Uma (re)visão historiográfica: da gênese aos novos
paradigmas. Santa Maria: EdUFSM, 2004.
O conceito de Região na Nova Geografia ou Geografia Teórico-Quantitativa
3.1 As origens de um novo modo de definir a região – uma “reação regional”
[...] tanto geógrafos como outros estudiosos interessados na questão regional,
por meio de trabalhos individuais ou coletivos, começaram a questionar os aspectos teóricos-metodológicos da Geografia Tradicional e, particularmente, o conceito de região. (p. 101) As transformações ocorridas nos métodos de investigação e nos objetivos da Geografia, no período entre as duas guerras mundiais e posteriormente, afetaram diretamente os conceitos de região e regionalização, ocasionando mudanças metodológicas na abordagem regional. (p. 101) Essas mudanças teriam que originar, como de fato ocorreu, rupturas com os paradigmas da Geografia Tradicional. (p. 101) Então, as novas manifestações e/ou aprofundamentos do conceito de região na Geografia se inseriam em um contexto amplo, ou seja, na mudança da base filosófica e metodológicos estudos geográficos. Essas alterações somaram-se às críticas à Geografia Tradicional, atingindo, obviamente, o conceito de região. (p. 102) Entende-se que o conhecimento da realidade é um processo histórico cumulativo, no qual, as ideias se encadeiam mediante a revisão crítica do que existe, na tentativa de apreensão do dinamismo do processo de transformação da própria realidade. [...] Parte-se do pressuposto de que o conhecimento é, antes de tudo, um processo histórico de interpretação da realidade, em que o passado auxilia no desvendamento do presente, e este permite prever e entender relações futuras. (.p. 102) A produção e incorporação de novas ideias, dentro da cadeia infinita do conhecimento, fazem-se pela revisão crítica do passado. E aqui a crítica tem uma conceituação precisa. No seu processo de elaboração, não se dá a destruição do que existe, não há a negação ou anulação do conceito de região natural (determinista) nem do de região humana/geográfica (possibilista), nem tampouco sua consideração como algo irrelevante. Há, sim, o entendimento de que, a partir de mudanças espaciais, ocorreu a superação desses conceitos, ou melhor, que foi preciso vesti-los com roupas adequadas à moda desse novo período, uma nova formulação (mas que ainda mantém muito das antigas concepções), ou da incorporação de novos termos ao conceito regional. (p. 102) Assim, a revisão crítica, longe de destruir o que existe, permite uma passo à frente na investigação e compreensão da realidade. [...] uma vez que os aspectos filosóficos e metodológicos incorporados a um conceito permitem explica-lo em determinado tempo e lugar. (p. 102) Nessa perspectiva, o conceito de região necessitou se “reelaborado”, “recriado”, “repensado”, para surgir em termos diferentes (nova roupagem), a fim de entender às transformações políticas, econômicas, sociais e intelectuais que se impunham. (p. 102) Essa nova linha de pensamento foi conduzida pelas necessidades de expansão do capital monopolista em nível internacional e intranacional. (p. 102-103) As regiões não desapareceram; pelo contrário, elas emergiram com outra conotação, fruto de um aprofundamento teórico-metodológico da questão regional, que foi, em parte, resultante do debate interno da Geografia e, por outro lado resultou o debate multidisciplinar que se fazia presente, sob um novo contexto histórico espacial emergente. Uma nova ideia de região passou a ser adotado a partir da aplicação de modelos matemáticos sobre a categoria espaço. (p. 103) Ao lado do conceito de região, foram criados novos conceitos ou incorporados outros (emprestados de outras ciências), que vieram contribuir para uma maior cientificidade geográfica, em uma ciência até então carente de paradigmas, teorias e modelos explicativos da realidade. Foi então necessário fornecer ao conceito de região um sentido operativo, não apenas descritivo. (p. 103) Em outras palavras, não se poderia ficar limitado aos métodos e imprecisões da análise espacial realizados pela Geografia Tradicional, nem à observação de campo que a filosofia positivista entronizava como a forma de perceber a realidade objetiva, porém sem a base estatística para prover as generalizações que o método indutivo sugeria e sem a base teórica ou filosófica que a justifica-se. Introduziram-se, então, a Matemática e a Estatística aos estudos regionais como instrumento de análise, teste, inferências e até mesmo como base de organização da pesquisa regional, buscando- se um maior rigor metodológico fornecido pelo método dedutivo. [...] Ou seja, a Nova Geografia surgiu na procura de adequar a Geografia aos novos tempos, superar as dicotomias e os procedimentos metodológicos da Geografia Regional. (p. 103) Além disso, também foi necessário ter-se em mente que um conceito não era um constructo científico isolado, pois tinha alicerces no mundo conhecido, a partir de cuja realidade se elaboraram construções teóricas, buscou-se um conjunto de leis inter- relacionadas, que forneceram uma visão lógica do que se pretendia indagar. Aglutinar o dualismo lógico (quantitativo) ou abstrato (qualitativo) enriqueceu o conceito-chave de nossa disciplina – a região – e valorizou o instrumento espacial do geógrafo, contribuindo para que a região se estabelecesse como categoria de análise. (p. 103- 104) Parte-se assim do princípio de que um conhecimento científico é o resultado, em um determinado momento do tempo, da relação entre o estágio do desenvolvimento teórico sobre um determinado objeto e o grau de conhecimento sobre esse objeto. É uma transação entre objeto e sujeito de conhecimento. Assim, considera-se que a região possa ser um objeto científico. (p. 104) Essas reflexões apontam para evidências de que era necessário ocorrerem mudanças tanto filosóficas quanto metodológicas na ciência geográfica, a fim de que ela viesse a se inserir em um novo momento histórico que se fazia iminente. (p. 104)
3.2 O conceito de Região: um período de transição – da Geografia Tradicional
à Nova Geografia
No início do século XX, a Geografia, então Geografia Tradicional ou Clássica,
encontrava-se em dificuldades para oferecer respostas aos problemas apresentados pela sociedade, enquanto outras ciências estavam produzindo trabalhos de pesquisa mais consentâneos com a realidade. As transformações ocorridas no espaço, com a expansão do capitalismo, começaram a exigir da ciência geográfica um maior dinamismo. Na mesma velocidade com que os fatos ocorriam, a Geografia tinha de apresentar respostas. Houve. Então, a necessidade de a Geografia Buscar novos caminhos, nova linguagem e novas respostas para a sociedade e para si, (p. 104) Alfred Hettner (!859-1941) foi um geógrafo alemão influenciado pelo refluxo das críticas francesas às colocações de Ratzel. Por essa razão, suas preocupações foram direcionadas para um caminho alternativo à análise geográfica, que não fosse nem o determinismo nem o possibilismo. Para ele, a Geografia seria uma ciência corológica, que teria, nas paisagens diferentes seu objeto individualizador. (p. 105) [...] Hettner desenvolvei essa interpretação em muitos de seus trabalhos, influenciando principalmente geógrafos americanos a passarem do estudo das relações natureza-homem, até então vigentes, para o estudo das áreas (região). (p. 105) A esse propósito, afirma Moraes (1987, p. 85) que: Hettner vai propor a Geografia como a ciência que estuda a diferenciação de áreas, isto é, a que visa explicar “por quê” e “em que” diferem as porções da superfície terrestre, diferença esta que, para ele, é entendida ao nível do próprio censo comum. (p. 105) Para Hettner, portanto, o caráter singular das diferentes parcelas do espaço adviria da forma particular da inter-relação dos fenômenos aí presentes. Ou seja, cada região teria sua singularidade expressa pela interconexão de variáveis físicas e humanas próprias. Assim, essas peculiares características formais, funcionais e genéticas é que seriam responsáveis pela sua particularidade. As diferentes paisagens seriam, pois, seu objeto individualizador. (p. 105-106) Conforme Hartshorne (1978, p. 137-138), é importante destacar que: Em seu desenvolvimento histórico, o conceito geográfico de região surgiu da necessidade de dividir em partes uma área maior, devendo cada uma dessas partes ser estudada em termos de integração máxima. Nessa divisão, conforme observou Hettner, já em 1903, seria necessário considerar não só todas as similaridades significantes do caráter dos lugares, como também as relações de localização e conexão recíprocas entre os lugares. Uma vez que esses dois conjuntos de condições são, em larga medida, independentes um do outro, ou efetivamente capazes de relacionar-se em configurações contrastantes, não podem ser combinados numa base lógica objetiva (p. 107-108) E Hartshorne (1978, p. 138) vai mais longe ao procurar determinar o significado do termo região, considerando que: Uma “região” é uma área de localização específica, de certo modo distinta de outras áreas estendendo-se até onde alcance essa distinção. A natureza da distinção é determinada pelo pesquisador que empregar o termo. (p. 108) Portanto Hartshorne apropriou-se da expressão “diferenciação de áreas”, intentando romper com o conceito de região no sentido de paisagem e, assim também, com as noções agregadas a esse tipo de conceito. A argumentação de Hartshorne levava, pois, a uma negação da região como objetivo em si, já que ele acreditava que, do ponto de vista da divisão de áreas, intrinsecamente relaciona ao problema regional, não seria possível, sob qualquer argumentação, definir os limites da superfície terrestre como regiões fixas, unidades físicas concretas e individualizadas. Assim, o autor destacava um dos problemas que mais preocupavam os geógrafos regionais, ou seja, a questão da delimitação da região. Para ele, a designação “diferenciação de áreas” servia para caracterizar o modo pelo qual os geógrafos lidavam com a ampla variedade de fenômenos físicos, econômicos e sociais coexistentes em uma área e distintos de outras. (p. 109) Hartshorne salientava ainda que era importante aprofundar o estudo da região e que, para tal, era necessário desconsiderar a acepção da região auto-evidente, como uma unidade concreta da realidade. Propunha, então, que a região fosse uma construção do pesquisador, estabelecida por critérios e com valor relativo aos objetos propostos para cada pesquisa específica. (109) Considerando que as regiões seriam caracterizadas por sua homogeneidade quanto a características preestabelecidas, relacionadas em função de sua relevância no esclarecimento das diferenças de áreas, Hartshorne definiu dois tipos de região: a formal (ou região uniforme), na qual a área é homogênea quanto ao fenômeno ou fenômenos considerados, e a região funcional ou nodal, na qual a unidade é conferida pela organização em torno de um nó comum, que pode ser a área-núcleo de um Estado, ou uma cidade no centro de uma área de relações comerciais (Johnston, 1986). (p. 110). O fato é que, para Hartshorne, a região não passa de uma área cuja unicidade é o resultado de uma integração única de fenômenos heterogêneos da natureza. (p. 111)
3.7 Os conceitos de Região Homogênea, Região Funcional e o planejamento
aplicados no Brasil.
No Brasil, a região Sudeste é a que melhor exemplifica os processos integrados
de regionalização, nela, a cidade de São Paulo exerceu uma polarização quase que única no País. O seu dinamismo, que coloca a região Sudeste numa posição privilegiada na hierarquia nacional, ressalta a importância das funções econômicas que diferenciam as regiões. Isso a torna a mais significativa, expressão do processo de desenvolvimento e ocasiona o reconhecimento de que, graças à regionalização, é que se pode efetivar um planejamento bem-sucedido. Dessa forma, a regionalização foi sinônimo de desenvolvimento tendo sido estimulada também, nas áreas menos evoluídas. Foram criados ou fortalecidos os chamados “pólos de desenvolvimento”, que recebiam isenções para favorecer a localização de indústrias em determinadas regiões, objetivando diminuir os expressivos desníveis entre elas. Por meio da política nacional, o poder federal canalizou recursos para as macrorregiões, onde atuam a SUDAM [...], a SUDENE [...], a SUDESUL [...] e a SUDECO, com incentivos fiscais para multiplicar os empreendimentos econômicos. (p. 147) Assim, o processo de regionalização, delineado e em crescente desenvolvimento no mundo e no Brasil, acentuou o crescimento urbano, e a formação das regiões passou a ser observável, embora não se possa precisar em que ponto do processo surgem novas regiões. O processo de regionalização reside na dependência mútua entre os lugares, embora essa interdependência seja, ao mesmo tempo, contínua e descontínua, segundo as características sociais e físicas dos espaços que se relacionam entre si. (p. 147) Pode dizer-se, então, que os processos de regionalização deveram-se ao aspecto econômico-produtivo, do qual resultaram as Regiões Homogêneas e as Polarizadas, que foram caracterizadas por Geiger (1969, p. 5) como sendo “formas de povoamento, formas de atividades, produtos cultivados, etc.” e “em torno de metrópoles”, respectivamente. (p. 147) Compreende-se, pois, que a Região Homogênea constituía uma grande região econômica, contínua ou não, fornecedora, por exemplo, de produtos primários par ao mercador nacional, pela destinação desses produtos para o abastecimento de cidades que deles necessitam. A Região Homogênea podia ser constituída por várias pequenas unidades, ou centralizar-se em unidades menores, constituindo, assim, os espaços hierárquicos ou subespaços. Por outro lado, a Região Funcional ou a regionalização pela polarização constituía um processo que atingia sua plenitude em áreas desenvolvidas. Nessas áreas, os espaços homogêneos se apresentavam não como regiões, mas como setores de regiões polarizadas, equivalendo, no Brasil, às áreas urbanas industrializadas, que polarizam para si áreas de seu interesse socioeconômico. Isso vem a facilitar a realização dos estágios do processo de produção capitalista. (p. 147-148) Nesse sentido, regionalização é sinônimo de desenvolvimento industrial, e o seu objetivo é difundir a tecnologia, para que os benefícios da industrialização sejam usufruídos, e valorizadas as reservas de recursos humanos e naturais do país. (p. 148) Para Geiger (1969, p. 11): A regionalização significa tendência ao desaparecimento de oposição, que ainda se verifica em muitos países, entre o capital e suas áreas próximas modernizadas e o interior menos atingido pela renovação. (p. 148) Nessa perspectiva, o importante, nos estudos da Nova Geografia, era encontrar um espaço para a região como um instrumento técnico operacional. A divisão do espaço se fazia de acordo com a sua função, de acordo com o papel que cada subespaço desempenha na formação de um espaço global, sistematicamente estruturado. Simultaneamente a esse novo enfoque prático de região, o foco das atenções foi transferido do agrário para o urbano-industrial, o que, segundo Gomes (1987, p. 95) se deu de modo que: A Velha Geografia, as das monografias regionais, não poderiam resistir por muito tempo à crescente metropolização, ao fato industrial, que se havia difundido por todo o globo, às rápidas transformações nas relações sociais, ao novo Estado que se formou e, concomitantemente, à escala destas ações. (p. 149)