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ESPAÇO, U M CONCEITO-CHAVE

D A G EO G R AFIA

Roberto Lobato Corrêa


Professor do Departamento de Geografia, UFRJ

A palavra espaço é de uso corrente, sendo utilizada tanto no


dia-a-dia com o nas diversas ciências. No Novo D icion á rio A uré­
lio, p or exem plo, o verbete espaço é descrito segundo 12 acepções
distintas e num erosos qualificativos. Entre os astrônom os, mate­
m áticos, econom istas e psicólogos, entre outros, utiliza-se, respec­
tivamente, as expressões espaço sideral, espaço top ológico, espa­
ç o econ ôm ico e espaço pessoal.
A expressão espaço geográfico ou sim plesm ente espaço, p or
outro lado, aparece com o vaga, ora estando associada a uma por­
ção específica da superfície da Terra identificada seja pela nature­
za, seja p or um m odo particular com o o Homem ali imprimiu as
suas marcas, seja com referência à sim ples localização. A dicio­
nalmente a palavra espaço tem o seu uso associado indiscrim ina­
damente a diferentes escalas, global, continental, regional, da ci­
dade, do bairro, da rua, da casa e de um côm odo no seu interior.
16 GEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS

O que é, afinal, o espaço geográfico? No presente texto con ­


siderar-se-á o con ceito de espaço tal com o os geógrafos enten­
dem. Primeiramente serão abordadas as diferentes con cepções de
espaço vinculadas às diversas correntes do pensamento geográfi­
co; apresentaremos a seguir o que entendemos p or práticas espa­
ciais, com o intuito de contribuir, através de alguns conceitos ope­
racionais, para o estudo do espaço geográfico.

O ESPAÇO E AS CORRENTES DO PENSAMENTO


GEOGRÁFICO

Com o toda ciência a geografia possui alguns conceitos-cha­


ve, capazes de sintetizarem a sua objetivação, isto é, o ângulo es­
p ecífico com que a sociedade é analisada, ângulo que confere à
geografia a sua identidade e a sua autonomia relativa no âmbito
das ciências sociais. Com o ciência social a geografia tem com o ob­
je to de estudo a sociedade que, no entanto, é objetivada via cin co
conceitos-chave que guardam entre si forte grau de parentesco,
pois todos se referem à ação humana m odelando a superfície ter­
restre: paisagem, região, espaço, lugar e território.
Cada um dos conceitos-chave acima indicados tem sido ob­
je to de amplo debate, tanto interno com o externo à geografia, en­
volvendo assim não-geógrafos. No b ojo do debate cada con ceito
possui várias acepções, cada uma calcada em uma específica cor­
rente de pensamento. Lugar e região, p or exem plo, têm sido dife­
rentemente conceitualizados segundo as diversas correntes da
geografia. Ressalte-se, a propósito, que o debate tem sido extrema­
mente salutar pois, se revela conflitos, permite, p or isso mesmo,
avanços na teoria geográfica. Por outro lado, o embate conceituai
não é exclusivo à geografia: vejam-se, por exem plo, os conceitos
de valor entre os econom istas, classe social entre o s sociólogos e
cultura entre os antropólogos.
ESPAÇO, UM CONCEITO-CHAVE DA GEOGRAFIA 17

Consideraremos, inicialmente, com o o espaço foi concebido


na geografia tradicional, seguindo-se após a sua con cepção na
geografia que emergiu da denominada revolução teorético-quanti-
tativa. Em seqüência considerar-se-á o con ceito de espaço no âm­
bito da geografia fundada no materialismo histórico e dialético e,
finalmente, com o os geógrafos humanistas e culturais abordaram
o espaço.

Espaço e a geografia tradicional


O conjunto de correntes que caracterizou a geografia no pe­
ríodo que se estende de 1870 aproximadamente, quando a geogra­
fia tom ou-se uma disciplina institucionalizada nas universidades
européias, à década de 1950, quando verificou-se a denominada re­
volução teorético-quantitativa, é por nós identificado com o geo­
grafia tradicional, que antecede às mudanças que se verificarão
nas décadas de 1950, primeiramente, e, depois, na de 1970.
A geografia tradicional em suas diversas versões privilegiou
os con ceitos de paisagem e região, em tom o deles estabelecendo-
se a discussão sobre o objeto da geografia e a sua identidade no
âmbito das demais ciências. Assim, os debates incluíam os con cei­
tos de paisagem, região natural e região-paisagem, assim com o os
de paisagem cultural, gênero de vida e diferenciação de áreas.
Envolviam geógrafos vinculados ao positivism o e ao historicism o,
conform e aponta c a p e l (1982) ou, em outros termos, aqueles geó­
grafos deterministas, possibilistas, culturais e regionais. A aborda­
gem espacial, associada à localização das atividades dos hom ens e
aos fluxos, era muito secundária entre o s geógrafos com o, entre
outros, aponta CORRÊA (1986a).
O espaço, em realidade, não se constitui em um con ceito-
chave na geografia tradicional. Contudo, está presente na obra de
Ratzel e de Hartshome, ainda que, com o no caso do segundo, de
m odo im plícito.
18 GEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS

De acordo com m oraes (1990), o espaço em Ratzel é visto


com o base indispensável para a vida do homem, encerrando as
con d ições de trabalho, quer naturais, quer aqueles socialm ente
produzidos. Com o tal, o dom ínio do espaço transforma-se em ele­
m ento crucial na história do Homem.
Ratzel desenvolve assim dois con ceitos fundamentais em
sua antropogeografia Trata-se do con ceito de território e de espa­
ç o vital, am bos com fortes raízes na ecologia. O prim eiro vincula-
se à apropriação de uma p orção do espaço p or um determinado
grupo, enquanto o segundo expressa as necessidades territoriais
de uma sociedade em função de seu desenvolvim ento tecnológico,
do total de população e dos recursos naturais. “Seria assim uma
relação de equilíbrio entre a população e os recursos, mediada
pela capacidade técnica” (m o raes, 1990, p. 23). A preservação e
am pliação do espaço vital constitui-se, na form ulação ratzeliana,
na própria razão de ser do Estado.
O espaço transforma-se, assim, através da política, em terri­
tório, em conceito-chave d^. geografia.
h a r tsh o r n e (1939), p or sua vez, admite que con ceitos espa­
ciais são de fundamental im portância para a geografia, sendo a ta­
refa dos geógrafos descrever e analisar a interação e integração de
fenôm enos em term os de espaço.
O espaço na visão hartshom iana é o espaço absoluto, isto é,
um coiyunto de pontos que tem existência em si, sendo indepen­
dente de qualquer coisa. É um quadro de referência que não deriva
da experiência, sendo apenas intuitívamente utilizado na expe­
riência; Trata-se de uma visão kantiana, por sua vez influenciada
p o r Newton, em que o espaço (e o tem po) associa-se a todas as di­
m ensões da vida. A geografia constituir-se-ia na ciência que estu­
daria todos os fenôm enos organizados espacialmente, enquanto a
História, por outro lado, estudaria os fenôm enos segundo a dimen­
são tem po.
O espaço de Hartshorne aparece com o um receptáculo que
ESPAÇO, UM CONCEITO-CHAVE DA GEOGRAFIA 19

apenas contém as coisas. O termo espaço é em pregado n o sentido


de área que

" ... é s o m e n t e u m q u a d r o in t e le c t u a l d o fe n ô m e n o , u m
c o n c e i t o a b s t r a t o q u e n ã o e x is t e e m r e a lid a d e ( . . . ) a

á r e a , e m s i p r ó p r ia , e s t á r e la c io n a d a a o s fe n ô m e n o s

d e n t r o d e la , s o m e n t e n a q u ilo q u e e la o s c o n t é m e m t a is
e t a is lo c a liz a ç õ e s ” ( h a r t s h o r n e , 1939, p . 395).

Há uma associação entre essa con cepção de espaço e a visão


idiográfica da realidade, na qual em uma dada área estabelece-se
uma com binação única de fenôm enos naturais e sociais. É com o
se cada porção do espaço absoluto fosse o locus de uma com bina­
çã o única (unicidade) em relação à qual não se poderia con ceber
generalizações: “nenhuma (lei) universal precisa ser considerada
senão a lei geral da geografia de que todas as suas áreas são úni­
cas” (HARTSHORNE, 1939, p. 644).
A despeito das críticas ao paradigma hartshom iano, nas
quais se inclui o con ceito de espaço absoluto, entretanto, o con cei­
to em tela pode ser útil em certas circunstâncias. No p rocesso de-
cisional de uma firm a ou instituição pública o con ceito de espaço
absoluto é considerado em um determinado m om ento do proces­
so e a im possibilidade extrem a de apropriação de uma determina­
da dim ensão de terras p od e afetar as decisões locacionais, con for­
me aponta CORRÊA (1982), Deste m odo estam os de acordo com
HARVEY (1973) quando este argumenta que as diferentes práticas
humanas estabelecem diferentes con ceitos de espaço, conceitos
que sob certas circunstâncias são p o rn ó s empregados.

Espaço e a geografia teorético-quantitativa -

Calcada no positivism o lógico a revolução teorético-quanti-


20 GEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS

tativa da década de 1950 introduziu profundas m odificações na geo­


grafia, com o apontam, entre outros, JAMES (1972), CLAVAL (1974),
CHRISTOPOLETTI (1976), san to s (1978) e Ca p e l (1982). Adotou-se a
visão da unidade epistem ológica da ciência, unidade calcada nas
ciências da natureza, mormente a F ísica O raciocínio hipotético-
dedutivo foi, em tese, consagrado com o aquele mais pertinente e a
teoria fo i erigida em culminância intelectual. M odelos, entre eles os
m atem áticos com sua correspondente quantificação, foram elabo­
rados e, em muitos casos, análogos aos das ciências naturais. No
plano prático as vinculações com o sistema de planejamento públi­
c o e privado foram intensas.
A despeito das críticas que se pode, efetivamente, fazer à
geografia teorético-quantitativa, é necessário ressaltar que a geo­
grafia passa a ser considerada com o ciência social, conform e ar­
gumenta sch aefer (1953) em seu clássico e polêm ico artigo.
Outros com o bunge (1966) vão mais além, afirmando que a geo­
grafia devia ser vista com o uma ciên cia espacial.
Tanto em Schaefer com o em Bunge, assim com o em ULLMAN

(1954) e WATSON (1955), o espaço aparece, pela primeira vez na his­


tória do pensamento geográfico, com o o conceito-chave da disci­
plin a O con ceito de paisagem é deixado de lado, enquanto o de re­
gião é reduzido ao resultado de um processo de classificação de
unidades espaciais segundo procedim entos de agrupamento e divi­
são lógica com base em técnicas estatísticas. Lugar e território não
são conceitos significativos na geografia teorético-quantitativa
No âmbito da corrente geográfica em questão o espaço é
considerado sob duas form as que não são mutuamente excluden-
tes. De um lado através da n oção de planície isotrópica e, de outro,
de sua representação matricial.
A planície isotrópica é uma construção teórica que resume
uma con cepção de espaço derivada de um paradigma racionalista
e hipotético-dedutivo. Admite-se com o ponto de 'partida uma su­
perfície uniforme tanto no que se refere à geom orfologia com o ao
ESPAÇO, UM CONCEITO-CHAVE DA GEOGRAFIA 21

clim a e à cobertura vegetal, assim com o à sua ocupação humana


há uma uniforme densidade dem ográfica, de renda e de padrão
cultural que se caracteriza, entre outros aspectos, pela adoção de
uma racionalidade econôm ica fundada na minimização dos custos
e m aximização dos lucros ou da satisfação. A circulação nesta pla­
nície é possível em todas as direções.
Sobre esta planície de lugares iguais desenvolvem -se ações e
m ecanism os econôm icos que levam à diferenciação do espaço.
Assim o ponto de partida é a hom ogeneidade, enquanto o ponto de
chegada é a diferenciação espacial que é vista com o expressando
um equilíbrio espacial. D iferenciação e equilíbrio não são, assim,
estranhos entre si nesta concepção.
Na planície isotrópica a variável mais importante é a distân­
cia, aquela que determina em um espaço previamente hom ogêneo
a diferenciação espacial, seja ela expressa em anéis concêntricos
de uso da terra, cottio em von Thünen, seja em gradientes de preço
da terra e densidades dem ográficas intra-urbanas, seja ainda em
term os de hierarquia de lugares centrais, tal com o aponta Chris-
taller, decorrente da ação conjugada dos m ecanism os de alcance
espacial máximo e mínimo, seja também na teoria da localização
industrial de Weber.
Os esquemas centro-periferia, tanto ao nível intra-urbano
com o em escala nacional e internacional, são derivados desta con­
cepção marcada pela n oção de efeito declinante da distância (dis-
tance decay), cara aos econom istas espaciais e aos geógrafos da
teoria locacional de base n eoclássica Subjacente a esta noção
estão a teoria do valor-utilidade e a lei dos rendimentos decrescen­
tes, basilares para os econom istas neoclássicos.
É neste sentido que a n oção de espaço relativo, apontada por
HARVEY (1969), é crucial no âmbito desta con cepção de espaço. O
espaço relativo é entendido a partir de relações entre os objetos,
relações estas que implicam em custos — dinheiro, tem po, energia
— para se vencer a fricção im posta pela distância É no espaço re-
22 GEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS

latívo que se obtêm rendas diferenciais (de localização) e que de­


sempenham papel fundamental na determ inação do uso da terra
A distância é para NYSTUEN (1968) um dos três conceitos mí
nim os para se realizar um estudo geográfico: o s outros são orien­
tação e conexão. Trata-se de três con ceitos eminentemente espa­
ciais. A orientação refere-se à direção que une pelo m enos dois
pontos, enquanto a distância diz respeito à separação entre pontos
'e a con exão à p osição relativa entre pontos, sendo independente
da orientação e da distância, pois é uma propriedade topológica
do espaço.
Em Nystuen aparece claramente a aceitação e desenvolvi­
m ento da proposta de Bunge de considerar a geografia com o uma
ciên cia espacial, que estudaria fenôm enos sociais e da natureza
sob um ângulo com um , o espacial, que forneceria assim unidade à
geografia. Deste m odo rios e lugares centrais poderiam ser anali­
sados com o m esm o m étodo e a mesma linguagem. Esta visão foi
com partilhada pelos m em bros do Michigan Inter-University Com ­
munity o f Mathematical Geographers, que consideravam a geogra­
fia com o ciência do espaço, tendo com o linguagem a geometria
com o advoga Harvey em seu E xplanation in Geography.
O espaço geográfico pode assim ser representado por uma
matriz e sua expressão topológica, o grafo. Trata-se de representa­
ção com um aos econom istas espaciais com o indica GUIGOU (1980)
e aos geógrafos com o h aggett (1966) e h a g g e t t e CHORLEY (1969),
o prim eiro desenvolvendo uma proposta de análise locacional com
base nos temas movimento, redes, nós, hierarquias e superfícies,
enquanto ele e Chorley desenvolvem sistematicamente com o se
pode realizar estudos sobre redes em geografia
É preciso considerar o que significou para a geografia a con­
cep ção de espaço que os geógrafos lógico-positivistas nela intro­
duziram. Trata-se de uma visão limitada de espaço, pois, de um
lado, privilegia-se em excesso a distância, vista cbm o variável in­
dependente. Nesta con cepção, de outro lado, as contradições, os
ESPAÇO, UM CONCEITO-CHAVE DA GEOGRAFIA 23.

agentes sociais, o tem po e as transform ações são inexistentes ou


relegadas a um plano secundário. Privilegia-se um presente eterno
e, subjacente, encontra-se a n oção paradigmática de equilíbrio (es­
pacial), cara ao pensamento burguês.
As representações matricial e topológica devem, n o nosso
entender, se constituir em m eios operacionais que nos permitam
extrair um conhecim ento sobre localizações e fluxos, hierarquias
e especializações funcionais, sendo, neste sentido, uma importan­
te contribuição que, überada de alguns de seus pressupostos com o
a planície isotrópica, a racionalidade econôm ica, a com petição
perfeita e a a-historicidade dos fenôm enos sociais, pode ajudar na
com preensão da organização espacial.
Num erosos m odelos sobre a organização espacial, e n o limi­
te também sobre as transform ações nele realizadas, foram produ­
zidos pelos geógrafos. Pensamos que se é fácil estabelecer críticas
a estes m odelos, e devem os fazê-las, acreditam os, por outro lado,
que tais m odelos fofnecem -r.os pistas e indicações efetivamente
relevantes para a com preensão crítica da sociedade em sua dimen­
são espacial e temporal, não devendo ser considerados com o m o­
delos norm ativos com o se pretendia.

Espaço e geografia crítica

A década de 1970 viu o surgimento da geografia crítica fun­


dada no materialismo histórico e na dialética Trata-se de uma re­
volução que procura rom per, de um lado, com a geografia tradicio­
nal e, de outro, com a geografia teorético-quantitativa Intensos
debates entre geógrafos marxistas e não-marxistas ocorrem a par­
tir daquela década Consulte-se sobre o assunto, entre outros, o
livro de san to s (1978) e o de capel (1982).
No âmbito dos debates o espaço reaparece com o o con ceito-
chave. Debate-se, de um lado, se na obra de Marx o espaço está
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presente ou ausente e, de outro, qual a natureza e o significado do


espaço. A identificação das categorias de análise do espaço é
outra preocupação dos geógrafos críticos.
Apartir da afirmação de c l a v a l (1977) de que na obra de Marx
o espaço aparece marginalmente, surgem réplicas, entre outras, de
SAEY (1978), VAN BEUNINGEN (1979), GARNIER (1980) e de PFERTZEL

(1981). c l a v a l (1987), p or sua vez, admite que o espaço tem se cons­


tituído em tema central para os geógrafos neomarxistas.
A favor de Marx está o artigo de HARVEY (1975), n o qual ele
pretende reconstruir geograficam ente a teoria marxiana, cqja di­
m ensão espacial fo i larga e longamente ignorada O negligencia-
m ento da dim ensão espacial n o marxismo ocidental é discutido
p or SOJA e HADJIMICHALIS (1979) e retom ado mais tarde por SOJA

(1993). Segundo estes autores, os marxistas tinham abordado o es­


p a ço de m odo semelhante àquele das ciências burguesas, conside­
rando-o com o um receptáculo ou com o um espelho externo da so­
ciedade.
As razões da negligência e interpretação incorreta residem,
de um lado, no aparecim ento tardio do G rundrisse — em russo
em 1939, em alemão em 1953 e em inglês apènas em 1973. O Ca­
p ital, p or outro lado, é uma obra incom pleta O viés antiespacialis-
ta do marxismo é outra razão. Viés que remonta à crítica de Marx à
ênfase que Hegel dá ao espaço, reificado e fetichizado na form a do
Estado territorial. Marx procura enfatizar o tem po e a temporali­
dade, que foram elevados à primazia na filosofia e ciência ociden­
tais. A obra mais recente de SOJA (1993) tem por finalidade última
reiterar o papel do espaço e da espacialidade com o fundamentais
para a constituição e o devir da sociedade. HARVEY (1993), por sua
vez, estabelece con exões entre espaço e tem po ao discutir a pós-
m odem idade.
O desenvolvim ento da análise do espaço no âm bito da teoria
marxista deve-se, em grande parte, “à intensificação das contradi-
ESPAÇO, UM CONCEITO-CHAVE DA GEOGRAFIA 25

Ções sociais e espaciais tanto nos países centrais com o periféri­


co s” (SOJA e HADJIMICHALIS, 1979, p. 7), devido à crise geral do capi­
talismo durante a década de 1960. Crise que transformou o espaço
por ele produzido em “receptáculo de múltiplas contradições es­
paciais” (SOJA e HADJIMICHALIS, 1979, p. 10), que suscitaria a neces­
sidade de se exercer maior controle sobre a reprodução das rela­
ções de produção em todos os níveis espaciais.
O espaço aparece efetivamente na análise marxista a partir
da obra de Henri Lefébvre. Em seu E spad o y P olítica argumenta
que o espaço “desempenha um papel ou uma função decisiva na
estruturação de uma totalidade, de uma lógica, de um sistem a”
(LEFÉBVRE, 1976, p. 25).
O espaço entendido com o espaço social, vívido, em estreita
correlação com a prática social não deve ser visto com o espaço
absoluto, “vazio e puro, lugar por excelência dos núm eros e das
proporções” (lefébvre, 1976, p. 29), nem com o um produto da so­
ciedade, “ponto de reunião dos objetos produzidos, o conjunto das
coisas que ocupam e de seus subconjuntos, efetuado, objetivado,
portanto fu n cion a l" (le fé b v r e , 1976, p. 30). O espaço não énem o
ponto de partida (espaço absoluto), nem o ponto de chegada (es­
paço com o produto social).
O espaço também não é um instrumento político, um cam po
de ações de um indivíduo ou grupo, ligado ao processo de reprodu­
ção da força de trabalho através do consum o. Segundo Lefébvre, o
espaço é mais do que isto. Engloba esta concepção e a ultrapassa O
espaço é o locus da reprodução das relações sociais de produção.

“Do espaço não se pode dizer que seja um produ­


to com o qualquer outro, um objeto ou uma som a de ob­
jetos, uma coisa ou uma coleção de coisas, uma m erca­
doria ou um conjunto de mercadorias. Não se pode
dizer que seja simplesmente um instrumento, o mais
importante de todos os instrumentos, o pressuposto de
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toda produção e de todo o intercâm bio. Estaria essen­


cialmente vinculado com a reprodução das relações
(sociais) de produção” (LEFÉBVRE, 1976, p. 34).

. Esta con cepção de espaço marca profundamente os geógra­


fo s que, a partir da década de 1970, adotaram o materialismo histó­
rico e dialético com o paradigm a O espaço é con cebido com o
locu s da reprodução das relações sociais de produção, isto é, re­
produ ção da sociedade.
- A contribuição de Lefébvre a respeito da natureza e significa­
do do espaço estende-se por uma vasta obra, da qual m erece men­
çã o especial La Production de l ’E space (lefébvre, 1974).
- A vasta obra de Milton Santos está, ainda que não de m odo
exclusivo, fortem ente inspirada em Lefébvre e em sua con cepção
de espaço social. A contribuição de Milton Santos aparece, de um
lado, com o estabelecim ento do con ceito de form ação sócio-espa­
cial, derivado do con ceito de form ação sócio-econ ôm ico e subme­
tido a intenso debate na década de 1970. SANTOS (1977) afirma não
ser possível con ceber uma determinada form ação sócio-econôm i-
ca sem se recorrer ao espaço. Segundo ele, m odo de produção,
form ação sócio-econ ôm ica e espaço são categorias interdepen­
dentes.

“Os m odos de produção tom am -se concretos


numa base territorial historicam ente determinada (...)
as form as espaciais constituem uma linguagem dos
m odos de produção” (SANTOS, 1977, p. 5).

O m érito do con ceito de form ação sócio-espacial, ou sim­


plesm ente form ação espacial, reside no fato de se explicitar teori­
cam ente que uma sociedade só se tom a concreta através de seu
espaço, do espaço que ela produz e, por outro lado; o espaço só é
inteligível através da sociedade. Não há, assim, p or que falar em
ESPAÇO, UM CONCEITO-CHAVE DA GEOGRAFIA 27

sociedade e espaço com o se fossem coisas separadas que nós reu­


niríamos a posteriori, mas sim de form ação sócio-espacial.
Nesta linha de raciocínio admitimos que a form ação sócio-
espacial possa ser considerada com o uma m eta-conceito, um pa­
radigma, que contém e está contida nos conceitos-chave, de natu­
reza operativa, de paisagem, região, espaço (organização espa­
cial), lugar e território.
A natureza e o significado do espaço aparecem ainda nos di­
versos estudos em que Santos aborda o papel das form as e intera­
ções espaciais, os fixos e flu xos a que ele se refere. Consultem-se,
por exem plo, os estudos referentes às relações entre espaço e do­
minação (SANTOS, 1979a), à “totalidade do diabo” (SANTOS, 1979b),
às m etam orfoses do espaço habitado (SANTOS, 1988) e às relações
entre espaço, técnica e tem po (SANTOS, 1994), entre outros.
Contribuição significativa para a com preensão da organiza­
ção espacial dos países subdesenvolvidos aparece em O Espaço
D ividido (SANTOS, 1979c), na qual é adm itida a coexistência de
dois circuitos da econom ia, um circuito superior e outro inferior,
resultado de um processo de m odernização diferenciadora que
gera os dois circuitos que “têm a mesma origem, o m esm o coiyun-
to de causas e são interligados” (SANTOS, 1979c, p. 43).
A natureza e o significado do espaço aparecem, de m odo mais
explícito, em P or um a Geografia Nova, especialm ente em sua 2?
parte. SANTOS (1978), depois de discutir a negügência dos geógrafos
para com o espaço, referindo-se à geografia com o “viúva do espa­
ç o ”, apresenta o espaço com o fator social e não apenas um reflexo
social. Constitui-se o espaço, segundo Milton Santos, em uma ins­
tância da sociedade. Assim,

"... o espaço organizado pelo hom em é com o as demais


estruturas sociais, uma estrutura subordinada-subordi-
nante. E com o as outras instâncias, o espaço, em bora
28 GEOGRAFIA; CONCEITOS E TEMAS

s u b m e t id o à le i d a t o t a lid a d e , d is p õ e d e u m a c e r t a a u ­
t o n o m ia ...” (SANTOS, 1978, p . 145).

Em realidade o espaço organizado pelo homem desempenha


um papel na sociedade, condicionando-a, compartilhando do com ­
p lexo processo de existência e reprodução social.
A partir dos estudos de b u c h -h a n s o n e n ie l s e n (1977) e de
CORAGGIO (1979), CORRÊA (1986b) define organização espacial, ex­
pressão que equivale à estrutura territorial, configuração espacial,
arranjo espacial, espaço socialm ente produzido ou simplesmente
espaço. Segundo o referido autor, a organização espacial é o “con­
ju n to de objetos criados pelo homem e dispostos sobre a superfície
da Terra” (CORRÊA, 1986b, p. 55), sendo uma materialidade social.
Semelhantemente M o r e ir a (1979) discute a natureza e o sig­
nificado do espaço, introduzindo a m etáfora da quadra esportiva
polivalente: a organização espacial a ela se assemelha, pois as ati­
vidades humanas, com suas regras e localizações próprias, ah se
realizam, apenas que de m odo simultâneo.
Quais são as categorias de análise do espaço? Segundo san ­

tos (1985) o espaço deve ser analisado a partir das categorias es­
trutura, processo, função e forma, que devem ser consideradas em
suas relações dialéticas.
De acordo com Santos,form a é o aspecto visível, exterior, de
um objeto, seja visto isoladamente, seja considerando-se o arraryo
de um coqjunto de objetos, form ando um padrão espacial. Uma ca­
sa, um bairro, uma cidade e uma rede urbana são formas espaciais
em diferentes escalas. Ressalte-se que a form a não pode ser consi­
derada em si mesma, sob o risco de atribuir a ela uma autonomia de
que não é possuidora Se assim fizerm os estaremos deslocando a
form a para a esfera da geometria, a linguagem da forma, caindo em
um espacialism o estéril. Por outro lado, ao considerarm os isolada­
mente a form a espacial apreenderíamos apenas a aparência, aban­
donando a essência e as relações entre esta e a aparência
ESPAÇO, UM CONCEITO-CHAVE DA GEOGRAFIA 29

A n oção de fu n ção im plica uma tarefa, atividade ou papel a


ser desempenhado pelo objeto criado, a forma. Habitar, vivenciar
o cotidiano em suas múltiplas dim ensões — trabalho, compras,
lazer, etc. — são algumas das funções associadas à casa, ao bairro,
à cidade e à rede urbana
Não é possível dissociar form a e função da análise do espa­
ço. Mas é necessário ir além, inserindo form a e função na estrutu­
ra social, sem o que não captaremos a natureza histórica do espa­
ço. A estrutura diz respeito à natureza social e econôm ica de uma
sociedade em um dado m om ento do tem po: é a matriz social onde
as form as e funções são criadas e justificadas.
Processo, finalmente, é definido com o uma ação que se reali­
za, via de regra, de m odo contínuo, visando um resultado qualquer,
im plicando tem po e mudança. Os processos ocorrem no âmbito
de uma estrutura social e econôm ica e resultam das contradições
internas das mesmas. Em outras palavras, processo é uma estrutu­
ra em seu movimento de transformação. Ressalte-se que se consi­
derarmos apenas a estrutura e o processo estarem os realizando
uma análise a-espacial, não-geográfica, incapaz de captár a organi­
zação espacial de uma dada sociedade em um determinado mo­
mento, nem a sua dinâmica espacial.
Por outro lado, ao considerarm os apenas a estrutura e a
form a estarem os eliminando as m ediações (processo e função)"
entre o que é subjacente (a estrutura) e o exteriorizado (a forma).
Com o afirma Santos:

“Forma, função, estrutura e processo são quatro


term os disjuntivos associados, a empregar segundo um
contexto do mundo de todo dia. Tom ados individual­
mente, representam apenas realidades parciais, limita­
das, do mundo. Considerados em coryunto, porém , e re­
lacionados entre si, eles constroem uma base teórica e
30 GEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS

m etodológica a partir da qual podem os discutir os fenô­


m enos espaciais em totalidade” (SANTOS, 1985, p. 52).

E sp a ço e g e o g ra fia hum anista e cu ltu ra l

A década de 1970 viu também o surgimento da geografia hu­


manista que foi, na década seguinte, acom panhado da retomada
da geografia cultural. Semelhantemente à geografia crítica, a geo­
grafia humanista, calcada nas filosofias do significado, especial­
mente a fenom enologia e o existencialism o, é uma crítica à geo­
grafia de cunho lógico-positivista. Diferentemente daquela, contu­
do, é a retom ada da matriz historicista que caracterizava as cor­
rentes possibilista e cultural da geografia tradicional. Sobre este
assunto consulte-se, entre outros, CAPEL (1982) e HOLZER (1992).
Contrariamente às geografias crítica e teorético-quantitativa,
p or outro lado, a geografia humanista está assentada na subjetivi­
dade, na intuição, nos sentimentos, na experiência, no sim bolism o
e na contingência, privilegiando o singular e não o particular ou o
universal e, ao invés da explicação, tem na com preensão a base de
inteligibilidade do mundo real.
A paisagem tom a-se um con ceito revalorizado, assim com o a
região, enquanto o con ceito de território tem na geografia huma­
nista uma de suas matrizes. O lugar passa a ser o conceito-chave
mais relevante, enquanto o espaço adquire, para m uitos autores, o
significado de espaço vivido.
Segundo t u a n (1979) no estudo do espaço no âmbito da geo­
grafia humanista consideram -se os sentim entos espaciais e as
idéias de um grupo ou p ovo sobre o espaço a partir da experiência.
Tuan argumenta que existem vários tipos de espaços, um espaço
pessoal, outro grupai, onde é vivida a experiência do outro, e o es­
p aço m ítico-conceitual que, ainda que ligado à experiência, “extra­
pola para além da evidência sensorial e das necessidades imedia­
tas e em direção a estruturas mais abstratas” (TU AN , 1979, p . 404)
ESPAÇO, UM CONCEITO-CHAVE DA GEOGRAFIA 31

E continua Tuan:

“O espaço m ítico é também uma resposta do sen­


tim ento e da imaginação às necessidades humanas fun­
damentais. Difere dos espaços con cebidos pragmática
e cientificam ente no sentido que ignora a lógica da ex­
clusão e da contradição” (tu an , 1983, p. 112).

O espaço sagrado é um exem plo e a ele também tuan (1972)


se dedicou, seguindo as idéias de Mircea Eliade sobre o sagrado e
o çrofasvo. O espaço sagrado é o toeus d e vsxoa. M erofania, isto é,
uma m anifestação do sagrado. 0 estudo de ROSENDAHL (1994)
sobre o espaço sagrado da vila de Porto da£ Caixas na Baixada
Fluminense aborda o tema em tela A autora define no espaço sa­
grado o “pon to fix o ”, lugar da hierofania, e o entorno; envolvendo
o espaço sagrado aparecem, respectivam ente, os espaços profa­
nos direta e indiretamente vinculados: tod os configuram o espaço
da pequena vila
O lugar para TUAN (1979), p or outro lado, tem um outro signi­
ficado. Possui um “espírito”, uma “personalidade”, havendo um
“sentido de lugar” que se manifesta pela apreciação visual ou esté­
tica e pelos sentidos a partir de uma longa vivên cia Sobre o assun­
to consulte-se RELPH (1976) que desenvolve oS con ceitos de lugar e
não-lugar e MELLO (1991) que analisa a leitura que os com positores
da m úsica popular fazem do espaço ca rioca
A tem ática do espaço vivido está particularmente vinculada
à geografia francesa e tem suas raízes sobretudo na tradição vida-
liana, mas também na psicologia genética de Piaget, na sociologia,
de onde se retiraria os con ceitos de espaçO-regulação, espaço-
apropriação e espaço-alienação e na psicanálise do espaço basea­
da em Bachelard e Rimbert, de onde sai a discussão sobre o corpo,
o sexo e a m orte, conform e aponta holzer (1092).
32 GEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS

“O espaço vivido é uma experiência contínua,


egocêntrica e social, um espaço de movim ento e um es­
paço-tem po vivido ... (que) ... se refere ao afetivo, ao
m ágico, ao imaginário” (HOLZER, 1992, p. 440).

. O espaço vivido é também um cam po de representações sim­


bólicas, conform e aponta i s n a r d (1982), rico em sim bolism os que
vão traduzir

“ e m s in a is v i s í v e i s n ã o s ó o p r o j e t o v it a l d e t o d a a so­
c i e d a d e , s u b s is t ir , p r o t e g e r - s e , s o b r e v i v e r , m a s t a m ­

b é m a s s u a s a s p ir a ç õ e s , c r e n ç a s , o m a is ín tim o d e s u a

c u lt u r a ” ( i s n a r d , 1982, p . 71).

Em relação ao con ceito de espaço vivido, o estudo de GAL-

LAIS (1977) é de fundamental importância. A partir do con ceito de


distância o referido autor co lo ca em evidência aspectos importan­
tes sobre o espaço vivido nas sociedades primitivas tropicais.
Argumenta Gallais que nas sociedades industriais o espaço
vivido está assentado sobre uma “cadeia relativamente neutra de
unidades quilom étricas” ( g a l l a is , 1977, p. 4), geradora de uma
con cepção hom ogênea de distância objetivada p or custo ou
tem po. Esta hom ogeneidade é devido a uma certa identidade cul­
tural que incluí uma m étrica regular e m onótona de contagem
tanto do espaço com o do tem po, e à eficiência da técnica que eli­
mina certas especificidades do m eio.
Nas sociedades tropicais primitivas, ao contrário, o espaço,
com o o tempo, são con cebidos descontinuamente, com bloqueios
ou cortes brutais. O espaço vivido é fragmentado em função do
pertencim ento ao m esm o povoado, linhagem, tribo, grupo etno-
lingüístico, casta ou área cultural, que fornecem referenciais bási­
co s para o cotidiano em sua dimensão espacial.
O espaço vivido das sociedades primitivas tropicais, segun­
ESPAÇO, UM CONCEITO-CHAVE DA GEOGRAFIA 33

do Gallais, é profundamente m arcado por três con cepções de dis­


tância que nas sociedades industriais possuem reduzido peso: dis­
tância estrutural, afetiva e ecológica
A distância estrutural pode ampliar ou reduzir as relações
entre os lugares quando confrontada com a distância objetiva
Assim, no delta interior do Niger, na África, os três quadros regio­
nais — a área de solos agricultáveis, área de savana com pastoreio
e a área de águas de pesqueiro — são caracterizadas por

“organizações históricas, técnicas, sociais, de bens de


raiz e religiosas que lhes são próprias, estranhas entre
si, estruturalm ente afastadas, em bora vizinhas, ou su­
perpostas dentro de uma percepção objetiva da distân­
cia” (GALLAIS, 1977, p. 8).

A s relações com erciais entre consum idores e vendedores


são, por outro lado, influenciadas pelo fato de am bos pertencerem
ou não a mesma tribo ou grupo étnico. A despeito de grandes dis­
tâncias, objetivamente definidas, as relações com erciais são mais
intensas com centros mais distantes do que com aqueles núcleos
mais próxim os, porém dom inados p or outras tribos ou grupos ét­
nicos.
O espaço vivido é, por outro lado, m arcado ainda p or uma
afetividade maior que nas sociedades industriais. A afetividade
manifesta-se tanto no que diz respeito ao gostar dos lugares com o
à m ovim entação espacial. Lugares e áreas longínquas tom am -se
próxim os em função da afetividade por eles, com o se exem plifica
com os lugares sagrados, objetivamente distantes.
Nas sociedades primitivas o espaço vivido é afetivamente va­
lorizado em razão de crenças que conferem especificidades a cada
parte do espaço. Assim, Gallais reporta-nos sobre a distinção que
os pescadores do m édio Niger fazem do rio, distinguindo águas
proibidas, águas onde a pesca obedece a certos ritos e águas livres.
34 GEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS

A distância ecológica, finalmente, interfere também n o espa­


ç o vivido das sociedades primitivas tropicais. De acordo com
Gallais,

“o hom em vê a natureza através de um prism a seletivo


que confere uma distância ecológica real ao que, aos
nossos olhos, não passa de gradiente insignificante”
(GALLAIS, 1977, p. 9).

Com base na prática adquirida com o trabalho, o s povos pri­


m itivos são capazes de distinguir nuances pedológicas, mínimas
diferenças ao longo de uma encosta m ontanhosa ou de altura
numa planície. Cria-se assim variada term inologia, que é plena de
significados para os habitantes dessas áreas.
Estas diferenças ecológicas, contudo, não são nem percebi­
das nem vivenciadas igualmente p or todos. Assim, Gallais reporta-
qps que no Mali, na África, os Bambaras que praticam a agricultura
com enxada na savana distinguem uma com plexa variedade de -
solos, enquanto, na mesma região os Peuls, criadores, distinguem,
e de form a m enos precisa, apenas cin co tipos de solos segundo a
cor.
A distância ecológica varia também ao longo do ano. Assim,
na Á frica sudanesa,

“a estação seca hom ogeneiza o espaço, facilita seu per­


curso e reduz a distância ecológica, enquanto a estação
das chuvas o fragmenta: pântanos inundados, cheia de
grandes rios cuja travessia se tom a difícil, e áreas de
cultivos que se alternam com regiões vazias, infestadas
de feras. O espaço se diversifica e se tom a p ou co pene-
trável” (GALLAIS, 1977, p .ll).

Ressalte-se que as transform ações advindas com a m odem i-


ESPAÇO, UM CONCEITO-CHAVE DA GEOGRAFIA 35

zação capitalista tendem a minimizar essas distinções na medida


em que novas práticas sociais originam novos espaços vividos do­
tados de outros atributos.

AS PRATICAS ESPACIAIS

No longo e infindável processo de organização do espaço o


Homem estabeleceu um conjunto de práticas através das quais são
criadas, mantidas, desfeitas e refeitas as form as e as interações es­
paciais. São as práticas espaciais, isto é, um conjunto de ações es­
pacialmente localizadas que impactam diretamente sobre o espa­
ço, alterando-o no todo ou em parte ou preservando-o em suas for­
mas e interações espaciais.
As práticas espaciais resultam, de um lado, da consciência
que o Homem tem da diferenciação espacial. C onsciência que está
ancorada em padrões culturais próprios a cada tipo de sociedade e
nas possibilidades técnicas disponíveis em cada m om ento, que
fornecem significados distintos à natureza e à organização espa­
cial previamente já diferenciadas.
Resultam, de outro lado, dos diversos projetos, também deri­
vados de cada tipo de sociedade, que são engendrados para viabili­
zar a existência e a reprodução de uma atividade ou de uma em­
presa, de uma cultura específica, étnica ou religiosa, p or exem plo,
ou a própria sociedade com o um todo.
As práticas espaciais são ações que contribuem para garantir
os diversos projetos. São m eios efetivos através dos quais objeti-
va-se a gestão do território, isto é, a administração e o controle da
organização espacial em sua existência e reprodução.
Se as práticas espaciais resultam da consciência da diferen­
ciação espacial, de outro lado são ingredientes através dos quais a
diferenciação espacial é valorizada, parcial ou totalmente desfeita
e refeita ou perm anece em sua essência p or um período mais pu
m enos longo.
36 GEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS

Segundo CORRÊA (1992), as práticas espaciais são as seguin­


tes: seletividade espacial, fragmentação-remembramento espa­
cial, antecipação espacial, marginalização espacial e reprodução
da região produtora Esclareça-se que as práticas espaciais acima
indicadas não são mutuaxnente excludentes: ao contrário, podem
ocorrer combinadamente ou apresentarem um caráter com ple­
mentar.

Seletividade espacial

No processo de organização de seu espaço o Homem age se­


letivamente. D ecide sobre um determinado lugar segundo este
apresente atributos julgados de interesse de acordo com os diver­
sos projetos estabelecidos. A fertilidade do solo, um sítio defensi­
vo, a proxim idade da matéria-prima, o acesso ao m ercado consu­
m idor ou a presença de um porto, de uma força de trabalho não
qualificada e sindicalmente pou co ativa, são alguns dos atributos
que podem levar a localizações seletivas.
Os atributos acim a indicados, encontrados de form a isolada
ou com binada, variam de lugar para lugar e são avaliados e reava­
liados sistematicamente.
Vejamos dois exem plos. O prim eiro refere-se ao transborda-
mento da atividade pecuária dos Campos Gerais do Paraná nas
duas primeiras décadas do século 19. Implantada em área de cam­
p os do 2.° Planalto Paranaense, ao demandar novas áreas de
cam po para se expandir, se vê obrigada, no contexto da avaliação
da natureza naquele momento, a avançar para oeste em direç&o ao
3.° Planalto Paranaense, primeiramente para os cam pos de Gua­
rapuava e depois para os cam pos de Palmas. Entre estas três áreas
de cam pos ocorrem áreas florestais que foram, ém essência, dei­
xadas de lado e ocupadas posteriorm ente por imigrantes europeus
e seus descendentes que se dedicaram à atividade agrícola.
ESPAÇO, UM CONCEITO-CHAVE DA GEOGRAFIA 37

A seletividade espacial é ainda exem plificada quando se con­


sidera uma grande empresa com o a Companhia de Cigarros Souza
Cruz. Detentora de uma com plexa rede de unidades funcional-
mente distintas mas fortem ente integradas, a empresa em pauta
possui uma organização espacial com plexa, resultante de um va­
riado processo de seleção.
Nesta seleção incluem-se cidades situadas nas zonas produ­
toras de fum o, a exem plo de Santa Cruz do Sul, em território gaú­
cho, onde se localiza, em plena zona produtora, uma de suas usi­
nas de beneficiam ento de fumo. Inclui também centros que, por
desempenharem importante papel na distribuição de bens e servi­
ços, passaram a constituir-se em m em bros de sua vasta rede de
distribuição atacadista: Santarém (PA), Feira de Santana (BA),
Montes Claros (MG), São José do Rio Preto (SP) e Cascavel (PR)
são alguns dos muitos exem plos de centros que foram seleciona­
dos pela Souza Cruz.

F ragm en tação — rem em bram ento esp a cia l

N o processo de produção do espaço há uma inerente dimen­


são política que leva a diferentes form as de controle sobre o espa­
ço. Este é dividido em unidades territoriais controladas p or uma
com unidade aldeã, uma Cidade-Estado, uma organização religiosa,
o Estado moderno, poderosas empresas ou grupos que se identifi­
cam p or uma dada especificidade e numa dada porção do espaço.
A fragmentação e o remembramento dessas porções do es­
paço são uma prática corrente. Basta, de um lado, considerar o
com plexo e muitas vezes dramático processo de fragmentação de
Im périos constituídos no passado, ou a fragmentação de municí­
pios n o território brasileiro. De outro, o processo de remembra­
mento das comunas, unidades político-administrativas m enores
38 GEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS

da França, agrupadas para viabilizar a oferta de certos serviços


para uma população que não emigrou e que, n o coryunto das c o ­
munas reagrupadas, passa a constituir um patamar mínimo para
certos serviços.
Na dinâmica de uma dada empresa o seu espaço de atuação
pod e ser subm etido à fragmentação ou ao remembramento. A
fragmentação deriva da intensificação da atuação da empresa, que
leva à implantação de novas unidades vinculadas, quer à produ­
ção, quer à distribuição, unidades que possuem , cada uma, uma
exclusiva área de atuação. Alteram-se as áreas atribuídas a cada
unidade da empresa, estabelecendo-se cada vez mais áreas de
atuação m enores associadas a um número m aior de unidades.
Ressalte-se que n o processo de fragmentação a empresa tende a
eleger primeiramente aqueles lugares que apresentam maior po­
tencial em face da natureza das unidades a serem implantadas.
Existe, assim, uma faceta temporal nessa prática espacial que nos
rem ete à seletividade anteriormente com entada
Exem plifica-se com a Companhia de Cigarros Souza Cruz. A
expansão do consum o de cigarros no interior paulista levou à cria­
ção, em 1974, da filial de vendas de Campinas, desvinculando assim
o interior paulista e o sul-matogrossense da filial de vendas de São
Paulo a quem estavam vinculados anteriormente. A m etrópole pau­
lista, por sua vez, passa a atender ao seu próprio gigantesco merca­
do e aos do Vale do Paraíba e aos das baixadas litorâneas.
Nas zonas de fronteira, a Amazônia e o Centro-Oeste, cqjos
m ercados consum idores ampliaram-se espacial e quantitativa­
mente, o número de centros com depósitos atacadistas foi amplia­
do entre 1960 e 1989, passando de seis para treze, im plicando uma
fragmentação espacial.
O remembramento espacial, p or outro lado, deriva, via de
regra, de uma política da empresa visando im por outra racionali­
dade ao seu espaço de atuação. Através da aglutinação de unida­
ESPAÇO, UM CONCEITO-CHAVE DA GEOGRAFIA 39

des locacionais e áreas, origina-se uma outra organização espa­


cial. A diminuição da oferta da produção é uma das razões que
leva ao remembramento espacial. O aumento da acessibilidade,
por outro lado, pode eliminar localizações que só faziam sentido
num contexto de precária circulação.
No âmbito da Souza Cruz, por exem plo, entre 1960 e 1989,
verificou-se, no conjunto das regiões Nordeste, Sudeste e Sul, uma
redução do número de centros dotados de depósitos atacadistas
da em presa em tela. A melhoria na acessibilidade rodoviária impli­
cou a redução de 62 para 39 centros, levando ao m aior espaçamen­
to entre eles e, consequentemente, na am pliação da área de merca­
do de cada depósito.

Antecipação espacial

Constitui uma prática que pode ser definida pela localização


de uma atividade em um dado local antes que con dições favorá­
veis tenham sido satisfeitas. Trata-se da antecipação à criação de
uma oferta significativa de matérias-primas ou de um m ercado
consum idor de dimensão igual ou superior ao limiar considerado
satisfatório para a implantação da atividade.
A s zonas de fronteira de povoam ento são áreas onde a práti­
ca em tela é usualmente empregada. Mas são nas corporações
multifuncionais e com múltiplas localizações que podem arcar
com níveis diferenciados de remuneração, inclusive níveis negati­
vos em algumas de suas unidades, que a prática da antecipação es­
pacial pode ser mais facilm ente apücada. Antecipação espacial
significa reserva de território, significa garantir para o futuro pró­
xim o o controle de uma dada organização espacial, garantindo
assim as possibilidades, via ampliação do espaço de atuação, de
reprodução de suas con dições da produção.
A história espacial da Companhia de Cigarros Souza Cruz é
40 GEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS

rica de exem plos de antecipações espaciais. Assim, entre os mi­


grantes gaúchos que a partir da década de 1950 dirigiram-se para o
Sudoeste paranaense estavam num erosos produtores de fum o que
já mantinham contatos com a Souza Cruz. Esta designa, p or volta
de 1955, um inspetor, vinculado à usina de beneficiam ento de
fum o de Santo Ângelo, Rio Grande do Sul, para organizar o proces­
so produtivo n o Sudoeste paranaense, e assim garantir o futuro
território da empresa de cigarros. Antecipa-se, assim, à criação de
uma nova área fum icultora A expansão da produção de fumo
levou à criação mais tarde, em 1974, de uma usina de beneficia­
m ento de fum o em Pato Branco, a principal cidade do Sudoeste
paranaense.
Outros exem plos vinculam-se ao processo de distribuição
atacadista de cigarros. Assim, desde 1957, quando do início da
construção de Brasília, os veículos da Souza Cruz, através dos
quais verifica-se a distribuição de cigarros para o varejo, com eçam
a visitar a futura capital, então um canteiro de obras. Antecipa-se à
criação de um m ercado pleno. A sua constituição plena exige m odi­
ficações. Era 1960, com a inauguração de Brasília, implanta-se um
depósito atacadista; em 1970 a capital federal passa a contar com
uma filial de vendas que controla vários depósitos atacadistas.
Tendo em vista a abertura da R odovia Transamazônica e a
política de povoam ento que a acompanharia, a Souza Cruz anteci­
pa-se à criação do m ercado regional, implantando em 1971 um de­
pósito atacadista na cidade maranhense de Imperatriz.

Marginalização espacial

O valor atribuído a um dado lugar pode variar ao longo do


tem po. Razões de ordem econôm ica, política ou cultural podem al­
terar a sua im portância e, no limite, marginalizá-lo, delxando-o à
margem da rede de lugares a que se vinculava São num erosos os
ESPAÇO, UM CONCEITO-CHAVE DA GEOGRAFIA 41

exem plos de portos que no passado eram relativamente importan­


tes e que decaíram em razão do progresso técnico que, a partir do
século 19, afetou a navegação e a circulação em geral. O abandono
de uma dada região p or uma atividade agrícola, deslocada para
outra região, pode, p or outro lado, marginalizar determinadas ci­
dades que tinha a sua razão de ser em função daquela atividade
agrícola. As cidades mortas, litorâneas ou interioranas, são inúme­
ras em toda parte.
No âmbito das corporações as mudanças locacionais, cons­
tantes em sua dinâmica, implicam, com freqüência, em um proces­
so de abertura de novas unidades e no fecham ento de outras. Este
processo leva, por sua vez, à seleção de lugares que no passado
foram avaliados com o sendo pou co atrativos para a implantação
de unidades da corporação. Leva também ao abandono de lugares
que anteriormente foram considerados atrativos e que efetivamen­
te participaram da rede de lugares da corporação.
A marginalização espacial tem im pactos diversos, afetando,
por exem plo, o nível de em pregos e de im postos via fecham ento
das unidades da corporação e daquelas atividades direta e indire­
tamente ligadas a ela. Afeta também as interações espaciais dos lu­
gares marginalizados, situados fora da rede de ligações internas à
corporação. O fecham ento de unidades pode, no entanto, ser
acom panhado de uma reconversão funcional no âmbito da própria
corporação, na qual uma atividade substitui aquela que fo i retirada
do lugar, ou aí perm anece uma parte de suas antigas funções:
trata-se, no caso, de marginalização parcial.
Em 1928 a Souza Cruz implantou na cidade gaúcha de Santo
Ângelo a sua segunda usina de beneficiam ento de fum o. Simul­
taneamente verificava-se a difusão da fumicultura na hinterlândia
da cidade, difusão em grande parte patrocinada pela própria
Souza Cruz. A usina de Santo Ângelo foi fechada em 1972, quando
a hinterlândia da cidade deixou de ter importante participação na
produção de fumo. Com o também fecham ento do depósito ataca­
42 GEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS

dista ali existente, Santo Ângelo, que no passado fo i um significati­


v o lugar na rede de centros da Souza Cruz, fo i subm etido à margi-
nalização espacial.
Em 1978 é implantada a m aior e mais moderna fábrica de ci­
garros da Souza Cruz, localizada em Uberlândia, um estratégico
centro que passa a produzir tanto para o Sudeste com o para os
prom issores m ercados consum idores das regiões Centro-Oeste e
Norte. A implantação da fábrica, por outro lado, que representa
tam bém uma prática de antecipação espacial, im plicou o fecha­
m ento em 1980 da fábrica de cigarros em B elo Horizonte, implan­
tada em 1938. Com o a capital mineir a manteve a sua filial de ven­
das e depósitos atacadistas, configurou-se uma marginalização
parcial.

R ep rod u çã o da re g iã o p ro d u to ra

No processo de valorização produtiva do espaço é necessá­


rio que se viabilize a reprodução das con dições de produção. Isto
im plica em práticas espacialm ente localizadas, via de regra efeti­
vadas pelo Estado ou pelas grandes e com plexas corporações.
Tais práticas, com o as anteriormente analisadas, constituem in­
gredientes da gestão do território.
A Souza Cruz nos fornece um excelente exem plo através de
suas práticas visando a reprodução das regiões fiim icultoras cria­
das p o r ela no Sul do Brasil. O controle e a reprodução das condi­
çõ e s de produção dessas regiões se fazem por diversos m eios,
entre eles a orientação e assistência agronôm ica realizada pelos
seus técn icos, no âmbito de uma agricultura do tipo contratual.
Um desses m eios visa a atingir os jovens, futuros produtores
de fumo. Trata-se de tentar im pedir que emigrem através de pan­
fletos distribuídos aos fum icultores. Um dos panfletos afirma que
“Os sonhos que v ocê busca na cidade quase sempre se transfor-
ESPAÇO, UM CONCEITO-CHAVE DA GEOGRAFIA 43

mam em terríveis pesadelos”, enquanto outro fala que “Milhares


de pessoas nas cidades sonham em mudar para cá (o cam po). E
v ocê ainda pensa em mudar para lá?”
Outro m eio é o Clube da Árvore, uma iniciativa da Souza
Cruz, que conta com a efetiva participação das Secretarias de
Educação. Através dele, milhares de alunos de 600 escolas primá­
rias dos três estados sulinos aprendem a preservar o m eio ambien­
te através do reflorestam ento. A Souza Cruz forn ece orientadores
agrícolas, sementes de árvore e material para a produção de
mudas, cartazes e livretos que falam a respeito da im portância da
floresta na preservação do equilíbrio ecológico, ensinando ainda
com o proceder para reflorestar. O jornal O Clube da Á rvore, que
circula desde 1988, é distribuído gratuitamente aos participantes
do clube: são 55.000 exem plares em cada tiragem.
Criado em 1984, o Clube da Árvore está sediado nas escolas
rurais e pequenas cidades das principais áreas fumicultoras.
Assim, são 14 clubes no m unicípio de Santa Cruz do Sul, 13 em
Camaquã, 12 em Lajeado, 9 em Venâncio Aires e 7 em Dom
Feliciano, todos no Rio Grande do Sul. Em Ituporanga são 7 clu­
bes, enquanto em Orleans são 6 e em Canoinhas 5, tod os em terri­
tório catarinense.
É importante ressaltar que através do Clube da Árvore cria-
se a possibilidade de reflorestam ento das pequenas propriedades
rurais, visando à obtenção de lenha para as estufas onde as folhas
de fum o passam, ainda no próprio local de produção, p or um pri­
m eiro beneficiam ento, a secagem. As estufas constituem parte in­
tegrante do processo produtivo do fum o na propriedade rural,
tendo sido introduzidas e difundidas entre os fum icultores pela
própria Souza Cruz, desde a década de 1920. Seis décadas após
tom a-se necessário recriar as fontes de aprovisionam ento de
lenha para as estufas. E preparar os futuros produtores de fum o
para assim procederem . Desse m odo garante-se para o futuro
parte das con dições de produção.
44 GEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS

PARA NÃO CONCLUIR

Eis o espaço geográfico, a morada do Homem. Absoluto, re­


lativo, con cebido com o planície isotrópica, representado através
de matrizes e grafos, descrito através de diversas metáforas, re­
flexo e condição social, experienciado de diversos m odos, rico em
sim bolism os e cam po de lutas, o espaço geográfico é multidimen­
sional. Aceitar esta multidimensionalidade é aceitar por práticas
sociais distintas que, com o harvey (1973) se refere, permitem
construir diferentes con ceitos de espaço.
Tom á-lo inteligível é, para nós geógrafos, uma tarefa inicial.
Decifrando-o, com o diz l e f é b v r e (1974), revelam os as práticas so ­
ciais dos diferentes grupos que nele produzem, circulam, con ­
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