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CORRÊA, Roberto Lobato. Região: um conceito complexo. In: CORRÊA, Roberto Lobato.

Região e
organização espacial. 6. Ed. São Paulo: Ática, 1998 (Série princípios).
Capítulo 3
Região: um conceito complexo

O termo região não apenas faz parte do linguajar do homem comum, como também é dos mais
tradicionais em geografia. Tanto num como noutro caso, o conceito de região está ligado à noção
fundamental de diferenciação de área, quer dizer, à aceitação da idéia de que a superfície da Terra é
constituída por áreas diferentes entre si.
A utilização do termo entre os geógrafos, no entanto, não se faz de modo harmônico: ele é muito
complexo. Queremos dizer que há diferentes conceituaçães de região. Cada uma delas tem um
significado próprio e se insere dentro de uma das correntes do pensamento geográfico. Isto quer dizer
que, quando falamos em região, implicitamente, mas de preferência de modo explícito, estamos nos
remetendo a uma das correntes já identificadas anteriormente.
Dois pontos devem ser abordados nesta introdução e ambos se referem ao nosso posicionamento.
Primeiramente, achamos que a região deve ser vista como um conceito intelectualmente produzido.
Partimos da realidade, claro, mas a submetemos à nossa elaboração crítica, na seqüência, procurando ir
além da sua apreensão em bases puramente sensoriais. Procuramos captar a gênese, a evolução e o
significado do objeto, a região.
Em segundo lugar, queremos deixar claro que todos os conceitos de região podem ser utilizados
pelos geógrafos. Afinal todos eles são meios para se conhecer a realidade, quer num aspecto espacial
específico, quer numa dimensão totalizante: no entanto, é necessário que explicitemos o que estamos
querendo e tenhamos um quadro territorial adequado aos nossos propósitos.
Nesta parte iremos ver os principais conceitos de região, ou seja, o de região natural, o de região
geográfica de Vidal de Ia Blache e o de região como classe de área, já tradicionalmente estabelecidos.
Tentaremos conceituá-la sob o ângulo do materialismo histórico, onde, acreditamos, não está
solidamente estabelecida. Finalmente, discutiremos a questão da região como um instrumento de ação e
controle dentro de uma sociedade de classes.

Região natural e determinismo ambiental

No final do século XIX, e durante as duas primeiras décadas deste, quando a ciência geográfica
foi impulsionada pela expansão imperialista, sendo o determinismo ambiental uma de suas principais
correntes de pensamento, um dos conceitos dominantes foi o de região natural, saído diretamente do
determinismo ambiental. A região natural é entendida como uma parte da superfície da Terra,
dimensionada segundo escalas territoriais diversificadas, e caracterizadas pela uniformidade resultante da
combinação ou integração em área dos elementos da natureza: o clima, a vegetação, o relevo, a geologia
e outros adicionais que diferenciariam ainda mais cada uma destas partes. Em outras palavras, uma
região natural é um ecossistema onde seus elementos acham-se integrados e são interagentes.
É preciso deixar claro que a idéia de combinação ou integração em área de elementos diversos é
muito importante para o conceito de região visto sob o paradigma do determinismo ambiental (e para
outros também). Um mapa com a distribuição espacial dos tipos climáticos de Koppen, por exemplo, não
se refere a uma combinação ou integração abrangendo elementos heterogêneos da natureza. Trata-se de
uma divisão apoiada na temperatura e na precipitação, com as quais Koppen estabeleceu suas regiões
climáticas. A região natural é mais complexa.
Ao contrário, a divisão regional proposta por Herbertson 1 está apoiada no conceito de região
natural. É uma divisão clássica, que ainda hoje exerce influência no ensino da geografia na escola
secundária. Herbertson, com base no clima e no relevo, e considerando a vegetação, divide a superfície
da Terra em 6 tipos e 15 subtipos, que não apresentam contigüidade espacial, e 57 regiões naturais,
distintas dos primeiros por apresentarem esta contigüidade. Os 6 tipos são os seguintes: polar, temperada
fria, temperada quente, tropical, montanhosa subtropical, e terras baixas e úmidas equatoriais.
Sobre a proposição de Herbertson convém ressaltar três aspectos. Em primeiro lugar, as regiões
naturais propostas constituem uma base para estudos sistemáticos, como se infere do título de seu artigo.
1
Isto significa, na realidade, que o referido autor procurava um quadro territorial adequado para pensar a
geografia segundo a concepção ambientalista, isto é, onde se pudesse estudar e compreender as relações
homem/ natureza, admitindo-se que nas regiões naturais estas seriam mais evidentes, mais perceptíveis:
nelas se poderia ver mais claramente o papel determinante da natureza sobre o homem. Neste sentido, as
regiões naturais configuram, de fato, um ponto de partida, e não de chegada, ou coroamento, no quadro
territorial que engloba o conhecimento a respeito das diversas áreas diferenciadas da superfície da Terra.
É nestes termos que o geógrafo americano Charles Dryer, em 1915, aceita a idéia de que as regiões
naturais devam ser um meio para se compreender as relações homem/natureza, que aparecem
diretamente, segundo ele, através da vida econômica, para cada um dos estágios de cultura.
Em segundo lugar, o clima aparece, em Herbertson, Dryer e outros, como o elemento
fundamental da natureza. Não resta dúvida de que a variação espacial dos tipos de clima é um dado
importante para se compreender a diferenciação da ocupação humana sobre a superfície da Terra, porém
no ambientalismo o clima passa a ser considerado, como já se viu, fator determinante sobre o homem e,
em muitos casos de modo explícito, sobre sua
história. O clima é utilizado como justificativa para o colonialismo em suas diversas formas (colônias de
povoamento e de exploração) e o racismo, duas das múltiplas e interligadas facetas do imperialismo.
Muito sintomático é o fato de Dryer referir-se às regiões econômicas como sendo determinadas pela
natureza: justifica-se assim, em última instância, a superioridade natural das regiões e dos países
desenvolvidos, que teriam uma natureza mais pródiga. O trecho a seguir, tirado de Herbertson, elucida os
dois aspectos acima mencionados:

Através da compreensão da história da mesma raça em duas diferentes regiões, ou de um


conjunto de raças na mesma região, seria possível chegar a algum conhecimento do efeito
invariável de um tipo de meio sobre seus habitantes 2.

Em terceiro lugar, convém lembrar que à época em que o conceito de região natural desfrutava de
prestígio não se podia mais falar em área da superfície da Terra que, em algum grau, não tivesse sofrido
ação humana e alterado o seu meio natural, a primeira natureza. Muito especialmente na Inglaterra do
tempo de Herbertson. Isto, contudo, não tira a importância do conceito, principalmente para os
interessados no estudo sistemático dos diferentes ecossistemas ou regiões naturais modificadas pelo
homem ao longo da história, uma abordagem que não foi considerada pelos geógrafos deterministas
quando as estudaram.
Mesmo para um geógrafo francês como Camille Vallaux, de um país onde o determinismo
ambiental não fez carreira, as regiões naturais e as humanas conciliam-se quando consideradas em
termos de grandes regiões da superfície da Terra, como aquelas da floresta equatorial, das zonas
desérticas, mediterrâneas, temperadas e polares. Nestes amplos quadros naturais, caracterizados por uma
enorme estabilidade quando comparados à história do homem, o referido autor admite que os efeitos das
condições naturais sobre o ser humano sejam significativos, traduzidos, em cada uma dessas grandes
regiões, por modelos próprios de ação dos que nelas habitam. Daí a coincidência, nesta escala territorial,
entre regiões naturais e humanas. Estamos frente a uma forma amenizada, filtrada, de determinismo
ambiental, não considerado de modo absoluto. Esta visão é, ainda, marcada pelo possibilismo: abaixo das
grandes regiões definidas pela natureza, vêm as menores caracterizadas por elementos de ordem humana,
marcados pela instabilidade e capazes de provocar mudanças no conteúdo e nos limites regIonais.
O conceito de região natural foi introduzido no Brasil, via influência francesa, por Delgado de
Carvalho em 1913. É dentro da ótica acima exposta que Fábio Guimarães 3 admitia a sua utilização no
Brasil, visando uma divisão de caráter prático e duradouro, que possibilitasse a comparação de dados
estatísticos ao longo do tempo. Guimarães, aceitando a identificação das regiões naturais propostas por
Delgado de Carvalho, considera as seguintes grandes regiões naturais: norte, nordeste, leste, sul e centro-
oeste. Estas unidades regionais maiores foram divididas em regiões, sendo estas, por sua vez,
subdivididas em zonas fisiográficas, caracterizadas por elementos de ordem humana.

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Possibilismo e região

O possibilismo considera de modo diferente a questão da região. Não é a região natural, e sua
influência sobre o homem, que domina o temário dos geógrafos possibilistas. É, sem dúvida, uma região
humana vista na forma da geografia regional que se torna seu próprio objeto. A região considerada é
concebida como sendo, por excelência, a região geográfica. Assim, os conceitos de região natural e
região geográfica, tal como esta será definida, são distintos, tanto no que se refere às suas bases
empíricas, como aos seus propósitos.
Reagindo ao determinismo ambiental, o possibilismo considera a evolução das relações entre o
homem e a natureza, que, ao longo da história, passam de uma adaptação humana a uma ação
modeladora, pela qual o homem com sua cultura cria uma paisagem e um gênero de vida, ambos próprios
e peculiares a cada porção da superfície da Terra.
Com diferenças em maior ou menor grau, estas idéias aparecem na França no final do século
passado com Paul Vidal de Ia Blache, na Alemanha da primeira década deste século com Otto Schlüter, e
nos Estados Unidos, em 1925, com Carl Sauer, que se inspirou nos dois mencionados autores. Em todos
os três casos trata-se da mesma reação ao determinismo ambiental e ao seu correspondente conceito de
região natural.
A região geográfica abrange uma paisagem e sua extensão territorial, onde se entrelaçam de modo
harmonioso componentes humanos e natureza. A idéia de harmonia, de equilíbrio, evidente analogia
organicista que Vidal de Ia Blache adota, constitui o resultado de um longo processo de evolução, de
maturação da região, onde muitas obras do homem fixaram-se, ao mesmo tempo com grande força de
permanência e incorporadas sem contradições ao quadro final da ação humana sobre a natureza.
Região e paisagem são conceitos equivalentes ou associados, podendo-se igualar, na geografia
possibilista, geografia regional ao estudo da paisagem. E esta equivalência tem apoio lingüístico: em
francês paysage (paisagem) vem
de pays (pequena região homogênea); em alemão a palavra landschaft tem dois sentidos: paisagem e
extensão de um território que se caracteriza por apresentar aspecto mais ou menos homogêneo; em inglês
landscape designa paisagem, e Sauer usou o termo como sinônimo de região.
A região geográfica assim concebida é considerada uma entidade concreta, palpável, um dado
com vida, supondo portanto uma evolução e um estágio de equilíbrio. Neste raciocínio, chegar-se-ia à
conclusão de que a região poderia desaparecer. Sendo assim, o papel do geógrafo é o de reconhecê-la,
descrevê-la e explicá-la, isto é, tornar claros os seus limites, seus elementos constituintes combinados
entre si e os processos de sua formação e evolução. Neste aspecto, a região geográfica dos possibilistas
não se diferenciava da região natural.
No processo de reconhecimento, descrição e explicação dessa unidade concreta, o geógrafo
evidenciava a individualidade da região, sua personalidade, sua singularidade, aquela combinação de
fenômenos naturais e humanos que não se repetiria.
A concretude e individualidade de cada região são ainda reconhecidas pela sua população e as das
regiões vizinhas; isto se explica pelo fato de cada região possuir um nome próprio único, que todos
conhecem a partir de uma vivência plenamente integrada à região: pays de Caux,pays de Ia Brie,
Agreste, Brejo, Campanha Gaúcha etc.
A região geográfica definida por Vidal de Ia Blache e seus discípulos tem seus limites
determinados por diversos componentes: uma fronteira pode ser o clima, outra o solo, outra ainda a
vegetação. O que importa é que na região haja uma combinação específica da diversidade, uma paisagem
que. acabe conferindo singularidade àquela região. Não se trata de um corte mais ou menos arbitrário na
distribuição desigual de um determinado elemento sobre a superfície da Terra. Os esquemas a seguir,
apoiados em Yves Lacoste (1976), exemplificam a questão dos limites e da individualidade da região. As
figuras 1a a 1d indicam a divisão de um mesmo segmento de terra de acordo com quatro elementos.
Cada um deles apresenta uma diferencialidade espacial, inerente à sua própria natureza.

3
Da sua superposição, formam-se 10 regiões, cada uma marcada pela combinação singular dos 4
elementos considerados: assim, há apenas uma única região ACEG e uma única outra denominada ACFG
conforme aparece na figura 1e.
O conceito vidaliano de região recebeu inúmeras críticas de Lacoste e de Claval. O primeiro dos
geógrafos franceses comenta que na escolha dos elementos que se combinam há uma seletividade que
considera apenas os antigos, de longa duração, desprezando os elementos de origem recente. Isto
significa que, implicitamente, concebe-se a região como uma entidade acabada, concluída. Ademais, a
concepção vidaliana impõe um único modo de se pensar a divisão da superfície da Terra, esquecendo a
diferencialidade espacial de cada elemento (ver figura 1a a 1d), e o fato de que outros segmentos do
espaço podem ser mais úteis. A concepção vidaliana de região implica uma postura empirista, na medida
em que ela é vista como algo dado, auto-evidente. Finalmente, a idéia de harmonia não é adequada às
sociedades estrutura das em classes sociais.
Claval, por sua vez, lembra o fato de que, por não haver um critério sistemático para se identificar
regiões, os resultados obtidos indicam a sua diversidade, às vezes constituindo uma realidade natural,
mas na maioria dos casos condicionada histórica e economicamente. Era difícil teorizar sobre o assunto,
especialmente porque não se admitia a aplicação dos procedimentos de utilização geral. Por outro lado,
constatou-se que os elementos humanos passavam a adquirir maior importância que os naturais no
processo de gerar as regiões geográficas. Atingia-se o paradigma possibilista, fundado nas relações entre
o homem e a natureza e expresso na região geográfica. Na verdade, estudos regionais focalizados em
temas específicos começaram a surgir na geografia regional francesa.
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No Brasil, conforme já se indicou, as zonas fisiográficas, a despeito do nome, foram
fundamentadas no conceito de região geográfica de Vidal de Ia Blache: sua aplicabilidade se deu na
medida em que formaram bases territoriais agregadas, através das quais foram divulgados os resultados
dos recenseamentos de 1950 e 1960. Já as regiões homogêneas, através das quais se divulgaram os
resultados dos recenseamentos de 1970 e 1980, constituem uma tentativa de atualização das zonas
fisiográficas, adotando-se implicitamente o essencial das idéias vidalianas, apesar dos casos de exceção
(áreas metropolitanas) e do discurso eminentemente indicador do paradigma
da nova geografia.

Nova geografia, classes e região

A nova geografia, fundamentada no positivismo lógico, tem a sua própria versão de região, que se
opõe àquelas associadas aos paradigmas do determinismo ambiental e do possibilismo. A região, neste
novo contexto, é definida como um conjunto de lugares onde as diferenças internas entre esses lugares
são menores que as existentes entre eles e qualquer elemento de outro conjunto de lugares.
As similaridades e diferenças entre lugares são definidas através de uma mensuração na qual se
utilizam técnicas estatísticas descritivas como o desvio-padrão, o coeficiente de variação e a análise de
agrupamento. Em outras palavras, é a técnica estatística que permite revelar as regiões de uma dada
porção da superfície da Terra. Nesse sentido, definir regiões passa a ser um problema de aplicação
eficiente de estatística: considerando-se os mesmos território, propósitos e técnica estatística, duas
divisões regionais deverão apresentar os mesmos resultados, independentemente de terem sido feitas por
dois pesquisadores distintos. A divisão regional assim concebida pressupõe uma objetividade máxima,
implicando a ausência de subjetividade por parte do pesquisador. A figura 2 procura exemplificar uma
divisão regional hipotética: o território foi dividido em três regiões, e em cada uma delas as diferenças
internas são muito pequenas, quando se pensa nelas em comparação às outras regiões.

Se as regiões são definidas estatisticamente, isto significa que não se atribui a elas nenhuma base
empírica prévia. São os propósitos de cada pesquisador que norteiam os critérios a serem selecionados
para uma divisão regional. Se a intenção é definir regiões climáticas, utilizam-se então informações
pertinentes ao clima; no caso de elas serem agrícolas, fontes relacionadas seriam usadas. Ao contrário da
região vidaliana, a da nova geografia não é considerada uma entidade concreta, e sim uma criação
intelectual balizada por propósitos especificados, tal como aponta Grigg6.
5
Na ampla possibilidade de aparecimento dos propósitos de divisão regional, há dois enfoques que
não se excluem mutuamente. O primeiro considera as regiões simples, ou então complexas. No caso das
regiões simples, estamos considerando uma divisão regional de acordo com um único critério ou
variável, originando regiões segundo, por exemplo, o nível de renda da população, da criação de bovinos
ou de tipos de solos. No segundo caso, levamos em conta muitos critérios ou variáveis (usualmente
reduzidas a umas poucas através de uma técnica estatística mais sofisticada, a análise fatorial). Um
exemplo de divisão regional complexa é a divisão de um país em regiões econômicas, envolvendo, entre
outras, variáveis como a densidade demográfica, a renda da população, a produção agropecuária e
industrial e a urbanização. O segundo enfoque visa as regiões homogêneas, ou então funcionais. Trata-se
de uma visão dicotomizada, que perde aquela característica de integralidade que a região natural e a
vidaliana passavam. Cada uma dessas duas regiões pode ser focalizada como simples ou complexa.
Por região homogênea, estamos nos referindo à unidade agregada de áreas, descrita pela invariabilidade
(estatisticamente considerada) de características analisadas,estáticas, sem movimento no tempo e no
espaço: a densidade de população, a produção agropecuária, os níveis de renda da população, os tipos de
clima e as já mencionadas regiões naturais. Um pays, tal como Vidal de Ia Blache o define, seria uma
região homogênea complexa, quando pensada em termos da nova geografia. Para este paradigma, a
região-síntese seria um dos muitos possíveis casos de divisão regional.
As regiões funcionais, apesar da inadequação do termo, são definidas de acordo com o
movimento de pessoas, mercadorias, informações, decisões e idéias sobre a superfície da Terra.
Identificam-se, assim, regiões de tráfego rodoviário, fluxos telefônicos ou matérias-primas industriais,
migrações diárias para o trabalho, influência comercial das cidades etc.
Convém frisar que as regiões homogêneas e funcionais tendem a ser mutuamente excludentes no
mundo capitalista, pois dizem respeito a fenômenos que se comportam, cada um deles, com
espacialidade própria.
Verifica-se, como já vimos, que os propósitos dos pesquisadores, em termos acadêmicos, ou de
vinculação explícita ao sistema de planejamento, são diretamente proporcionais às possibilidades de se
estabelecerem divisões regionais. Mais ainda, para qualquer fenômeno que necessariamente tenha uma
expressão espacial é possível o estabelecimento de uma divisão regional: deste modo, pode-se dar conta,
no plano descritivo e classificatório, daquela diferencialidade espacial de que nos fala Yves Lacoste.
Na nova geografia, o conceito de sistema de regiões (já estabelecido muitos anos atrás por
geógrafos "tradicionais" como Unstead) está calcado explicitamente nos princípios da classificação, tal
como se adota nas ciências da natureza, como a botânica. A analogia com as ciências naturais, uma das
marcas do positivismo lógico, aparece claramente quando a nova geografia estabelece o conceito de
região. Bunge7 estabelece explicitamente a comparação entre termos regionais e termos classificatórios,
termos de duas linguagens diferentes. Vejamos alguns exemplos:

Termos regionais c) Classificação com uma única categoria


a) Região uniforme d) Classificação com mais de uma categoria
b) Sistema regional e) Indivíduo
c) Região definida com um f) Características diferenciadoras
único aspecto g) Atenção focalizada em classes de área
d) Região definida com aspectos h) Indivíduos modais e indivíduos
múltiplos similares
e) Lugar i) Intervalo de classe
f) Elementos da geografia j) Número de classes de área
g) Geografia regional
h) Core da região
i) Limite regional
j) Escala

Termos classificatórios
a) Classe de área
b) Sistema classificatório
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Deste modo, a região torna-se uma classe de área constituída por diversos
indivíduos similares entre si. Várias classes de área organizam-se em um sistema
classificatório. Tal sistema pode ser concebido de dois modos: através da divisão lógica
e do agrupamento. Vejamos cada um deles.
A divisão lógica é uma classificação caracterizada pela divisão sucessiva do todo
(superfície da Terra ou de um país, por exemplo) em partes. Dedutiva, de cima para
baixo, pressupõe que o pesquisador já tenha uma visão do todo e queira, analiticamente,
chegar a identificar, através de critérios selecionados, as partes componentes do todo, os
indivíduos (lugares). A figura 3 esquematiza a divisão lógica. O todo, representado pela
letra A, é subdividido em duas classes (regiões), que têm em comum o fato de
apresentarem a característica A, e de diferenciação entre elas as características x e y. A
classe (região) Ax subdivide-se em outras duas: Axa e Axb.

Convém frisar que a divisão lógica tem sido muito pouco empregada na nova
geografia, porque esta fundamentou o conhecimento da realidade a partir de uma'
trajetória ascendente, do indivíduo para o todo, pelo segundo dos modos referidos, o
agrupamento. Contudo, um exemplo clássico do uso da divisão lógica é o das regiões
naturais de Herbertson.
O agrupamento ou classificação indutiva caracteriza-se pelo fato de partir-se do
indivíduo (lugar, município) e, progressivamente, por agregação, que implica a perda de
detalhes ou generalização crescente, chegar-se ao todo.
O procedimento por sínteses sucessivas, ao contrário da divisão lógica, não pressupõe
conhecimento prévio do todo, que pode ser obtido indutivamente,agregando-se, pouco a
pouco, o conhecimento sobre as partes. A figura 4 representa um esquema de
agrupamento. Existem, no exemplo, 8 indivíduos que constituem o agrupamento mais
inferior, de 1ª ordem. Possuindo características comuns, são agrupados em 4 classes de
áreas ou agrupamento de 2ª ordem, que por sua vez agrupam-se em 2 classes de 3ª
ordem. No passo seguinte, chega-se ao todo.

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Os dois modos de se estabelecer um sistema regional ou uma hierarquia de
regiões apresentam ainda uma diferença fundamental, ressaltada aqui para que se tenha
clareza das condições de um ou de outro modo a ser adotado. A divisão lógica, na
medida em que é um procedimento de trajetória descendente, procura diferenciações
entre os lugares, enquanto o agrupamento, ascendente, procura regularidades. E
diferenciações e regularidades são meios complementares de se conhecer a realidade.
Do processo de divisão regional emerge a questão de se definir tipos, e uma
tipologia, ou regiões. Os tipos caracterizam-se pelos seus atributos específicos, não
implicando a existência de contigüidade espacial, tal como Herbertson definiu os
quadros naturais: o tipo polar, como se sabe, ocorre tanto no hemisfério sul como no
norte. A região, por outro lado, a par de sua especificidade, pede seqüência no espaço, A
figura 5 procura esclarecer esta questão. Indica ela 5 tipos dos quais 2 ocorrem, cada
um, em 3 áreas distintas e não contíguas espacialmente: ao total há 9 regiões.

Como vimos, no processo de divisão regional pode-se definir uma tipologia, tal
como fizeram Herbertson e Koppen, ou se chegar a uma segmentação da superfície da
Terra em regiões. No primeiro caso, estamos considerando os fenômenos na visão do
que se convencionou denominar de geografia sistemática; no outro, da geografia
regional.

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Um último aspecto deve ser considerado. Na nova geografia não existe, como na
hartshorniana, um método regional, e sim estudos nos quais as regiões formam
classificações espadas. Em outras palavras, identificam-se padrões espaciais de
fenômenos vistos estaticamente ou em movimento. Neste sentido, a região adquire,
junto à sua inexistência como entidade concreta, o sentido de padrão espacial. A
geografia regional, por sua vez, não tem o propósito de reconhecer uma síntese, como
em Vidal de Ia Blache, nem de procurar pela singularidade de cada área, como em
Hartshorne.
Os estudos de geografia regional ou de área são realizados dentro de propósitos
preestabelecidos. A partir de uma referência teórica, como a das localidades centrais ou
a do uso agrícola da terra, ou de um suposto problema, como o do desenvolvimento
regional, estuda-se um segmento da superfície da Terra. Isto quer dizer que a área é
vista como laboratório de estudos sistemáticos, realimentando os referenciais teóricos
que estes formulam. Assim,
na nova geografia, estudos sistemáticos e de área não se distinguem entre si: mais do
que uma complementação, eles são, em última instância, a mesma coisa.
No Brasil, a nova geografia desenvolveu-se nos Departamentos de Geografia de
Rio Claro e de Estudos Geográficos do IBGE; aí surgiram os estudos de tipologia e
divisão regional dentro da concepção em pauta. Sobre o assunto consultem-se os
periódicos Boletim de geografia teorética e Geografia, editados em Rio Claro, e a
Revista brasileira de geografia, editada pelo IBGE, especialmente os números
referentes à década de 70.

Região e geografia crítica

Dentro do questionamento à geografia tradicional e à nova geografia, aparece


durante a década de 70 uma geografia crítica, que traz consigo a necessidade de se
repensar o conceito de região. Assim, discute-se a postura empirista que caracteriza as
definições vidaliana e da nova geografia. Lacoste, por exemplo, refere-se à concepção
vidaliana de região como sendo um "conceito-obstáculo", que nega outras
possibilidades de se dividir a superfície da Terra; por outro lado, as classes de área da
nova geografia podem acabar constituindo-se em um exercício acadêmico sofisticado.
Deste posicionamento crítico fazem parte também geógrafos brasileiros. Assim,
entre outros, Aluízio Duarte8 comenta que, a partir do materialismo histórico e da
dialética marxista, diversos pesquisadores introduziram, na década de 70, novos
conceitos visando uma definição de região. Assim, consideram-se o conceito de região e
o tema regional sob uma articulação dos modos de produção, como faz Lipietz; através
das conexões entre classes sociais e acumulação capitalista, conforme é o caso de
VilIeneuve; por meio das relações entre o Estado e a sociedade local, mostradas por
Dulong; ou então, introduzindo a dimensão política, conexão de Chico de Oliveira ao
fazer a elegia do Nordeste brasileiro.
Duarte tem suas proposições sobre a região: para ele, é
uma dimensão espacial das especificidades sociais em uma totalidade espaço-
social,

capaz de opor

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resistência à homogeneização da sociedade e do espaço pelo capital
monopolístico e hegemônico ....

Para ele, se não há uma elite regional capaz de opor a aludida resistência, então não
existe região.

Regiões são espaços em que existe uma sociedade que realmente dirige e
organiza aquele espaço.

Esta conceituação tem, a nosso ver, o defeito de considerar região uma situação
que no capitalismo monopolista de hoje é cada vez mais inexistente. As regiões
tenderiam, assim, a desaparecer. Ou seja, não haveria mais diferenciação de áreas.
Acreditamos que, adotando-se esta visão, perder-se-ia um conceito que tem a vantagem
de permitir que nos localizemos nos diferentes níveis em que a superfície da Terra pode
ser dividida. E, sobretudo, achamos que qualquer conceito pode ser repensado. No caso,
sem que se perca sua aplicabilidade universal.
O que segue é uma tentativa de inserir o conceito de região dentro de um quadro
teórico amplo, que permita dar conta da diversidade da superfície da Terra sob a ação
humana ao longo do tempo. Este quadro consiste na lei do desenvolvimento desigual e
combinado proposto por Trotsky.
A lei do desenvolvimento desigual e combinado expressa particularmente uma
das leis da dialética, a da interpenetração dos contrários. Refere-se ao fato de ser cada
aspecto da realidade constituído de dois processos que se acham relacionados e
interpenetrados, apesar de serem diferentes e opostos. A contradição que daí decorre é
característica imanente à realidade e o elemento motor de sua transformação. Na lei que
nos interessa, os dois processos são, primeiro o da desigualdade e, depois, o da
combinação. Permite que se considere as diferenciações resultantes da presença de
fenômenos originados em tempos históricos diferentes coexistindo no tempo presente. .
.e no espaço.
Esta lei tem uma dimensão espacial, que se verifica através do processo de
regionalização, ou seja, de diferenciação de áreas. Dois aspectos devem ser
considerados, tendo em vista a compreensão das conexões entre a lei em pauta e o
conceito de região que dela surge. O primeiro deles se refere à gênese e à difusão do
processo de regionalização, e o segundo aos mecanismos nos quais o processo realiza-
se. Ambos estão interligados.
Em relação ao primeiro aspecto, é conveniente notar que a diferenciação de
áreas vincula-se à história do homem, não se verificando de uma vez e para sempre.
Tem uma gênese encontrada nas comunidades primitivas indiferenciadas, que implicava
uma semelhança do espaço enquanto resultado da ação humana. Estas sociedades
originárias tiveram, ao longo do tempo e do espaço, um desenvolvimento diferenciado,
isto é, os processos internos de diferenciação e a difusão dos processos de mudança
deram-se de modo desigual9. Assim, o aparecimento da divisão social do trabalho, da
propriedade da terra, dos meios e das técnicas de produção, das classes sociais e suas
lutas, tudo isto se deu com enorme distância em termos espaço-temporais, levando a
uma diferenciação intra e intergrupos. Do mesmo modo, a difusão dos processos de
mudança fez-se desigualmente, reforçando a diferenciação de áreas.
As desigualdades que aparecem caracterizam-se pela combinação de aspectos
distintos dos diversos momentos da história do homem. Isto resulta no aparecimento de
grupos também distintos ocupando específicas parcelas da

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superfície da Terra, e aí imprimindo suas próprias marcas, a paisagem, que nada mais é
que uma expressão de seus modos de vida.
Uma vez iniciada a difusão do processo de regionalização, de diferenciação de
áreas, via contatos comerciais, migrações e conquistas, esta assume ritmos distintos, isto
é, duração e intensidade que variam. Em determinados momentos e áreas, a
regionalização dá-se com maior rapidez e profundidade: a diferenciação de áreas é aí
mais notável. Simultaneamente, em outras áreas não ocorre este processo ou ele é
extremamente lento. Tomemos um exemplo para esclarecer este ponto: a partir da
década de 30, o Paraná vê-se sob um intenso processo de regionalização, que prossegue
nas décadas subseqüentes, originando o aparecimento, entre outras regiões, daquelas
que se convencionou denominar de norte velho, norte novo e norte novíssimo.
Na década de 80, esta distinção não tem a mesma expressão que tinha, pois os
mecanismos que geraram a diferenciação regional foram alterados em sua concretude, e
uma nova regionalização põe-se em marcha. Ao mesmo tempo, na década de 30 e
seguintes, a vastíssima área da Amazônia brasileira apresentava-se pouco diferenciada:
a diversificação interna começa a se tornar sensível a partir de 1970, quando,
impulsionada do exterior, verifica-se a penetração desigual do capital e de correntes
migratórias.
Este processo de diferenciação estende-se pela década de 80 e certamente
prosseguirá pelos próximos decênios. Em relação ao segundo aspecto, vinculado aos
mecanismos utilizados pelo processo de regionalização, vale lembrar que, na medida em
que a história do homem acontece, marcada pelo desenvolvimento das forças
produtivas, pela dinâmica da sociedade de classes e de suas lutas, o processo de
regionalização torna-se mais complexo. Por complexidade entendemos o fato de o
processo de regionalização retalhar ainda mais o espaço ocupado pelo homem em
numerosas regiões e, concomitantemente, integrá-las.
É no modo de produção capitalista que o processo de regionalização se acentua,
marcado pela simultaneidade dos processos de diferenciação e integração, verificada
dentro da progressiva mundialização da economia a partir do século XV. Sob a égide do
capital, os mecanismos de diferenciação de áreas tornam-se mais nítidos, quais sejam:
a) a divisão territorial do trabalho, que define o que será produzido aqui e ali;
b) o desenvolvimento dos meios e a combinação das relações e técnicas de produção de
produção originadas em momentos distintos da história, que definem o como se
realizará a produção;
c) a ação do Estado e da ideologia que se especializa desigualmente, garantindo novos
modos de vida e a pretensa perpetuação deles;
d) a ampla articulação, através dos progressivamente mais rápidos e eficientes meios de
comunicação, entre as regiões criadas ou transformadas pelo e para o capital.

A lei do desenvolvimento desigual e combinado traduz-se, assim, no processo de


regionalização que diferencia não só países entre si como, em cada um deles, suas partes
componentes, originando regiões desigualmente desenvolvidas mas articuladas. Sob o
capitalismo queremos crer que a noção de combinação deve ser explicitamente referida
não apenas à coexistência no mesmo território de diferentes modos de vida, mas
também à articulação espacial destes territórios.
A região pode ser vista como um resultado da lei do desenvolvimento desigual e
combinado, caracterizada pela sua inserção na divisão nacional e internacional do
trabalho e pela associação de relações de produção distintas. Estes dois aspectos vão
traduzir-se tanto em uma paisagem como em uma problemática, ambas específicas de
cada região, problemática que tem como pano de fundo a natureza específica dos

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embates que se estabelecem entre as elites regionais e o capital externo à região e dos
conflitos entre as diferentes classes que compõem a região. Os conflitos oriundos dos
embates entre interesses internos, bem como entre interesses internos e externos, podem
gerar uma desintegração da região, que se exprimirá na sua paisagem.
Tendo isto em vista, pode-se dizer que a região é considerada uma entidade
concreta, resultado de múltiplas determinações, ou seja, da efetivação dos mecanismos
de regionalização sobre um quadro territorial já previamente ocupado, caracterizado por
uma natureza já transformada, heranças culturais e materiais e determinada estrutura
social e seus conflitos. A região assim definida assemelha-se em vários aspectos à
vidaliana, podendo em muitos casos ser idêntica nos seus limites. Conceitualmente, no
entanto, não é a mesma região, pois as diferenças vistas são numerosas. Ela não tem
nada da preconizada harmonia, não é única no sentido vidaliano ou hartshorniano, mas
particular, ou seja, é a especificação de uma totalidade da qual faz parte através de uma
articulação que é ao mesmo tempo funcional e espacial. Ou, em outras palavras, é a
realização de um processo geral, universal, em um quadro territorial menor, onde se
combinam o geral - o modo dominante de produção, o capitalismo, elemento
uniformizador - e o particular - as determinações já efetivadas, elemento de
diferenciação. Neste sentido, concordamos com Duarte quando afirma que a região é

uma dimensão espacial das especificidades sociais em


uma totalidade espaço-social.

Uma observação considerando o futuro impõe-se: se o processo de


regionalização está em marcha, assim como a história do homem, como pensar na
existência de regiões sob o socialismo? Acreditamos, com base na lei do
desenvolvimento desigual e combinado, que, neste caso, o processo de regionalização
terá seu curso, refazendo regiões ou áreas diferenciadas. Por quê? Os recursos naturais e
os socialmente produzidos, como estradas, fábricas e redes urbanas, estão
desigualmente desenvolvidos sobre a superfície da Terra, sendo difícil conceber-se, no
modo de pensar influenciado pelas práticas capitalistas, que no socialismo a questão da
escassez e da localização seletiva desses recursos tenha sido resolvida. Sob ação de que
mecanismos?
Certamente, e nos limites do nosso raciocínio, sob a influência de uma nova
divisão do trabalho, motivada por razões técnicas. Não é mais admissível esta região –
que poderá ter até outra denominação - exercer um meio de controle sobre o homem
que, na história, seguiu um caminho que o conduziu a uma sociedade sem classes, sem
dominação.

Região, ação e controle

O conceito de região tem sido largamente empregado para fins de ação e


controle. Mais precisamente, no decorrer da prática política e econômica de uma
sociedade de classes, que por sua própria natureza implica a existência de formas
diversas de controle exercido pela classe dominante, utilizam-se o conceito de
diferenciação de área e as subseqüentes divisões regionais, visando ação e controle
sobre territórios militarmente conquistados ou sob a dependência político-administrativa
e econômica de uma classe dominante.

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Ao se definir uma região para fins de ação e controle, considera-se,
alternativamente: o conceito de região natural, tal como foi definido anteriormente; o de
região geográfica nos termos propostos, entre outros, por Vidal de Ia Blache; e uma área
vista por um aspecto ao qual se atribui relevância, como uma determinada produção, um
suposto problema social, a gravitação em torno de uma cidade dotada de funções
regionais, ou pertinente a uma mesma bacia hidrográfica. Pode ainda, na realidade,
abranger uma combinação das alternativas mencionadas. Assim, as diferentes
conceituações de região estão presentes na prática territorial das classes dominantes.
Como os demais conceitos geográficos, o conceito de região não está desvinculado de
uma ação que é a um tempo social e espacial.
A ação e controle sobre uma determinada área quer garantir, em última análise, a
reprodução da sociedade de classes, com uma dominante, que se localiza fora ou no
interior da área submetida à divisão regional ou, como se refere a literatura, à
regionalização. Esta distinção parte da aceitação explícita ou implícita da diferenciação
de áreas ao longo da história. A sua ratificação ou retificação se dá a cada momento,
conforme os interesses e os conflitos dominantes de cada época. São eles que, por outro
lado, levam as unidades territoriais de ação e controle, as regiões, a serem organizadas
de modos diferentes: de um lado, a partir de um governo de nível hierárquico inferior ao
do núcleo de dominação; de outro, de um mais ou menos complexo sistema de
planejamento especializado. Ambos cumprindo o papel de ação e controle.
Neste exemplo, o Estado, surgido dentro do modo de produção dominante, é o
agente da regionalização. A Antigüidade fornece-nos exemplos da criação de regiões
em um contexto de conquista territorial. Tanto o império romano como o persa, estavam
divididos em regiões ou unidades territoriais de ação e controle. Regia e satrápia são
denominações que designam essas unidades.
As satrápias do império persa eram governadas pelos sátrapas, os "olhos e
ouvidos do rei"; a palavra região vem do latim regia, que por sua vez deriva do verbo
regere, isto é, governar, reinar. No feudalismo, a regionalização, vista como forma de
ação e controle, tinha sua expressão nas marcas, nos ducados e nos condados,
governados, respectivamente, por marqueses, duques e condes. No capitalismo, as
regiões de planejamento são unidades territoriais através das quais um discurso da
recuperação e desenvolvimento é aplicado. Trata-se, na verdade, do emprego, em um
dado território, de uma ideologia que tenta restabelecer o equilíbrio rompido com o
processo de desenvolvimento. Este discurso esquece, ou a ele não interessa ver, que no
capitalismo as desigualdades regionais constituem, mais do que em outros modos de
produção, um elemento fundamental de organização social.
Em muitos casos, a ação decorrente do planejamento regional proporcionou um
relativo progresso e uma maior integração da região ao modo de produção capitalista,
quer dizer, a região sob intervenção planejadora passa a ficar sob maior controle do
capital e de seus proprietários.
Um exemplo famoso encontra-se na bacia do rio Tennessee, onde atuou o TVA
(Tennessee Valley Authority), um organismo federal que visava a recuperação daquela
área social e economicamente deprimida do território norte- americano. Inspirou outros
que se apoiaram na concepção da bacia hidrográfica como região de planejamento: o
caso da Comissão do Vale do São Francisco no nordeste brasileiro é exemplar. O da
Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) é outro exemplo de região
de planejamento bastante conhecido. Aqui, trata-se de um território definido sobretudo
por limites político--administrativos, os quais encerram problemas sociais e econômicos
comuns. Já no caso da Amazônia, a ação da SPVEA (Superintendência do Plano de

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Valorização Econômica da Amazônia), antecessora da Sudam (Superintendência do
Desenvolvimento da Amazônia), faz-se territorialmente em uma região natural.
Contudo, é notório que no sistema de planejamento desenvolveu-se a concepção
de existência da cidade, sobretudo do centro metropolitano, o foco irradiador do
desenvolvimento: ali se concentravam as forças motrizes do progresso - a indústria e as
elites, além -dos necessários serviços de apoio. Logo após a l.a Guerra Mundial, na
Inglaterra, na área de planejamento urbano e regional (Town Planning Act), sugeriu-se a
revisão das províncias com base na influência das grandes cidades: Bristol,
Birmingham, Leeds, Manchester etc.
A concepção em pauta iria ganhar maior expressão a partir da década de 50,
quando o capitalismo entra em nova fase de expansão e as teorias de desenvolvimento
regional são criadas. É o caso dos pólos de desenvolvimento
de François Perroux, do crescimento polarizado de lohn Friedmann, além da teoria das
localidades centrais de Walter Christaller, que, na verdade, é retomada. Ao mesmo
tempo, são revistos ou criados conjuntos de modelos e noções associados: da regra
ordem e tamanho de cidades, dos centros dinamizadores, das cidades de porte médio e
da difusão de inovações.
A região de planejamento, isto é, um território de ação e controle, tem seu
apogeu nas décadas de 60 e 70. Este é o caso brasileiro: entre 1964 e 1977/78,
sobretudo, numerosos estudos almejando a definição de regiões de planejamento foram
realizados, seja a nível federal e macrorregional, seja a nível estadual.
É muito significativo que a força aparente que teve este conceito fosse
concomitante ao estado de autoritarismo que caracterizou a vida brasileira e ao
relativamente forte poder da tecnocracia em detrimento do Congresso. A pouca
eficiência das regiões de planejamento enquanto via de redenção para as condições de
vida da maioria da população ali residente (afinal de contas, elas eram sobretudo um
discurso ideológico que servia para encobrir os interesses das classes dominantes
regionais e do capital externo) e a retomada da vida democrática, com maior
participação de vários segmentos da sociedade, geraram um esvaziamento da sua
própria aplicabilidade. A história dirá até quando a região de planejamento capitalista
será um meio de se exercer ação e controle sobre a maioria da população.

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