Você está na página 1de 20

GEOGRAFIA

POLÍTICA
Mundo bipolar
e Guerra Fria
Gabriel André de Assis Ramos

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Explicar o antagonismo entre URSS e Estados Unidos.


>> Reconhecer a estratégia de áreas de influência.
>> Distinguir os modos de produção em conflito.

Introdução
A Guerra Fria, conflito disputado entre os Estados Unidos e a União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS) pela hegemonia mundial, proporcionou a diversas
nações experiências profundas, indo muito além dos impactos internos nos res-
pectivos países. Na busca por expandir suas áreas de influência e diminuir as de
seu rival, ambos os países aplicaram estratégias distintas, apoiando e oprimindo
diferentes países em diferentes situações.
Mesmo com o mundo tentando se recuperar da traumática experiência que foi
a Segunda Guerra Mundial, as perspectivas de paz não duraram e, em poucos anos,
os embates de cunho político, econômico e ideológico tornaram-se novamente
belicosos, afetando países da América Latina até a Ásia. Os eventos ocorridos no
período da Guerra Fria preservam, até hoje, enorme relevância. Notório exemplo
é o regime militar brasileiro (1964–1985) e o golpe militar de Pinochet (1973), no
Chile, ambos apoiados logística, econômica e militarmente pelos Estados Unidos,
buscando minar as inclinações socialistas nos dois países.
Neste capítulo, você vai estudar os eventos que antecederam a Segunda Guerra
Mundial, ponto chave para entender sua sucessora, a Guerra Fria, e o antagonismo
2 Mundo bipolar e Guerra Fria

entre Estados Unidos e URSS. Vai também conhecer os acontecimentos e estratégias


que sustentaram o conflito ideológico, político e militar entre as duas grandes
potências já no período da Guerra Fria, passando por alguns casos concretos e
suas justificativas e desdobramentos. Por fim, você vai estudar as características
dos modos de produção capitalista e socialista.

URSS e Estados Unidos, dois mundos


antagônicos
Para entender o antagonismo entre os Estados Unidos e a URSS na segunda
metade do século XX, é necessário acompanhar alguns processos vividos
pelos dois países nas décadas anteriores.
O primeiro episódio a ser analisado é a Revolução Russa (1917), que der-
rubou o Czar e deu início à construção do primeiro Estado socialista. A mera
existência da URSS representava uma enorme ameaça para todos os países
capitalistas, pois mostrava aos trabalhadores ser possível derrotar o poder
do capital e, por meio da III Internacional Comunista (1919–1943), o bloco
socialista também orientava os países sobre como alcançar esse objetivo.

A disputa entre socialismo e comunismo será abordada mais pro-


fundamente na terceira seção, mas é importante destacar aqui
que o marxismo, ideologia fundante do socialismo científico (conhecido como
comunismo), aponta não só a necessidade, mas também a inevitabilidade de
se superar o capitalismo pelo socialismo e que esse processo ocorrerá não em
um só país, mas em todos.

Por essas razões, logo após a vitória dos comunistas na Rússia, dezenas
de países — destacando-se Estados Unidos, França, Reino Unido e Japão —
apoiaram financeira e logisticamente grupos que ainda tentavam retomar
o poder na Rússia. Todavia, mesmo com toda a pressão externa e conflitos
armados internos, o grupo dirigido por Lenin saiu vitorioso desse segundo
episódio, conhecido como a Guerra Civil Russa (1918–1923).
O terceiro episódio a ser brevemente analisado é a Primeira Guerra Mundial
(1914–1918). O conflito, envolvendo inicialmente potências europeias, contou
também com o envolvimento militar, mas principalmente econômico, dos
Estados Unidos. A potência ocidental fez vários empréstimos para o Reino
Unido e a França, além de ter sido um grande fornecedor de alimento e ar-
mamento para ambos. Ao fim da guerra, a Europa — parcialmente destruída e
Mundo bipolar e Guerra Fria 3

com suas maiores potências (Reino Unido, França e Alemanha) devendo mais
de quatro bilhões de dólares para os Estados Unidos — perdeu sua posição
hegemônica para os Estados Unidos, que se tornou o centro do capitalismo
mundial (REZENDE FILHO, 2008).
O quarto episódio é a crise de 1929. A década de 1920 foi, até a explosão
da crise, um período de grande crescimento econômico para os Estados
Unidos. Com o fim da Primeira Guerra Mundial (1914–1918), enquanto os paí-
ses da Europa lutavam para se estabilizar, os Estados Unidos lucravam com
empréstimos e vendas que haviam feito aos países beligerantes. Entre os
motivos que fizeram da década de 1920 um período de forte crescimento
econômico dos Estados Unidos, destacam-se:

[…] as altas taxas de acumulação de capital e investimentos, o crescimento de-


mográfico, a expansão do crédito, o reforço de sua posição hegemônica mundial,
a condição de primeiro produtor mundial de carvão, eletricidade, petróleo, ferro
e aço fundidos, metais não ferrosos e fibras têxteis e, por fim, um balanço de
pagamentos sempre favorável (grande exportador mundial). Além disso, podem
ser ainda mencionados o pioneirismo do consumo de massa de bens duráveis
(MARTINS; KRILOW, 2015, p. 3).

A década de 1920 foi marcada pelo American way of life (Figura 1), um
estilo de vida sustentado na fácil aquisição de crédito e bens de consumo
por parte da população. A produção industrial era tanta que, entre 1926 e
1929, os Estados Unidos foram responsáveis por 42,2% de toda a produção de
industrializados do mundo. No entanto, toda aquela aparente prosperidade
escondia grandes problemas estruturais, como baixas taxas de lucro, um
razoável nível de desemprego e altíssimo grau de concentração de renda e
desigualdade social. Em 1929, 60% das famílias estadunidenses possuíam
uma renda capaz de sanar somente as demandas mais básicas e vitais dos
seres humanos (REZENDE FILHO, 2008).
4 Mundo bipolar e Guerra Fria

Figura 1. No fundo, uma propaganda exaltando o “estilo de vida americano”, na frente uma
fila de desempregados, em 1929.
Fonte: Obvious (2016, documento on-line).

O consumo da população não pôde acompanhar a elevada produção


industrial do país, resultando em uma crise de superprodução que se aba-
teu sob os outros ramos da economia num efeito dominó. Tal crise foi um
choque para o capitalismo no mundo todo e também escancarou suas falhas
estruturais, lançando os olhares de todos para a URSS, Estado que crescia a
passos largos enquanto as economias capitalistas e seu principal porta-voz
se batiam em crise.
Para não detalharmos aqui o que será abordado posteriormente (os modos
de produção capitalista e socialista), basta destacar que, enquanto o produto
interno bruto (PIB) dos Estados Unidos despencou de 105 bilhões para 57
bilhões entre 1929 e 1933, a URSS manteve, entre seus três primeiros planos
quinquenais (1928–1942), uma média anual de crescimento entre 12 e 16%
(CANO, 2016). O “[…] plano visava não apenas o desenvolvimento econômico
por si mesmo mas também o melhoramento do nível de vida da população”
(MIGLIOLI, 1997, p. 51), acentuando a disputa entre os dois modos de produção
(capitalista e socialista, anárquico e planificado, respectivamente).
Dito isso, para chegarmos finalmente ao ponto crucial do antagonismo
entre URSS e Estados Unidos, a Segunda Guerra Mundial, resta-nos abordar
Mundo bipolar e Guerra Fria 5

a ascensão nazista. Quando Hitler assumiu o poder (1933) e deu início ao III
Reich, a Alemanha passava por uma profunda crise econômica oriunda ainda
do Tratado de Versalhes (1919) e da Crise de 1929. No campo político, o país
vivia uma situação de conflito aberto entre comunistas e nazistas (grupos
adeptos ao Partido Nacional Socialista Alemão) e uma enorme insatisfação
popular com os partidos tradicionais. Com uma ideologia declaradamente
anticomunista e antissemita — pois grupos comunistas tentavam tomar o
poder, e grupos de capitalistas judeus controlavam parte da economia alemã
—, Hitler conseguiu apoio dos grandes capitalistas nacionais e de parte da
população para avançar na sua empreitada contra a URSS, planejada desde
1933, e os comunistas e judeus na Alemanha (VUILLARD, 2018).
Outros acontecimentos importantes e que demonstram o apoio que o
nazismo (capitalismo) teve para invadir a URSS (socialismo) foram a Anexa-
ção da Áustria (1938) e a Conferência de Munique (1938), quando a Europa,
principalmente o Reino Unido e a França, foram coniventes com os interesses
alemães de anexar territórios em busca de melhor posicionamento estratégico
e insumos para sua indústria bélica. O resultado foi que, no ano seguinte,
Hitler invadiu a Polônia e deu início à Segunda Guerra Mundial.
Vimos até agora que:

1. a criação do primeiro Estado socialista foi uma ameaça para os capi-


talistas de todo o mundo, inclusive para os Estados Unidos;
2. a Primeira Guerra Mundial fez com que os Estados Unidos se tornassem
o centro do capitalismo mundial, tendo parte da Europa como sua
credora;
3. a Crise de 1929 arruinou a economia estadunidense e de várias outras
potências capitalistas, o que contrastava com o crescimento econômico
e social que a URSS atingia no mesmo período;
4. a ascensão nazista tinha entre seus objetivos: I) varrer comunistas e
judeus da Alemanha e do mundo; II) expandir o poder alemão, conhecido
como III Reich, e de seus capitalistas no continente e; III) derrotar a
principal ameaça dos grandes capitalistas, a URSS.

A Grande Guerra
Para entendermos a bipolaridade à qual o mundo foi submetido após o fim
da Segunda Guerra Mundial, é necessário nos determos em três pontos: 1) a
demonstração de força e o avanço do socialismo no mundo; 2) a situação dos
Estados Unidos durante e após a guerra e; 3) a divisão regional do planeta.
6 Mundo bipolar e Guerra Fria

A empreitada nazista sobre a URSS ficou conhecida, principalmente pelos


russos, como a Grande Guerra Patriótica (1941–1945), pois custou à URSS
a vida de mais de 20 milhões de pessoas e destruiu 25% de todas as suas
propriedades (REZENDE FILHO, 2008). Todavia, a guerra também serviu para
mostrar o poder militar que a URSS havia construído em menos de 30 anos.
Os Estados Unidos, que inicialmente participavam da guerra emprestando
dinheiro e vendendo armas e suprimento para os países dos dois lados (in-
clusive à URSS), só tomaram parte ativa no conflito após o ataque japonês
à Pearl Harbor (1941). No entanto, a URSS arcou com o custo da guerra, no
bloco dos aliados (Reino Unido, França, URSS e Estados Unidos), praticamente
sozinha. Exemplo disso está no gigantesco número de mortes sofridas pelo
país e na baixa ajuda militar recebida de seus aliados, respondendo a 2% das
armas, 11% dos tanques e 14% dos aviões utilizados (CANO, 2016). Além disso,
os Estados Unidos esperaram ao máximo para entrar de vez na guerra porque
fazia parte da sua estratégia esperar que os dois países (Alemanha e URSS)
enfraquecessem ao máximo. Apesar dessas questões e indo contra as expec-
tativas estadunidenses, após o fim da guerra, a URSS já despontava entre as
três maiores economias mundiais e se reerguia rapidamente (MUNHOZ, 2017).
Enquanto a URSS sofria enormes perdas econômicas e humanas no decorrer
do conflito, os Estados Unidos não sofreram quase nenhum dano material,
além de terem perdido poucas vidas na guerra (VIZENTINI, 1997). Por isso,
puderam aumentar a sua produção interna em cerca de 50% entre 1940 e 1944.
Além disso, a guerra proporcionou ao país um enorme impulso econômico.
Até o fim da guerra (1945), os Estados Unidos haviam emprestado 48 bilhões
de dólares para os dois lados do conflito e era o principal financiador da
Inglaterra. O crescimento econômico na década de 1940 foi tão alto que fez a
Crise de 1929 parecer muito distante. Portanto, a guerra foi muito proveitosa
para os Estados Unidos, já que, além de impulsionar sua economia, aumentou
sua influência na Europa, principalmente no pós-guerra (REZENDE FILHO, 2008).
O proeminente desempenho da URSS na guerra, a expansão do socialismo
na Europa com a construção das Repúblicas Democráticas e a vitória da Revo-
lução Chinesa (1949) fizeram com que o comunismo e seu carro chefe, a URSS,
assumissem enorme prestígio internacional, impulsionando os comunistas
mundo afora a fazerem a revolução em seus países. Para os Estados Unidos,
findada a ameaça que o imperialismo alemão representava caso vencesse a
guerra e com uma forte influência sob os governos da Europa e do Japão —
principais potências econômicas da época —, restava enfrentar, dentro e fora
de casa, seu mais novo e maior desafio, o vigoroso e influente socialismo.
Mundo bipolar e Guerra Fria 7

Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a vitória da Revolução Chinesa, o


bloco socialista passou a representar um terço do globo terrestre, ocupando
enorme faixa da Ásia e da Europa. Além disso, o prestígio e a influência ad-
quiridos pela URSS fizeram com que diversos países da África e da América
Latina buscassem inspiração e apoio no gigante socialista para se livrar da
dominação colonial e construir governos de democracia popular. Com tamanha
extensão territorial e política, tornou-se inconciliável a coexistência entre
URSS e Estados Unidos.

Mundo bipolar e áreas de influência


Para começarmos a pensar sobre a divisão do mundo em dois blocos e a dis-
puta pelas áreas de influência, é necessário retomarmos as Conferências de
Yalta e de Potsdam (1945), pois elas marcaram os rumos da Guerra Fria (1947).
Vasconcellos e Mansani (2013) apontam que a bipolaridade, sob o viés estadu-
nidense, desmembra-se em três principais aspectos: a disputa para manter as
zonas de influência (delimitadas em Yalta), o equilíbrio do poder (refere-se à
corrida armamentista) e a contenção do avanço comunista (por meio do Plano
Marshall e da proliferação de bases militares estadunidenses pelo mundo).
A Conferência de Yalta marcou o declínio político da Grã-Bretanha como
potência e o curto ápice da união entre Estados Unidos e URSS; afinal, após
anos de guerra e devastação, o que os países queriam era “paz e reconstrução”.
Na Conferência, buscou-se delimitar quais países ficariam sob influência de
quem. Passando por cima da vontade inglesa, Estados Unidos e URSS acorda-
ram que países fronteiriços com a URSS não teriam governos antissoviéticos.
Assim, ficou inicialmente acordado que o Leste Europeu, ou seja, os países
limítrofes com a URSS, não poderiam ter governos que fossem contra a URSS
(VASCONCELLOS; MANSANI, 2013). Isso era parte da estratégia da URSS para
suas áreas de influência, pois, na Segunda Guerra Mundial, esses países ha-
viam servido de corredor para a invasão nazista. Vizentini (1997) aponta que a
oficialização da concessão desses países à influência soviética tinha origem
ainda no período da guerra, pois foi o Exército Vermelho quem expulsou os
invasores daqueles países e desde então se instalou neles. Magnoli (2008),
por sua vez, destaca que o governo desses países visaria à união nacional,
aglutinando representantes de todos os partidos antifascistas, sob a direção
do partido comunista do país em questão.
Todavia, essa aparente união entre os três grandes (Inglaterra, Estados
Unidos e URSS) não durou muito. Apenas cinco meses após a Conferência de
Yalta, ocorreu a Conferência de Potsdam. Nesse meio tempo, a Grã-Bretanha
8 Mundo bipolar e Guerra Fria

passou a intervir no governo polonês (área de influência soviética), e os Es-


tados Unidos obtiveram sucesso no desenvolvimento e no teste de bombas
nucleares (Projeto Manhattan). Morray (1961, p. 86) destaca que:

O efeito inevitável da bomba foi fortalecer a confiança americana em sua capacidade


de liderar o mundo sem ajuda soviética, ou mesmo com a oposição soviética. O
desejo de entrar em acordo é habitualmente consequência de uma necessidade
objetiva, e isso ocorrera com os aliados durante a guerra, que fizeram concessões
mútuas e mostraram consideração pelos interesses mútuos, pela excelente razão
de serem, isolados, muito fracos para enfrentar a ameaça Hitler-Japão.

Toda a discussão da Conferência de Potsdam se deu sob a ameaça nuclear


desenvolvida pelos Estados Unidos. Além disso, essa Conferência se deu após
a rendição alemã; logo, havia um grande interesse, principalmente por parte
da URSS e da Grã-Bretanha, em cuidar para que a Alemanha não voltasse a
ameaçar os países vizinhos. A solução encontrada — e principal consequência
da Conferência de Potsdam — foi a partilha do país em áreas de influência,
ficando um terço com a URSS e dois terços com Grã-Bretanha, Estados Unidos
e França. Desse modo, ficou feita a chamada partilha do mundo: a URSS tinha
influência sob uma série de países de baixo desenvolvimento econômico na
Europa Oriental e em parte da Ásia, e os Estados Unidos tinham influência sob
os países desenvolvidos da Europa Ocidental e demais países do ocidente,
uma significativa vantagem em relação à URSS.
Entretanto, já no ano seguinte (1946), a tensão entre os dois países voltou
a aumentar. Ambos os embaixadores residentes nos países rivais enviaram
cartas a seus governos expondo o que identificavam como os planos de
expansão de seus adversários, salientando o antagonismo entre os dois
modos de produção. A resposta dos Estados Unidos à crescente ameaça
soviética veio com a criação da Doutrina Truman (1947) e do Plano Marshall.
As duas medidas, política/militar e econômica, respectivamente, visavam
conter o iminente avanço comunista no mundo, principalmente nas áreas
sob influência estadunidense. Enquanto a Doutrina Truman respondia de
imediato ao crescente poder dos partidos comunistas da Grécia e Turquia nos
respectivos países, reafirmava também o engajamento dos Estados Unidos
na sua tarefa vital de impedir que novos países se tornassem socialistas e,
consequentemente, aliados da URSS (VASCONCELLOS; MANSANI, 2013).
Aprofundando essa medida, o Plano Marshall era um auxílio econômico
aos países da Europa e da Ásia, particularmente ao Japão (literalmente uma
ilha capitalista, principalmente após a Revolução Chinesa, em 1949), bus-
cando impedir que os países capitalistas débeis econômica e politicamente
Mundo bipolar e Guerra Fria 9

vivenciassem uma revolução. Além disso, Magnoli (2008, p. 97) afirma que o
resultado da Doutrina Truman foi:

[…] além do Plano Marshall, a proliferação de alianças (militares e de ajuda econômi-


ca) com países das bordas da Eurásia. Foram criadas em 1949 a OTAN (Organização
do Tratado do Atlântico Norte), em 1954 a OTASE (Organização do Tratado do Sudeste
da Ásia ou Pacto de Manila) e em 1955 a OTCEN (Organização do Tratado do Centro
ou Pacto de Bagdá). Com relação a OTAN, em específico, tinha-se a ideia de que ela
serviria como um “escudo atômico” (SARAIVA, p. 202), e mais ainda, havia a ideia de
dissuasão nuclear, ou seja, pelo fato de os Estados Unidos deterem a tecnologia
da bomba atômica não haveria ataques ou confrontos que os obrigassem a usá-la.
Entretanto, para reforçar melhor a segurança na Europa, além de se criar uma área
de influência americana mais rígida, a OTAN foi criada com o princípio de Defesa
Coletiva, caracterizando que uma ameaça a qualquer um dos países-membros,
seria considerada ameaça a todos.

Observe, na Figura 2, o cerco de influência americana nas bordas da Eurásia.

Figura 2. Cerco feito à URSS pelas organizações criadas pelos Estados Unidos.
Fonte: Vasconcellos e Mansani (2013, documento on-line).

Dentre as teorias militares desenvolvidas à época, destacam-se as de


Halford John Mackinder (1861–1947) e Nicholas J. Spykman (1893–1943),
sobre a Heartland e o Rimland, respectivamente. Explicando, o Rimland se
refere às áreas em torno do Heartland (região central). Spykman acreditava
que dominando o Rimland haveria controle da expansão do Heartland. Em
termos práticos, equivaleria dizer que, ao controlar o entorno da URSS e suas
áreas de influência, impediria sua expansão (VASCONCELLOS; MANSANI, 2013).
Essa estratégia embasou as iniciativas dos Estados Unidos na sua missão de
conter o avanço socialista.
10 Mundo bipolar e Guerra Fria

Para pensarmos o equilíbrio do poder, referente à corrida armamentista,


vejamos agora a ligação entre a geopolítica estadunidense na Guerra Fria e
sua economia. Saraiva (2012) destaca que o que moveu os Estados Unidos
na Guerra Fria não foram apenas questões ideológicas, mas principalmente
econômicas e bélicas. Com o desenvolvimento da Segunda Guerra Mundial, os
Estados Unidos viveram um significativo crescimento econômico em virtude
da produção militar e, com o fim desta, não podiam aceitar que sua receita
diminuísse. Por isso, a promoção de conflitos internacionais tornou-se parte
da agenda estadunidense, pois era necessário escoar a enorme produção
armamentista do país, sempre cuidando para não viver uma nova crise de
superprodução. Afirma Saraiva (2012, p. 200):

[...] a política industrial e financeira do gigante associava-se à luta do anticomu-


nismo, ingrediente fundamental da preleção doméstica da Guerra Fria nos Esta-
dos Unidos. [...] A atuação diplomática dos Estados Unidos na sucessão de crises
internacionais que se iniciaram em 1947 […] evidenciou a perfeita fusão entre os
interesses da indústria e do comércio norte-americanos com a busca obsediante
pela hegemonia mundial.

Episódios históricos das disputas por influência entre


Estados Unidos e URSS
Abordaremos aqui alguns conflitos de grande relevância que demonstram
a disputa entre as duas potências na Guerra Fria. O primeiro é a Revolução
Chinesa (1949). Após derrotar as forças invasoras japonesas, apoiadas pelos
Estados Unidos, o Partido Comunista da China (PCCh), sob a direção de Mao
Tsé-Tung, construiu a República Popular da China. Aliada declarada da URSS,
vitória do socialismo no maior país do mundo e detentora da maior população
mundial, foi um forte golpe na posição geopolítica dos Estados Unidos na Ásia,
fazendo com que o país passasse a uma ofensiva internacional, buscando
manter e expandir sua área de influência na Ásia. O que nos leva ao nosso
segundo conflito.
A Guerra da Coreia (1950–1953) foi um conflito envolvendo o Japão, a URSS,
os Estados Unidos, a China e, obviamente, a Coreia. O conflito tem parte de sua
origem na Conferência de Potsdam, que repartiu o então território japonês
entre a URSS (com o Norte) e os Estados Unidos (com o Sul). A ocupação da
península coreana pelos dois países durou até 1948 e 1949, respectivamente. A
guerra teve início quando soldados da Coreia do Norte invadiram a Coreia do
Sul para tentar unificar o país, o que, dada a amarga experiência da recente
Revolução Chinesa, foi visto como inaceitável pelos Estados Unidos, pois
Mundo bipolar e Guerra Fria 11

poderia representar mais uma perda no continente asiático. A guerra teve fim
com uma trégua assinada em 1953, mantendo o país dividido em Norte e Sul.
Outro episódio importante foi a Revolução Cubana (1959). Governada pelo
ditador Fulgêncio Batista, Cuba era há séculos uma espécie de bordel dos
Estados Unidos (ALVES, 2016), que mandavam e desmandavam na pequena
ilha. Com o início da luta armada (1953) pelo grupo dirigido por Fidel Castro,
foram necessários aproximadamente seis anos até o triunfo da revolução. Com
tendências nacionalistas, anti-imperialistas, democráticas e comunistas, a
Revolução Cubana desagradou fortemente os Estados Unidos, que passaram
a boicotar o pequeno país. Uma das maiores ações dos Estados Unidos contra
Cuba se deu na chamada Invasão da Baía dos Porcos (1961). Nesse episódio,
agentes financiados pela CIA tentaram invadir o país e sabotar a revolução.
Todavia, a empreitada falhou. Após as diversas ofensivas estadunidenses
contra Cuba, Fidel Castro buscou e conseguiu apoio da URSS. Esta, por sua vez,
não investiu ou apoiou o desenvolvimento industrial de Cuba, mas manteve
o país com sua economia atada principalmente à produção açucareira, o que
fez com que, após o desmanche da URSS (1991), a pequena ilha vivenciasse
uma enorme crise. O triângulo Cuba-Estados Unidos-URSS também foi pro-
tagonista da Crise dos Mísseis (1962).
Para a URSS, era de extremo interesse ter um aliado no secular quintal
dos Estados Unidos, a América Latina. Porém, no contexto da Guerra Fria,
as manobras cubano-soviéticas geraram um dos momentos mais tensos da
história recente, quando URSS e Estados Unidos ameaçavam lançar bombas
atômicas um no outro — ápice histórico da corrida armamentista entre as
duas potências. Contudo, a guerra nuclear não ocorreu e, após diálogos entre
Kennedy (Estados Unidos) e Kruschov (URSS), a crise teve fim.

A Guerra Fria foi marcada pela Corrida Armamentista (ou bélica)


e a Corrida Espacial. Nelas, respectivamente, as duas potências
competiram no desenvolvimento de armas nucleares e no desbravamento do
espaço sideral. Exemplos desta última corrida foram os envios de Yuri Gagárin
ao espaço (URSS) e de Neil Armstrong à lua (Estados Unidos).

Outro episódio marcante das diversas disputas ocorridas na Guerra Fria


foi a Ditadura Brasileira (1964–1985). Governado por João Goulart (Jango),
o Brasil passava por tensos processos de democratização, chamados de
“reformas de base”, onde destacava-se a reforma agrária. Contudo, essa
proposta gerava forte irritação dos latifundiários locais, dos congressistas
12 Mundo bipolar e Guerra Fria

e também dos Estados Unidos. Para levar a cabo as mudanças pretendidas,


Jango buscou apoio popular. Essa manobra política, somada ao apoio que
o presidente recebia de grupos de esquerda, inclusive de partidos assumi-
damente comunistas, fez com que os Estados Unidos intervissem por meios
econômicos, diplomáticos e militares no Brasil. Para os Estados Unidos, era
inaceitável perder para o comunismo aquele que era seu maior “aliado” na
América Latina. Em 1964, com o apoio das Forças Armadas estadunidenses,
que se encontravam estacionadas na costa litorânea brasileira, as Forças
Armadas brasileiras deram um golpe militar, tirando o presidente João Goulart
e afastando o Brasil do “perigo comunista”.
Ainda na América do Sul, outro episódio de intervenção estadunidense
para acabar com as inclinações socialistas que o país apresentava foi a
Ditadura de Augusto Pinochet, (1973–1990), no Chile. Eleito em 1970, Salvador
Allende (1908–1973) era do Partido Socialista e governava o país pela Unidade
Popular (UP), uma coalização de partidos de esquerda. Similar ao Brasil de
Jango, o Chile de Allende possuía propostas democráticas e nacionalistas,
como reforma agrária e estatização de empresas consideradas fundamen-
tais para a economia e a independência nacional. Com claras inclinações
políticas à URSS, o governo de Allende passou a sofrer cada vez pressões
por parte de políticos e empresários nacionais, que viam na política da UP
uma ameaça a seus interesses. Em 1973, com o apoio dos Estados Unidos e
sob a justificava de “precisar deter a ameaça comunista”, as Forças Armadas
chilenas, sob a direção de Augusto Pinochet, bombardearam o Palácio La
Moneda, sede presencial do Chile, e assassinaram Salvador Allende, dando
início à Ditadura Chilena.
Por fim, mas não menos importante, vejamos sobre a Guerra do Vietnã
(1955–1975). O Vietnã encontrava-se dividido desde a Convenção de Genebra
(1954), quando se estipulou que o Vietnã do Norte seria governado pelos
comunistas (grupo dirigido por Ho Chi Minh), enquanto o Sul seria governado
por Bao Dai, aliado dos Estados Unidos. Havia uma proposta de eleição geral
para o país, para que a população escolhesse um novo governo geral, mas foi
recusada pelo Vietnã do Sul por medo de que o popular Ho Chi Minh vencesse.
Já em 1955, o Norte havia se aliado à URSS, e o Sul, aos Estados Unidos. En-
tretanto, foi a partir de 1959, com o início da guerra civil, que o embate entre
os dois lados ganhou novas proporções. A interferência estadunidense no
conflito começou no âmbito logístico, fornecendo treinamento, armamento
e dinheiro para os combatentes do Sul. Com o avançar das forças comunistas
do Norte e o enfraquecimento do governo apoiado pelos Estados Unidos,
Mundo bipolar e Guerra Fria 13

este se viu obrigado a intervir no país para tentar evitar a vitória das forças
dirigidas por Ho Chi Minh.
No entanto, a pretendida vitória fácil da potência estadunidense sob os
guerrilheiros comunistas não se realizou; pelo contrário, os Estados Unidos
se viram cada vez mais obrigados a aumentar seu investimento de vidas
humanas e dinheiro no conflito (MAGNOLI, 2013). Por fim, com sucessivos
fracassos e uma enorme pressão popular pelo fim da guerra, o presidente
Richard Nixon se viu obrigado a assinar um cessar-fogo. Após a derrota e a
retirada das tropas estadunidenses do Vietnã, o governo do Sul não resistiu
à ofensiva comunista e, em 1976, o país foi unificado sob direção destas.
Os eventos aqui trazidos visam demonstrar com exemplos históricos o
nível ao qual chegou a disputa por áreas de influência entre a URSS e os
Estados Unidos. A URSS incentivava os países a fazerem sua revolução e
romperem com a dominação estadunidense, enquanto os Estados Unidos
intervia em defesa de seus interesses e de seus aliados, buscando conter
a expansão comunista pelo mundo; afinal, os dois modos de produção em
disputa são antagônicos.

Capitalismo e socialismo em conflito


Vimos nas seções anteriores o desenvolvimento do antagonismo entre Es-
tados Unidos e URSS, entre capitalismo e socialismo, e muitos exemplos das
implicações que tal contradição gerou. Todavia, é necessário, para fecharmos
nosso estudo acerca da bipolaridade característica da Guerra Fria, apro-
fundar nosso entendimento sobre o que caracteriza os modos de produção
capitalista e socialista.

Modo de produção capitalista


Entre os vários teóricos que explicaram o que é o capitalismo, destacam-se
Max Weber (1864–1920) e Karl Marx (1818–1883). Neste capítulo, utilizaremos
a definição e os conceitos de Marx, por meio de Bukharin, de 1922, tanto pelo
fato de seu desenvolvimento teórico ter sido superior ao de Weber, quanto
pelo fato de Marx ter sido também o pensador do socialismo científico, po-
pularmente conhecido como comunismo.
Dentre as várias características do capitalismo, cabe destacar algumas
das principais. A primeira é a produção de mercadorias. No regime capitalista,
todos os produtos se destinam ao mercado; logo, todos se convertem em
mercadoria. Por exemplo, um industrial que produz botões, velas, caixões
14 Mundo bipolar e Guerra Fria

ou qualquer outra mercadoria não as produz para seu próprio consumo ou


de sua família, mas para o mercado.
A produção dessas mercadorias para o mercado pressupõe a existência
da propriedade privada dos meios de produção e, desde que esta existe
e serve ao capitalista na sua produção de mercadorias, existe também a
luta em torno do comprador, a concorrência. Nessa concorrência, os capi-
talistas que possuem melhor maquinário, melhores técnicas de produção,
melhores funcionários e, principalmente, mais capital (aqui, para facilitar
nosso entendimento, tratemos capital como sinônimo de dinheiro), findam
por vencer a disputa com o outro proprietário e levá-lo à ruína (BUKHARIN;
PREOBRAJENSKI, 2018).

Na competição desenfreada entre os capitalistas em busca de lucro,


manifesta-se a anarquia da produção. Segundo a teoria marxista,
competindo desenfreadamente entre si, os capitalistas terminavam por jogar
no mercado produtos manufaturados (mercadorias) em excesso, gerando uma
superprodução. Ao não conseguirem vendê-los, porque os salários dos traba-
lhadores eram baixos e não acompanhavam a alta geral dos preços, dava-se o
subconsumo. Logo, os seus lucros entravam em baixa, fazendo com que os in-
vestimentos fossem suspensos, provocando quebras em série e desemprego. Um
exemplo de crise vinculada à anarquia da produção é a Crise de 1929.

Desenvolve-se no capitalismo, então, a monopolização dos meios de


produção. A falência dos pequenos proprietários fez com que os grandes
capitalistas se tornem ainda mais ricos e concentrassem todas as matérias-
-primas, edifícios, usinas e afins, gerando uma situação na qual um pequeno
grupo de ricos possui tudo, enquanto uma imensa quantidade de pobres possui
apenas seus braços ou, em termos técnicos, sua força de trabalho. Assim,
desprovido de meios de produção, o pequeno proprietário vê-se obrigado
a vender sua força de trabalho para um capitalista em troca de um salário.
Diferentemente da época dos negros escravizados, quando o homem era
comprado e considerado propriedade privada de um senhor, no capitalismo
não se compra o homem, mas sua força de trabalho. Temos aqui a terceira
característica do capitalismo: o trabalho assalariado.
Por último, cabe destacar o caráter do Estado capitalista (burguês), ele-
mento essencial para a manutenção da situação exposta anteriormente.
Segundo Bukharin e Preobrajenski (2018), a sociedade capitalista baseia-se
na exploração da classe operária e, para evitar que ela se rebele contra a sua
situação de explorada, a burguesia estabelece o seu Estado e, por meio dele,
Mundo bipolar e Guerra Fria 15

a sua ditadura. Assim, utilizando de suas forças armadas (polícia, exército,


marinha etc.), da cultura (entretenimento, religião e educação) e dos poderes
criados (legislativo, executivo e judiciário, por exemplo), a burguesia visa
dominar a mente dos explorados e, em caso de revolta, vencê-los pela vio-
lência. O Estado capitalista funciona como um comitê para gerir os negócios
da burguesia (MARX; ENGELS, 2015), onde tudo que nele se desenvolve serve
aos seus interesses, e mesmo aquilo que se apresenta como feito para o
proletariado serve também à burguesia. Para ilustrar tal situação, faz-se
útil o seguinte exemplo fornecido por Bukharin e Preobrajenski (2018, p. 34):

É verdade que o poder burguês dita, algumas vezes, leis e decretos de que se
aproveita também a classe operária. Mas, se ele o faz, é no interesse da burguesia.
Tomemos para exemplo a estrada de ferro: — elas são utilizadas pelos operários,
servem também aos operários, mas não são construídas para eles. Comerciantes,
fabricantes, precisam delas para o transporte de suas mercadorias, a circulação
de seus gêneros, a mobilização das tropas e dos operários, etc. O Capital precisa
de estradas de ferro e as constrói para o seu próprio interesse. Elas são úteis,
também, aos operários, mas esta não é a razão que faz com que o Estado capitalista
as construa. Consideremos, também, a limpeza das ruas, o serviço municipal de
assistência e dos hospitais; a burguesia também os assegura nos bairros operá-
rios. É bem verdade que, comparados aos bairros burgueses, os bairros operários
são sujos e constituem focos de infecção, etc. Mas, ainda assim, a burguesia faz
alguma coisa. Por quê? Muito naturalmente porque, a não ser assim, as doenças
e as epidemias se espalhariam por toda à cidade e iriam causar sofrimentos aos
burgueses. O Estado burguês e seus órgãos das cidades são guiados, também,
nesses casos, pelos interesses da própria burguesia.

Como o objetivo deste capítulo não é apontar as contradições da sociedade


capitalista sob a ótica marxista, mas apenas destacar suas características,
não entraremos no mérito de seus conceitos fundamentais, mas somente a
esses três traços característicos do capitalismo e do Estado burguês.
Resumidamente, o modo de produção capitalista caracteriza-se pela
concentração da propriedade dos meios de produção em mãos de uma classe
social (a burguesia) e a presença de uma outra classe social (o proletariado),
para a qual a única fonte de subsistência é a venda da sua força de trabalho.
O desenvolvimento da sociedade se dá pela competição entre os donos dos
meios de produção e da exploração da força de trabalho do proletariado (dos
trabalhadores, de forma geral) por parte da burguesia e, para manter essa
situação, a burguesia (enquanto classe, ou seja, os burgueses coletivamente)
cria o seu Estado, por meio do qual luta por levar seus interesses adiante.
16 Mundo bipolar e Guerra Fria

Modo de produção socialista


Sendo uma forma social surgida de dentro do capitalismo e em luta contra
este, o socialismo tem algumas características diametralmente opostas às
de seu antecessor.

No século XX surgiram muitas vertentes do socialismo, como socia-


lismo libertário, socialismo de mercado, ecossocialismo e outros.
Entretanto, o enfoque dado neste capítulo é feito pelo viés marxista do socia-
lismo, ou seja, o socialismo científico do século XIX, desenvolvido por Marx e
Engels e aplicado pela URSS até metade do século passado.

Como os próprios nomes deixam patente, o capitalismo é a sociedade do


capital, voltada para o lucro e pautada pelas liberdades individuais; enquanto
o socialismo é a organização social voltada para a edificação do bem-estar
coletivo, de uma sociedade fraternal (BUKHARIN; PREOBRAJENSKI, 2018). O
primeiro traço característico do modo de produção socialista é a existência da
propriedade coletiva dos meios de produção em detrimento da propriedade
privada. Como vimos, segundo a lógica marxista, a existência da propriedade
privada gera competição e crises, as quais levam à ruína toda a sociedade
(vide crise de 1929). Por isso, o socialismo implanta a propriedade coletiva
dos meios de produção, a qual é gerida pelos trabalhadores e centralizada
pelo Estado. Isso nos leva ao segundo ponto característico do socialismo: a
economia planificada.
Como o objetivo do Estado socialista não é a obtenção do lucro máximo
para a classe capitalista, a planificação da economia visa organizar a produção
do país no sentido de obter os melhores resultados para toda a sociedade.
Um exemplo concreto de aplicação da economia planificada, com seus acertos
e revezes, está nos Planos Quinquenais da URSS, com os quais buscou-se
organizar a produção de todo o país em prol de objetivos comuns, como a
eletrificação e a industrialização do vasto território soviético, por exemplo
(REZENDE FILHO, 2008).
Cabe destacar também o caráter (função) do Estado socialista. Enquanto
o Estado capitalista busca assegurar os direitos da burguesia, o Estado
socialista busca impor restrições àquela classe e preparar terreno para
o comunismo, uma sociedade onde não existiriam mais classes sociais e
nem Estado (BUKHARIN; PREOBRAJENSKI, 2018). Para alcançar tal objetivo,
Marx aponta que a forma de governo do Estado socialista é a Ditadura do
Proletariado (MARX, 2012), com a qual se conteria a força da burguesia der-
Mundo bipolar e Guerra Fria 17

rotada e varreria sua influência cultural das classes oprimidas, reeducando


os trabalhadores sob a perspectiva proletária.
Podemos observar que os modos de produção capitalista e socialista
são antagônicos por várias razões, merecendo destaque as diferenças entre:

1. propriedade privada e propriedade coletiva;


2. produção (economia) anárquica e economia planificada;
3. caráter do Estado burguês (capitalista) e do Estado proletário
(socialista).

O capitalismo se assenta nas liberdades individuais, particularmente na


livre iniciativa (o direito de empreender, de deter o(s) meio(s) de produção). O
socialismo assenta-se nos direitos coletivos, tornando os meios de produção
propriedades comuns
à sociedade. No capitalismo, a produção é voltada para o alcance do lucro
máximo. No socialismo, a produção é voltada para atender às necessidades
da população e da nação. Por fim, o Estado capitalista busca assegurar os
direitos das classes possuidoras. O Estado socialista, por sua vez, busca con-
solidar a vitória do proletariado sob a burguesia em seu país e pavimentar o
caminho para o comunismo, uma sociedade sem classes sociais e sem Estado.
Apesar de os dois sistemas apresentarem propostas diferentes, os pro-
cessos reais nem sempre ocorrem como apresentados na teoria. Nem o
capitalismo, nem o socialismo clássico foram e são exatamente o que consta
nos livros, possuindo diferenças de país para país e também de acordo com
o período histórico.

Referências
ALVES, R. Um lugar de cabarés e gângsteres. Correio Braziliense, 27 nov. 2016. Disponível
em: https://www.correiobraziliense.com.br/impresso/2016/11/2715573-um-lugar-de-
-cabares-e-gangsteres.html. Acesso em: 26 jan. 2021.
BUKHARIN, N.; PREOBRAJENSKI, I. ABC do comunismo. 2. ed. São Paulo: Edipro, 2018.
CANO, W. Notas sobre a crise da URSS. Economia e Sociedade, v. 9, n. 1, p. 203-210,
2016. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/ecos/article/
view/8643126. Acesso em: 26 jan. 2021.
MAGNOLI, D. História das guerras. In: MAGNOLI, D. (org.). Guerras da Indochina. São
Paulo: Contexto, 2013. p. 407.
MAGNOLI, D. O mundo contemporâneo: os grandes acontecimentos mundiais da guerra
fria aos nossos dias. 2. ed. São Paulo: Atual, 2008.
MARTINS, L. C. dos P.; KRILOW, L. S. W. A crise de 1929 e seus reflexos no Brasil: a
repercussão do crack na Bolsa de Nova York na imprensa brasileira. In: ENCONTRO
18 Mundo bipolar e Guerra Fria

NACIONAL DE HISTÓRIA DA MÍDIA, 10., 2015, Porto Alegre. Anais [...]. Porto Alegre: UFRGS,
2015. Disponível em: https://silo.tips/download/a-crise-de-1929-e-seus-reflexos-no-
-brasil-a-repercussao-do-crack-na-bolsa-de-nov. Acesso em: 25 fev. 2021.
MARX, K. As lutas de classes na França. São Paulo: Boitempo, 2012.
MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do partido comunista. 3. ed. São Paulo: Edipro, 2015.
MIGLIOLI, J. Formação do sistema soviético de planejamento. Novos Rumos, v. 26, n. 12,
1997. Disponível em: https://revistas.marilia.unesp.br/index.php/novosrumos/article/
view/1949. Acesso em: 25 fev. 2021.
MORRAY, J. P. Origens da Guerra fria (de Yalta ao desarmamento). Rio de Janeiro: Zahar, 1961.
MUNHOZ, S. J. Imperialismo e anti-imperialismo, comunismo e anticomunismo durante
a Guerra Fria. Revista Esboços, v. 23, n. 36, p. 452-469, 2017. Disponível em: https://
periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/article/view/2175-7976.2016v23n36p452/34094.
Acesso em: 25 fev. 2021.
OBVIOUS. [Beleza americana]. [S. l.]: Obvious, 2016. Disponível em: http://obviousmag.
org/lumiere/2016/beleza-americana-chuck-palahniuk-e-o-american-way-of-life.html.
jpg. Acesso em: 25 fev. 2021.
REZENDE FILHO, C. de B. História econômica geral. 9. ed. São Paulo: Contexto, 2008.
SARAIVA, J. F. S. (org.). História das relações internacionais contemporâneas: da socie-
dade internacional do século XIX à era da globalização. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
VASCONCELLOS, C.-M. E.; MANSANI, R. de S. As conferências internacionais de Yalta
e Potsdam e sua contribuição à construção da hegemonia econômica internacional
norte americana no capitalismo do pós 2ª Guerra Mundial. Relações Internacionais no
Mundo Atual, v. 2, n. 16, p. 41-55, 2013. Disponível em: http://revista.unicuritiba.edu.br/
index.php/RIMA/article/view/731. Acesso em: 25 fev. 2021.
VIZENTINI, P. G. F. O Sistema de Yalta como condicionante da política internacional do
Brasil e dos países do Terceiro Mundo. Rev. Bras. Polít. Int., v. 40, n. 1, p. 5-17, 1997. Dispo-
nível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-73291997000100001&script=sci_
abstract. Acesso em: 26 jan. 2021.
VUILLARD, É. A ordem do dia. Alfragide: Dom Quixote, 2018.

Leituras recomendadas
CATANI, A. M. O que é capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 2017.
HOBSBAWM, E. J. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. 2. ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.

Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos


testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da
publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas
páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores
declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou
integralidade das informações referidas em tais links.

Você também pode gostar