Você está na página 1de 22

História Econômica Geral

ERA DOS EXTREMOS


O breve século XX
1914-1991

A Crise de 1929 e as
Políticas de Recuperação

Roberto R. Simiqueli
roberto.simiqueli@feac.ufal.br

Abraham Harriton, 6th Avenue Unemployment Agency (1937)


Rumo ao Abismo Econômico

Catástrofe se completa com o colapso do sistema econômico, em 1929.

Da mesma forma que Primeira Guerra molda mentalidade política dos
homens do século XX, Crise de 1929 marca de forma definitiva seu
imaginário econômico.

Ruptura brusca de paradigma abre espaço para referenciais críticos.
Heterodoxos ativos desde o fim do século XIX ganham enorme projeção.

Keynes, Hobson, Schumpeter, Veblen, Hayek e os marxistas (Marx, Lenin,
Hilferding, Rosa) são alguns dos autores que ganham projeção com colapso
da bolsa.

2
Rumo ao Abismo Econômico

“As operações de uma economia capitalista jamais são suaves, e flutuações
variadas, muitas vezes severas, fazem parte integral dessa forma de reger os
assuntos do mundo. O chamado “ciclo do comércio”, de expansão e queda, era
conhecido de todo homem de negócios do século XIX. Esperava-se que se
repetisse, com variações, a cada período de sete a onze anos. Uma
periodicidade um tanto mais extensa começara a chamar a atenção no fim do
século XIX, quando observadores perceberam em retrospecto as inesperadas
peripécias das décadas anteriores. Um boom espetacular, batedor de recordes,
de cerca de 1850 a inícios da década de 1870, fora seguido por vinte e tantos
anos de incertezas econômicas (os autores econômicos, um tanto
enganadoramente, falaram numa Grande Depressão), e depois por outra onda
marcadamente secular de progresso na economia mundial ”

3
Rumo ao Abismo Econômico

Os ciclos de Kondratiev: movimentos cíclicos de ascensão e queda da economia mundial.

Movimento de crescimento da década de 1920 seria acompanhado por brusca interrupção.
Problema é que não se processava somente dinâmica do microciclo, do intervalo de uma década,
mas interrupção brusca do ritmo de crescimento inaugurado com a Revolução Industrial.

Performance econômica no entreguerras:
– Manutenção (ainda que modesta) do ritmo de crescimento
– Diminuição dos fluxos migratórios
– Políticas deflacionárias
– Apego ao paradigma do padrão-ouro
– URSS não só se mantém imune ao caos econômico como cresce a largos passos

4
Rumo ao Abismo Econômico

Performance da economia norte-americana é a chave
– 1913: EUA correspondem a 1/3 da produção industrial do mundo
– 1929: 42% da produção mundial total é norte-americana
– Guerra reforça sua posição como maiores produtores do mundo, e os
transforma em maiores credores internacionais.
– Importações correspondiam a 40% das exportações de alimentos e
matérias primas dos 15 maiores exportadores.
– Aceleração da economia norte-americana garante descolamento das
finanças frente à realidade.

5
Rumo ao Abismo Econômico

As consequências econômicas da paz
– Paz de Versalhes cimenta caminho para crise e guerra
– Pagamento de reparações de guerra imposto à Alemanha coloca sua economia em
cheque.
– Expectativa de pagamento das reparações coloca economia francesa em standby
permanente
– Duas questões:

Esforço francês em limitar performance econômica alemã como forma de garantir
paz viabilizava efeito contrário

Como seriam pagas as reparações? Alemanha pula de crise em crise, e reparações
nunca são pagas

6
Rumo ao Abismo Econômico

Movimentos de expansão e valorização do capital financeiro global, agora com sede
em Wall Street.

Boom da década de 1920 é alimentado por necessidade de reconstrução e aporte
maciço de capitais norte-americanos.
– “Contudo, o que ninguém esperava, provavelmente nem mesmo os
revolucionários em seus momentos mais confiantes, era a extraordinária
universalidade e profundidade da crise que começou, como mesmo não
historiadores sabem, com a quebra da Bolsa de Nova York em 29 de outubro de
1929. Equivaleu a algo muito próximo do colapso da economia mundial, que
agora parecia apanhada num círculo vicioso, onde cada queda dos indicadores
econômicos (fora o desemprego, que subia a alturas sempre mais astronômicas)
reforçava o declínio em todos os outros.”

7
Rumo ao Abismo Econômico

Duas explicações:
– “O primeiro vê basicamente um impressionante e crescente desequilíbrio
na economia internacional, devido à assimetria de desenvolvimento entre
os EUA e o resto do mundo.”
– “A segunda perspectiva da Depressão se fixa na não geração, pela
economia mundial, de demanda suficiente para uma expansão
duradoura.”
– Lenta expansão da demanda era compensada por expansão do crédito ao
consumidor. Bolha de crédito explode, endividamento atravessa o teto

8
Rumo ao Abismo Econômico

Impacto é descomunal:
– Produção industrial americana cai a 1/3, entre 1929 e 1931
– Alemanha acompanha
– Preço do chá e do trigo caem 2/3; seda bruta – 4/5
– Crise atinge economias agrícolas de forma peculiar: como preços despencam, agricultores tentam
compensar a perda no poder de compra aumentando a produção. E isso, previsivelmente, faz com
que preços caiam ainda mais.
– Café é um dentre muitos desses casos.
– Desemprego: 23% na Inglaterra e na Bélgica; 27% nos EUA; 29% na Áustria; 44% na Alemanha.
Auxílio desemprego e outras medidas de seguridade social eram virtualmente inexistentes.
– Comércio mundial cai 60% entre 1929 e 1932

9
O Mundo Pós-1929

“ O período de 1929-33 foi um abismo a partir do qual o retorno a 1913
tornou-se não apenas impossível, como impensável. O velho liberalismo
estava morto, ou parecia condenado. Três opções competiam agora pela
hegemonia intelectual-política. O comunismo marxista era uma. Afinal, as
previsões do próprio Marx pareciam estar concretizando-se, como a
Associação Econômica Americana ouviu em 1938, e, de maneira ainda mais
impressionante, a URSS parecia imune à catástrofe. Um capitalismo privado
de sua crença na otimização de livres mercados, e reformado por uma espécie
de casamento não oficial ou ligação permanente com a moderada social-
democracia de movimentos trabalhistas não comunistas, era a segunda, e, após
a Segunda Guerra Mundial, mostrou-se a opção mais efetiva. […]”

10
O Mundo Pós-1929

“A terceira opção era o fascismo, que a Depressão transformou num
movimento mundial, e, mais objetivamente, num perigo mundial. O
fascismo em sua versão alemã (nacional-socialismo) beneficiou-se tanto da
tradição intelectual alemã, que (ao contrário da austríaca) se mostrara hostil
às teorias neoclássicas de liberalismo econômico, transformadas em
ortodoxia internacional desde a década de 1880, quanto de um governo
implacável, decidido a livrar-se do desemprego a qualquer custo.”

11
F.D. Roosevelt e o New Deal

Eleição presidencial de 1932: Herbert Hoover vs Franklin Delano Roosevelt
– Disputa entre ortodoxia econômica e proposta de “novo acordo” de recuperação

Vitória de Roosevelt abre oportunidade para revisão do tratamento da crise (que havia
obedecido a critérios predominantemente ortodoxos, sob Hoover)

Inovação na política econômica não se dá sem tropeços ou sem dissenso

Grupo de agentes engajados no planejamento e na implementação do New Deal é
profundamente heterogêneo (Belluzzo: “Babel de Ideias”; Kindleberger: 5 grupos de
alinhamento e motivações distintos)

Pressão imediata do concreto imprime ritmo acelerado à mudança. Proposta de “agir e agir
agora” do programa geraria desgaste adicional, caso Roosevelt não entregasse resultados
rápidos

12
F.D. Roosevelt e o New Deal

IMPORTANTE: as políticas de recuperação e o entendimento teórico sobre a crise
se desenvolvem concomitantemente no período. Debate acadêmico é informado
pela ação dos planejadores de política econômica, ao mesmo tempo em que informa
tomadores de decisão

O 1o New Deal (1933-1934): Recovery, Relief and Reform
– Regulamentação de mercados financeiros

Reconstruction Finance Corporation (RFC) (1932)

Emergency Banking Bill (1933)

Lei Glass-Steagall (1933)

Lei Bancária (1935)

13
F.D. Roosevelt e o New Deal

O 1o New Deal (1933-1934): Recovery, Relief and Reform
– Defesa da Agricultura

Agrarian Adjustment Act (AAA) (1933)

Farm Credit Act (1933)
– Política Industrial

National Industrial Recovery Act (NIRA) (1933)

National Recovery Administration (NRA) (1933)
– Políticas de Emprego e Renda

Civilian Conservation Corps (CCC) (1933)

Public Works Administration (PWA) (1933)

Civil Works Administration (CWA) (1933)

14
F.D. Roosevelt e o New Deal

O 2o New Deal (1935-1938)
– Proteção Social

Lei de Seguridade Social (1935)

Lei Nacional de Relações Trabalhistas (1935)

Lei do Trabalho Justo (1938)
– Regulação da concorrência
– Infraestrutura

Em síntese:
– Política abrangente e diversificada
– Amplo debate
– Novas formas de atuação governamental

15
Keynes e a promoção do gasto

Intenso diálogo entre acadêmicos e formuladores de política econômica

Momento chave de estruturação do keynesianismo e de sua penetração na academia. Galbraith, após 1940: somos todos
keynesianos

“Assim, quanto ao motivador primário na primeira fase da técnica de recuperação, eu enfatizo fortemente o aumento do
poder aquisitivo nacional resultante de um gasto governamental financiado por Empréstimos e não pela taxação dos
atuais rendimentos. Nada é tão importante quanto isso. Num boom, a inflação pode ser causada através da concessão de
crédito ilimitado para dar suporte ao entusiasmo excitado dos especuladores financeiros. Mas numa crise, o subsídio de
Empréstimos pelo governo é o único meio seguro de garantir rapidamente uma alta na produção em meio a uma alta nos
preços. É por isso que a guerra sempre resultou em intensa atividade industrial. No passado, a ortodoxia nas finanças
via a guerra como a única desculpa legítima para a criação de empregos e para os subsídios governamentais. Você,
Senhor Presidente, tendo rompido tais grilhões, está livre para empregar no interesse da paz e da prosperidade a técnica
que até o presente só foi autorizada a servir aos propósitos da guerra e da destruição.”
John Maynard KEYNES,

Uma carta aberta ao Presidente Roosevelt (1933)

16
Mussolini: corporativismo e fascismo

Fascismo – ascensão ao poder nos anos 1920
– Via corporativista para recuperação: Estado aliado e imiscuído ao grande capital, subordinando
trabalhadores e coagindo dissidentes
– Fim de impostos sobre o capital
– Incentivos à fusão de empresas (políticas de fomento à concentração e centralização do capital)

1930: “Enterrar o liberalismo na Itália!”
– Controle cambial, abandono do padrão ouro
– Istituto per la Ricostruzione Industriale (IRI) (1933)
– Emissões e endividamento
– Fragilidade estrutural

17
Mussolini: corporativismo e fascismo
“As Corporações são instrumentos destinados a atingir objetivos determinados. Quais são esses
objetivos? No interior, uma organização que, gradativamente, mas de maneira inflexível, aproxime
as distâncias entre as possibilidades máximas e as possibilidades mínimas ou nilas da vida. É isto
que chamo uma mais alta justiça social. Neste século não se pode mais admitir o caráter inevitável da
miséria material; pode somente admitir-se a triste fatalidade da miséria fisiológica. (...)
Hoje (...) a grande máquina agita-se. Não se podem esperar milagres imediatos. Aliás não se pode
esperar milagre nenhum, sobretudo se a desordem econômica e moral da qual sofre uma tão grande
parte do mundo deve continuar. O milagre não pertence à economia. O período que se inicia é uma
fase experimental; um ponto de partida e não um ponto de chegada. Mas a organização fascista é um
valor internacional, e o futuro consiste numa economia organizada e disciplinada.”

Benito MUSSOLINI,
Discurso ao Capitólio (10.11.1934)

18
Hjalmar Schacht e as políticas anticíclicas alemãs

Alemanha, 1920: hiperinflação, reparações de guerra e dificuldades de financiamento

Agitação social: movimentos socialistas e anarquistas ganham espaço entre trabalhadores
e massas de desempregados. Empresariado alemão, liderado por Franz von Papen, passa
a incentivar ascensão de grupo de extrema-direita que hostilizada abertamente os
elementos subversivos entre os trabalhadores – o Partido Nacional Socialista

Programa Econômico:
– “Nova Ordem”: economia se submetia à política
– 1o plano quadrienal (1933-1936): criação de empregos
– 2o plano quadrienal (1936-1939): elevação da produção
– Economia de guerra (1939-1945)

19
Hjalmar Schacht e as políticas anticíclicas alemãs

Consequências: defesa do Lebensraum (“espaço vital”) alemão
– Retomada agressiva do crescimento
– Keynes: eu avisei!

“Com exceção de algumas tarefas menores e secundárias, consegui intervir com êxito por três vezes na configuração das condições
socioeconômicas. A primeira vez foi quando se tratava de afastar o perigo comunista, dando ao povo alemão novamente uma moeda estável. O
problema não se resolvia simplesmente com a criação teórica de um Rentenmark ou "marco-centeio". A decisão aconteceu após uma luta de
meses pela manutenção da estabilidade do Reichsmark e uma política de financiamento que manteve o valor do Reichsmark durante anos no
mesmo nível. No começo dos anos 30, quando o desemprego atingiu o limite dos 7 milhões, tratava-se novamente de tirar o solo fértil para a
ameaça do comunismo. Utilizando métodos financeiros racionais porém ousados, foi possível em menos de três anos dar salário e pão a todos os
desempregados sem que a moeda fosse ameaçada. A situação financeira do Reich melhorava a olhos vistos de ano para ano. O terceiro êxito foi a
recuperação de uma balança comercial equilibrada através da introdução de tratados comerciais e de compensação bilaterais com os países que
suplementavam a economia alemã, abandonando a política praticada até então de tratamento preferencial de nação mais favorecida, que atendia
aos interesses apenas dos países economicamente fortes (...) Entretanto, esses êxitos foram sombreados por acontecimentos históricos trágicos.
Minha política monetária foi frustrada pelo endividamento desenfreado dos governos de Weimar e pela chantagem das reparações de nossos
inimigos. Minha política comercial e de geração de empregos foi destruída pela loucura da guerra hitlerista.”
Hjalmar SCHACHT,
Setenta e seis anos de minha vida (1999)

20
A Queda do Liberalismo

Colapso definitivo da ordem liberal anterior à guerra
– 1931-1932: Grã-Bretanha, Canadá e EUA abandonam o padrão ouro
– 1931: Grã-Bretanha abandona o livre comércio
– Corrida generalizada para proteção

Resposta à crise se dá por via inversa ao liberalismo:
– Proteção alfandegária e subsídios à agricultura
– Promoção do pleno emprego
– Instalação de sistemas previdenciários
– URSS vira referência de sucesso econômico. Ritmo estarrecedor de crescimento e imunidade
frente à crise fazem com que planejamento econômico entre definitivamente no léxico dos
economistas sobreviventes de 1929.

21
A Queda do Liberalismo

“Numa única frase: a Grande Depressão destruiu o liberalismo econômico por meio
século. Em 1931-2, a Grã-Bretanha, o Canadá, toda a Escandinávia e os EUA
abandonaram o padrão ouro, sempre encarado como a base de trocas internacionais
estáveis, e em 1936 haviam-se juntado a eles os fiéis apaixonados pelos lingotes, os
belgas e holandeses, e finalmente até mesmo os franceses.e Quase simbolicamente, a
Grã-Bretanha em 1931 abandonou o Livre-Comércio, que fora tão fundamental para a
identidade econômica britânica desde a década de 1840 quanto a Constituição americana
para a identidade política dos EUA. A retirada britânica dos princípios de transações
livres numa única economia mundial dramatiza a corrida geral para a autoproteção na
época. Mais especificamente, a Grande Depressão obrigou os governos ocidentais a dar
às considerações sociais prioridade sobre as econômicas em suas políticas de Estado. Os
perigos implícitos em não fazer isso — radicalização da esquerda e, como a Alemanha e
outros países agora o provavam, da direita — eram demasiado ameaçadores.”

22

Você também pode gostar