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DE EVGUIÉNI PACHUKANIS:
PREMISSAS METODOLÓGICAS, CONCEITOS CENTRAIS
E UMA CRÍTICA A PARTIR DE HANS KELSEN1
Submissão: 02/05/2020
Aceite: 27/06/2020
1. INTRODUÇÃO
Nascido em 1891 na Rússia Czarista, Evguiéni Pachukanis é consi-
derado o principal teórico soviético do direito. No ano de 1924 foi lan-
çada sua magnum opus: Teoria Geral do Direito e Marxismo, tida como
um dos principais livros da teoria marxista dedicados exclusivamente
à problemática jurídica. Inicialmente encontrando certa ressonância3,
as teses centrais que desenvolve no livro acabaram sendo deixadas de
lado devido à sua não adoção no contexto político da União das Re-
públicas Socialistas Soviéticas. Após longo tempo de esquecimento,
recentemente Pachukanis voltou a atrair a atenção de pensadores mar-
xistas (WALLOSCHKE, 2003).
A redução da influência inicial de Pachukanis nos assuntos jurídi-
cos da URSS se explica pela incompatibilidade de sua tese central, que
defendia a correlação fundamental entre a forma jurídica e a forma da
mercadoria, ou seja, entre o Direito como tal e o Capitalismo, com a as-
censão de Josef Stalin. Apesar de ter realizado importantes alterações
socialistas no conteúdo das normas, este líder soviético teria mantido a
estrutura jurídica do capitalismo em sua essência, i.e., a forma jurídica.
Essa contraposição resultou na misteriosa prisão e posterior execução
de Pachukanis em 1937 (HARMS, 2009).
A estrutura do artigo segue, a princípio, aproximadamente àquela
do livro. No primeiro trecho se discutirão o objetivo declarado de Pa-
chukanis, nomeadamente “uma tentativa de aproximação da forma do
direito e da forma da mercadoria” (STUTCHKA apud PACHUKANIS,
2017a, p. 60) através de uma crítica aos conceitos fundamentais do
direito, bem como as premissas metodológicas adotadas para atingir
esse objetivo. Também aí se discorrerá acerca das consequências dos
3 A recepção do livro no mundo germânico é digna de nota, especialmente no que diz respei-
to às querelas [Auseinandersetzungen] com os dois mais influentes autores jurídicos de lín-
gua alemã da primeira metade do século XX, Hans Kelsen e Gustav Radbruch. Cf. HARMS,
A. Warenform und Rechtsform: zur Rechtstheorie von Eugen Paschukanis. Freiburg: ça ira
Verlag, 2009, pp. 69-89 (Capítulo 2: „Die zeitgenössische Rezeption und Diskussion“, ou, em
tradução nossa: “A recepção e discussão contemporânea”).
8 Um exemplo extrajurídico de norma técnica são as regras médicas. Em uma dada opera-
ção cirúrgica, por exemplo, não existe nenhum tipo de antagonismo de interesses entre o
paciente e o médico. Por isso, a regulação da medicina só pode ser avaliada sob o ponto de
vista de sua racionalidade instrumental, isto é, considerando apenas sua idoneidade para
a consecução de seus fins (no exemplo, a cura do paciente através da intervenção cirúrgi-
ca). Porém, no que diz respeito à análise da forma jurídica, a diferenciação entre normas
técnicas e normas jurídicas em sentido estrito é mais interessante e relevante dentro do
quadro das normas jurídicas em sentido lato, i.e., daquelas normas formalmente classifica-
das pela doutrina tradicional como jurídicas. Nesse contexto, Pachukanis apresenta como
exemplos o “Cronograma de Partidas de Trem”, que regula o tráfego ferroviário, e as regras
de Responsabilidade Civil sobre a atividade ferroviária. Ainda que ambas normativas sejam
formalmente classificadas como jurídicas, por terem sido postas pelo Estado, elas regulam
relações sociais de forma completamente distinta. Apenas as normas de Responsabilidade
Civil sobre a atividade ferroviária, onde o antagonismo de interesses privados é pressuposto
(entre as companhias ferroviárias e as empresas de carregamento com elas contratantes, por
exemplo), dão expressão à forma jurídica. A extinção do direito (e de sua forma) defendida
por Pachukanis toma como base, com efeito, uma certa “tecnização” das regras sociais. No
âmbito do direito criminal, por exemplo, o jurista soviético advoga a paulatina substituição
das normas jurídico-penais, cujo fundamento no direito burguês é a proporcionalidade da
pena (e que por isso encarnam a forma do direito e seu princípio imanente da equivalência,
que é reflexo do antagonismo de interesses), por normas técnico-penais, cujo fundamento
seria a defesa social. “A coerção, como medida de defesa, é um ato de pura conveniência [de
racionalidade instrumental] e, como tal, pode ser regulada por regras técnicas” (PACHUKA-
NIS, 2017b, p. 222).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A “Teoria Geral do Direito e Marxismo” se deixa compreender como
uma tentativa de se atingir a realidade ocultada por de trás das abs-
trações jurídicas, tencionando demonstrar a conexão próxima entre a
forma do direito e forma capitalista da mercadoria. O direito não é
apresentado como pura positivação estatal de regras “arbitrárias”, tam-
pouco como pura ocultação ideológica do domínio de classe, mas como
uma das formas específicas pelas quais os homens se relacionam entre
si. Junto às diversas outras relações sociais, incluindo as relações eco-
nômicas de produção e circulação, o direito consiste naquela forma de
relação social que assume especificamente o caráter jurídico, na medi-
da em que pressupõe o antagonismo de interesses.
O conceito central de relação jurídica é definido, então, como
aquela relação estabelecida entre sujeitos formalmente iguais perante
a lei [gleichberechtigt], ou seja, entre sujeitos de direito. A subjetivi-
dade jurídica, por sua vez, é compreendida como condição de desen-
volvimento pleno do capitalismo na medida em que a mobilidade dos
produtos do trabalho, essencial ao processo capitalista de circulação de
zu sein, hört es überhaupt auf, Recht zu sein. Der Kommunismus bringt [...] auch die Möglich-
keit einer logisch einwandfreiein Theorie. Dieser historische Materialismus beweist – als Kritik
des positiven Rechts und Prognose für seine Zukunftsentwicklung – zuviel, als Kritik der be-
stehende Rechtstheorie aber zuwenig“.
28 No original: „verwischt Pachukanis die Grenze zwischen Rechtstheorie und Recht“.