Uma (re)visão historiográfica: da gênese aos novos
paradigmas. Santa Maria: EdUFSM, 2004.
O conceito de região na Geografia Crítica e nas Novas Tendências Geográficas
Tratar do conceito de região segundo a Geografia Crítica, a Geografia
Humanística e a Geografia Cultural torna-se bastante complexo, uma vez que as atuais concepções ainda estão em fase de aceitação e aprimoramento por parte da academia científica. Corre-se, então, o risco de não se poderem estabelecer posições consolidadas sobre a questão, tendo em vista que o objeto de estudo, a região, de acordo com o enfoque, significado, critério e interpretação dos alotes assume distintas formas de conceituação. (p. 177) No entanto, se, por um lado, a assertiva acima significa que ainda se transita pelo viés da “incerteza”, do não “consolidado”, da afirmação “não generalizante”, por outro, estimula o pesquisador à reflexão por meio do pluralismo e da divergência. Esses caminhos desafiantes incitam à busca de novos paradigmas para a Geografia e, particularmente, para o conceito de região, cuja importância, segundo Becker & Egler (1994, p. 14), é a de “... um signo que identifica a Geografia perante as demais ciências”. (p. 177) Desse modo, a Geografia Crítica se estabelece e se manifesta alimentada no rescaldo da nova Geografia, pelas discordâncias feitas às novas concepções teórico- metodológicas daquela escola geográfica, como também condena muitos aspectos da Geografia Tradicional. Desvincula-se, assim, o conceito de região da lógica formal e da linha empiricista. (p. 177-178) Segundo Faissol (1994, p. 22), a Geografia Regional deve ocupar-se, prioritariamente, em resolver o problema das disparidades regionais. (p. 178) A partir da década de 70, as ciências, de um modo geral, são chamadas à prática social. A geografia teve que se inserir nesse movimento, uma vez que estava sendo acusada de acrítica, ideológica e conservadora. No bojo dessas transformações, deu-se início a um processo de críticas radicais que, em grande parte, coincidiu com uma aceitação do discurso marxista. Ocorre, então, a incorporação de novos paradigmas à Geografia. O conceito de região, um dos temas mais presentes da Geografia Tradicional, e seu posterior desmembramento pelo planejamento (Nova Geografia), reaparece no interior da Geografia Crítica, firmada no materialismo histórico e dialético e também nas Geografias Humanista e Cultural, as quais, por sua vez, baseiam-se na fenomenologia e na percepção. (p. 178) Deve-se destacar também que o conceito de região, nessa fase, toma outras dimensões, uma vez que passa a ser utilizado por não-geógrafos, ou seja, por aqueles que, de uma forma ou de outra se interessam pela condição espacial da sociedade. Evidenciam-se, então, novos conceitos de região, e se amplia ainda mais o que já era um pluralismo conceitual. (p. 178) Deve-se destacar também que o conceito de região, nessa fase, toma outras dimensões, uma vez que passa a ser utilizado por não-geógrafos, ou seja, por aqueles que, de uma forma ou de outra se interessam pela condição espacial da sociedade. Evidenciam-se, então, novos conceitos de região, e se amplia ainda mais o que já era um pluralismo conceitual (CORRÊA, 1995). (p. 178) São esses e outros fatos que levam a novos questionamentos no debate interno da geografia. Esse debate não poderia ignorar também que, nos países de capitalismo avançado, verifica-se o agravamento de tensões sociais, originado por crise de desemprego e habitação, envolvendo ainda questões raciais. Simultaneamente, em vários países do Terceiro Mundo, surgem novos movimentos nacionalistas e de libertação. Era necessário dar novas interpretações ou reinterpretar tais questões. (p. 179) Abria-se, assim, para as ciências sociais, um campo novo de trabalho. Era necessário encontrar respostas diferentes das anteriores, isto é, era preciso investigar segundo novas perspectivas e ideologias. (p. 180) Propunha-se então uma Geografia mais “aberta”. Ou seja, uma Geografia que ultrapassasse os “muros universitários” e atingisse a sociedade. Uma Geografia que procurasse “mostrar” e “resolver” os problemas sociais ligados ao meio-ambiente, ao êxodo rural, à urbanização acelerada, às favelas, entre outros. Uma geografia preocupada em ser crítica e atuante. (p.180) Dessa forma, a Geografia Crítica interessa-se pela análise dos modos de produção e das formações socioeconômicas como base para a explicação ou estruturação das distintas formações socioeconômicas espaciais que devem ser analisadas e compreendidas para o melhor entendimento das regiões. (p. 180) A Geografia Crítica, além de censurar e condenar os paradigmas que a precedem, procura reinterpretar, com base na teoria marxista, aspectos que tinham sido abordados pela Nova Geografia. Dessa forma, reexaminam-se questões como terra urbana, habitação, transportes regionais, localização industrial, agentes de organização espacial (os proprietários rurais, os industriais, os banqueiros, os incorporadores imobiliários, entre outros) como importantes agentes na estruturação dos recortes regionais. (p. 181) Dessa forma, as análises de vários autores procuram o entendimento da região por meio de conceitos marxistas baseados no materialismo histórico. Discutem as relações de produção, as relações de trabalho, a ação do grande capital, as forças produtivas, enfim, como principais responsáveis pela organização dos distintos recortes regionais e como elementos de explicação do diferente dinamismo dos vários quadros regionais. (p. 181) Pelo exposto, percebe-se que os estudos regionais, a partir da década de 1970, são retomados em novas diretrizes que procuram explicar o conceito de região. Assim, esse conceito emerge de diferentes perspectivas, as quais vão além daquelas fornecidas pela Geografia Tradicional e pela Nova Geografia. (p. 181) Nesse sentido, uma importante contribuição é fornecida por Gilbert. A autora enfatiza que a Geografia Regional praticada após 1970 pode ser considerada como uma Geografia Regional Nova. Aborda diferentes maneiras de conceituar geograficamente a região, apresentando, especificamente, três direcionamentos básicos para o entendimento desse conceito. (p. 181) Para Gilbert (1988, p. 209), a primeira das três formas para conceituar região é entende-la como uma resposta local dos processos capitalistas, ou seja: Refere-se a região como a organização espacial dos processos sociais associados ao modo de produção: a regionalização da divisão social do trabalho; a regionalização do processo de acumulação do capital, organizado como uma rede de processos de acumulação parcial interligados que definiram as bases territoriais; a regionalização da reprodução da força de trabalho, cuja lógica relaciona a região de mercados de trabalho à organização espacial da população e a regionalização dos processos políticos e ideológicos de dominação usados para manter as relações sociais de produção. (p. 181-182) Essa forma de entender a região acentua o papel fundamental da lógica da circulação do capital nesses processos de diferenciação regional. A região passa a ser definida, então, como a articulação concreta das relações de produção em um dado local e tempo. (p. 182) Salienta-se também, segundo a autora, que todas essas definições estão apoiadas na teoria marxista e consideram que a região será melhor analisada a partir das relações de produção e seus desdobramentos em um determinado espaço. (p 182) A preocupação central é, então, verificar como os processos de circulação de capital operam em lugares distintos, ou seja, em lugares que têm características sociais específicas. Essa é uma nova forma de encarar a região. A preocupação tradicional com a relação homem/natureza amplia-se, para incluir a sociedade como agente primordial na formação da região. Portanto, a essência da Geografia Regional baseia- se nas relações triangulares entre o homem, a sociedade e a natureza, dando às relações sociais outra dimensão. Embora a dimensão econômica seja a mais explorada das relações, são as atividades produtivas as que despertam atenção, pois é necessário entender os processos pelos quais a produção econômica é estabelecida e modificada em regiões. (p. 182) A segunda maneira de direcionar o entendimento do conceito de região enfatizado por Gilbert é aprender a região como um foco de identificação. Esta visão é menos predominante nos estudos sobre a região, e considera que, nas relações sociais, a cultura é o objeto principal das abordagens regionais. De acordo com essa abordagem, a região, segundo Gilbert (1988, p. 210), é definida como “... um conjunto específico de relacionamentos culturais entre um grupo e determinados lugares...” ou então “... a região é uma apropriação simbólica de uma porção do espaço por um determinado grupo, e é um elemento constitutivo de sua identidade”. (p. 183) Na Geografia Contemporânea, essa nova forma de interpretar a região emerge por meio de duas fontes de abordagem. A primeira é a Geografia Humanística, e a segunda, a Geografia Cultural. Ambas compartilham entre si elementos comuns de análise, ou seja, a região como foco de identificação ou a apropriação simbólica do lugar por determinado grupo. Dessa forma, o espaço dá a identidade do grupo. Ambas têm a base teórica à fenomenologia. (p. 183) A terceira forma de estudar a região, de acordo com Gilbert, é entende-la como um meio de interação social. Trata-se de uma visão política da região com base na ideia de que dominação e poder constituem fatores fundamentais na diferenciação de áreas. (p. 183) Nesse contexto, a região pode ser estudada de formas diferentes e entendida como determinação do local ou como o território no qual a região, os indivíduos e as instituições se integram no tempo e no espaço. (p. 183)
4.4 A região como uma resposta local aos processos capitalistas
[...] Lipiets, como dos demais autores marxistas ou de formação originária, do
marxismo, parte da preocupação fundamental com a categoria, modo de produção, que seria o elemento essencial de abordagem, uma vez que destaca a inserção do modo capitalista no espaço, procurando entender o funcionamento da economia e sua expressão espacial. Assim, ele atribui a existência de regiões desigualmente desenvolvidas à articulação dos modos de produção em sua dimensão espacial. (p. 184) A preocupação fundamental desse autor não é buscar um conceito de região, mas compreender por que o capitalismo gera regiões desigualmente desenvolvidas. (p. 184) É importante salientar também que, de acordo com Lipietz (1988, p. 30), se as relações sociais possuem dimensão espacial, são elas que fazem convergir para si o espaço social, pois “a região aparece assim como o produto das relações inter- regionais como uma dimensão das relações sociais”. (p. 185) Lipiets constata também que o desigual desenvolvimento geográfico é fruto da articulação entre o modo de produção capitalista (dominante) e os diferentes modos de produção, surgindo daí “espaços” ou regiões” dominantes e dominados. (p. 186) Nessa classificação, percebe-se uma hierarquização das regiões pelo critério da dominância estabelecida a partir da divisão do trabalho. Assim, ocorre uma vinculação entres esses três tipos de região no bojo de um processo único, que faz uso das peculiaridades regionais em função de uma lógica geral (acumulação de capital). Verifica-se também que a região é caracterizada pelos níveis de especialização da força de trabalho. Taís níveis, localizados no espaço de forma desigual, dariam origem, segundo Lipietz (1988), a um sistema desequilibrado que, por sua vez, geraria conflitos e crises, principalmente crises regionais, desencadeadas pela luta por espaços e qualificações. (p 186) Em seu artigo, Lipietz (1980) não diz claramente, mas pode perceber-se, pelas afirmações emitidas, que a região seria o “locus”, no qual, ocorre a reprodução de heranças passadas em luta constante contra a ordem geral capitalista monopolista. Desse conflito, geram-se, muitas vezes, crises regionais, que nem sempre o Estado está aparelhado para resolver. (p. 187) Outro fator a ser salientado é que as regiões apresentam diferenças, pois são produtos da articulação entre os modos de produção pré-capitalista com o modo de produção dominante. (p. 187) Pelo exposto, deve ressaltar que, para Lipietz (1988), a região surge como “produto” das relações inter-regionais. Esse entendimento reforça a ideia de que a região não existe como uma entidade preexistente e autodefinida. A região vai ser caracterizada segundo o forem as relações inter-regionais que, por sua vez, são uma dimensão das relações sociais. A formação das regiões é, pois, um processo integrado ao movimento do capital no sentido de sua valorização. (p. 187) [...[ percebe-se que a evolução propiciada pelo capitalismo, [...] tenderia a gerar a homogeização no espaço, que pode ser observada nas comunicações, na televisão, na indústria. Ou seja, as diferenças culturais (e essas são fortemente responsáveis pela manutenção do caráter regional) seriam “dissolvidas” e “atenuadas” pela massificação da “indústria cultural”, que tenderia a assemelhar tudo. Essa visão se faz presente principalmente nos Estados Unidos, onde, segundo Oliveira (1981, p. 26): “as regiões tendem a desaparecer e o que existe é zonas de localização diferenciada de atividades econômicas”. (p. 188) Para o autor, é interessante privilegiar um conceito de região que se fundamente na especificidade da reprodução do capital, nas formas que o processo de acumulação assume, na estrutura de classe peculiar a essas formas e, portanto, também nas formas de luta e do capital social em escala mais geral. (p. 188) Assim Oliveira (1981, p. 29) afirma que: Uma região seria, em suma, o espaço onde se imbricam dialeticamente uma forma especial de reprodução do capital, e por consequência uma forma especial de luta de classes, onde o econômico e o político se fusionam e assumem uma forma especial de aparecer no produto social e nos pressupostos da reposição... (p. 189) Pode-se dizer que a maior contribuição de Oliveira (1981) para o conceito de região é a originalidade da sua abordagem sobre a questão regional no Brasil. Acresce- se a isso o seu esforço teórico no sentido de desenvolver o conceito de região a partir da inclusão do elemento político como determinante fundamental na construção do espaço social. (p. 190) Segundo Oliveira (1981, p. 27) Privilegia-se aqui um conceito de região e fundamenta na especificidade da reprodução do capital, nas formas que o processo de acumulação assume, na estrutura de classe peculiar a essas formas e, portanto, também nas formas de luta de classe e do conflito social em escala mais geral. (p. 190) Como se percebe, o autor destaca que o conceito de região sob a ótica econômica e política é de natureza dinâmica por definição, uma vez que está ligado ao movimento da reprodução do capital e das relações de produção. (p. 190) Santos, já em 1978, advertia para a crise da noção clássica de região. Segundo ele, os progressos ocorridos nos transportes e nas comunicações, imprimindo nova dinâmica à economia nacional e internacional, promoveram a interação íntima entre os grupos humanos e a superfície terrestre onde habitam, não podendo mais ser vista de modo isolado nem de forma auto-suficiente. (p. 190-191) Assinala Santos (1978, p.10) que se deve ter cuidado ao empregar-se o termo região, pois: Se pretendermos a manter a denominação somos obrigados a redefinir a palavra. Nas condições atuais da economia nacional, a região já não é realidade viva, dotada de coerência interna. Definida sobretudo do exterior, seus limites mudam em função dos critérios que lhe fixamos. Por conseguinte, a região não existe por si mesma. (p. 191) [...] Santos destaca que um dos parâmetros para melhor compreender a região é entendê-la por meio do modo de produção. Para ele, a região é uma categoria de análise que permite apreender como uma mesma forma de produzir ocorre em diversas partes do globo, reproduzindo-se de acordo com suas especificidades regionais. (p. 191) Santos (1994a, p. 97), quando aborda a questão relativa à dinâmica espacial e à dinâmica social, fatores relevantes para a dinâmica territorial e, portanto, para a formação das regiões, enfatiza, outra vez, a preocupação com o conceito de região, afirmando: Da mesma forma, como se diz hoje, que o tempo apagou o espaço, também se afirma que, nas mesmas condições, a expansão da presença do capital hegemônico em todo o espaço teria eliminado as diferenciações regionais e, até mesmo, proibido de prosseguir pensando que a região existe. Quanto a nós, apo critério, pensamos que: em primeiro lugar, o tempo acelerado, acentuando a diferenciação dos eventos, aumenta a diferenciação dos lugares; em segundo lugar, já que o espaço se torna mundial, o ecúmeno se redefine, com a extensão a todo ele do fenômeno de região. Agora, exatamente, é que não se pode deixar de considerar a região, ainda que a chamemos por outro nome. (p. 191-192) Fica evidente, então, pelas considerações anteriores que, a região continua a existir e a desafiar os geógrafos na busca de um conceito mais atual. É necessário deixar claro que, com as constantes mudanças, devido a globalização, o mundo não é mais o mesmo. Portanto, entender a região hoje é vê-la como um “produto” de articulações que são engendradas, constantemente, no espaço (p. 192). Santos salienta que a região não pode ser vista hoje isoladamente, uma vez que o processo de globalização que comanda o mundo torna-o “menor” e cada vez mais interligado. Não faz, pois, sentido falar-se de “regiões isoladas”. Os fluxos, as redes, a dinâmica espacial fazem com que as regiões “percam” sua autonomia. Nesta fase de internacionalização da economia, a região é resultante dos processos modernos de produção que ocorrem em nível global. E isso vai colocar o regional em plano inferior, chegando, muitas vezes, a desconsiderá-lo. Para reforçar as ideias expostas, é oportuno destacar, nas palavras de Santos (1988, p. 46), que a região assumiu maior complexidade e que atualmente: Compreender uma região passa pelo entendimento do funcionamento da economia ao nível mundial e seu rebatimento no território de um país, com a intermediação do Estado, das demais instituições e do conjunto de agentes da economia, a começar pelos seus atores hegemônicos. (p.192) E Santos (1988, p. 46) vai ao âmago da questão quando salienta que: “... estudar uma região significa penetrar num mar de relações, formas, funções, organizações, estruturas, etc., com seus mais distintos níveis de interação e contradição”. (p. 192)
Sincronicidade e entrelaçamento quântico. Campos de força. Não-localidade. Percepções extra-sensoriais. As surpreendentes propriedades da física quântica.