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O CON CEITO D E REGIÃO E SU A DISCUSSÃO

Paulo Cesar da Costa Gomes


P rofessor do Departamento de Geografia, UFRJ

Evitem os de imediato a sedutora tentação de procurar res­


ponder definitivamente à questão — o que é a região — estabele­
cendo uma validade restritiva para este conceito, com o se a ciên­
cia fosse um tribunal onde se julgasse o direito de vida e de morte
das n oções. Parece bem mais salutar com eçar justamente pelo
oposto, reconhecendo a existência da n oção de região em outros
dom ínios, que não os da ciência e, o mais importante, reconhecen­
do, ao m esm o tem po, a variedade de seu emprego no âmbito da
própria ciência e particularmente na geografia. Reconhecer aqui
significa mais do que simplesmente assinalar a existência, signifi­
ca aceitar seu uso, ser inclusivo destes outros m eios de operar
com esta noção, enfim, significa con ceber nesta multiplicidade a
riqueza e o objeto propriamente de uma investigação científica.
Esta con cepção tem importantes conseqüências: em primei­
ro lugar, o conhecim ento científico perde o caráter de matéria nor­
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mativa, de única representação “verdadeira” da realidade; em


segundo lugar, ao invés da busca de con ceitos “puros”, a ciência, e
neste caso a geografia, deve procurar nos diferentes usos corren­
tes do con ceito de região suas diferentes operacionalidades, ou
seja, os diferentes recortes que são criados e suas respectivas ins-
trumentalidades; finalmente em terceiro lugar, nesta perspectiva
pode-se avançar sem ser mais um ator nesta trama que tantas
vezes se transformou em um cam po de controvérsias na geografia
sobre a “m elhor” definição para o con ceito de região. A o observar
este cam po de controvérsias, sem estabelecer um a p riori, pode­
rem os com preender as raízes dos debates mais profundamente
vividos pelo Pensamento G eográfico, reconhecendo, âo m esm o
tem po, o dom ínio particular sob o qual incide e opera esta noção
nos debates geográficos.
Dentro desta visão, cumpre antes de mais nada discernir os
sentidos diferentes que podem existir na n oção de região nas
diversas esferas onde ela é utilizada, no senso com um , com o vocá­
bulo de outras disciplinas e, o mais importante, na variedade de
acepções que ela possui na geografia É necessário também para­
lelamente religar estas significações aos diversos contextos no
qual esta noção serve com o elem ento-chave de um sistem a expli­
cativo, contextos políticos, políticos-institucionais, econ ôm icos e
culturais.

ALGUNS IMPORTANTES ANTECEDENTES

A palavra região deriva do latim regere, palavra com posta


pelo radical reg, que deu origem a outras palavras com o regente,
regência, regra etc. R egione nos tem pos do Im pério Rom ano era a
denom inação utilizada para designar áreas que, ainda que dispu­
sessem de uma adm inistração local, estavam subordinadas às
regras gerais e hegem ônicas das magistraturas sediadas em Roma.
Alguns filósofos interpretam a em ergência deste con ceito com o
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uma necessidade de um m om ento h istórico em que, pela prim eira


vez, surge, de form a ampla, a relação entre a centralização do
pod er em um local e a extensão dele sobre uma área de grande
diversidade social, cultural e espacial. A contribuir com esta inter­
pretação existe também o fato de que outros con ceitos de nature­
za espacial tenham sido enunciados nesta mesma época, com o o
con ceito m esm o de espaço (spatium ), visto com o “contínuo”, ou
com o intervalo, n o qual estão dispostos o s corpos seguindo uma
certa ordem neste vazio, ou ainda o con ceito de província (provin -
cere), áreas atribuídas ao controle daqueles que a haviam subme­
tid o à ordem hegem ônica rom ana. D esta form a, o s m apas que
representam o Império Rom ano são preenchidos pela nom encla­
tura destas regiões que representam a extensão espacial do poder
central hegem ônico, onde os governadores locais dispunham de
alguma autonomia, em função m esm o da diversidade de situações
sociais e culturais, mas deviam obediência e im postos à cidade de
R om a
O esfacelam ento d o Im pério R om ano seguiu, a prin cíp io,
estas linhas de fraturas regionais e a subdivisão destas áreas fo i a
origem espacial do poder autônom o dos feudos, predom inante na
Idade M édia À mesma época, a Igreja reforçou este tipo de divi­
são do espaço, utilizando o tecido destas unidades regionais com o
base para o estabelecim ento de sua hierarquia adm inistrativa.
Também neste caso a rede hierarquizada dos recortes espaciais
exprim ia a relação entre a centralização do poder, as várias com ­
petências e os níveis diversos de autonom ia de cada unidade da
com plexa burocracia administrativa desta instituição.
O surgim ento do Estado m oderno na Europa re co lo co u o
problem a destas unidades espaciais regionais. Um dos discursos
predom inantes na afirm ação da legitimidade do Estado n o século
18 é o da união regional face a um inimigo com ercial, cultural ou
militar exterior. Nos diversos relatos históricos referentes à cons­
tituição dos Estados europeus, podem os observar com clareza a
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com plexidade das negociações e dos conflitos que envolveram a


redefinição da autonomia do poder, da cultura, das atividades pro­
dutivas e de seus limites territoriais. Fundamentalmente, a ques­
tão que se recoloca é a mesma que deu origem ao con ceito de
região na Antiguidade Clássica, ou seja, a questão da relação entre
a centralização, a uniform ização administrativa e a diversidade
espacial, diversidade física, cultural, econôm ica e política, sobre a
qual este poder centralizado deve ser exercido. Este período da
form ação dos Estados-M odem os assistiu, pois, ao renascimento
das discussões em tom o dos con ceitos de região, nação, comuni­
dades territoriais, diferenças espaciais etc. Foi também neste
m om ento que um cam po disciplinar especificam ente geográfico
com eçou a tomar forma, aí incluindo exatamente este tipo de
questão e de conceitos.
Através desta breve reconstituição histórica podem os perce­
ber três principais conseqüências: a primeira é que o con ceito de
região tem im plicações fundadoras no cam po da discussão políti­
ca, da dinâmica do Estado, da organização da cultura e do estatuto
da diversidade espacial; percebem os também que este debate
sobre a região (ou sobre seus correlatos com o nação), possui um
inequívoco com ponente espacial, ou seja, vem os que o viés na dis­
cussão destes temas, da política, da cultura, das atividades econ ô­
micas, está relacionado especificam ente às projeções no espaço
das n oções de autonomia, soberania, direitos etc., e de suas repre­
sentações; finalmente, em terceiro lugar, percebem os que a geo­
grafia foi o cam po privilegiado destas discussões ao abrigar a
região com o um dos seus conceitos-chave e ao tom ar a si a tarefa
de produzir uma reflexão sistemática sobre este tema.
A contem poraneidade é também inspiradora deste tipo de
discussão. Assistim os h oje no mundo à redefinição do papel do
Estado, à quebra de pactos territoriais que moldaram o mundo nos
últim os anos, ao ressurgimento de questões “regionais" no seio
dos Estados e à manifestação, cada vez mais acirrada, de naciona-
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lism os/regionalism os fragmentadores. No mundo atual, unido por


uma nova centralidade dos fo co s hegem ônicos de uma política-
econ óm ica im posta pelo capitalism o mundial, vem os mais uma
vez surgir com força, um novo m om ento de reflexão destes temas:
da política, da cultura, das atividades econôm icas, atrelados à
questão espacial da centralidade e uniform ização em sua relação
com a diversidade e o desejo de autonomia. Antes, n o entanto, de
tratarmos um p ou co mais m inuciosamente deste momento, veja­
m os algumas das mais importantes perspectivas que têm predom i­
nado n o entendimento da região.

OS DIVERSOS DOMÍNIOS DA NOÇÃO DE REGIÃO

Na linguagem cotidiana do senso comum, a noção de região


parece existir relacionada a dois princípios fundamentais: o de
localização e o de extensão. Ela pode assim ser empregada com o
uma referência associada à localização e à extensão de um certo
fato ou fenôm eno, ou ser ainda uma referência a lim ites mais ou
m enos habituais atribuídos à diversidade espacial. Empregamos
assim cotidianam ente expressões com o — “a região mais pobre”,
“a região montanhosa”, “a região da cidade X”, com o referência a
um cóiyunto de área onde há o dom ínio de determinadas caracte­
rísticas que distingue aquela área das demais. Notemos que com o
sim ples referência não exigim os que esta n oção se defina sempre
em relação aos m esm os critérios, que haja precisão em seus limi­
tes ou que esteja referida sempre a um m esmo nível de tamanho
ou escala espacial.
A região tem também um sentido bastante conhecido com o
unidade administrativa e, neste caso, a divisão regional é o m eio
pelo qual se exerce freqüentemente a hierarquia e o controle na
adm inistração dos Estados. Desde o fim da Idade Média as divi­
sões administrativas foram as primeiras form as de divisão territo­
rial presentes no desenho dos mapas. Ainda que muitas vezes sob
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denom inações diversas (R égions, na França, P rovín cias, na Itália


ou L a en d er, na Alemanha), o tecido regional é freqüentemente a
malha administrativa fundamental que define com petências e os
lim ites das autonomias dos poderes locais na gestão do território
dos Estados m odernos. Muitas instituições e em presas de grande
porte também utilizam este tipo de recorte com o estratégia de
gestão dos seus respectivos n egócios dentro do m esm o sentido de
delim itação de circunscrições e hierarquias administrativas.
Nas ciências em geral, com o na matemática, na biologia, na
geologia etc., a n oção de região possui um em prego também asso­
ciado à localização de um certo dom ínio, ou seja, dom ínio de uma
dada propriedade matemática, dom ínio de uma dada espécie, de
um afloramento, ou dom ínio de certas relações com o, p or exem ­
plo, na biogeografia, inspirada na ecologia, onde dividim os a Terra
segundo associações do clima, da fauna e da flora em diversas
regiões (região australiana, região neártica, região paleártica etc).
Neste caso, é possível perceber que o em prego da n oção de região
está bem próxim o de sua etim ologia, ou seja, área sob um certo
dom ínio ou área definida p or uma regularidade de propriedades
que a definem.
Na geografia, o uso desta n oção de região é um p ou co mais
com plexo, pois ao tentarmos fazer dela um con ceito científico,
herdam os as indefinições e a força de seu uso na linguagem co ­
mum e a isto se somam as discussões epistem ológicas que o em­
prego mesmo deste con ceito nos im põe. Uma das alternativas en­
contradas pelos geógrafos fo i a de adjetivar a n oção de região para
assim diferenciá-la de seu uso pelo senso comum. A o tentar preci­
sar, n o entanto, o sentido do con ceito de região através de associa­
ções, surgiram outros debates que interrogam m esm o a natureza,
o alcance e o estatuto do conhecim ento geográfico. São estes
debates que passarem os a privilegiar aqui, tom ados sob o prisma
da discussão regional.
Bem antes d e a geografia alcançar prestígio e im portância no
terreno acadêm ico, a geologia, em m eados do sécu lo 19, através
de Lyell na Inglaterra e de Beaumont na França, havia reunido
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uma larga assistência. Um dos conceitos-chave desta geologia foi


o de região. Quando, p or exem plo, Vidal de La Blache, em 1903,
escreveu o Tableau de la géographie de la France, a inspiração da
divisão regional, tal qual apresentada nesta obra, tinha ecos de sua
leitura dos g eólogos. Segundo c l a v a l (1974), foi em parte sob esta
inspiração da geologia, pela consideração da região com o um ele­
mento da geografia física, um elem ento da natureza, que surgiu a
idéia de região natural. Havia também antecedentes desta con cep­
ção na própria geografia do século 18, pois as bacias hidrográficas
foram vistas co m o dem arcadores naturais das regiões durante um
bom tem po, co m o ilustra a im portância e aceitação do trabalho de
P. Buache de 1752 sobre este tem a
Em 1908, L. Gallois, discípulo de Vidal de La Blache, escre­
veu uma obra intitulada R égions naturelles et nom s de pays, onde
buscava a relação entre as tradicionais regiões galo-romanas e
uma certa unidade fisionôm ica natural b ásica Para ele, estas divi­
sões físicas da superfície terrestre eram o quadro de estudos da
geografia humana e neste sentido havia uma aceitação im plícita de
sua parte de que a influência da região natural é decisiva na confi­
guração de uma sociedade, ainda que em seu texto ele afirme
diversas vezes que “entre as con dições im postas à atividade huma­
na, além do relevo do solo e do clima, existem outras igualmente
necessárias: de posição, de facilidade de com unicação e todo um
conjunto de causas que corresponde em cada época a um estágio
de civilização determ inado” (GALLOIS, 1908, p. 234).
O con ceito de região natural nasce, pois, desta idéia de que o
ambiente tem um certo dom ínio sobre a orientação do desenvolvi­
mento da sociedade. Surge daí o prim eiro debate que tem a região
com o um dos epicentros, o conhecido debate entre as determina­
ções e as influências do m eio natural. Contra esta perspectiva de
um m eio natural “explicativo” das diferenças sociais e do conjunto
da diversidade espacial, L. Fébvre, em 1922, forja a expressão
“possibilism o”, que pretende ser uma resposta definitiva à idéia de
estabelecer leis gerais e regras, tendo por base o ambiente natural.
A natureza pode influenciar e moldar certos gêneros de vida, mas
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é sem pre a sociedade, seu nível de cultura, de educação, de civili­


zação, que tem a responsabilidade da escolha, segundo uma fór­
mula que é bastante conhecida — “o m eio ambiente propõe, o
homem dispõe”. A região natural não pod e ser o quadro e o funda­
m ento da geografia, pois o ambiente não é capaz de tudo explicar.
Segundo esta perspectiva “possibilista”, as regiões existem com o
unidades básicas do saber geográfico, não com o unidades m orfo­
lógica e fisicam ente pré-constituídas, mas sim com o o resultado
do trabalho humano em um determinado ambiente. São assim as
form as de civilização, a ação humana, o s gêneros de vida, que
devem ser interrogados para com preenderm os uma determinada
região. São eles que dão unidade, pela complementariedade, pela
solidariedade das atividades, pela unidade cultural, a certas por­
çõ e s do território. iNasce daí a n oção de região geográfica, ou
região-paisagem na bibliografia alemã e anglo-saxônica, unidade
superior que sintetiza a ação transformadora do homem sobre um
determinado ambiente, este deve ser o novo con ceito central da
geografia, o novo patamar de com preensão do objeto de investiga­
çã o geográfica
A partir de então uma série de m onografias regionais são
produzidas, seguindo um plano mais ou m enos constante. Neste
plano se deve com eçar pela descrição das características físicas
seguida da descrição da estrutura da população e de suas ativida­
des econôm icas. O objetivo final é encontrar para cada região uma
personalidade, uma form a de ser diferente e particular. De fato
neste caso, não se pode identificar a p rio ri os traços distintivos
responsáveis pela unidade regional, pode ser o clim a, a m orfolo­
gia, ou qualquer outro elemento, a partir do qual uma comunidade
territorial cria uma form a diversa de se adaptar, um género de
vida. A geografia regional francesa nos ensina, por exem plo, que
na identificação da Borgonha o fundamental é o quadro histórico;
nos Pirineus mediterrânicos, o clima; na Picardia o relevo; e assim
sucessivamente. O fundamental é que estam os diante de um pro­
duto único, sintético, form ado pela inter-relação destes fatores
com binados de form a variada
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região é uma realidade concreta, física, ela existe com o um


quadro de referência para a população que aívive.*Enquanto reali­
dade, esta região independe do pesquisador em seu estatuto onto­
lógico. A o geógrafo cabe desvendar, desvelar, a com binação de
fatores responsável p or sua configuração. O [m étod o recom enda­
do é a descrição, pois só através dela é possível penetrar na com ­
plexa dinâm ica que estrutura este espaço ( v i d a l DE LA blache,

1921). Além disso, é necessário que o pesquisador se aproxim e,


conviva e indague à própria região sobre sua identidade. Daí a
enorme im portância do trabalho de cam po, momento onde o geó­
grafo se aproxim a das m anifestações únicas da individualidade de
cada região. Este é o quadro característico daquilo que convencio­
nalmente ficou conhecido com o a “E scola Francesa de Geografia”,1
perspectiva predom inante nos prim eiros cinqüenta anos deste
século na França e m odelo largamente “exportado” ao exterior,
com grandes repercussões n o Brasil, p or exem plo, para onde vie­
ram diversos professores e pesquisadores franceses nos anos trin­
ta e quarenta criar a base universitária da geografia
Apesar de este m odelo ser identificado quase sempre à “Es­
cola Francesa”, a verdade é que esta form a de pensar a atividade
geográfica se desenvolveu, com pequenas diferenças, também em
outras escolas nacionais. Na Alemanha, que juntamente com a
França foi, desde o final do século 19, o grande fo co produtor de
uma reflexão geográfica, o m aior defensor de uma geografia regio­
nal, com o síntese do trabalho geográfico fo i o influente geógrafo
A Hettner.1Tendo seguido uma form ação filosófica de influência
neo-kantista, este geógrafo acreditava que o m étodo das ciências
humanas não poderia se com parar àqueles recom endados pelo
dom ínio do positivism o clássico, dominante nas ciências físicas e
matemáticas e que pretendia ser o único m étodo efetivamente
científico.
^{Jm dos autores mais conhecidos desta escola neo-kantista,
Dilthey estabelecia que para as “ciências do espírito” (ciências
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humanas e sociais) o único m eio para a produção do conhecim en­


to era a descrição e a interpretação. Para estas ciências a m etodo­
logia básica era a com preensão que se opunha à explicação das
ciências físicas e matemáticas. A com preensão exige a proximida­
de entre o sujeito e o objeto, exige um conhecim ento contextuali-
zado, particular e jam ais pretende chegar ao patamar das grandes
leis ou teorias, características do universo da explicação. Foi tam­
bém um outro filósofo desta escola que forjou a caracterização de
dois tipos fundamentais de ciências:'as idiográficas e as nomotéti-
cas. As primeiras, ciências do homem, são descritivas, tratam de
fatos não repetitivos, não reprodutíveis e, portanto, sem aspectos
regulares que possam fundamentar leis ou normas gerais. Estes
fatos só podem ser com preendidos a partir do contexto particular
que os gerou, são únicos, não podem ser explicados, mas somente
com preendidos à luz de suas particularidades. A ciência nom otéti-
ca, ao contrário, procura nos fatos aquilo que é regular, geral e
comum, estabelece assim m odelos abstratos que podem antecipar
resultados a partir do conhecim ento das variáveis fundamentais
que definem um fato ou fenôm eno.
^ a ra Hettner, a geografia era uma ciência idiográfica, visto
que ela estudava o espaço terrestre e este é diferenciado, não regu­
lar e único em cada paisagem. Assim, para ele, a geografia é “a
ciência da superfície terrestre segundo suas diferenças regionais
(Cf. mendoza, p. 73). A geografia não deve, no entanto, se ocupar
unicamente apenas em descrever as diferentes paisagens, com o
um longo inventário de formas regionais, é necessário interpretar
estas form as com o o resultado de uma dinâmica com plexa Este
ponto fo i o núcleo de uma controvérsia com outros geógrafos ale­
mães da época, principalmente com Passarge e Schlüter, que acre­
ditavam que as paisagens deveriam ser analisadas através de seus
aspectos formais, seguindo uma m orfologia, atribuída a padrões
genéticos e funcionais. Notemos, que, sob este últim o ponto de
vista, poder-se-ia encontrar regras gerais, padrões de classificação
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e, desta form a, um certo nível de generalização. Na perspectiva


corológ ica de Hettner, dificilm ente a geografia poderia estabele­
cer estes padrões de generalização. O princípio da “diferenciação
de áreas” conduz irremediavelmente a estabelecer o conhecim en­
to regional com o produto suprem o do conhecim ento geográfico.
Ainda segundo Hettner, não havia dicotom ia entre uma geografia
geral e uma particular, visto que a região seria o objeto que res­
guardaria o cam po mais sistem ático do perigo objetivista. Assim,
através da região, a geografia garantiria um objeto próprio, um
m étodo esp ecífico e uma interface particular entre a consideração
dos fenôm enos físicos e humanos com binados e considerados em
suas diferenças locais.
Esta posição de Hettner alcançou m aior divulgação através
da obra de um outro geógrafo: The N ature o f Geography, de R.
Hârtshome. Neste livro Hartshome tenta demonstrar que desde
Kant, passando por Humboldt e £>or Ritter, a geografia teria se
caracterizado p or ser o estudo das diferenças regionais. Este é,
pois, o traço distintivo que marca a natureza da geografia e a ele
devem os nos a te r /o m étodo regional, ou seja, o ponto de vista da
geografia, de procurar na distribuição espacial dos fenôm enos a
caracterização de unidades regionais, é a particularidade que iden­
tifica e diferencia a geografia das demais ciênciasf Há outros cam­
pos que estudam os m esm os fenôm enos, a geologia, a clim atolo­
gia, a botânica, a demografia, a econom ia, a sociologia etc., mas só
a geografia, segundo Hartshome, tem esta preocupação primor­
dial com a distribuição e a localização espacial e este ponto de
vista é o elem ento-chave na definição de um cam po epistem ológi-
c o próprio à geografia.
Muito em bora a perspectiva de H artshom e se inscreva tam­
bém na valorização de uma geografia regional, um pon to funda­
mental o distingue da m aior parte dos autores da chamada “E scola
Francesa”. Para ele, a região não é uma realidade evidente, dada, a
qual caberia apenas ao geógrafo descrever. A região é um produto
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mental, uma form a de ver o espaço que co lo ca em evidência os


fundamentos da organização diferenciada do e sp a ço /H á em
Hartshome, com o em Hettner, a suposição de que o m étodo coro-
lógico orienta a geografia para uma unificação de seu cam po de
pesquisas físico e humano e a região é a síntese destas relações
com plexas. (A região é, ao mesmo tem po, o cam po em pírico de
observação e o cam po da verificação das relações gerais. A partir
do m étodo regional a dicotom ia sistemático-particular desaparece
em uma espécie de complementariedade inerente ao próprio con­
ceito de re g iã o /
Hartshome, inspirado pela classificação das ciências de
Kant, sugere uma separação entre as ciências sistem áticas de um
lado e de outro — a Geografia e a H istória O cam po sistem ático
das ciências naturais está mais próxim o do m odelo nom otético,
enquanto as ciências sociais, pelo caráter único dos fenôm enos
que estudam (o s m esm os fatos não se repetem na história; uma
montanha, ou um rio nunca é igual a outro) se identificam muito
mais ao m odelo id io g rá fico / Todas as disciplinas, n o entanto,
segundo Hartshome, devem fazer apelo aos dois procedim entos
— nom otético e idiográfico — a ciência, aliás, costum a proceder
do particular ao geral. Ele reconhece pois a necessidade de estabe­
lecer esquemas gerais em todos os cam pos científicos, inclusive
na geografia. Entretanto, uma grande parte dos fenôm enos obser­
vados pela geografia possuir um caráter singular e uma localiza­
ção única. Desta maneira, a despeito do fato de que a meta funda­
mental da geografia deva ser o estabelecim ento de uma classifica­
ção global de regiões, em sistemas genéricos e específicos (a pri­
meira, fruto de uma classificação comparativa; a segunda, uma
síntese singular de localizações, HARTSHORNE, 1939, p. 378), estas
regiões possuem sempre aspectos que são irredutíveis a qualquer
generalização. Esta perspectiva da incontom ável singularidade
regional de Hartshome vai se colocar no centro das críticas que a
ele serão dirigidas nos anos posteriores. De fato, apesar de uma
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argumentação global que valoriza o com portam ento nom otético,


H artshom e termina por afirmar a excelência do m étodo regional,
das singularidades e dando um lugar de destaque ao único na geo­
grafia. Segundo P. Clavai,

“o espaço de Hettner e de Hartshome acaba sendo con­


cebido com o um espaço concreto e a geografia com o
uma história natural das paisagens terrestres. A curiosi­
dade destes autores se orienta muito mais para uma
abordagem idiográfica do que propriamente para uma
abordagem nom otética que vai interessar cada vez mais
aos geógrafos contem porâneos. (CLAVal, 1974, p. 121).

A obra de Hartshome, publicada em 1939, teve grande reper­


cussão e fo i durante quase duas décadas a referência fundamental
nas discussões m etodológicas da geografia Ela esteve, p or isso,
no centro das críticas e dos debates que pretenderam renovar a
geografia a partir dos anos cinqüenta
Este período da geografia clássica se fecha por um debate
cada vez mais insidioso que recoloca em dúvida os valores e o
estatuto de uma ciência idiográfica, com prom etida com fatos úni­
cos, com a descrição e com a com preensão e que, ao mesmo
tempo, renuncia às leis gerais, às teorias e à explicação (SCHAEFER,

1953). A região é um dos alvos fundamentais deste debate, pois ela


foi alçada na geografia clássica a uma posição central, isto é, iden­
tificar e descrever regiões fo i o projeto fundamental que alimentou
a geografia desta é p o ca Este programa de pesquisas geográfico
clássico, m uito próxim o da perspectiva de uma ciência idiográfi­
ca, que tinha a região com o centro, ficou p or isto conhecido com o
em piricista e descritivo, pelo peso relativamente grande das
m onografias regionais. É igualmente importante reconhecer que o
con ceito de região, visto sob esta form a clássica, pôde preservar a
unidade fundamental do cam po da geografia, instituída sob o for­
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mato de discussão da relação homem-meio. No con ceito de região,


ou sua m anifestação, há o pleno encontro do homem, da cultura
com o ambiente, a natureza; a região é a materialidade desta inter-
relação, é também a form a localizada das diferentes maneiras
pelas quais esta inter-relação se realiza Dessa forma, a região era
vista com o o con ceito capaz de prom over o encontro entre as
ciências da natureza e as ciências humanas, o produto-síntese de
uma reflexão verdadeiramente geográfica
Segundo Hartshome, que seguia a orientação de Hettner,
esta localização singular do objeto geográfico, no vértice das ciên­
cias naturais e sociais, corresponderia à principal propriedade da
geografia face às outras ciências. A geografia era assim um ponto
de vista, possui uma natureza epistem ológica diversa e, portanto,
deve proceder segundo um m étodo particular: o m étodo regional.
1 C om o foi dito antes, a crise da geografia clássica coincidiu
com uma grande rediscussão da noção de região, da propriedade
de um m étodo particular à geografia e de uma natureza distinta do
coryunto das outras ciências. As críticas se multiplicaram. Uma
das mais importantes diz respeito ao caráter “excepcionalista” (o
fato de ver os fenôm enos com o únicos) do saber geográfico. O
argumento fundamental desta crítica é a de que em um m undo sem
teorias, sem m odelos, todos os fatos são únicos. A geografia
assim, através desta perspectiva regional-descritiva, jam ais teria
alcançado o estatuto verdadeiramente científico, pois se limitava à
descrição, sem procurar estabelecer relações, análises e correla­
ções entre o s fatos. A o m esm o tem po, o fato de acreditar que o
m étodo regional fosse característico ao saber geográfico também
constituía um erro, pois de fato, segundo estes críticos, o m étodo
cien tífico é um só, não há pontos de vista diversos, há objetos
científicos diferentes. O da geografia é o espaço e seu m étodo é a
análise (berry, 1964).
Neste sentido, a região não pode ser vista com o uma evidên­
cia do mundo real-concreto, ela sequer pode pretender existir no
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mundo cien tífico sem estar submetida a critérios explícitos, uni­


form es e gerais. Podem os perceber claramente aqui a ruptura com
o senso com um . Para que esta n oção de região se tom e um con cei­
to cien tífico é absolutamente necessário que haja uma form ulação
clara de seu sentido, de seus critérios e de sua natureza O estabe­
lecim ento de regiões passa a ser uma técn ica da geografia, um
m eio para dem onstração de uma hipótese e não mais um produto
final do trabalho de pesquisa. Regionalizar passa a ser a tarefa de
dividir o espaço segundo diferentes critérios que são devidamente
explicitados e que variam segundo as intenções explicativas de
cada trabalho (GRIGG, 1967). As divisões não são definitivas, nem
pretendem inscrever a totalidade da diversidade espacial, elas
devem sim plesm ente contribuir para um certo entendimento de
um problem a, colaborar em uma dada explicação.
É neste sentido que a região passa a ser um m eio e não mais
um produto. A variabilidade das divisões possíveis é quase infinita,
pois são quase infinitas as possibilidades dos critérios que trazem
novas explicações, tudo depende da demonstração final a que se
quer chegar. Na medida em que os critérios de classificação e divi­
são do espaço são uniformes, só interessa neste espaço aquilo que é
geral, que está sempre presente. O fato particular, o único ou excep­
cional, não é do dom ínio da ciência segundo esta perspectiva
A este conjunto de novas regras chama-se análise regional.
Nesta abordagem a região é uma classe de área, fruto de uma clas­
sificação geral que divide o espaço segundo critérios ou variáveis
arbitrários que possuem justificativa n o julgam ento de sua rele­
vância para uma certa explicação.
Dentro desta perspectiva surgiram dois tipos fundamentais
de regiões: as regiões hom ogêneas e as regiões funcionais ou pola­
rizadas. As primeiras partem da idéia de que ao selecionarm os
variáveis verdadeiramente estruturantes do espaço, os intervalos
nas freqüências e na magnitude destas variáveis, estatisticamente
mensurados, definem espaços mais ou m enos hom ogêneos —
64 GEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS

regiões isonôm icas, isto é, divisões do espaço que correspondem a


verdadeiros níveis hierárquicos e significativos da diferenciação
espacial.
Quanto às regiões funcionais, a estruturação do espaço não é
vista sob o caráter da uniformidade espacial, mas sim das múlti­
plas relações que circulam e dão form a a um espaço que é intema-
mente diferenciado. Grande parte desta perspectiva surge com a
valorização do papel da cidade com o centro de organização espa­
cial. Desta forma, as cidades organizam sua hinterlândia (sua área
de influência) e organizam também outros centros urbanos de
m enor porte, em um verdadeiro sistema espacial. Toda uma escola
de geografia se dedicou, pois, ao estudo do que ficou conhecido
com o de “regiões polarizadas”, ou seja, de um espaço tributário,
organizado e com andado p or uma cidade. Esta con cepção leva
Pierre George a afirmar ironicamente que antes, ou seja, na geo­
grafia clássica, a região fazia a cidade e agora, na geografia m oder­
na, a cidade faz a região.
A o estudarmos os fluxos e as trocas que se organizam em um
espaço estruturado, ao qual chamamos de região funcional, há
naturalmente uma valorização da vida econôm ica com o funda­
mento destas trocas e destes fluxos, sejam eles de mercadorias, de
serviços, de m ão-de-obra etc. Se há uma funcionalidade n o espaço
que remete à integração mesmo ao sistem a econ ôm ico vigente, é
natural que as teorias econôm icas que interpretam o desenvolvi­
m ento deste sistema, digamos mais claramente, o desenvolvimen­
to do capitalismo, sejam chamadas para justificar esta funcionali­
dade. Desta forma, a interpretação das regiões funcionais se fez
predominantemente de uma form a tributária da inteipretação
m acroeconôm ica de inspiração n eoclássica Assim o fo i na base
dos m odelos espaciais de Christaller ou de Weber, ou ainda no de
von Thünen.
A partir dos anos setenta uma grande onda crítica se fez pre­
O CONCEITO DE REGIÃO E SUA DISCUSSÃO 65

sente, argüindo sobretudo o caráter ideológico deste tipo de pers­


pectiva amparada nos m odelos econ ôm icos neoclássicos. Efeti­
vamente, nestes m odelos duas n oções são fundamentais na defini­
ção da funcionalidade: a n oção de rentabilidade e a n oção de mer­
cado. Assim, para estes críticos, a geografia ao produzir regionali­
zações baseadas nestas n oções estaria em verdade colaborando
com a produção de um desenvolvim ento espacial desigual, visto
sob a m áscara de uma com plem entariedade funcional hierárquica
Ao assumir a dinâmica de m ercado com o pressuposto da organiza­
ção espacial, estes m odelos “naturalizariam” o capitalismo, com o
a única form a possível de con ceber o desenvolvim ento social, ao
m esmo tempo', em que trabalhavam para a manutenção do status
quo de uma sociedade desequilibrada e desigual.
Esta corrente crítica, conhecida com o geografia radical, argu­
mentava que a diferenciação do espaço se deve, antes de mais
nada, à divisão territorial do trabalho e ao processo de acumulação
capitalista que produz e distingue espacialmente possuidores e
despossuídos. Desta forma, a identificação de regiões deve se ater
àquilo que é essencial no processo de produção do espaço, isto é, à
divisão sócio-espacial do trabalho ( m assey, 1978). Qualquer outro
tipo de regionalização que não leve em conta este aspecto funda­
mental passou a ser vista, sob este novo ângulo crítico, com o um
produto ideológico que visa esconder as verdadeiras contradições
das classes sociais em sua luta pelo espaço. Novas regionalizações
foram então estabelecidas tendo em vista os diferentes padrões de
acumulação, o nível de organização das classes sociais, o desenvol­
vimento espacial desigual etc. É importante perceber aqui o fato de
que, em bora recusando o funcionalism o com o critério para a divi­
são do espaço, esta nova corrente radical aceita que a região seja
um processo de classificação do espaço segundo diferentes variá­
veis. Em outras palavras, a controvérsia se dá em relação ao con­
teúdo, ou seja, em relação à escolha dos critérios, a form a de pro­
ceder m etodologicam ente, no entanto, é preservada.
66 GEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS

Outros geógrafos desta corrente, sobretudo aqueles mais in­


fluenciados pelo discurso marxista, procuraram estabelecer uma
relação estreita entre o con ceito de região e os con ceitos da e co ­
nom ia política m arxista Tal é o caso das regiões vistas com o for­
m ações sócio-espaciais, que se aproxima, ou coincide, com o con ­
ceito de form ação sócio-econ ôm ica Para Marx, este último con ­
ceito corresponderia aos produtos histórico-concretos dos diver­
sos m odos de produção. Cada m odo de produção apresenta, pois,
um conjunto de form ações sócio-econôm icas com aspectos parti­
culares, com evolu ções diversas, mas que possuem em com um as
características que dão unidade ao m odo de produção. Cada uma
destas unidades deve, pois organizar seu espaço de uma maneira
própria, sendo esta a base de uma regionalização, ou do princípio
de diferenciação do espaço em cada diferente m om ento histórico. ‘
Surge também deste tipo de reflexão a idéia da região com o de
uma totalidade sócio-espacial, ou seja, no processo de produção
da vida, as sociedades produzem seus espaços de form a determi­
nada e ao m esm o tem po são determinadas p or ele, segundo
m esmo os princípios da lógica dialética (DUARTE, 1980). A região é,
pois, nesta perspectiva a síntese concreta e histórica desta instân­
cia espacial ontológica dos processos sociais, produto e m eio de
produção e reprodução de toda a vida social (SANTOS, 1978).
De fato, da aproxim ação destes con ceitos da econom ia polí­
tica com a região não resultou um verdadeiro enriquecimento con ­
ceituai, visto que do enxerto dos instrumentos teóricos do mate­
rialismo histórico-dialético não surgiu um con ceito de região efeti­
vamente operacional e, muitas vezes, a idéia evolucionista e mecar
nicista predom inou revestida de um vocabulário m arxista Fre­
quentemente, a dialética se transforma em determinação histórica
m ecânica onde o estatuto da espacialidade poucas vezes adquiriu
independência explicativa e, neste vácuo, a totalidade sócio-espa­
cial se transmuta na “velha” idéia da síntese regional, refbrçando-
se assim as con cep ções m etodológicas da geografia clássica,
com o aliás nos havia advertido y v e s l a c o s t e (1977).
O CONCEITO DE REGIÃO E SUA DISCUSSÃO 67

Em m eados da década de setenta surgiu uma outra corrente


crítica que, no entanto, dirigiu sua apreciação sobre outros aspec­
tos. O humanismo na geografia, ao contrário da geografia radical,
fo i buscar no passado da disciplina elem entos que, segundo estes
autores, seriam importantes resgatar. Um destes elem entos foi a
n oção de região, vista com o um quadro de referência fundamental
na sociedade. Consciência regional, sentimento de pertencimento,
mentalidades regionais são alguns dos elem entos que estes autores
chamam a atenção para revalorizar esta dimensão regional com o
um espaço vivido (PELLEGRINO, 1983; POCHE, 1983; RICQ, 1983). Nes­
te sentido, a região existe com o um quadro de referência na cons­
ciência das sociedades; o espaço ganha uma espessura, ou seja, ele
é uma teia de significações de experiências, isto é, a região define
um código social com um que tem uma base territorial ( bassan d e

GUINDANI, 1983). Novamente, a região passa a ser vista com o um


produto real, construído dentro de um quadro de solidariedade ter­
ritorial. Refuta-se, assim, a regionalização e a análise regional, co­
m o classificação a partir de critérios externos à vida regional. Para
com preender uma região é preciso viver a região.
A partir deste quadro sumário podem os concluir que a região
esteve n o centro de diversos debates que ainda h oje animam as
discussões epistem ológicas da geografia. O prim eiro deles é,
com o vim os, aquele delineado pelas n oções de região natural e de
região geográfica. 0 que está em jo g o nestas duas n oções é o peso
diferente atribuído às con dições naturais com o m odelo explicati­
v o para interpretar a diversidade na organização social. Se a geo­
grafia se define com o o cam po disciplinar que analisa a relação
entre a sociedade e o m eio ambiente, que critérios são definitivos
na dem arcação da diversidade espacial, aqueles advindos das ca­
racterísticas naturais ou aqueles definidos pela cultura? Pode­
ríam os encontrar uma solução de consenso ao dizer que se trata
de uma relação dinâmica em que há uma reciprocidade de influên­
cias ou com o disse Vidal de La Blache:
68 GEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS

“O homem faz parte desta cadeia [que une as coi­


sas aos seres] e em suas relações com o que os cerca,
ele é ao mesmo tem po ativo e passivo, sem que seja fácil
de determinar, na maior parte dos casos, até que ponto
ele é um ou outro” ( vidal DE LAblacBE, 1921, p. 104).

De qualquer maneira, se ao nível de um discurso de inten­


ções este ponto de vista pôde subsistir, operacionalm ente tom a-se
muito difícil trabalhar em um terreno tão fluido quanto este da
reciprocidade. Muitas questões restam a ser respondidas, com o,
p or exem plo, se há uma natureza possível de ser investigada em
suas relações com a cultura sem se contaminar com o s ócu los da
própria cultura que envolve o homem? A que tipo de homem esta­
m os nos referindo, ao ser biológico que sofre as pressões do m eio
ao m esm o título que as outras espécies animais e vegetais (com o
em Max Sorre) ou estam os falando de um ser social que reveste
sua relação biológica de valores e em que estas construções pas­
sam a ser o seu verdadeiro “m eio ambiente”? Estas e outras ques­
tões podem ser respondidas de form a muito diversa e parece que
estam os longe de poder afirmar praticamente no trabalho do geó­
grafo o pretendido consenso proclam ado.
De qualquer forma, este m om ento da geografia foi importan­
te na afirm ação de um cam po de pesquisas unificado, ou melhor,
tanto a região natural quanto a região geográfica significavam a
manutenção de uma reflexão que incluía homem e natureza dentro
de um mesmo quadro analítico, posição que não poderá ser preser­
vada, a despeito de outros discursos m itificadores na posteridade.
Nas con cepções predominantes da região que surgem a partir dos
anos 50, a tendência é a dissolução da regionalização física e
humana com o sistemas correspondentes a ordens diferentes, ou
fi
com o afirmava Gourou, os elem entos físicos e os elem entos
humanos das paisagens não devem ser verdadeiramente vistos
com o conjuntos estruturados (GOUROU, 1973). Em outras palavras,
O CONCEITO DE REGIÃO E SUA DISCUSSÃO

a lógica que preside a divisão regional sob o ângulo de uma ordem


natural não pode ser enxertada à ordem social e vice-versa, o que
resulta em uma renúncia da geografia moderna em ver a região
com o um objeto sintético que poderia resolver o velho problem a
dictôm ico entre a geografia física e a geografia humana
Outro grande debate que tem repercussões na região é aque­
le entre o s m odelos de uma ciência d o geral e de uma ciên cia do
singular. No prim eiro caso, o m odelo é analítico e se destina a pro­
duzir leis gerais e medidas objetivas na observação dos fatos estu­
dados. A intenção fundamental é estabelecer uma explicação geral
e sua legitim idade está associada ao com portam ento objetivo, à
capacidade de trabalhar com con ceitos abstratos e generalizantes
sobre uma base sistem ática Neste caso, a região é vista com o o
resultado de uma classificação, uma classe de área obtida através
da aplicação de um critério analítico de extensão espacial, útil na
com preensão de um dado fenôm eno ou problem a, portanto arbi­
trariamente con cebido para operar em um sistema explicativo
(GRIGG, 1965).
Na perspectiva da ciência do singular, o m odelo é sintético,
os fenôm enos são vistos com o uma matéria não desmembrável e
portanto sua identidade deve ser tom ada globalm ente em toda a
sua com plexidade. O trabalho intelectual não se elabora a partir
de idéias-conceitos abstratos, produzidos p or generalizações, mas
a partir de categorias que se definem pela descrição de casos con­
cretos, ou seja, o fenôm eno em si é fundador de uma categoria
Este m étodo com preensivo de conhecim ento se baseia em descri­
çõ e s detalhadas, obtidas graças a um contato direto e prolongado
com a realidade e pela utilização de categorias sintéticas que pos­
suem uma explicabilidade em sua maneira própria e particular de
ser. A região neste ponto de vista é concebida com o uma realidade
auto-evidente, fisicam ente constituída, seus limites são, pois, per­
m anentes e definem um quadro de referência fixo percebidos
m uito mais pelo sentimento, de identidade e de pertencim ento, do
70 GEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS

que pela lógica (frem ont, 1976). É esta dualidade que marca o
debate entre as propostas conhecidas com o Geografia Geral ou
Sistemática e Geografia Regional. Nas palavras de Juillard, por
exem plo, encontram os claramente este tipo de debate:

“Existem pois duas abordagens diferentes da rea­


lidade geográfica, uma que se aproxima da ecologia e,
conseqüentem ente, incorpora antes de mais nada os
dados das ciências naturais e da sociologia; a outra está
ligada sobretudo ao funcionam ento do espaço territo­
rial e dá destaque aos dados da econom ia política (...)
Longe de excluírem uma a outra, estas duas aborda­
gens se esclarecem mutuamente, mas som ente a segun­
da permitirá talvez ultrapassar a enfermidade congêni­
ta da geografia: sua inaptidão para a generalização”
(JUILLARD, 1974).

Finalmente o terceiro debate que identificam os é aquele que


pretende saber se é possível identificar critérios gerais e unifor­
mes que estruturam o espaço ou se estes critérios são mutáveis ^
se definem pela direção da explicação ou das coordenadas às
quais o pesquisador faz variar de acordo com suas conveniências
explicativas.JÀs regiões são, assim, no prim eiro caso, o resultado
de uma divisão do espaço que é em princípio subm etido essencial­
mente sem pre às mesmas variáveis, definindo-se, pois, através
desta divisão um sistema espacial classificatório, üniform e e hie-
rárquicoj no segundo caso,{as regiões são concebidas com o produ­
tos relativos, fruto da aplicação de critérios particulares que ope­
ram intemamente na explicabilidade daqueles que as propõem ,
têm, pois, um caráter demonstrativo na com provação do dom ínio
de certas variáveis no interior de determinados fenôm enos.
A pós esta discussão sobre os debates propriamente episté-
m ológicos que envolvem a noção de região estam os talvez mais
O CONCEITO DE REGIÃO E SUA DISCUSSÃO 71

aptos a retom ar à atualidade para examinarm os alguns elem entos


recentes da discussão.
É m oeda corrente h oje no discurso d os geógrafos o con ceito
de globalização. Em geral, esta palavra expressa a idéia de uma
econom ia unificada, de uma dinâmica cultural hegem ônica, de
uma sociedade que só pode ser com preendida com o um processo
de reprodução social global. Este debate incide, pois, sobre as
relações antagônicas entre conjuntos de Estados e, sobretudo, no
interior deste com o uma oposição entre Estado e regiões (CARNEY,

1980; BECKER, 1984; DAMETTE e PONCET ,1980). Muitos foram aque­


les que afirmaram que o s novos tem pos anunciavam o fim das
regiões pela hom ogeneização do espaço ou pela uniform ização
das relações sociais (lipietz ,1977). Segundo esta versão, os m ovi­
m entos regionais ou regionalistas são em geral vistos com o m ovi­
m entos de resistência à hom ogeneização, m ovim entos de defesa
das diferenças e p or isso contam com a simpatia e a adesão ime­
diata de grande núm ero de pessoas. A simpatia também é em geral
estendida a estes m ovim entos regionais quando se contesta a
malha administrativa e gestionária do Estado, com o uma manifes­
tação espontânea dos interesses locais face à burocracia esmaga­
dora do poder central, insensível às diferenças e às desigualdades
(MARKUSEN, 1981).
Em verdade, falar em simpatia parece vago e este sentimento
se alimenta de fato de uma postura ideológica que tem “nos direi­
tos à diferença” seu discurso maior. No entanto, é necessário per­
ceber que este discurso do direito às diferenças, que alimentou
tantos m ovim entos e fo i a base de uma ideologia da dem ocracia
das minorias, significa também o direito à exclusão. O regionalis­
m o visto sob este ângulo perde ura p ou co de seu revestim ento
generoso e pod e ser visto com o uma legitim ação da estranheza, do
repúdio e da incapacidade de conviver com a diferença. Por isso,
m uitos preferem hoje falar do “direito à indiferença”, desta possi­
bilidade de gerir a alteridade que, de certo m odo, é a possibilidade
72 GEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS

de um cosm opolitism o m oderno que opõe à noção de comunidade


a de cidadão. Este tema tem, aliás, alimentado na sociologia políti­
ca grandes discussões em tom o dos direitos e limites do multicul-
turalismo no seio de uma mesma comunidade ou ainda dado
form a a uma oposição cada vez mais referida entre cultura nacio­
nal ou grande cultura versus subculturas ou culturas locais. Mais
uma vez constatam os a relação de proxim idade entre território e
política, entre limites territoriais de soberania ou autonom ia e,
mais uma vez, confirm am os a rede de vínculos que estes debates
mantêm com o con ceito de região.
A o m esmo tem po, porém , o discurso regional pode ser tam­
bém o veículo encontrado por uma elite local para sua preserva­
ção, forjando um conflito que reitera sua posição de liderança e
seu controle sobre aquele espaço (CASTRO, 1988). Mais grave ainda
são as situações bem contem porâneas onde a aspiração da auto­
nomia, baseada em um discurso regionalista, está a serviço de um
grupo não exclusivo em uma dada área, que pretende im por uma
identidade que o colocará na posição de controle “legítim o” daque­
le território.
Dissem os no início que a região tem em sua etim ologia o sig­
nificado de dom ínio, de relação entre um poder central e um espa­
ço diversificado. É hora talvez de estabelecer que na afirm ação dé
uma regionalidade há sempre uma proposição política, vista sob
um ângulo territorial. A tão decantada globalização parece concre­
tamente não ter conseguido suprimir a diversidade espacial, talvez
nem a tenha diminuído. Se h oje o capitalism o se ampara em uma
econom ia mundial não quer dizer que haja uma hom ogeneidade
resultante desta ação. Este argumento parece tanto mais válido
quanto vem os que o regionalismo, ou seja, a cppsciência da diver­
sidade, continua a se manifestar por todos os lados. O mais prová­
vel é que nesta nova relação espacial entre centros hegem ônicos e
as áreas sob suas influências tenham surgido novas regiões ou
ainda se renovado algumas já antigas. Mas o que são estas regiões
O CONCEITO DE REGIÃO E SUA DISCUSSÃO 73

h oje em dia, grupos de Estados (Com unidade Européia, Nafta


etc.), parcelas subnacionais, com o no tradicional estatuto geográ­
fico que co lo ca a região com o alguma coisa entre o local e o nacio­
nal, unidades supranacionais com uma forte identidade cultural
(m undo árabe)?
Certamente os possíveis recortes regionais atuais são múlti­
plos e com plexos, certamente há recobrim ento entre eles, certa-
mente eles são mutáveis, mas ao aceitarm os todos estes recortes
com o regiões não estaríamos voltando ao sentido do senso
com um , de uma n oção que tão simplesmente pretende localizar e
delimitar fenôm enos de natureza e tamanho muito diversos e que,
portanto, perde todo o conteúdo explicativo, com o con ceito?
Não nos dem os com o tarefa produzir um novo con ceito de
região, adaptado à contem poraneidade, mas acreditam os ser útil
repensar estes pontos acim a levantados. De qualquer form a, se a
região é um con ceito que funda uma reflexão política de base terri­
torial, se ela co lo ca em jo g o com unidades de interesse identifica­
das a uma certa área e, finalmente, se ela é sempre uma discussão
entre o s lim ites da autonom ia face a um poder central, parece que
estes elem entos devem fazer parte desta nova definição em lugar
de assumirmos de im ediato uma solidariedade total com o senso
com um que, neste caso da região, pode obscurecer um dado
essencial: o fundamento político, de controle e gestão de um terri­
tório.
74 GEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS

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