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Parte II

O SISTEMA PRODUTIVO
CONTEMPORÂNEO
Capitulo 5 ___________________________

EMERGÊNCIA DE UM NOVO
SISTEMA PRODUTIVO

 crise econômica, a mudança tecnológica e os cicios iongos

o c u r s o dos anos 50 e 60, o crescimento econômico conheceu acelera­


N ção relativamente às tendências anteriores que marcaram o desenvol­
vimento econômico do século XX. Nas economias dirigidas do Ocidente,
onde os governos nacionais desenvolviam estratégias elaboradas de gestão
macroeconômica, as crises figuravam como eventos do passado. Registrou-
se contudo diminuição da taxa de crescimento em 1974, ao passo que as
taxas de inflação e de desemprego aumentavam. Todos os países europeus
eram atingidos, conquanto existissem diferenças notórias entre as suas situ­
ações econômicas. As reações oficiais evocaram, numa primeira etapa, a
existência de dificuldades que teriam servido de obstáculo à retomada do
crescimento. Os autores do Relatório McCracken, promovido peia Orga­
nização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento (OCDE), atri­
buíram a desaceleração patente da economia a uma falta de confiança dos
atores econômicos, e afirmaram: “Não há razão profunda para que, em cir­
cunstâncias mais favoráveis e com a ajuda de políticas apropriadas, não se
possa voltar a um clima de confiança”.
Entretanto, o tempo passava, e o crescimento nem sempre era retomado.
A ortodoxia econômica sugeria que tal fenômeno devia ser formalizado, e
numerosas interpretações foram propostas. Alguns autores neoclássicos iden­
tificaram as dificuldades encontradas com as imperfeições do mercado.
Supunha-se que estas interferiam nos equilíbrios do mercado — os quais,
nos modelos neoclássicos, decorreriam naturalmente do comportamento
individual racional no âmbito de uma economia de mercado — e perturba­
vam o crescimento. As expectativas irracionais dos consumidores e assala­
riados, a informação imperfeita e as interferências nos mecanismos de
mercado, associadas à ação dos monopólios, dos sindicatos, dos grupos de
interesses e dos governos, constituíram outros tantos entraves, catalogados
1115
106 Emergência de uiu novo sistema produtivo

como tais, ao funcionamento do mercado. Tudo isso pode enunciar-se como


segue: havia inadequação entre os modelos neoclássicos das economias de
mercado e as estruturas de então das economias industriais avançadas, e o
que estava em causa não era esse modelo, mas o mundo real.
Partindo desse diagnóstico, criaram-se estratégias neoliberais que, sob
roupagens conservadoras, centristas ou social-democratas, substituíram as
estratégias do Estado-providência keynesiano na maioria dos países. Se­
gundo as diferentes concepções, o que se buscava era a execução de um
programa de reformas que permitiria às economias aproximar-se da ideali­
zação de que eram objeto nos modelos de mercado. Encontrava-se aí toda
uma série de medidas cuj o caráter variava de um país para outro: desregula-
ção dos monopólios, privatização, legislação visando limitar o alcance e a
eficácia da ação sindical e transformar em mercadoria a proteção social.
Aventaram-se muitas outras idéias e argumentos para explicar e caracte­
rizar a persistência da crise. Encontram-se diferentes teorias do desequilí­
brio e dos modelos pós-keynesianos. A época conheceu uma renovação de
análises de inspiração marxista relativas à função das crises no ajustamento
econômico das economias capitalistas e ao papel da taxa de lucro como
elemento-chave de seu desenvolvimento. Surgiram igualmente várias teo­
rias da mudança estrutural. Dentre estas, as explicações se ligam a duas
correntes. A primeira apela para as concepções schumpeterianas e neo-
schumpeterianas. A segunda abrange as teorias da regulação: “As crises
estruturais estão de volta”, diz Robert Boyer em sua recente recensão das
teorias da regulação, “e as teorias da regulação são concebidas para expli­
cá-las” (Boyer, 1986a).

a) Mudança estrutural e tecnológica

Durante os anos 60 e 70 notaram-se diferenças setoriais persistentes nas


taxas de crescimento da produção e da produtividade, assim como nas taxas
de evolução do emprego e dos preços. Algumas indústrias tinham taxas que
eram duas ou três vezes superiores ao nível médio, ao passo que outras só
atingiam a metade desse nível. Com o passar do tempo, entretanto, o papel
das diferentes indústrias na produção e no emprego mudou. Essas diferen­
ças estavam estreitamente correlacionadas às mudanças na tecnologia dos
produtos e na tecnologia de fabricação; para isso, aventaram-se duas expli­
cações diferentes. Segundo a concepção de Kaldor (1966), a chave estava
nas diferenças de taxas de crescimento da demanda que diversas indústrias
conheceram, o que levava a diferenças nas taxas de crescimento da produ­
ção e — por causa das economias de escala e da utilização de novas gera­
Emergência de uni novo sistema produtivo 107

ções de máquinas — da produtividade. Salter (1966), optando por outro


ponto de vista, aventa a idéia de que as mudanças técnicas gerariam outras:
ganhos de produtividade, variação dos preços relativos dos bens e serviços,
evolução da demanda e variações nos volumes produzidos. O crescimento,
no decorrer do mesmo período, permanecia desigual tanto no espaço quan­
to no tempo. Persistiam diferenças nas taxas de crescimento regional, as
quais estavam igualmente em relação com as mudanças estruturais (ver
Kaldor, 1970, e Dunford, 1988). Ademais, notavam-se vários ciclos econô­
micos, porém de amplitude limitada, e a tendência geral erá positiva.
A gravidade da recessão nos anos 70 e 80 levou alguns economistas a
redescobrir as teorias dos ciclos longos do desenvolvimento capitalista, tal
como haviam sido formuladas no período entre as duas guerras mundiais.
Na verdade, quanto mais persistia a desaceleração, mais ela semelhava as
fases decrescentes das ondas longas dos anos 1830,1880 e 1930, que fofam
períodos de crise ê mudança estrutural profunda, comuns ao conjunto das
economias de mercado do mundo. Durante esses períodos algumas indús­
trias declinaram, ao passo que outras davam mostras de potencial de cresci­
mento rápido, As taxas de desemprego eram elevadas, ê apareceram
sim ultaneamente projetos divergentes visando a mudança institucional pro­
funda. Essas crises tiveram durações variáveis, sempre excedendo duas dé­
cadas. Conhecem-se, nesse meio tempo, períodos de prosperidade e
crescimento relativos (ver Tabela 1; ele mostra que, com exceção da Ale­
manha entre as duas guerras, a direção da mudança confirma a interpreta­
ção das ondas longas, conclusão igualmente partilhada por Coombs, Saviotti
& Walsh (1987).

Tabela 1. Evolução da produção em volum e nas ondas longas


Variação anua! (%) em volume da produção
Ondas longas Anus Estados Reino Alemanha França Média
Unidos Unido
I1A 1846-1878 4,2 2.2 2,5 1,3 2.8.
IIB 1878-1894 3,7 1,7 2,3 0,9 2,6
IÍÍA 1894-1914 3.8 2,1 2,5 1,5. 3,0
[IIB 1914-1938 2,1 1,1 2.9 1.0 2.0
IVA 1938-1970 4,0 2,4 3.8 3,7 3.8
Fume: Gordon, Edwards, Reich, 1982.

Os ciclos de cinquenta e cinco anos, aos quais se sobrepõem ciclos mais


curtos (do tipo Kitchin, JuglareKouznets), têm o nome do economista rus­
so que os descobriu: Kohdratieff. Nos seus trabalhos, Kondratleff observou
esse tipo de ciclos ao analisar ã evolução dos preços dos bens, de preferên­
108 Emergência de um novo sistema produtivo

cia aos indicadores reais da atividade econômica. As causas disso eram


movimentos cíclicos na formação a longo prazo do capital fixo (as princi­
pais infra-estruturas, como as estradas de ferro e os canais); elas próprias
dependiam da disponibilidade de capitais para o investimento, submetida,
também ela, a variações cíclicas (ver Marshall, 1987),

b) Explicação schumpeteriana e neo-schumpeteriana das ondas longas

Em sua já clássica obra de 1939, Business Cycles, Schumpeter desenvol­


ve um modelo policíclico do capitalismo industrial no qual mostra que o
desenvolvimento a longo prazo é marcado por ciclos de cinquenta e cinco
anos durante os quais o crescimento se acelera e depois se desacelera. Schum­
peter distingue três ondas de Kondratieff; a da revolução industrial (1787-
1842), a onda burguesa (ou das estradas de ferro) (1843-1897) e a onda
neomercantilista (desde 1898). Segundo Schumpeter, o surto de cada uma
dessas ondas correspondia à emergência e à expansão rápida de novas in­
dústrias que.apareciam quando industriais transformavam invenções (as quais
eram consideradas exógenas) em inovações. As inovações permitem rendas
de monopólio e suscitam imitações e melhoramentos. Quando de uma onda
de febre empresarial, as inovações tendem á difundir-se, a demanda em
produtos e serviços que dela decorrem aumenta e constata-se uma onda de
expansão das rendas, paralelamente ao desaparecimento progressivo do
sobrelucro, fruto de concorrência maior. Por fim o impulso dado ao cres­
cimento pela inovação diminui, esboroa-se a confiança dos industriais e
inicia-se uma fase de declínio. Schumpeter identificou essa evolução cícli­
ca do desenvolvimento econômico como um processo de destruição
criadora.
As concepções teóricas de Schumpeter alimentaram um debate muito
animado. Se elas fossem corretas, teriam desempenhado papel de primei­
ro plano na análise do crescimento econômico a longo prazo. Que os me­
canismos que ele identificou possam, ou não, engendrar flutuações cíclicas
a longo prazo vai depender de um dos dois fatores seguintes. As inova­
ções podem ser a um tempo suficientemente importantes e descontínuas
para gerar ciclos prolongados. A maior parte dos investimentos de infra-
estrutura que têm fortes efeitos-multiplicadores pertencem a essa catego­
ria. Por outro lado, as inovações podem ocorrer em cachos, talvez em
relação com á implantação de novas indústrias ou a introdução de novas
tecnologias.
Mesmo Schumpeter acreditava na ocorrência de inovações “em cachos”.
No meado dos anos 70, suas idéias foram objeto de renovado interesse quan­
Emergência de um novo sistema produtivo 109

do Mensch (1975) apresentou os levantamentos das inovações para cada um


dos grandes períodos dos séculos XIX e XX, mostrando que essas inovações
tinham aparecido em “cachos” nos pontos mais baixos das depressões das
ondas longas. A partir desses dados, Mensch emite a hipótese do papel de
gatilho da depressão sobre a inovação. Numa pesquisa inais recente, Kleink-
necht (1990) mostrou queesses pacotes ou cachos se situam sobre ondas mais
longas de inovações maiores, na fase descendente ou no princípio da fase
ascendente das ondas longas.
A outra explicação neo-schumpeieriuna foi dada por Frceman, Clark &
Soete (1982). Na verdade, eles propuseram outra interpretação causal. Em
primeiro lugar, o importante não é o número de inovações, mas, as inter-
relações entre as inovações no seio de sistemas tecnológicos em que exis­
tem importantes ligações entre produtos e processos. Podem identificar-se
vários tipos de inovações (ver Frceman, 1988). As inovações incrementais,
que dc maneira contínua impõem modificações aos produtos e processos
existentes, distinguem-se das inovações radicais, que engendram mudanças
qualitativas: o desenvolvimento dos reatores nucleares para produzir eletri­
cidade e a substituição do algodão pelo náilon constituem exemplos disso. As
inovações evolutivas e radicais podem ocorrer em meios relativamente
isolados. Mas, quando se trata de uma constelação de inovações radicais
interdependentés no plano técnico e econômico, Freeman fala de mudança no
sistema tecnológico. Quando as mudanças sobrevindas nos sistemas tec­
nológicos invadem o conjunto da vida econômica e afetam a capitalização e
o perfil de qualificação da mão-de-obra, ele fala, seguindo Perez, de novos
paradigmas tecnoeconômicos. Um paradigma tecnoeconômico novo é um
conjunto de regras e métodos de funcionamento ótimo e escolhido entre as
combinações de inovações tecnicamente possíveis. A difusão da máquina a
vapor e a da energia elétrica constituem exemplos do passado, ao passo que
as inovações nos domínios da microeletrônica e da informática representam
exemplos contemporâneos. Em segundo lugar, é a existência de agregados na
difusão das inovações, mais que os ‘‘cachos” de inovações propriamente
ditos, que constitui a causa profunda da fese ascendente.
Essas concepções lançam, pois, uma luz interessante sobre o desenvolvi-'
mento das sociedades capitalistas. Elas permitem interpretar, por exemplo,
o boom do pós-guerra como um "crescimento explosivo simultâneo de vá­
rias tecnologias novas e indústrias maiores, como a eletrônica, os materiais
sintéticos, os produtos farmacêuticos, o petróleo e a petroquímica e — na
Europa e no Japão em particular — os bens duráveis e os veículos” (Free­
man, Gark & Soete, 1982). Pode-se pois deduzir que um dos fatos mais
importantes que marcaram os anos 70 e 80 foi a emergência das tecnologias da
110 Emergência de um novo sistema produtivo

informação e das comunicações. Paralelamente, as interconexões entre


mudança técnica, mudança estrutural e crescimento econômico contribuem
para explicar a evolução do emprego nos níveis regional e nacional.
Resta ainda elucidar por que novos produtos e processos, assim como
novos sistemas econômicos, emergem em determinados momentos, porque
um novo conjunto de inovações não aparece desde que um sistema tecnoló­
gico se aproxima de seu termo e por que o ajustamento estrutural é tão
lento. Na verdade, uma das dificuldades maiores que o conceito de destrui­
ção criadora de Schumpeter suscita prende-se ao fato de que ele considera
automáticas primeiro a depreciação das indústrias e dos produtos antigos,
depois a’onda de investimentos em novas ino vações técnicas e organizacio­
nais: uma mão invisível deve conduzir a uma saída da crise. As incertezas
por que passam os atores econômicos nos dias de hoje, assim como as li­
ções que se podem tirar das crises anteriores, deixam transparecer situação
bem mais complexa.
Para trazer elementos de resposta a algumas dessas questões, Freeman &
Perez sugeriram que no curso das crises há uma contradição entre os desen­
volvimentos tecnológicos e as estruturas institucionais e sociais (estrutura
de qualificação da mão-de-obra, práticas administrativas, relações indus­
triais). O caráter dessa contradição difere de uma nação para outra, em con­
sequência do quê certas economias foram muito mais bem-sucedidas do
que outras. Segue-se uma abordagem da inovação institucional que conduz
a certa convergência entre as abordagens neo-schumpeterianas e as teorias
da regulação e mesmo as perspectivas marxistas que, concretamente, se vin­
culam ao estudo das taxas de lucro a longo prazo e, num nível mais geral, à
dialética das forças e das relações de produção. No entanto, as concepções
neo-schumpeterianas — da mesma forma que certas idéias marxistas —
tendem a ser mais deterministas que os enfoques regulacionistas, uma vez
que é a mudança tecnológica que, em última instância, vai determinar as
'estruturas institucionais,

As teorias da regulação

As teorias da regulação foram desenvolvidas para explicar processos de


desenvolvimento socioeconômico que apresentam grande variabilidade nos
planos espacial e temporal. Que é que provoca a passagem de um cresci­
mento regular a um crescimento instável ou à estagnação? Por que as fases
decrescimento e de crise têm intensidade e características diferentes segun­
do os lugares, e por que as fases de crescimento e de crise revestem um
caráter específico para cada período histórico?
Emergência de um novo sistema produtivo . 111*

Nessas teorias, considera-se o desenvolvimento capitalista como uma


sucessão de fases regulares de desenvolvimento macroeconômico,, ou de
regimes deacumulação, pontuada por crises quando uma ordem desmoro­
na e novas ordens tomam o seu lugar. A emergência de um regime de
acumulação resulta de mudanças na organização das forças de produção/
de novas trajetórias tecnológicas e de sua correspondência corma evolu­
ção das relações sociais/dos modos de regulação e das estruturas hegemô­
nicas associad as (ver Figura 1). Quanto às crises estruturais,, eíasaparecem
quando a reprodução estável das relações sociais já não pode ocorrer,
quando os modelos de desenvolvimento esgotam seü potencial ou ainda
quando o desenvolvimento das forças e das relações de produção se tqrna
errático.
Figura 1. Á teoria da regulação: conceitos-chave.
trajetória regime de
industrial acumulação

modo de estrutura
regulaçüo hegemSnica

Um regime de acumulação é um exemplo de relações dinâmicas regula­


res entre: 1. a valorização e a acumulação do capital; 2. a articulação dos
setores capitalista e não-capitalista; 3. a distribuição das rendas que molda
a reprodução das classes e grupos sociais; 4. a estrutura da demanda e do
consumo. Enquanto essas relações normais prevalecem, a acumulação pode
efetuar-se de maneira relativamente coerente e os desequilíbrios que ela
engendra constantemente podem ser atenuados ou diferidos (ver Boyer,
1986a). Esquematicamente, podem-se identificar vários regimes de acumu­
lação. No decurso do século XIX, um regime de acumulação extensivo ce­
deu lugar a um regime que combinava acumulação extensiva e acumulação
intensiva, no qual o investimento em capital constante — que compreende
os investimentos na siderurgia, nas ferrovias e na construção naval — asse­
gurou o crescimento da acumulação extensiva. Nos anos 30, e mais ainda
após a Segunda Guerra Mundial, ele cedeu lugar a um regime de acumula­
ção intensiva fundado na articulação da produção e do consumo em massa
(ver Aglietfa, 1976).
.Há correspondência clara entre esse enfoque e as concepções neo-schum-
peterianas, uma vez que os regimes de acumulação podenvser associados a
trajetórias ou a paradigmas industriais sucessivos (ver, por exemplo, Coriat,
1991). Todavia, a ênfase é colocada mais nas transformações do processo e
112 Emergência de um novo sistema produtivo

da organização do trabalho, da estrutura das qualificações (manufatura,


mecanização, organização científica ou taylorismo, automatização, infor­
mática de produção) do que no desenvolvimento de materiais, produtos e
setores novos.

Figura 2. Estilização das mudanças seculares regulação do emprego e dos salários.

Regulação tipo século XVUI Regulação concorrencial


(regulação antiga) tipo século XIX

Uma alteração da regulação Regulação lipo


“concorrencial" “monopolista" 1947-1976

O que é central nas teorias da regulação é a importância dada ao papel de


um modo de regulação. Um modo de regulação revela as formas concretas
de expressão das relações sociais fundamentais nas quais as estratégias e as
ações dos indivíduos e dos grupos se deploram. As relações sociais divi­
dem os indivíduos e os grupos sociais, engendrando rivalidades, conflitos e
contradições sociais. Um modo de regulação é um conjunto de instituições
sociais ou de formas estruturais que codificam essas relações sociais fun­
damentais e dão uma expressão material contingente aos conflitos sociais.
Essas formas estruturais tornam possível um comportamento estratégico que
exprime as contradições sociais subjacentes. O que as caracteriza é sua ap­
tidão para transformar temporariamente essas contradições em simples di­
Emergência de um novo sistema produtivo 113 _

ferenças, realizando, ao mesmo tempo, sua mediação, sua normalização e


sua regulação (Aglietta, 1976). Ao longo das fases em que as tendências
normalizadoras dominam, e assim que a reprodução dinâmica das relações
sociais permitem e impulsionam as forças de produção, aparecem proces­
sos estáveis de reprodução.
Nas sociedades capitalistas, as principais formas estruturais identifica­
das são o sistema monetário, a relação salarial, as formas de concorrência,
as relações entre empresas assim como a natureza e o papel do Estado. A
relação salário/trabalho revestiu, por exemplo, formas multo diferentes ao
longo da evolução do capitalismo: uma regulação concorrencial com um
consumo muito limitado em bens capitalistas pela classe trabalhadora, uma
regulação taylorista na qual o trabalho foi transformado sem que os modos
de vida da classe trabalhadora tenham sofrido uma transformação notável, e
uma regulação fordista em que os novos modos de consumo emergiram
paralelamente às novas normas de produção (ver Boyer, 1986a, e Figura 2)
Um regime de acumulação é então o resultado macroeconômico do fun­
cionamento de um modo de regulação no quadro de uma forma particular
de industrialização. O modelo de desenvolvimento do pós-guerra, a que
chamamos fordismo, é um exemplo, nos países ocidentais.
O modelo de desenvolvimento fordista parte de uma revolução nas con­
dições de produção e de trabalho (o taylorismo e o fordismo como princí­
pios de organização do trabalho) no setor dos bens de consumo (ver Figura
3). Ele engendrará um crescimento da produtividade. Com os ganhos de
produtividade, se registra as altas dos rendimentos reais das classes médias,
dos trabalhadores manuais, dos empregados de escritórios, dos comercian­
tes, dos agricultores etc.
O aumento dos rendimentos levou a um crescimento do tamanho do mer­
cado de bens de consumo. Encontramos um segundo círculo virtual trans­
versal a este primeiro. O aumento dos investimentos nos setores de bens de
consumo estimula a demanda de bens de equipamentos, uma vez que as
máquinas e os novos métodos podem contribuir na manutenção em um ní­
vel elevado a taxa de lucro e a acumulação.
Segundo Boyer, estes círculos virtuais descrevem novos mecanismos de
fixação dos salários (ver Figura 2). Após a Segunda Guerra Mundial, a taxa
de crescimento dos salários reais se acelerou. Independente de a produção
aumentar ou diminuir, os salários nominais aumentam, assim como o custo
de vida, e os aumentos de salários reais correspondem à taxa de crescimen­
to da produtividade. Em outros termos, o crescimento se tornou regular e
depende menos das flutuações da atividade econômica. O aumento dos efe­
tivos salariais, assim como os salários indiretos e as rendas de transferência,
114 Emergência de um novo sistema produtivo

são fatores que contribuem para esse resultado, pois as novas condições de
crédito, nos países ocidentais, permitem aos trabalhadores adquirir bens
duráveis. A passagem dos mecanismos monopolistas (qualificados como
rigidez nas décadas de 70 e 80) para os mecanismos concorrenciais, contri­
buiu na manutenção do crescimento e foi uma das principais razões que
permitiram evitar uma estagnação como a que conhecemos nos anos 30.
Quando o crescimento da produção atinge níveis elevados, a dilatação dos
mercados corresponde ao aumento das capacidades de produção assim que
o consumo e o investimento ex ante estejam de acordo com a produção da
economia em seu conjunto e em seus principais setores.

Figura 3. Acumutaç3o intensiva: os dois ciclos virtuosos


Emergência de um novo sistema produtivo 115

A crise do fordismo

Pelo fim dos anos 60 e começo dos 70, o crescimento se desacelerou.


Uma explicação do fim do crescimento, que recebeu certa audiência, atribui
este ao desmoronamento da produção de massa (Piore & Sabei, 1984). Se­
gundo esses dois autores, a demanda de bens produzidos em série estagnou
num período em que os mercados nos países adiantados estavam saturados
e no momento em que os consumidores procuravam bens mais diversifica­
dos e apelavam para uma concepção mais elaborada. Nessa conjuntura,
empresas menores e mais flexíveis que fabricavam e ofereciam bens e ser­
viços diversificados, que empregavam mão-de-obra qualificada, começa­
ram a tornar-se competitivas e deixavam pressagiar novo modelo de
desenvolvimento denominado especialização flexível.
As teorias da regulação propõem, por sua vez, outro ponto de vista e
fundamentam-se em dois fatos primordiais: 1. uma crise da oferta, que re­
flete a baixa tendencial da taxa de lucro, fincando raízes não nas condições
do mercado, mas no seio mesmo do sistema de produção do valor e dos
conflitos do trabalho; 2. Uma crise da demanda, subseqüente à internacio­
nalização da atividade econômica (gerada pela busca de economias de es­
cala) e com o consequente enfraquecimento do vínculo entre crescimento
nacional e controle da demanda ao nível de um país, fenômeno que condu­
ziu ao monetarismo.

Do fordismo à acumulação flexível?

Nesses períodos de crises, constata-se uma defasagem entre a evolução


das forças produtivas e das relações de produção; nota-se a predominância
das instabilidades e se está diante de um espaço-tempo de transformação no
seio do qual as lutas determinam nova ordem social e econômica (ver Wal-
lerstein, 1988). As direções nas quais se desenvolvem as relações sociais e
a utilização das novas tecnologias, as que determinam as estratégias adota­
das, dependem das lutas entre as diferentes forças Sociais e políticas, assim
como da eficácia das leis de instauração da ordem social que predominam
em diferentes contextos econômicos, sociais e políticos. Com o declínio do
fordismo, o curso da evolução foi modificado. Durante os anos 60, tentati­
vas visando desencadear uma mudança estrutural, favorecer o ajustamento
à evolução das condições econômicas e acelerar a inovação apoiaram-se
freqüentemente no planejamento econômico, no desenvolvimento do setor
público e do Estado-providência. Todavia, no fim dos anos 70 e durante os
116 Emergência de um novo sistema produtivo

anos 80 um ponto cie vista diferente prevaleceu na maioria dos países de­
senvolvidos: uma saída da crise exigia, afirmou-se, que se atacassem as
austeridades, requeria a desregulação, maior flexibilidade e mais confiança
no mercado. Noutros termos, o objetivo era o desmantelamento das institui­
ções e do modo de regulação que constituíam o fundamento do boom do
pós-guerra. Na mesma época, vários autores críticos afirmaram que a maior
flexibilidade era trnço fundamental da era pós-fordista e a identificaram
com um regime de acumulação flexível.
A avaliação dessas opiniões requer, antes de mais nada, que se identifi­
que, que se denuncie e se explique o impacto da destruição das austeridades
e da procura de maior flexibilidade na organização econômica, social e es­
pacial. Notou-se uma tendência a mais flexibilidade nos domínios dos mé­
todos de produção, dos contratos de trabalho, da fixação dos salários, das
relações interempresas etc. Depois, estudaram-se essas evoluções para ver
se tinham caráter do tipo conjuntural ou secular. Algumas delas constituíam
reações de defesa ante as dificuldades de acumulação e de crescimento dos
anos 70 e 80? Estratégias descentralizadas e a busca de objetivos a curto
prazo podem conduzir a um novo modo de regulação? Há razões para pen­
sar que processos de inovação e de concorrência que levam, numa primeira
etapa, a uma descentralização inevitável, podem conduzir, com o tempo, a
uma concentração e centralização mais intensas do capital? A inovação e a
aceleração nó estabelecimento e na utilização de novas tecnologias corro­
boram uma reinstitucionalização das relações econômicas e sociais? Al­
guns pontos são tratados de maneira pormenorizada nos capítulos seguintes.
Na sequência deste trabalho, buscaremos distinguir os diferentes sentidos
que revestem o termo flexibilidade.

a) As form as de flexibilidade

a) I. As técnicas de produção flexível

Na esfera da produção edo trabalho, a utilização de novas tecnologias se


materializa pelo desenvolvimento e difusão de máquinas e sistemas de equi­
pamentos mais flexíveis. Com o desenvolvimento da eletrônica e das tec­
nologias da informação, as máquinas especializadas (assim como os
trabalhadores qualificados) podem ser substituídas por robôs capazes de
efetuar todo um conjunto de operações diferentes, podendo passar rapida­
mente de uma operação para outra; são máquinas inteligentes, comandadas
por computador e programáveis — as máquinas-ferramenta de comando
numérico, os equipamentos de CAO e de FAO, os sistemas de produção
Emergência de um novo sistema produtivo 117

flexíveis, os sistemas de transmissão eletrônica de dados, as linotipos ele­


trônicos e as teletransmissões numéricas constituem exemplos. (A veloci­
dade e a difusão dessas tecnologias permanecem, seja dito de passagem,
desiguais entre os diferentes ramos e no interior de uma mesma indüstria.)
Mais ainda, a produção pode ser controlada na medida de sua realização: a
alocação do trabalho, entre os diferentes postos, pode ser gerada em tempo
real da mesma forma que os estoques e a cadência de produção. A flexibili­
dade tecnológica significa, pois, que a produção de uma máquina (gama,
concepção e volumes dos produtos) pode ser modulada e adaptada às flu­
tuações dos volumes e da composição da demanda. Nessas condições pró­
prias dos estabelecimentos multiprodutos, o ciclo de vida de uma máquina
pode ser dissociado do ciclo de vida de um produto e — uma vez que a
demanda global o permite — as economias de variedade aumentam, tendo
por corolário uma redução significativa dos riscos de investimento. Parale­
lamente, a alocação de trabalho pode variar por causa do desenvolvimento
da fabricação sobre cada máquina, permitindo assim aumentar a intensida­
de de utilização das diferentes máquinas de uma oficina.
Nada de decisivo, a priori, referente a aumento ou a diminuição das
economias de escala que essas novas tecnologias gerariam. Há economias
de escala quando aumentos da produção engendram redução dos custos
médios. Podem ser determinadas por vários fatores. Um deles é o aumento
da rentabilidade de escala: com uma duplicação das entradas, a produção
final é mais de duas vezes superior. O aumento dos ganhos é particularmen­
te importante no caso de processos de fabricação indivisíveis (isolados ou
em níveis múltiplos) em unidades de porte diferente no seio das quais os
processos em grande escala são mais produtivos. Outra causa podem ser os
custos fixos elevados, que constituem então condição prévia para a introdu­
ção e a utilização de equipamentos que permitam realizar economias de
variedade.

a) 2. As estruturas industriais flexíveis

No passado, os métodos de produção em massa, que eram utilizados


unicamente para produzir volumes significativos, revelavam-se mais efica­
zes que os melhores processos utilizados para a produção de pequenos vo­
lumes. (Em 1913, como mostra Gartman — 1979 —, a montagem de um
chassi na Ford Motor Co. requeria 12h28min, ao passo que em 1914, de­
pois da introdução de uma linha de montagem mecânica, a mesma operação
passou a ser efetuada em lh30min) Haviajá, na maioriados grandes estabe­
lecimentos e empresas, processos em níveis múltiplos nos quais um dos
118 Emergência de um novo sistema produtivo

níveis empregava, como intrants, os extrants fabricados por outro nível dc


processo global. Em certos casos, o processo integrado nem sequer necessi­
ta de intrant e é, por isso mesmo, um processo novo. A produção do aço é
um exemplo disso, visto como cada etapa requereria uma fase dc reaqueci-
mento se os níveis fossem separados, ao passo que o processo integrado
necessita de menos energia para o aquecimento. Na maior parte dos casos,
porém, os processos em níveis múltiplos só fazem adicionar operações se­
paradas. A estrutura organizacional da produção depende em parte da gene­
ralização da integração vertical das diferentes fases nas organizações
hierarquizadas ou de sua colocação no seio de empresas diferentemente
situadas na divisão social do trabalho.
Scott demonstrou que a estrutura da organização da produção depende
do peso relativo dos efeitos de escala e da variedade. Asseverou cie: “À
medida que sc realiza a desintegração vertical (a divisão social do traba­
lho), os sistemas de produção se externalizam ainda mais e se tornam, por
isso mesmo, mais flexíveis em termos organizaconais, A contrario, a inte­
gração vertical gera inflexibilidade organizacional crescente que limita as
posibilidades de combinação ou de recomposição dos diferentes.processos
de produção” (Scott, 1988b).
A veracidade das afirmações de Scott está condicionada pela plausibili­
dade da hipótese da inflexibilidade que seria inerente às grandes organiza­
ções. Se as diferentes partes de uma organização fossem mais autônomas e
mesmo independentes, suas combinações possíveis seriam bem superiores.
Nos anos 70 e 80, o porte médio dos estabelecimentos diminuiu sensivel­
mente, em parte por causa da introdução de novas tecnologias que permitiram
aumento da produtividade e à desconcentração da produção em proveito de
empresas menores. Pode notar-se igualmente redução do porte das empresas,
imputável a causas bastante diversas: houve uma onda nítida de criações de
novas empresas, e as pequenas e médias empresas revelaram-se particular­
mente dinâmicas. No entanto, a multiplicação do número das pequenas em­
presas foi o resultado de processos muito variados. Podem-se citar; 1. a
descentralização dc funções tais que a fabricação de componentes, módulos
ou atividades de serviço das grandes empresas em benefício de subempreitei­
ros de porte pequeno ou médio; 2. o surgimento de distritos industriais orga­
nizados a partir dc redes dc pequenas ou médias empresas; 3. a proliferação,
sob forma dc pequenas empresas high tech, de funções como a concepção, as
atividades de pesquisa-desenvolvimento de estabelecimentos maiores; 4. o
surto em pequena e media escala de empresários e empresas que têm por
objetivo a valorização dos recursos locais; 5. o desenvolvimento das peque­
nas empresas em zonas afetadas pelo declínio industrial e em setores nos
Emergência de um novo sistema produtivo 119\%

quais ainserção era taritomais facilitada quanto aí se encontravam trabalhadores


licenciados na pesquisa de outros meios para assegurar sua subsistência; 6. a
existência de uma subnegociação que recorre aos sweatshops1e ao trabalho a
domicílio; 7. a persistência nos interstícios das sociedades em desenvol­
vimento de artesãos tradicionais dependentes de mercados monopolistas.
A importância da mudança na distribuição do porte das empresas depende
contudo do índice utilizado. A concentração da produção continua sendo su­
perior à do emprego. Além disso os pequenos volumes de produção atuam
contra o número de empresa. De um lado o sistema do justin time e a necessi­
dade de controle maior estão ligados à substituição dc numerosos subem­
preiteiros por apenas alguns. De outro, uma gama limitada de produtos em
pequenas quantidades restringe as possibilidades de uma empresa e dificulta a
manutenção dc serviços de apoio, como o marketing c o controle de quali­
dade, os quais são determinantes na obtenção de contratos c na adaptação.

a)3. A estrutura do capital

O quadro dc análise de Scott — deixando bem claras as constantes mu­


tações que ocorrem na estrutura organizacional da produção (mercantis/não-
mercantis, materiais/imateriais, formais-informais) entre as empresas in­
dustriais, as sociedades, os centros de pesquisa, os grupos e os PMEs —
desempenhou papel de relevo nas análises recentes dos novos espaços indus­
triais. Nota-se porém uma subestimação da estrutura de controle e do papel
financeiro dos grupos em particular. Um grupo é um conjunto de empresas
reunidas em holdings financeiras hierarquizadas e submetidas a um centro de
decisões, uma sociedade-mátcr. É esta última que, de um lado, desenvolve as
estratégias econômicas globais, tanto produtivas quanto comerciais e, de ou­
tro, as estratégias financeiras, incluindo as fusões, as aquisições, as tomadas
e abandonos de participação. Todas essas operações são reversíveis. Como
forças financeiras, centros de controle econômico e centro de produção e de
apropriação do valor, os grupos são por isso mesmo muito flexíveis.
Ademais, a facilidade com que se pode reatribuir ativos financeiros, en­
quanto os investimentos sob forma de ativos corporais representam risco
maior e influenciam de manei ra não despicienda a tomada de decisão, como,
por exemplo, a resolução de uma empresa de produzir certos bens ou de
readquiri-los de fornecedor independente: as estratégias de custo fixo e do
menor risco decorrem da rigidez do longo prazo e, portanto, os investimen-

' Sweatshop (em francêsatílier à sueur), oficina de superexploraçSo, geralmeme de ne-gros.


120 Emergência de um novn sistema produtivo

tos em grande escala em capital fixo desempenham pape) importante na


forma de quese revestem os processos de desintegração e descentralização
da produção. Neste caso preciso, entretanto, as estratégias de descentraliza­
ção e a aversão ao risco de que dão mostras os administradores dos fundos
de investimento servem de obstáculo aos investimentos queseriam necessá­
rios ao desenvolvimento do potencial das novas tecnologias.
Daí decorre aumento da parte do capital financeiro, de outras rendas
especulativas e dos rendimentos no conjunto da mais-valia. Ao mesmo tem­
po, o meio econômico no qual operavam essas frações do capital foi trans­
formado à njedida que se realizava a globalização do sistema financeiro e se
tornavam instantâneas as transferências de capital entre as principais praças
financeiras mundiais. O fortalecimento do papel dafluideze da flexibilida­
de do capital e a facilidade com a qual o dinheiro circulava constituem as
principais forças que concorreram para maior instabilidade econômica e
para as fortunas exireniamente mutáveis das diferentes regiões do mundo'
I ver Harvey, 1989, e Swyngedouw, 1989).

a)4. As práticas flexíveis na esfera do trabalho

O debate sobre a flexibilidade girou principalmente em torno das rela­


ções entre trabalho e emprego. Trata-se sobretudo de duas formas de flexi­
bilidade, uma das quais se refere àorganização do trabalho (a flexibilidade
funcional) e a outra ao mercado de trabalho (a flexibilidade numérica). (A
propósito dessa distinção, ver Atkinson, 1984, assim como a Figura 4.)
A capacidade funcional caracteriza a capacidade de uma empresa de
modular as tarefas efetuadas por seus empregados em virtude de mudanças
na demanda, na.tecnologia ou na política de marketing. Essa forma de flexi­
bilidade está igualmente associada ao desenvolvimento de novos conceitos
da produção, (Mathews, 1989) e aos novos modelos de organização que
recorrem necessariamente a um grupo de trabalhadores qualificados poliva­
lentes, operando de maneira permanente em tempo integral, uma vez que é
nesses trabalhadores que repousa a continuidade da produção e em que não
raroé a eles que compete a manutenção do equipamento industrial. Espera-
se desses trabalhadores permanentes que sejam adaptáveis, flexíveis e, se
necessário, geograficamente móveis.

ti;5. A flexibilidade do mercado de trabalho

A flexibilidade numérica diz respeito à facilidade e à rapidez com que as


empresas podem ajustar seus efetivos e o nível dos salários em virtude das
Emergência de um novo sistema produtivo 121

flutuações da demanda, e é também associada às variações de efetivos dos


trabalhadores periféricos. Na categoria periférica, distinguem-se três gru­
pos: 1. os trabalhadores empregados em estabelecimentos de subempreitei­
ros, os trabalhadores independentes especializados e o pessoal fornecido
pelas agências de trabalho temporário; 2. os empregados da empresa des­
providos de estatuto e que podem ser contratados e reempregados em virtu­
de das condições econômicas, os que têm contratos de duração limitada, o
pessoal de tempo parcial ou temporário, os que ocupam postos que têm
turnover elevado ou ainda postos cujos efetivos podem ser facilmente com­
primidos mercê de uma política de não-substituiçao.
Em todos os países capitalistas, os últimos anos foram marcados por
fortalecimento da segmentação e da polarização da população ativa (ver,
por exemplo, Hakim, 1989). As estratégias de flexibilidade numérica con­
tam-se entre as causas que estão na origem dessa tendência, porém a maior
flexibilidade funcional pode ter o mesmo resultado se não for acompanhada
de medidas sociais e econômicas que garantam a todos os trabalhadores o
acesso a empregos mais qualificados. Ao todo, a existência e o porte relati­
vo dos diferentes pólos, numa sociedade dual, dependerão tanto dos objeti­
vos, da organização e do peso dos sindicatos e outras instituições que
defendem os interesses dos assalariados quanto da maneira pela qual os
empregadores definem seus próprios interesses (como mostra Hakim, 1989,
há na Europa diferenças sensíveis de um país para outro, refletindo diferen­
ças no nível do leque dos empregos, da extensão da taxa de atividade e da
legislação do trabalho.)

Figura 4. A empresa flexível

1. Trabalhadores independentes
2. Grupo periférico 1
mercados secundários de trabalho CZ3
flexibilidade pelo ajustamento quantitativo
3. Ntlcleo central
mercados primários de trabalho
flexibilidade no trabalho
4. Trabalho interino
5. Subcontratação
6. Grupo periférico 2
7. Contratos a curto prazo
8. Aprendizagem financiada pelo Estado
9. Recrutamento adiado
10. D ivisão do trabalho
11. Tempo parcial
12. Trabalho exteriorizado

Fonte: Atkinson, 1984.


122 Emergência de um novo sistema produtivo

As estratégias de flexibilidade funcional e numérica se acham também


associadas a uma nova formação dos salários. A flexibilidade salarial e a
individualização dos salários são perceptíveis em tentativas de equaciona-
mento que levem em conta a quantidade, o tipo de trabalho e o desempenho
de cada trabalhador; a fórmula, por exemplo, dp salário trinômio, segundo
a qual a paga de um trabalhador depende de seu mérito, do mínimo garanti­
do e dos resultados da empresa. Nessas condições, as desigualdades de ren­
da entre os. trabalhadores permanentes e uma população marginalizada,
sujeita ao trabalho legal esporádico, ao trabalho marginal e à ajuda social
tendem a se reforçar (ver Bluestone & Harrison, 1988).

a) 6. Os modos de consumo

As mudanças sobrevindas na distribuição de renda se manifestam na acen­


tuação das desigualdades e no nível das diferenças nos modelos de consu­
mo e nps modos de vida. Essas desigualdades são fruto de dois processos. O
primeiro é o aumento das diferenças de rendas: algumas famílias podiam
tornar-se adquirentes de bens exclusivos e dispor de serviços muito requin­
tados, ao passo que outras sofriam amputação de seu nível de vida e se
achavam na obrigação de aceitar o trabalho alimentar ou mesmo pequenos
afazeres. Paralelamente, assistiu-se a mudanças na estrutura das famílias
(aumento de seu número mas redução de seu tamanho). Essas mutações
contribuíram assim para a multiplicação e a diferenciação dos modos de
vida. O segundo processo se manifesta, de um lado, na maior diferenciação
dos produtos e, de outro, no aceleramento da inovação na produção, assim
como no encurtamento do ciclo de vida dos produtos. Nessas condições, “á
estética relativamente estável do modernismo fordista cedeu lugar ao fer­
mento estético pós-moderno que glorifica a diferença, o efêmero,q espetá­
culo, a moda e a mercantilização das formas culturais" (Harvey, 1989).

a)l. A intervenção mínima do Estado

No decorrer dos anos 70 os gastos do Estado-providência atingiram ní­


veis sem precedente. Parã financiar tais gastos os Estados tiveram de optar
por medidas fiscais, de tomada de empréstimo e de financiamento do déficit
que os interesses capitalistas e algumas camadas da população dos países
desenvolvidos não estavam prontos para aceitar. No final da década, as for­
ças neoliberais mobilizaram um número suficiente de adeptos para fazer
eleger governos cujos programas previam reduzir a intervenção do Estado.
Houve então tentativas para acelerar os cortes nas despesas públicas e ten-
Emergência de um novo sistema produtivo 123

dência a reduzir a um nível menor a intervenção do Estado nos domínios


econômico e social (mas sem tocar nos domínios da defesa nacional e dá
ordem pública). Estratégias de privatização e de subcontratação de .ativida­
des do setor público foram ativamente aplicadas num momento em que os.
interesses capitalistas buscavam novós domínios de valorização do capital
A lógica da política social foi transformada com a substituição dosprincí-
pios de assistência pública e de garantias coletivas em prol dos membros
mais desfavorecidos da sociedade pelas garantias cujas vantagens poten­
ciais dependeríam das possibilidades individuais apagar. As vantagens so-
ciais foram cada vez mais visadas. Houve tentativas de desregular as
atividades econômicas; as obrigações sociais e fiscais, assim como o finan­
ciamento pelos atores privados, se viram reduzidas.

b) As ambigiiidades do conceito de flexibilidade

Temos insistido até aqui no caráter multidimensional da flexibilidade,


nas diferenças de conteúdo que o conceito abrange, assim como nas ambi­
guidades que lhe estão associadas. Se certas formas de flexibilidade são
contraditórias— produção flexível, trabalho flexível, empregbflexível, sa­
lários flexíveis, medidas flexíveis de seguridade social, conexões interem-
presas flexíveis, taxas de câmbio flexíveis — , as possibilidadesdecom-
binação das .diferentes formas que a flexibilidade pode assumir são muito
numerosas. Por causa dessas diferenças, é prematuro querer identificar
modelos específicos de flexibilidade. Ademais, as ambiguidades que envol­
vem o termo tornam particularmente espinhosa a tarefa de demonstrar que-o
caráter flexível ou não-flexível, do.s modelos de desenvolvimento, .(ou do
fordismo como modelo industrial) caracteriza uma ordem econômica e so­
cial ou um período. O critério pertinente é a existência de atividades econô­
micas dominantes (medidas pela mais-valia) ou a de práticas dominantes ao
nível do emprego? Trata-se da presença de atividades econômicas suficien­
temente fortes para terem um efeito de gatilho ou da existência de concep­
ções ideologicamente dominantes da organização econômica e social?
Em segundo lugar, é necessário distinguir entre o que, no nível da flexi­
bilidade, diz respeito aos meios, aos fins e às. consequências, Como de­
monstrou Boyer (1988), um dos objetivos da f le x ib ilid a d e q u e se. pode
considerar como a velocidade da resposta dum sistema econômico a pertur­
bações ou a choques vindos do exterior— é aumentar globalmente a estabi­
lidade do sistema. Não é inútil lembrar que a necessidade de responder
depende da importância e da freqüência das perturbações. É preciso, além
disso, explicar como a rigidez afeta ou deixa de afetar outras variáveis,
124 Emergência de um novo sistema produtivo

mostrar que a supressão da rigidez nSo desencadeará novas perturbações


endógenas.
No decorrer dos anos 70 e 80, a evolução do mundo capitalista foi mar­
cada por toda uma série de desequilíbrios e instabilidades. Alguns deles
decorriam de contradições entre o nível macroeconômico e o microeconô-
mico. Algumas “estratégias de flexibilização vieram a designar, de maneira
por vezes eufemística, ajustamentos em baixa da maior parte dos direitos
adquiridos dos assalariados’’ (Boyer, 1986b). Até aqui, “uma ampla flexibi­
lidade tnicroeconômica pode caminhar par a par com uma notável rigidez
macroeconômica”, e mais adiante: “A flexibilidade máxima nem sempre é
ótima” (Boyer, 1986b). Boyer mostra que, se a flexibilidade pode ter um
sentido microeconômico no nível de uma empresa e, em certos casos, de
uma nação, seus efeitos sobre a produtividade e sobre a demanda efetiva
permanecem ambíguos e ela não constitui a panacéia para todos os países.
Diz ele: “A flexibilização, reação racional à crise, pode agravá-la ao deses-
tabilizar as trocas internacionais” (Boyer, 1986b). Parece, pois, que ainda
está por resolver a questão de saber se o mundo capitalista descobrirá ou
não novo modelo estável de desenvolvimento a longo prazo.

O novo espaço industrial

No domínio da geografia, asdiscussões sobreofordismoesuacrise, sobre


o desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação e sobre
0 papel dos princípios da flexibilidade na busca de saída da crise suscitaram
debate animado a respeito do impacto dos novos paradigmas na configuração
da geografia econômica, urbana e regional dos países desenvolvidos. Desse
debate surgiram os conceitos dos novos espaços industriais, dos regimes de
acumulação flexível e da construção de teorias pós-weberianas da localiza­
ção industrial, ao passo que Sabei (1989) associava o modelo de especializa­
ção flexível àreemergência das economias regionais integradas.

a) As teorias da localização

O estudo dos mecanismos que determinam a localização das atividades


econômicas sempre constituiu um dos principais objetos da geografia eco­
nômica. Nos anos 70, os trabalhos realizados nesse domínio tiveram de tra­
tar da dèsindustrialização das velhas regiões e das antigas cidades industriais,
do crescimento das atividades de serviço, do desenvolvimento de novos
conceitos e setores de produção, assim como de novas tendências na locali­
zação das atividades econômicas.
Emergência de um novo sistema produtivo 125

De acordo com as teorias vigentes, as primeiras tentativas feitas para


explicar a geografia das atividades econômicas fundaram-se nos fatores de
localização. Que fatores, perguntava-se, explicam o atrativo das zonas que
conhecem crescimento relativo e ausência de atrativo das que, em relação
às primeiras, registram declínio relativo? Que fatores explicam a localiza­
ção de um dado tipo de estabelecimento?
No entanto, para que o quadro seja completo, importa levar em conta o
que ocorre no interior da indústria considerada (ver Massey, 1979, Massey
& Meagan, 1982, que estão na origem desse enfoque; ver também Dunford,
1977). A questão de saber cm que lugar se implanta uma fábrica depende da
estrutura do estabelecimento, ao passo que suas características são parcial­
mente uma consequência de sua inserção na divisão econômica e social do
espaço. Demais disso, convém examinar, de um lado, as características tecno­
lógicas e econômicas do processo de industrialização, assim como sua es­
pecificidade histórica, e, de outro, o dinamismo das empresas c das indústrias.
Durante a década de 1970, essas concepções conduziram a novas abor­
dagens. (O ponto de partida era algo similar ao do ciclo de vida do produto
para a localização industrial, mas a explicação da mudança econômica por
processos globais oferecia perspectivas mais amplas.) Nesse enfoque da
reestruturação industrial e da divisão do trabalho, várias questões mais ou
menos conexas foram levantadas: Como evolui a estrutura de uma indús­
tria, quando os patrões se adaptam a novas condições de mercado e de concor­
rência? Que é que determina a sobrevida ou o fechamento dos estabele­
cimentos? Quais são os critérios e as consequências, no plano da localiza­
ção, das novas tecnologias, das novas relações de trabalho e de emprego
após a reestruturação? Que impacto têm as condições geográficas sobre a
competitividade? Essa abordagem visa nitidamente a objetivos semelhan­
tes aos do enfoque baseado nos fatores de localização. Diferencia-se dele,
entretanto, uma vez que os integra numa perspectiva teórica mais ampla e
que os generaliza: o desenvolvimento é apenas quantitativo, mas depende
da configuração social dos lugares. Além disso, considera-se que os fatores
são interdependentes, e não independentes uns dos outros: uma empresa
que decide, por exemplo, introduzir novas tecnologias pode buscar uma
ajuda no plano regional para financiar os novos investimentos, ao passo que
com novos métodos de produção ela poderá prescindir das qualificações
dos trabalhadores locais, tradicionalmente sindicalizados, e recrutar uma
nova mão-de-obra, Nesse caso, os diferentes fatores de localização são inti­
mamente interdependentes.
A terceira abordagem não privilegia os fatores de localização ou a loca­
lização das atividades industriais ou terciárias, mas sim as características
126 Emergência de um novo sistema produtivo

dos lugares, dos meios i novadores (Perrin, 1989), assim como as caracterís­
ticas dos complexos territoriais de inovação (Stõhr, 1986), considerados
combinações complexas e interdependentes de variáveis (recursos locais,
know-how, qualificação etc.) e os fatores em virtude dos quais certos luga­
res são mais inovadores que outros.
Como no caso do enfoque dos fatores de localização, não se deu sufi­
ciente atenção à evolução do sistema produtivo propriamente dito. O de­
senvolvimento da noção de industrialização geográfica constitui uma
tentativa de paliar essa lacuna (ver Storper & Walker, 1989). De um lado, os
complexos territoriais de produção são considerados formas de organiza­
ção industriai que contribuem de maneira ativa e eficaz para a dinâmica da
industrialização: De outro, a estrutura e a organização industrial são vistas
como a materialização efêmera e em constante mutação de um processo
dinâmicode divisão e integração do trabalho, de criação e desaparecimento
de estabelecimentos, empresas e indústrias.

b) A geografia dos novos espaços industriais

A estrutura da paisagem econômica sofreu profundas transformações no


decorrer dos anos 70 e 80. Produziram-se mudanças estruturais totaimente
espetaculares, com a diminuição e depois a cessação de determinados seto­
res, ao passo que outros emergiam e se mostravam dinâmicos. As diferen­
ças de taxa de crescimento da produção e das taxas de crescimento da
produtividade conduziram a mudanças drásticas na estrutura do emprego.
A competitividade variável das atividades econômicas, nas diferentes re­
giões, teve como resultado taxas de crescimento regional diferentes e um
aumento das desigualdades espaciais. As instabilidades ao nível temporal
estiveram na origem de mudanças rápidas na velocidade e na direção do
desenvolvimento
Sob certos aspectos, houve tendência a considerar essas alterações geo­
gráficas como o início de mudança radical de direção: uma nova estrutura
urbana e regional gerada numa nova era. Uma fase de urbanização dava
lugar a uma fase de comra-urbanização, as antigas regiões e cidades esta­
vam em declínio e novos espaços industriais tinham aparecido.
De certa forma, essas constatações permitiram identificar tendências
importantes. C om em ergênciade novos setores de crescimento (nas tecno­
logias da informação e das comunicações, nas atividades de concepção, nos
serviços financeiros, nas atividades de conselho, nos serviços jurídicos e
imobiliários) e a maior competitividade de algumas novas zonas industriais,
puderam distinguir-se: 1. regiões baseadas em atividades artesanáis revita-
Emergência de um novo sistema produtivo 127

lizadas; 2. complexos de indústrias dè ponta, como o Silicon Valley, óOran-


ge County e a Róute 128, nos Estados Unidos e em várias regiões dá Eurdpa;
3. metrópoles que oferecem importantes concentrações em serviços as em­
presas. Algumas atividades apresentaram fortes tendências, à aglomeração,
e foi nessas zonas que se registraram algumas das mais elevadas taxas de
crescimento econômico. Além disso, ao passo que se mantêm diferenças nas
taxas de crescimento, ó mapa do desenvolvimento econômico regional con­
tinua a se modificar. Ao mesmo tempo, porém, as estruturas ecónôfnicas
existentes exercem considerável efeito dejnércia, as novas tecnologias po­
dem regenerar antigas indústrias, o atrativo dos centros reconhecidos está
longe de ser despiciendo e existem possibilidades reais de investimentos
seletivos destinados'a mudar a estrutura e a utilização das zonas antigas.
De fato, nd caso das novas indústrias específicas da era da informáçãó,
não apenas se encontram desenvolvimentos high tech em regiões sem pas­
sado industrial marcante como também se constata uma integração de no­
vas atividades nas estruturas urbanas e regionais existentes. As concentrações
de atividades high tech encontram-se amiúde nos subúrbios das metrópo­
les, na área de influência dos centros comerciais e em enclaves das antigas
cidades industriais, na proximidade dos usuários (Krãtke, 1991).
É igualmente notório que as grandes metrópoles são os principais nós das
redes físicas é informáticas e das redes de telecomunicações, as sedes das
organizações financeiras, comerciais e industriais que se encarregam da reali­
zação e dá valorização dò capitai. São assim os núcleos de umnovo espaço de
fluxos (verCastells, 1989,eaparteV deBenko&Dunford, 1991). Fci nessas
cidades e na rede hierárquica complexa das cidades de importância nienor
que as cercam que se desenvolveram as atividades de serviço, e foi o desen­
volvimento diferenciado dessas grandes cidades que desempenhou papel maior
na produção de novo mapa do desenvolvimento regional.

c) A organização espacial das indústrias de tecnologia da informação

Para explicar a lógica espacial a que obedecem as indústrias de tecnolo­


gia da informação — que constituem a razão de ser do desenvolvimento
capitalista atual —, devemos servir-nos de elememos contidos nos conjun­
tos conceptuais apresentados na seção “As teorias da localização”: lógica
setorial e lógica dá empresa na nova divisão espacial do trabalho, osmode-
los de meios inovadores e.a;industrialização geográfica (ver Figura 5).
Segundo Castells (1989), a dependência que as indústrias de tecnologia
da informação apresentam em relação à informação requer a localização
das funções de criação da informação, que controlam toda uma cadeia de
128 Emergência de um novo sistemapmdutivo

Figura S. Sistema de relações entre as características das indústrias de alta tecnologia e sua
organização espacial
Emergência de um novo sistema produtivo 129

interdependências, em lugares que gozam de potencial técnico e científico


de alto nível e de meio inovador (universidades de qualidade, centros de
pesquisa e desenvolvimento universitários, públicos e privados, sinergias
entre as diferentes instituições, fontes de venture capital de alto risco). Por
seu turno, o produtor de aparelhos de tratamento da informação não sofre
coação de localização e é móvel, mas suaTmpTántação pode depender da
distribuição espacial de seus usuários. Além disso, o processo de produção
dos aparelhos de tratamento da informação pode ser segmentado em vários
níveis, os quais não apresentam as mesmas exigências de localização.
Daí resulta, como o mostra Castells, todo um conjunto de processos es­
paciais associados a um complexo feixe de consequências espaciais: 1. o
desenvolVimento de meios inovadores de alto nível; 2. a dispersão dos es­
tabelecimentos técnicos; 3. a localização offshore das atividades não-qua-
liftcadas, em zonas que desfrutam de baixos custos de produção; 4. a
implantação no interiordas fronteiras protegidas das principais regiões eco­
nômicas; 5. a localização nas antigas zonas industriais com finalidade de
explorar aí a conexão mecatrônica e 6. graças à descentralização das ativi­
dades de pesquisa-desenvolvimento e à localização nas proximidades dos
mercados, o desenvolvimento de meios secundários, ligados por redes de
transporte e redes informáticas inter-regionais e internacionais. Pode-se di­
zer, em suma, que há um processo dual: o desenvolvimento dinâmico e de­
sigual de uma divisão socioespacial do trabalho no interior dos grupos e no
âmbito das alianças estratégicas entre as principais firmas, de um lado, e o
desenvolvimento, em torno de núcleos onde se instalam esses grupos, de
conjuntos territoriais de atividades e de processos complexos de desenvol­
vimento territorial, de outro.

d) O capitalismo em movimento: mudança social, econômica e espacial

No mundo em que vivemos, uma revolução tecnológica e uma mutação


profunda das forças de produção estão transformando a vida e o trabalho
humanos: elas conduziram a desenvolvimentos consideráveis das aptidões
produtivas das sociedades humanas e a uma compressão espetacular do es­
paço e do tempo (Harvey, 1989). Ao mesmo tempo, uma crise estrutural
suscitou tentativas de reestruturação das sociedades capitalistas: uma de­
preciação maciça e a reestruturação do capital levou ao reaparecimento do
desemprego em massa, a globalização da vida econômica reduziu a influên­
cia dos governos nacionais e aumentou a dominação das grandes empresas,
o solapamento da rigidez engendrou uma acentuação do dualismo e da po­
larização da sociedade.
130 Emergência de um novo sistema produtivo

Como sugerimos neste trabalho, esses processos de reestruturação eram


respostas aos desafios estruturais e estavam submetidos â lógica de uma
ordem social de predominância capitalista. Esses processos que se instaura­
ram dependiam entretanto das condições políticas, sociais e econômicos
que prevaleciam em cada país. Houve assim diferenças notáveis nas combi­
nações específicas das relações sociais que daí resultaram e dos efeitos va­
riados sobre a taxa, o tipo e a qualidade do desenvolvimento econômico,
bem como sobre a estrutura do espaço.
Esses processos de reestruturação eram também uma forma de resposta
às incertezas e instabilidades dos anos 70 e 80; dados os riscos no investi­
mento em imobilizações corporais de usos específicos e que oferecem con­
trato de trabalho de longa duração, sobreveio uma reviravolta em favor dos
modos mais fluidos de detenção das riquezas e uma redução paralela dos
compromissos a longo prazo. Essas reações defensivas modelaram o desen­
volvimento dos novos espaços industriais. No entanto, a polarização assim
induzida e o pressuposto de que ela constitui em si obstáculo à utilização
criadora das novas tecnologias fazem da identificação de projetos sociais e
tecnológicos alternativos um dos objetivos das forças sociais progressistas
para os anos 90.

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