômica nos EUA, desde o momento em que o país não assumiu o
protagonismo necessário no período imediato ao pós- PGM como, por exemplo,
não atuando para restabelecer o padrão-ouro e assim restaurar a estabilidade
nas relações econômicas internacionais.
As autoridades governamentais americanas não adotaram medidas:
para balancear o crescimento econômico, concentrado em poucos setores
industriais, como o automobilístico; para diminuir a queda de preços agrícolas e
o endividamento de pequenos agricultores junto a bancos regionais; para
reduzir as desigualdades sociais, pois apesar do crescimento econômico a
pobreza ainda era grande, principalmente na zona rural do país; para conter a
expansão demasiada do crédito (a imaturidade e incapacidade regulatória do
FED foram decisivas); para controlar a escalada especulativa que tomou conta
da economia americana, a partir de 1926 e que se acelerou em 1928, em
decorrência da crença nos mercados autorregulados.
Ademais, as autoridades econômicas americanas erraram no
diagnóstico sobre a extensão da crise, pois não se concebia a possibilidade de
uma crise generalizada e duradoura e nem o sistema financeiro contava com
instrumentos e experiência para conter a escalada da crise.
O boom econômico do pós-PGM nos EUA não deixou de emitir sinais
sobre os riscos de crise, mas o contexto não favoreceu a adoção de medidas
mais contundentes de enfrentamento da crise econômica até a ascensão de
Roosevelt ao poder, isso por que o intervencionismo estatal só ganhou espaço
na agenda política do país com a derrota de Hoover para Roosevelt e sua
proposta do New Deal.

REFERÊNCIAS

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