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As Cláusulas Gerais, uma Perspectiva Histórico-

Construtiva do Direito Privado Contemporâneo

Ricardo Cavedon 1

RESUMO: O presente trabalho busca traçar uma análise histórica da


construção da ciência jurídica até alçar vertente de sistema aberto,
incorporando conceitos vagos os quais dependem de colmatação valorativa
por parte do intérprete aplicador da norma jurídica. Com ênfase na Teoria
Geral do Direito, analisar-se-ão a história do pensamento jurídico e as
primeiras previsões de cláusulas gerais nas codificações oitocentistas, para
só então traçar um paralelo com o que a doutrina contemporânea vem
entendendo por cláusulas gerais e conceitos indeterminados, cabendo
posteriormente a análise de como estes conceitos jurídicos se expressam no
atual direito civil-constitucional.
PALAVRAS-CHAVE: Cláusulas Gerais; Conceitos Jurídicos
Indeterminados; Colmatação Valorativa; Codificações; Nova
Hermenêutica; Neoconstitucionalismo; Neopositivismo; Interpretação
Evolucionista; Integração Valorativa.

1 Mestrando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Pós-


Graduado em Direito Civil e Empresarial e Bacharel pela mesma Instituição. Especialista
em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná. Assessor jurídico de
Desembargador no TJPR desde 2007. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5682648172792984.
E-mail: rcavedon@pop.com.br.
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Introdução

A experiência jurídica nos limiares da época clássica foi muito mais


ligada à práxis do que a uma preocupação de construção sistemática. O
então chamado direito das gentes, oriundo do ius civiles, direito aplicado
unicamente aos cidadãos romanos, com as invasões bárbaras, e a notória
influência da filosofia estóica, foi-se aos poucos se alargando durante quase
um milênio numa fusão entre usos e costumes dos povos germânicos,
constituindo a expressão do que hoje chamamos de direito natural, um
direito originário da natureza do homem. O saber jurídico da época,
até pela influência aristotélica, resumia-se até então a uma atividade
eminentemente “prudencial”, baseada na arte da contradição.
Foi somente na Idade Média, principalmente com o movimento
renascentista, que o caráter sistemático do direito começou a aflorar. 2
Com o surgimento das universidades, e tendo em base o ideário
iluminista, o movimento jusracionalista (direito natural fundado na
autoridade da razão) erigiu campo na ciência jurídica, dando seus primeiros
passos em busca de uma sistematização. Sua maior contribuição foi
exatamente a noção do caráter de sistema. 3
Construído ao longo de dois milênios, o direito oriundo da razão
também contribuiu para desvincular a ciência jurídica dos dogmas religiosos,
abrindo caminho na linha da história para o vindouro movimento das

2 Pode-se citar no medievo a interpretação literal do corpus juris civiles (compilação


de textos e leis escritas realizada pelo imperador romano Justiniano) realizada pelo
movimento dos glosadores e pós-glosadores (comentadores e humanistas), que viam os
textos do corpus como a única fonte de interpretação do direito então existente. A técnica
que utilizavam era unicamente gramatical, literária, e exprimia dos textos escritos um
sentido unívoco e gramatical. As glosas, nesse sentido, eram os comentários a estes textos.

3 Nesse sentido: WIECKER, Franz. História do Direito Privado Moderno, 3ª edição,


Fundação Calouste Gui Benkian, Lisboa. Tradução de A. M. Botelho Hespanha, p. 665.

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codificações, cujo maior esplendor foi o monumento das ordenações civis


francesas – o código napoleônico.
O jusracionalismo, ao mesmo tempo em que contribuiu para o
movimento das codificações, concedeu ainda um fundamental alicerce para
o formalismo jurídico do século XIX. Foi notória a influência e repercussão
do direito racional na ciência jurídica. Com os seus ideais lançados em
textos escritos, amplamente estruturados numa perspectiva sistemática, o
jusracionalismo abriu campo para a doutrina positivista.
O direito positivo, contudo, quando totalmente integrado em textos
escritos, passou a refutar por completo os princípios e valores que detinha
por origem, era a expressão do legalismo jurídico. Liberto dos juízos de
valores extra legem, sem poder lutar contra o jugo da lei positiva, reflexo de
sua própria racionalidade, a ciência jurídica baseada na razão, ao mesmo
tempo em que teve seu ápice, conheceu também sua destruição. 4
O
direito natural foi relegado, então, a mero fator ocasional da história, com
o positivismo legalista do século XIX passando a resolver o problema da
justiça na questão da validade da lei positiva.
A teoria da subsunção (cujo raciocínio básico é a extração de uma
conclusão lógica silogística, utilizando-se a confrontação de uma previsão

4 Nesse sentido, Luis Roberto Barroso: “O advento do Estado liberal, a


consolidação dos ideais constitucionais em textos escritos e o êxito do movimento
de codificação simbolizam a vitória do direito natural, o seu apogeu. Paradoxalmente,
representam, também, a sua superação histórica. No inicio do século XIX, os direito
naturais, cultivados e desenvolvidos ao longo de mais de dois milênios, haviam se
incorporado de forma generalizada aos ordenamentos positivos. Já não traziam a
revolução, mas a conservação. Considerado metafísico e anticientífico, o direito
natural é empurrado para a margem da história pela onipotência positivista do século
XIX.” (BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e Filosóficos do Novo Direito
Constitucional Brasileiro (Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo), in: A nova
interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas / Luís
Roberto Barroso (organizador) – 3ª ed. Revista – Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 22/23.

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legal casuística com um caso concreto) passou a dominar o método de


interpretação e aplicação do direito. A ideia de que as regras jurídicas eram
extraídas de uma norma superior da hierarquia e dali deduzidas, não se
podendo questionar a justiça desta dedução em razão de ser a lei válida
(e presumidamente justa) na hierarquia das fontes, foi o cerne proficiente
que necessitava a ciência jurídica positivista para alcançar a centralidade e
univocidade de aceitação por parte dos estudiosos da época. 5

Eis porque a ciência jurídica assumiu aí, definitivamente, o caráter


de sistema fechado, tendo-se expressado nesta época por requintados
processos lógicos e em essência herméticos.
Somente o final do século XIX e primeira metade do século XX
marcaram a ruptura metodológica caracterizada pela limitação do método
subsuntivo, diante de seu inegável reducionismo.
Com as mutações sociais engendradas pela primeira grande guerra,
os Juízes se viram perante a árdua tarefa de ajustar o direito legal ao novo
modelo social, emergindo daí um direito praeter (quando em confronto com
suas próprias lacunas) ou mesmo contra legen (quando em confronto com os
novos valores e princípios que vinham surgindo). 6
Na expressão de Franz Wiecker, a teoria que se construiu a partir de

5 As lacunas (aparentes) deveriam sofrer “uma correção no ato interpretativo,


não pela criação de nova lei especial, mas pela redução de um caso dado à lei superior na
hierarquia. Isto significava que as leis de maior amplitude genérica continham, logicamente,
as outras, na totalidade do sistema”. Mediante o “estabelecimento de uma premissa maior,
a qual conteria a diretiva legal genérica”, e de uma “premissa menor, que expressaria o
caso concreto”, exsurgiria de um raciocínio lógico subsuntivo a manifestação de um juízo
concreto ou decisão, sem haver valorações e muito menos criação pelo intérprete. (cf.
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A ciência do direito, 2ª ed., São Paulo Atlas, 2008, p. 33).

6 Ver WIECKER, Franz, História do Direito Privado Moderno, 3ª edição, Fundação


Calouste Gui Benkian, Lisboa, Tradução de A. M. Botelho Hespanha, do original intitulado
Privatrechtsgeschichte Der Neuzeit Unter Besonderer Berücksichtigung Der Deutschen
Entwicklung, 2ª edição, Revista Vandenhoeck & Ruprecht, Göttingen, 1967, p. 665.

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então foi denominada de “achamento da solução jurídica” (Rechtsfindung),


segundo a qual, a cada norma legal “subjazeria um acto de valoração de
interesses e uma opção voluntarista entre várias valorizações possíveis dos
interesses opostos das partes em conflito”. 7
Foi a expressão do movimento
então denominado de jurisprudência dos interesses.
Larenz classificou o movimento como uma espécie de reação ao
método exegético de interpretação da lei, predominante no século XIX,
questionando o reducionismo do método subsuntivo e suas limitações. 8
Paralelamente, verificou-se movimentos que buscavam a
desvinculação total do juiz de regras predeterminadas de julgamento, como
o naturalismo jurídico e a jurisprudência teleológica.
Também a técnica legislativa alterou-se substantivamente.
Ao legislador não mais era possível antever todos os inúmeros
conflitos, necessidades e interesses, do multifacetado meio social. O
casuísmo legislativo, que previamente define casos específicos para
regulação legislativa, próprio do legalismo jurídico, foi aos poucos se
tornando insuficiente.
Com a superação do mito de completude das codificações, e a
superveniência de um número cada vez maior de legislações extravagantes,
destinadas a regular os novos institutos surgidos com a evolução econômica
e social, 9 ia-se formando um “direito especial, paralelo ao direito comum

7 WIECKER, Franz. História do Direito Privado Moderno, op. cit., p. 666.

8 Cf. LARENZ. Karl. Metodologia da ciência do direito. 3ª edição. Trad. José


Lamego. Fundação Calouste Gulbenkian. Lisboa. 1997, p. 63-82.

9 Nesse sentido, Ricardo Luiz Lorenzetti aponta: “A crise das visões totalizadoras
fez explodir todo o texto unificado. Os interesses são individuais ou setoriais,
perfeitamente diferenciados uns dos outros. No plano individual, o legislador depara-se
com problemas. Se tivéssemos que tomar uma decisão legislativa sobre temas polêmicos,
seriamos obrigados a fazer uma lei para cada um desses indivíduos. (...) O problema das
denominadas ‘leis promocionais’, que subsidiam algumas atividades específicas, produziu

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estabelecido pelo Código Civil”,10 e essas novas previsões nem sempre


encontravam abrigo certo e definido em textos previamente antevistos pela
técnica da subsunção.
Assim, ante a fragmentariedade dos interesses sociais, o legislador via-
se cada vez mais obrigado a estabelecer legislações abertas, vagas, utilizando-
se de cláusulas gerais, as quais necessitavam de colmatação valorativa para
preenchimento de suas hipóteses, e conseqüências do caso concreto.
Passou-se a exigir, cada vez mais, do intérprete/aplicador da lei
uma maior sensibilidade para fatores sociais afetos à concretude e à
realidade muitas vezes vulnerável de determinadas camadas sociais, no
preenchimento do caso concreto.
A incorporação definitiva de princípios estruturantes, com forte viés
valorativo e força normativa, necessários para manter a integridade lógica
e construir um sistema baseado em alicerces fortes capazes de permear as
exigências agora de um sistema axiologicamente aberto, fizeram-se cada vez
mais presentes na realidade jurídica do direito a partir da segunda metade
do século XX.
O pós-positivismo, o neoconstitucionalismo e a principiologia são
expressões que procuram transmutar o sistema fechado do positivismo em
algo permeável, perene e mutável às exigências da complexidade social.
A ciência jurídica passou a se estruturar em normativas dependentes
de valorações. O intérprete não somente valora a hipótese, como também
cria a consequência, ou cria a hipótese e valora a consequência, pautado
em situações concretas e integrações axiológicas, as quais nem sempre se

uma fragmentação de direitos e privilégios, que, por sua vez, provoca novas pressões
setoriais, para obter equiparação com o que foi alcançado por outro grupo ou superá-lo.”
(LORENZETTI. Ricardo Luiz. Fundamentos do Direito Privado. São Paulo, Ed. Revista dos
Tribunais., 1998, p. 53-54).

10 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 4ª edição. Rio de Janeiro:


Renovar, 2008. p. 06.

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encontram abstratamente previstas. Daí que surgem os chamados conceitos


vagos, abertos, discricionários e, especificamente, as cláusulas gerais.
A proposta do presente trabalho é delinear o paradigma das
cláusulas gerais, que ora passam efetivamente a sobrelevar importância
na estruturação do sistema, necessitando de premissas axiológicas que
circunscrevam o denominado reenvio efetivado com o intérprete11, para
os quais os valores constitucionais (solidariedade, dignidade, Estado
democrático etc.) e os direitos fundamentais são invocados, juntamente
com as teorias que concedem eficácia horizontal a estes direitos.
Ao final, tentar-se-á expor algumas situações na atual codificação
civil que remetem o intérprete à valorações outras (extrassistemáticas) e
são vetorizadas pela fonte da jurisprudência e da doutrina.

Premissas Metodológicas – A Evolução da Ciência Jurídica


e a Adoção de seu Caráter de Sistema

É certo que no período da práxis romana houve inúmeras tentativas para


dar cientificidade ao direito. Entretanto, uma das peculiaridades da ciência
jurídica clássica encontrava-se justamente na sua ausência de cientificidade,
em razão de seu caráter essencialmente dialético, cuja racionalidade a levava
tipicamente para um saber eminentemente “prudencial”.12
Por certo, os romanos a partir de suas conquistas recolheram muito
da experiência de outros povos antigos. Demoraram, contudo, séculos para
realizar a compilação de todo o seu legado de modo completo e penetrante.
Desde o século IV o império teria se dividido definitivamente, ficando, de
um lado, o império do ocidente, com sede em Roma, e de outro, o império

11 Cf. MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado, op. cit., p. 274

12 Cf. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A ciência do direito, 2ª ed., São Paulo
Atlas, 2008, p. 21.

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do oriente, com sede em Constantinopla.


A queda de Roma, por volta do ano de 476, simbolizou o fim do
império ocidental (e o início da Idade Média), período caracterizado pela
invasão e o estabelecimento de uma série de reinos germânicos no ocidente.
13
Durante muito tempo na Idade Média, com a derrocada das velhas
instituições da antiguidade, e a influência crescente dos povos germânicos,
os quais conservavam seu próprio direito consuetudinário, o direito romano
manteve-se “reduzido a um direito consuetudinário provinciano, o direito
romano vulgar”. 14
O império romano do oriente, contudo, resistiu por muito tempo,
tendo seu termo somente com a queda de Constantinopla em 1453 (o que
marca o início da Idade Moderna). E foi lá que as compilações de Justiniano
(†565), materializadas pelo Corpus iuris civilis, segundo Caenegem,
expressaram “um dos mais célebres projetos legislativos da História (...) o
resultado final de dez séculos de evolução jurídica”. O Corpus iuris civilis
assumiria o papel de “mensagem para os juristas futuros”, expressando a
compilação de uma “seleção substancial das obras de juristas clássicos e da
legislação imperial.” 15
Na Alta Idade Média o mundo romano, notadamente com as
invasões bárbaras, foi largamente alcançado por culturas diversas. Esse
período caracterizou-se eminentemente por uma sociedade arcaica, feudal
e agrária. Importantes progressos ocorreram no curso dessa transformação
do Ocidente, marcados pelo desenvolvimento do mercado e do comércio,
pela derrocada dos regimes individualistas e a diminuição dos poderes dos

13 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. Introdução à História do Direito Privado:


op. cit., p. 09-10.

14 CAENEGEM, R. C. van. Uma introdução histórica ao direito privado. 2ª


edição. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 25-6.

15 CAENEGEM, R. C. van. Uma introdução histórica ao direito privado, op. cit.,


p. 25-6.

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senhores feudais, com a paulatina centralização do poder pelas autoridades


monárquicas, segundo lembra Caenegem:

O estado nacional soberano tornou-se a forma dominante de organização política


(...) A emergência de autoridades nacionais deu-se à custa do império e impediu
as tentativas germânicas de restaurar o poder universal do Império Romano. Esse
mesmo desenvolvimento significou também a diminuição do poder dos senhores
feudais enquanto o governo central afirmava-se e fortalecia-se. A organização da
Igreja seguiu uma tendência centralizadora semelhante. (...) A economia política
fechada e essencialmente senhoril foi substituída por uma economia de mercado.
Isso foi sustentado (...) pela renovação e transformação da atividade econômica em
geral, ajudada pelo surgimento de numerosas cidades. (...) 16

A evolução social foi notória. Caenegem assevera que à


expansão econômica correspondeu uma expansão urbana. Anota
que o “... sucesso comercial dos negócios urbanos passou a regular a
marcha do desenvolvimento econômico do país.” Houve um profundo
desenvolvimento intelectual. O nível cultural geral elevou-se de maneira
considerável, o que se refletiu particularmente na alfabetização e no uso
crescente da língua vernáculo. 17
O pensamento racional também continuou a ganhar terreno. Foi
também nesse período que as universidades surgiram e espalharam-se
por toda a Europa, trazendo consigo uma disciplina intelectual baseada
nas grandes obras filosóficas e jurídicas da Antiguidade greco-romana. O
pensamento antigo passou a ser objeto de estudos intensos, o que culminou
com a Renascença. Com o aparecimento do método científico moderno, que
era experimental, houve a libertação enfim dos dogmas e dos argumentos

16 CAENEGEM, R. C. van. Uma introdução histórica ao direito privado. 2ª


edição. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 43-4.

17 Cf. CAENEGEM, R. C. van. Uma introdução histórica ao direito privado. op.


cit., 1999, p. 43-4.

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baseados na autoridade. 18
A ascensão do absolutismo com a centralização paulatina do poder
fez com que a atividade legiferante se tornasse cada vez mais intensa,
constituindo-se em contrapartida uma espécie de “burocracia jurídica”,
cada vez mais regionalizada, dando um cunho muito particular e específico
à ordem jurídica de então.
Com o surgimento das universidades, e o ideário do iluminismo,
o movimento jusnaturalista moderno propriamente dito, expressado na
Europa ocidental por volta do século XVII, ganhou força, e a ciência jurídica
começou a dar seus primeiros passos em busca de uma sistematização. 19
A era moderna sobressaia-se espelhando uma nova concepção para o
direito natural, cuja origem não era a natureza, como na antiguidade, nem
o direito divino, como no medievo, mas um fundamento único constituído
e integrado exclusivamente pela razão humana. 20
O jusracionalismo
provocou uma revolução cultural. 21

Foi principalmente com o ideário de Hugo Grotius e de


Samuel Pufendorf, caracterizando o jusnaturalismo como um direito

18 Cf. CAENEGEM, R. C. van. Uma introdução histórica ao direito privado. op.


cit., 1999, p. 43-4.

19 (CAENEGEM, R. C. van. Uma introdução histórica ao direito privado. 2ª


edição. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 165).

20 “Por meio de um estudo racional seria possível descobrir os princípios que


deveriam reger a vida em sociedade. A partir desses princípios axiomáticos outros mais
específicos poderiam ser deduzidos, construindo-se, assim, um completo sistema de
normas. (ROBERTO, Giordano Bruno Soares. Introdução à História do Direito Privado e
da Codificação. Ob. cit., p. 20).

21 Cf. WIECKER, Franz, História do Direito Privado Moderno, 3ª edição,


Fundação Calouste Gui Benkian, Lisboa, Tradução de A. M. Botelho Hespanha, do original
intitulado Privatrechtsgeschichte Der Neuzeit Unter Besonderer Berücksichtigung Der
Deutschen Entwicklung, 2ª edição, Revista Vandenhoeck & Ruprecht, Göttingen, 1967, p.
228-9.

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eminentemente racional, que a ciência jurídica e o pensamento sistemático


realizaram uma integração mais profunda, isso por volta do século XVII,
tendo-se as primeiras noções de um conteúdo sistemático do direito.
Pode-se dizer que a maior contribuição do jusnaturalismo moderno
para o direito privado europeu foi efetivamente o seu caráter de sistema.
Segundo o testemunho de Franz Wiecker, a jurisprudência europeia fora
até aqui “uma ciência da exegese e de comentários de textos isolados, tendo
permanecido assim depois do fracasso do projeto sistemático do humanismo
(glosadores)”. 22
O direito natural, contudo, no jusracionalismo, aproximou-se
de uma demonstração lógica de um sistema fechado, tornando-se, em
contrapartida, nas palavras de Wiecker, na “pedra de toque da plausibilidade
dos seus axiomas metodológicos”. 23
É dizer, a jurisprudência da época, a
partir de então, passou a representar um caráter lógico-demonstrativo de
um sistema fechado, cuja estrutura dominou e domina até hoje os códigos
e os compêndios jurídicos.
A época do jusracionalismo, que durou por dois séculos (séc. XVII-
XVIII), espelhou importante e direta influência sobre a legislação e a
jurisprudência da maior parte dos povos europeus. Seus maiores precursores,
Hugo Grócio e Samuel Pufendorf, notadamente, elaboraram as bases de um
sistema metodológico autônomo, puramente racional e, por consequência,
completamente livre de dogmas religiosos. Suas reflexões, nitidamente
inspiradas em Galileu Galilei (fundador da nova imagem fisicalista do
mundo) e Descartes (que formulou o conhecimento global do mundo

22 WIECKER, Franz. História do Direito Privado Moderno, 3ª edição, Fundação


Calouste Gui Benkian, Lisboa, Tradução de A. M. Botelho Hespanha, do original intitulado
Privatrechtsgeschichte Der Neuzeit Unter Besonderer Berücksichtigung Der Deutschen
Entwicklung, 2ª edição, Revista Vandenhoeck & Ruprecht, Göttingen, 1967.

23 Ibidem. p. 309/310.

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externo) 24, implementaram a fase lógico-sistemática do jusnaturalismo


(expressado como jusracionalismo, pela ênfase na razão humana).
Mais tarde, Christian Wolf desenvolveria ainda mais o pensamento
elaborado por Pufendorf, dando-lhe a conotação de que os princípios do
direito somente poderiam ser estabelecidos pelo método científico. 25
Com o jusracionalismo a ciência jurídica adotou uma construção
conceitual, buscando fundamentar suas premissas por meio da exatidão
matemática da razão, tornando-se a poucas épocas uma expressão
sistematizada marcada pela pretensão de ordenação lógica de seus
próprios preceitos.
Segundo Franz Wiecker, “o jusracionalismo baseia-se, portanto,
numa nova antropologia. O homem aparece não mais como uma obra
divina, eterna e desenhada à semelhança do próprio Deus, mas como um ser
natural; a humanidade, não mais (na primeira versão) como participante
de um plano divino de salvação ou (na última) como participante do
mundo histórico, mas como elemento de um mundo apreensível através
de leis naturais”. 26
Por certo, o jusracionalismo pretendeu expurgar do ordenamento
positivo as normas que considerava em desacordo com os “princípios
superiores da razão”, assim preparando caminho para uma construção

24 “Descartes, em especial, consumou a matematização da natureza iniciada pela


escolástica tardia, ao tornar sistematizável, através da redução à dimensão sujeito-objecto
do Eu pensante e do mundo objectivo extenso, a descrição da imagem do mundo. Do
ponto de vista metodológico, a construção sistemática da experiência científica apenas se
consumou através do estrito raciocínio dedutivo que, progredindo a partir dos axiomas,
se justificou e orientou constantemente pela observação empírica (da natureza externa,
da sociedade humana, da alma humana).” (WIECKER, Franz, História do Direito Privado
Moderno, op. cit., p. 285).

25 WIECKER, Franz, História do Direito Privado Moderno, op. cit., p. 361.

26 WIECKER, Franz, História do Direito Privado Moderno, op. cit., p. 288.

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sistemática autônoma. 27
Somente com a positivação dos ideais jusracionalistas, é que o
Estado passou a representar uma estruturação fundante nas novas bases
políticas assentadas na realização do indivíduo e na natureza humana agora
reconhecidamente livre e igual. 28 O direito passa a não mais inspirar-se em
valores extra legen, e o Estado, de um dia para o outro, passa de opressor a
defensor do espírito humano, em nome do livre mercado. O Estado conteria
em si mesmo a liberdade, a igualdade e a propriedade, devendo garantir a
segurança e a ordem, e assegurar a participação calculada do cidadão na
vida pública.
Com o processo de transformação do Estado moderno para o Estado

27 “... É porque o jusracionalismo é, ele próprio, um sistema fechado de verdades


(isto é, certezas) da razão. Daí o objetivo, político e ideológico, que o levou a situar o
direito como um sistema que partisse de regras ou princípios gerais, as quais, contrapostas
ao direito vigente – costumeiro e romanístico -, apenas o validariam se evidenciada a
concordância entre esse e o direito natural, cujos postulados assume como internos,
conaturais a uma ‘essência’ do próprio direito.” (MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no
direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1999, p. 137-9).

28 “... no final do século XVIII, conjugam-se vários fatores que iriam determinar
o aparecimento das Constituições e infundir-lhes as características fundamentais. Sob
influência do jusnaturalismo, amplamente difundido pela obra dos contratualistas, afirma-
se a superioridade do indivíduo, dotado de direitos naturais inalienáveis que deveriam
receber a proteção do Estado. A par disso, desenvolve-se a luta contra o absolutismo
dos monarcas, ganhando grande força os movimentos que preconizavam a limitação
dos poderes dos governantes. Por último, ocorre ainda a influência considerável do
Iluminismo, que levaria ao extremo a crença na Razão, refletindo-se nas relações políticas
através da exigência de uma racionalização do poder. Aí estão os três grandes objetivos,
que, conjugados, iriam resultar no constitucionalismo: a afirmação da supremacia do
indivíduo, a necessidade de limitação do poder dos governantes e a crença quase religiosa
nas virtudes da razão, apoiando a busca da racionalização do poder.” (DALLARI, Dalmo
de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 18.ª ed., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva,
1994, p. 168).

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liberal houve uma significativa centralização de suas fontes normativas,


bem como da jurisdição, além do surgimento do constitucionalismo, tendo
havido nessa medida uma expansão latente no processo burocrático, como
salienta José Reinaldo de Lima Lopes: “o Estado liberal e burguês que
emergiu no século XIX teve a mesma pretensão totalizante do mercado,
da moeda e da mercadoria, e obedeceu a uma expansão territorial e
funcional contínuas. A burocracia cresceu, o controle disciplinar cresceu, e
a atividade do jurista começou a reduzir-se à exegese da legislação.” 29
Os juristas da época passaram a findar-se num único objeto – a lei
– cujas interpretações se davam mediante requintados processos lógicos,
eminentemente racionais e intelectivos. O esplendor desse período se
deu com o advento da conhecida Escola da exegese – na França – e dos
pandectistas – na Alemanha.

29 “O ideal de uma ciência positiva, ou positivista, assenta-se na tradição idealista


da filosofia do fim do século XVIII. Em primeiro lugar, define-se uma distinção entre sujeito
e objeto do conhecimento e suas relações recíprocas. Em segundo lugar, propõe uma
objetividade do conhecimento demonstrável pela manipulação e pela experimentação.
Conhecer é saber fazer, é reproduzir e prever. A ciência é então destacada da interpretação
e da razão prática, e associada à razão instrumental e ao cálculo. O universo tem uma
linguagem matemática, e é possível conhecê-la, prevendo os fenômenos. O empirismo
associa-se, pois, ao idealismo: a descoberta das leis e a formulação das hipóteses
(elementos ideais) são verificadas, ou falsificadas, como diz Popper, pela experimentação
e pela observação. Claro que a observação científica é polêmica por natureza, conhece-se
contra o conhecimento anterior. A discussão sobre o positivismo é enorme e hoje em
dia, quando o positivismo dá sinais de esgotamento, esta discussão é ainda maior, pois
a própria tradição filosófica positivista apresenta diversas correntes, e os que propõem
métodos não positivistas também se alinham em perspectivas diversas. No direito, o
positivismo deu aos juristas a sensação confortável de que estavam ainda atualizados
com o desenvolvimento geral do pensamento. Se a ciência medieval se confundia com a
especulação gramaticada, e se a ciência moderna se associava à geometrização do mundo,
os juristas haviam, a seu tempo, incorporado aquelas concepções de ciência. (...) elegeram
um objeto e o privilegiaram: a lei, o ordenamento positivo.” (LOPES, José Reinaldo de
Lima. O direito na história : op. cit., p. 203-4).

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DOUTRINA 45

O auge do positivismo legalista repercutiu no movimento das


codificações. As aspirações burguesas, cujo ápice se deu nas revoluções
liberais, passaram a espelhar os interesses predominantes da sociedade
da época. Os códigos civilistas foram relegados a constituições do direito
privado, tudo exprimiam, tudo previam, e de tudo cuidavam.
No início do século XX, sobreveio o conhecido (sobretudo porque
inspirou o Código Civil Brasileiro de 1916) Código Civil alemão BGB
(Bürgerliches Gesetzbuch), de inspiração na técnica pandetística de
Windscheid. Trouxe em seu bojo conceitos vagos e cláusulas gerais, as
quais dependiam de preenchimento valorativo pelo intérprete/aplicador.
Isso ocasionou na época uma medida de instabilidade. É que as
cláusulas gerais serviam muitas vezes para premiar a parcialidade judicial
e os interesses ideológicos, mas nem por isso não podem ser vistas como
um avanço. Sua aplicabilidade esvaziava de sentido a atividade subsuntiva,
sem remeter a uma moral bem definida, vez que a codificação encontrava-
se isolada como centro do direito privado. Não havia princípio unificador.
A codificação era o centro do direito privado, e o preenchimento de
seus conceitos remetia a um subjetivismo judicial nem sempre desejável.
Segundo Wiecker:

As cláusulas gerais constituíram uma notável e muitas vezes elogiada concessão


pelo positivismo à auto-responsabilidade dos juízes e a uma ética social
transpositiva, cujo padrão propulsor para o legislador foi constituído pela
organização dada pelo praetor romano ao judex para determinar o conteúdo da
decisão de acordo com a bona fides. O legislador transformou o seu trabalho
– através da referência à ‘boa-fé’, aos bons costumes, aos hábitos do tráfego
jurídico, à justa causa, ao carácter desproporcionado, etc. – em algo de mais
apto para as mutações e mais capaz de durar do que aquilo que era de esperar.”
(...) O reverso das cláusulas gerais foi de há muito notado. Se a disciplina
dogmática do juiz se torna mais rigorosa, dá-se uma tentativa de ‘fuga para as
cláusulas gerais’ (Hedemann), para uma jurisprudência voltada exclusivamente
para a justiça e liberta da obediência aos princípios; em épocas de predomínio da
injustiça elas favorecem as pressões políticas e ideológicas sobre a jurisprudência
e o oportunismo político. Mesmo abstraindo destas épocas de degenerescência,
elas possibilitam ao juiz fazer valer a parcialidade, as valorações pessoais, o

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46 DIREITO DO ESTADO EM DEBATE

arrebatamento jusnaturalista ou tendências moralizantes do mesmo gênero,


contra a letra e contra o espírito da ordem jurídica. 30

Isso ocorreu exatamente pela ausência de uma tendência axiológica


capaz de nortear a interpretação judicial na Alemanha do início do século
XX. Não bastava o mero abandono de toda técnica judicial até então
construída, o que viria somente a agravar a insegurança e o subjetivismo na
decisão judicial. Havia a necessidade de uma referência axiológica que, no
Brasil, somente veio com a Constituição Federal de 1988.
Aí se inicia a problematização da melhor interpretação para os
conceitos vagos e a busca de um parâmetro axiológico para circunscrever
a aplicação das cláusulas gerais, evitando-se assim o tão criticado
subjetivismo judicial.

O Início da Problematização. Limitação do Dogma da


Subsunção e Possível Interpretação Evolucionista na
Colmatação de Conceitos Legais Indeterminados

O recuo do formalismo jurídico manifestou-se, assim, na libertação


do juiz da vinculação estrita das hipóteses de fato previamente definidas de
modo estanque na lei. O estado social de direito alterou a função da lei, e
trouxe ao juiz a tarefa de ajustar o texto legal a critérios de justiça, cabendo
ao intérprete incorporar as valorações incipientes da nova ética formada no
mundo pós-guerra.
A percepção do reducionismo sofrido pela ciência jurídica com a
centralização da teoria da subsunção (e das interpretações subjetivista/

30 WIECKER, op. cit., p. 546.

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DOUTRINA 47

objetivista31), e a profusão de ideias contrárias à exegese legalista, 32 fizeram


com que houvesse releituras ao paradigma da codificação, antes expressão
de segurança jurídica e estabilidade social. 33
A filosofia mudava, os interesses sociais se alteravam. A consciência
era outra. A concepção voluntarista do direito, como expressão da vontade
individual, alterava-se. Os interesses transcendentes ao individual eram
dignos de proteção, sobretudo, os interesses sociais objetivos (boa fé
contratual, dimensão social da propriedade, finalidade da instituição
familiar etc.). A lógica, agora, era utilitarista e transindividual. 34

31 “Enquanto que o positivismo legalista propunha uma interpretação da lei


de acordo com as intenções do seu legislador histórico, o positivismo conceitualista
propõe o recurso à ficção de um legislador ‘razoável’, de um legislador que vai integrando
(‘reescrevendo’, ‘reinterpretando’) continuamente cada uma das normas no seu contexto
sistemático, de modo a que o ordenamento jurídico – de facto constituído por uma
miríade de normas contraditórias – conserve sempre a sua integridade e coerência como
sistema conceitual. O sentido da norma decorre, assim, não de intenções subjectivas (do
seu legislador histórico), mas dos sentidos objectivos do seu contexto”. (HESPANHA,
António Manuel. Cultura Jurídica Européia: síntese de um milênio; Fundação Boiteux,
2005, p. 400).

32 As escolas anti-conceitualistas e anti-formalistas, com o naturalismo jurídico,


a Escola do Direito Livre, a Escola Teleológica de Jhering, além da Jurisprudência dos
Interesses, foram os movimentos que confrontaram o método subsuntivo de aplicação da
lei, e travaram críticas ao método exegético de aplicação do direito.

33 Nesse sentido, Ricardo Luiz Lorenzetti aponta: “O direito civil codificado


era auto-suficiente, não necessitava de outros textos para solucionar litígios. (...) Antes,
se uma questão não podia ser resolvida segundo as leis civis, recorria-se ao soberano.
Agora, ao contrário, resolve-se mediante leis análogas ou princípios gerais do direito.
Finalmente, o Código foi expressão de uma ordem racional que propunha transcender
todos os tempos e latitudes.” (LORENZETTI. Ricardo Luiz. Teoria da Decisão Judicial.
Fundamentos de Direito. Trad. Bruno Miragem. Notas Cláudia Lima Marques. São Paulo,
Ed. Revista dos Tribunais., 2009, p. 42-3).

34 Nesse sentido: HESPANHA, António Manuel. Cultura Jurídica Européia:

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48 DIREITO DO ESTADO EM DEBATE

O conceitualismo e seus dogmas, herdados do formalismo kantiano,


que destacava a função estruturante do conhecimento jurídico, vinham
sendo superados. 35
A atividade judicante alcançava a possibilidade de criação do
direito, com medidas próprias de valorações pelo aplicador da lei, lançando
mão a valores transpessoais (coletivos) ou mesmo inerentes ao sujeito-juiz
(voluntarismo judicial).
O século XX foi marcado pela superação da dicotomia interpretação
objetivista/subjetivista (ou ligada ao reconstrutivismo da lei ou ligada
unicamente à vontade do legislador). O mundo jurídico estava em pautas
de ver um novo processo de interpretação e aplicação do direito.
Se o objetivismo redundou nos exageros formalistas do século XIX,
36
e o subjetivismo alcançou a vertente de debilitar as estruturas clássicas
do Estado de Direito37; a interpretação no Estado Social de Direito
via-se em meios de desvincular da vontade do legislador a vontade da
lei, lançando mãos a um voluntarismo judicial regrado pelos valores e

síntese de um milênio; Fundação Boiteux, 2005, p. 405.

35 Os dogmas conceitualistas (movimento anterior do positivismo legalista –


jurisprudência dos conceitos, ou pandectística) podem ser resumidos por Antonio Manuel
Hespanha: (a) a teoria da subsunção (Subsumtionslehre); (b) o dogma da plenitude lógica
do ordenamento jurídico; (c) a interpretação ‘objetivista’. (cf. HESPANHA, António Manuel.
Cultura Jurídica Européia: síntese de um milênio; Fundação Boiteux, 2005, p. 399-400).

36 “O objetivismo na interpretação da lei e da Constituição exprimiu sempre


a posição predileta dos positivistas formais, daqueles que no século XIX, confiantes em
fatores reinantes de estabilidade, fizeram do dogmatismo e do culto ou reverência ao
texto da lei o mais seguro penhor das instituições produzidas pela estrutura política do
Estado de Direito.” (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 22ª ed., 2008,
p. 455).

37 A vontade do legislador, para essa clássica concepção, é baseada na vontade


do povo, pessoa soberana, o que redundou no voluntarismo judicial, e mais tarde serviu
para fundamentar, para a doutrina de Bonavides, os regimes nazistas e fascistas.

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DOUTRINA 49

princípios constitucionais38, com o intérprete utilizando-se de valorações


transpessoais (coletiva) para proceder à colmatação dos conceitos vagos
dispostos nos textos escritos.
A teoria pura do direito de Kelsen, e seu tempo e a seu modo, operou
esta substituição, do voluntarismo do legislador para o voluntarismo do
juiz, na medida em que para Kelsen, “a interpretação é mais um ato de
vontade que de cognição e quando o juiz se decide por uma das possibilidades
interpretativas, essa eleição ou preferência se dá fora da esfera teórica, no
âmbito da política do direito”. 39
Karl Engish, comparando a interpretação jurídica objetivista
(adotada na época do formalismo) com os limites do subjetivismo judicial,
em um primeiro momento exorta a hipótese de uma interpretação histórica
do preceito, dizendo que quando a vontade do legislador histórico não é
apreensível, é necessário adotar a solução “mais razoável”, a qual, na dúvida,
deve ser considerada como aquela que o legislador quis. 40
Após, reconhecendo que nem sempre isto é possível (achar uma
solução mais razoável e adotá-la como a que o legislador quis), consente em
pressupor casos em que se teria de proceder a uma adaptação do conceito
legal com a época do intérprete (desvinculando-o então da vontade do
legislador histórico). Ter-se-ia aí, na lição de Engish, que se verificar “se não

38 “O voluntarismo é o traço marcante da corrente subjetivista. Ela se renova


no século XX, com as modernas escolas de interpretação, que substituem o voluntarismo
do legislador pelo voluntarismo do juiz. Assim, há sucedido, por exemplo, com os juristas
da livre investigação científica (Geny), do ‘direito livre’ (Kantorowicz) e da teoria pura do
direito (Kelsen).” (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 22ª ed., 2008,
p. 453).

39 Hans Kelsen, Reine Rechtslehre, 1934, apud BONAVIDES, Paulo. Curso de


Direito Constitucional. 22ª ed., 2008, p. 451-452.

40 ENGISCH. Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. Fundação Calouste


Gulbenkian. Lisboa. Tradução J. Baptista Machado. 7ª edição, 1996, p. 182.

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50 DIREITO DO ESTADO EM DEBATE

se terá porventura constituído um Direito consuetudinário que confere ao juiz


legitimidade para, despreendendo-se da vontade do legislador histórico, preencher
o texto da lei com um sentido ajustado ao momento actual, um sentido razoável,
adequado aos fins do Direito”. 41
Ora, em hipóteses como essas, então, o texto teria vida autônoma.
Porque se desvinculado do seu autor – o legislador histórico – lançando
efeitos e conseqüências sobre a história posterior que o autor (o legislador)
não poderia sequer imaginar. Aqui se diria, seguindo as lições de Hans-
George Gadamer, que seu autor (o legislador) seria apenas um “elemento
ocasional”, e a determinação do verdadeiro sentido do texto somente se
daria com a análise dos efeitos e consequências que ele teria espelhado na
história posterior. 42
Em outras palavras, para captar o verdadeiro sentido de um texto,
seria imprescindível um ulterior juízo de adaptação com a realidade social
do momento em que é ele interpretado, e não com o contexto político e
social da época do legislador.
Se os textos legais no modelo de Estado atual são lançados cada
vez mais com conceitos vagos ou abertos, é inafastável a ideia de que os
ditos conceitos legais indeterminados terão de ser colmatados mediante
valorações. E mais, dependendo da dimensão da indeterminação, é possível
sustentar uma total desvinculação do intérprete/aplicador da lei ou mesmo
da vontade do legislador histórico. Karl Engish, a este respeito, alertou:

As leis, porém, são hoje, em todos os domínios jurídicos, elaboradas por tal forma
que os juízes e os funcionários da administração não descobrem e fundamentam
as suas decisões tão-somente através da subsunção a conceitos jurídicos fixos, a

41 ENGISCH. Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. Ob. Cit., p. 183.

42 Sobre a história dos efeitos de Hans-George Gadamer ver: REALE, Giovanni;


ANTISERI, Dario. História da filosofia. São Paulo: Paulinas, 1990-1991. V. 3: Do romantismo
até nossos dias, p. 632.

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DOUTRINA 51

conceitos cujo conteúdo seja explicitado com segurança através da interpretação,


mas antes são chamados a valorar autonomamente e, por vezes, a decidir e a agir
de um modo semelhante ao do legislador. E assim continuará a ser no futuro. Será
sempre uma questão duma maior ou menor vinculação à lei. 43 (grifos nossos).

Nesse aspecto, os conceitos dos textos legais, para Engish, muito


raramente são absolutamente determinados (o autor considera como tais
os conceitos numéricos, de medida ou os referentes a valores monetários
- muito comuns no direito de Trânsito ou no estabelecimento de valores
pecuniários). Em sua maior parte, nos fala o autor, os conceitos legais são
predominantemente indeterminados, pelo menos em parte. 44
A indeterminação, contudo, pode se dar em relação à pluralidade de
sentidos (e nestes casos, deve-se interpretar a partir do contexto do caso), ou
em relação à imprecisão mesma dos limites do conceito (indeterminação em
sentido estrito). 45 Aí, diga-se, há de se falar em indeterminação quando a
“subsunção, em virtude da pluralidade e complexidade das considerações a fazer,
pode pôr em causa a univocidade do resultado”, 46
e não tão simplesmente
quando a interpretação do conceito levante dúvidas, caso em que caberia à
atividade judicial a tarefa de eliminar esta dúvida (nesse sentido, inclusive,
já tratava Kelsen). 47
A indeterminação em sentido estrito, portanto, será aferida quando

43 ENGISCH. Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. Ob. Cit., p. 207.

44 ENGISCH. Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. Ob. Cit., p. 209.

45 Nesse sentido: ENGISCH. Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. Ob. Cit.,


nota n. 03, p. 259.

46 Nesse sentido BACHOF, citado por ENGISCH. Karl. Introdução ao


Pensamento Jurídico. Ob. Cit., nota n. 03, p. 260.

47 Assim, mesmo, sustentava a teoria pura de Kelsen, na medida em que para


ele caberia ao julgador a escolha de um dos sentidos, para dirimir a dúvida, e realizar a
subsunção, mediante a discricionariedade própria do julgador.

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52 DIREITO DO ESTADO EM DEBATE

houver pluralidade de sentidos de uma palavra que exprime o conceito (quando


bastará utilizar-se de uma interpretação progressista ou evolucionista48), ou
quando houver uma imprecisão dos limites do conceito (o que Phillip Heck
denomina de “halo do conceito”49), mas devendo esta última imprecisão
levar a dificuldade (ou impossibilidade) de se encontrar um único resultado
com a utilização da subsunção, e não meramente levantar dúvidas que
poderão ser dirimidas pelo órgãos judicial. 50
Assim, esses conceitos que possuem seus limites imprecisos51 podem
ser conceitos descritivos, ou normativos. Os conceitos descritivos são
facilmente determináveis pela observância da realidade, pois diz Engisch
que “designam ‘descritivamente’ objetos reais ou objetos que de certa forma
participam da realidade, isto é, objetos que são fundamentalmente perceptíveis
pelos sentidos ou de qualquer outra forma percepcionáveis”. 52
Os conceitos
normativos, contudo, operam aquilo que o autor denominou “referência
a valores, a saber, a referência do conteúdo e da extensão de todo o conceito

48 Como aquela em que o intérprete faz um juízo posterior de adaptação da


norma ao contexto social em que é interpretada (hoje se diria em relação ao contexto
axiológico constitucional).

49 “Com Phillip Heck, podemos distinguir nos conceitos jurídicos indeterminados


um núcleo conceitual e um halo conceitual. Sempre que temos uma noção clara do
conteúdo e da extensão dum conceito, estamos no domínio do núcleo conceitual.
Onde as dúvidas começam, começa o halo conceitual.” (ENGISCH. Karl. Introdução ao
Pensamento Jurídico. Ob. Cit., p. 209).

50 Tudo conforme ENGISCH. Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. Ob.


Cit., p. 209.

51 Chamados pelo autor de conceitos relativamente determinados (quando ao


halo conceitual de Heck). E que deferem-se dos absolutamente determinados, quanto ao
núcleo conceitual.

52 Tudo conforme ENGISCH. Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. Ob.


Cit., p. 210.

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DOUTRINA 53

jurídico às especificas idéias valorativas do Direito”. 53


Desse modo, os conceitos indeterminados normativos (de limites
imprecisos) que fazem/levam o intérprete a uma referência valorativa,
acabam por se remeter a institutos do direito. Ou seja, a valoração que
os permeia são valorações encampadas pelo direito. Contudo, estas
valorações encampadas pelo direito podem ocorrem de maneira direta ou
indireta. Direta é quando o sentido normativo é preenchido pelo próprio
significado do conceito, como, por exemplo: casamento, funcionário
público, menor etc. Indireta é quando o conceito, apesar de descrever
um fato ou ato do mundo tangível, necessita se referir à normatividade
do direito para dar sentido ao conceito (por exemplo, “coisa alheia”,
significa que pertence a outrem, ou seja, necessário pressupor o regime
jurídico da propriedade). 54
Agora, há os conceitos indeterminados normativos que efetivamente
necessitam de uma valoração advinda ou do subjetivismo do intérprete
(conceitos discricionários), ou de uma valoração preexistente no seio
da coletividade. 55
Estes conceitos, sim, necessitam de preenchimento
valorativo, e somente aí se estará a referir limitação à teoria da subsunção.
Abre-se, assim, o questionamento de qual método de interpretação
característico a ser usado para se aferir o preenchimento valorativo, e qual
a pauta de valores utilizada para o balizamento deste preenchimento.
A doutrina moderna vem, aos poucos, respondendo esses
questionamentos de modo a remeter o intérprete a princípios jurídicos e
valorações advindas da Constituição, mediante uma interpretação que
opera reenvios. Partiremos, então, primeiramente, para a definição da

53 Tudo conforme ENGISCH. Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. Ob.


Cit., p. 210.

54 Cf. ENGISCH. Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. Ob. Cit., p. 212.

55 ENGISCH. Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. Ob. Cit., p. 213.

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54 DIREITO DO ESTADO EM DEBATE

metódica interpretativa, para somente após tentar conceituar as cláusulas


gerais e diferenciá-las dos então conceitos legais indeterminados.

A Ruptura das Codificações. O Declínio das Aspirações


Burguesas, e a Ascensão das Pautas Axiológicas
Constitucionais. Neoconstitucionalismo e Neopositivismo.
A Nova Hermenêutica e as Cláusulas Gerais

As codificações oitocentistas eram tidas como “constituições do


direito privado”, pois pautavam seus valores fundamentais no indivíduo
e na sua relação com o patrimônio, 56
assumindo o papel de “estatuto
único e monopolizador das relações privadas”. Almejavam a completude,
destinando-se a regular “através de situações-tipo, todos os possíveis
centros de interesse jurídico de que o sujeito privado viesse a ser titular”, de
modo que o direito público não viria de nenhuma forma interferir na esfera
privada. 57 Esse mundo da segurança, retratado pelas grandes codificações

56 O direito privado clássico, nas palavras de Gustavo Tepedino, se ocupava em


regular “a atuação dos sujeitos de direito, notadamente o contratante e o proprietário,
os quais, por sua vez, a nada inspiravam senão ao aniquilamento de todos os privilégios
feudais: poder contratar, fazer circular as riquezas, adquirir bens como expansão da
própria inteligência e personalidade, sem restrições ou entraves legais. (...) Ao direito civil
cumpriria garantir à atividade privada, e em particular ao sujeito de direito, a estabilidade
proporcionada por regras quase imutáveis nas suas relações econômicas. Os chamados
riscos do negócio, advindos do sucesso ou do insucesso das transações, expressariam a
maior ou menor inteligência, a maior ou menor capacidade de cada indivíduo. (TEPEDINO,
Gustavo. Temas de direito civil. 4ª edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 02-03)

57 “O Código Civil de 1916, bem se sabe, é fruto da doutrina individualista e


voluntarista que, consagrada pelo Código de Napoleão e incorporada pelas codificações
posteriores, inspiraram o legislador brasileiro quando, na virada do século, redigiu o nosso
primeiro Código Civil. Àquela altura, o valor fundamental era o indivíduo. (...) o Código
Civil Brasileiro, como os outros códigos de sua época, era a Constituição do direito

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DOUTRINA 55

privadas, entra em declínio na Europa já do final do século XIX, conforme


preleciona Gustavo Tepedino:

Os movimentos sociais e o processo de industrialização crescentes do século


XIX, aliado às vicissitudes do fornecimento de mercadorias e à agitação popular,
intensificadas pela eclosão da Primeira Grande Guerra, atingiriam profundamente o
direito civil europeu, e também, na sua esteira, o ordenamento brasileiro, quando de
tornou inevitável a necessidade de intervenção estatal cada vez mais acentuada na
economia. O Estado legislador movimentava-se então mediante leis extracodificadas,
atendendo às demandas contingentes e conjunturais, no intuito de reequilibrar
o quadro social delineado pela consolidação de novas castas econômicas, que se
formavam na ordem liberal e que reproduziam, em certa medida, as situações de
iniqüidade que, justamente, o ideário da Revolução Francesa visava a debelar. 58

Pautada pela efervescência social e cultural, num mundo onde a


industrialização latente desestruturou a estabilidade formada pela união dos
interesses anteriormente priorizada, a sociedade como um todo passa a não
mais reger-se por uma única e exclusiva classe hegemônica, desaparecendo
o sujeito social único a ser ouvido, “o sujeito comum, aquele desenhado na
esteira da Revolução Francesa pelo princípio da igualdade, abstrata, frente
à lei.” 59
A sociedade torna-se, a poucas épocas, um mundo massificado,

privado. De fato, cuidava-se da garantia legal mais elevada quanto à disciplina das relações
patrimoniais, resguardando-as contra a ingerência do Poder Público ou de particulares
que dificultassem a circulação de riquezas. O direito público, por sua vez, não interferiria
na esfera privada, assumindo o Código Civil, portanto, o papel de estatuto único e
monopolizador das relações privadas.” (TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 4ª
edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 02-03)

58 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 4ª edição. Rio de Janeiro:


Renovar, 2008. p. 04.

59 “... não há apenas um único sujeito social a ser ouvido, não há mais um sujeito
comum, como aquele desenhado na esteira da Revolução Francesa pelo princípio da
igualdade, abstrata, frente à lei.” (MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado:
sistema e tópica no processo obrigacional, op. cit., p. 281)

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56 DIREITO DO ESTADO EM DEBATE

complexo; “à massificação social corresponderá o desenvolvimento irreversível


de um novo pluralismo social”. 60
Isso corresponde a dizer que a sociedade passou a deter peculiaridades
que transpassaram a “unidade concreta das relações sociais” 61, na medida
em que a lei não mais representa uma única e cristalina classe hegemônica.
Não mais se puderam acomodar num único e exclusivo código todos
os interesses em que converge o multifacetado meio social. Custou-se a
perceber, nas palavras de Martins-Costa, que “não teria mais sentido, nem
função, o código total, totalizador e totalitário, aquele que, pela interligação
sistemática de regras casuísticas, teve a pretensão de cobrir a plenitude dos
atos possíveis e dos comportamentos devidos na esfera privada, prevendo
soluções às variadas questões da vida civil em um mesmo e único corpus
legislativo, harmônico e perfeito em sua abstrata arquitetura.” 62 Por certo
o dogma da identidade entre o direito e a lei foi definitivamente superado.
Notadamente, a “multiplicidade de textos legais”, nas palavras de
Judith Martins-Costa, abalou fundamentalmente a estrutura codificada, 63

60 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado, op. cit., p. 280.

61 As expressões usadas por Judith Martins Costa, de “unidade formal do Estado”


e “unidade concreta das relações sociais”, refletem a sociedade oitocentista, assentada na
propriedade fundiária e no liberalismo econômico, com uma uníssona classe hegemônica,
dotada de um sistema jurídico “completo, pleno, total, harmônico e auto-referente das
leis civis. O código era tido como a “Constituição da vida privada”, e, portanto, “a unidade
das relações sociais representada pela unidade da classe hegemônica se refletia na unidade
legislativa que o código continha”. (cf. MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito
privado, op. cit., p. 277).

62 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado, op. cit., p. 282.

63 “As leis se multiplicam não só em número, mas na modalidade expressiva


e sintática. A sua linguagem ‘múltipla e discordante, prolixa e ambígua, declamatória e
programática’ está, enfim, completamente esquecida do desejo voltariano da lei ‘claire,
uniforme et précise’. Afasta-se para longe o mito de uma linguagem unitária, matematizante,
desenvolvida segundo regras de interpretação precisas que atuem, para o intérprete,

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DOUTRINA 57

uma vez que a cada interesse presente na sociedade, frente a cada sujeito
social dissonante, forte e ao mesmo tempo independente, correspondeu
um microssistema legislativo multidisciplinar, o que mais tarde, na
lição da autora, viria, juntamente com outros fatores, a impossibilitar a
“integridade lógica do sistema”, esboçando-se, então, um mundo marcado
pela insegurança, onde a imprevisibilidade das decisões judiciais não raro
afronta a estabilidade social. 64
Neste mundo da imprevisibilidade, a complexidade das demandas
exige do legislador e do intérprete maior sensibilidade para fatores sociais
afetos à concretude e à realidade muitas vezes vulnerável de determinadas
camadas sociais, de sorte que a técnica legislativa e a fundamentação do
sistema alteraram-se substancialmente, com a incorporação de princípios
estruturantes, com forte viés valorativo e força normativa, tratando-se
agora de um sistema aberto, permeável, perene e mutável de acordo com as
exigências da complexidade social.
O direito do novo século é um sistema aberto a valores. Canaris
observa que essa abertura vale tanto para o sistema científico quanto para
o sistema da ordem jurídica, “a propósito do primeiro, a abertura significa
a incompletude (e a provisoriedade) do conhecimento cientifico, e a
propósito do último, a mutabilidade dos valores jurídicos fundamentais”. 65
Essa ideia de abertura traduz a permeabilidade do ordenamento

como critérios constantes e unívocos de leitura.” (MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no


direito privado, op. cit., p. 282).

64 “Hoje vive-se, diversamente, no ‘mundo da insegurança’. Esta não reside


apenas na circunstância da multiplicidade de textos legais que abalaram a estrutura
codificada, mas, fundamentalmente, na impossibilidade de manter-se, no universo em que
vivemos, a integridade lógica do sistema”. (MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito
privado: sistema e tópica no processo obrigacional. Op. cit., p. 276).

65 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na


ciência do direito. Fundação Calouste Gulbenkian, 3ª edição, Lisboa, 2002, p. 281.

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58 DIREITO DO ESTADO EM DEBATE

jurídico a elementos externos, a valorações principiológicas, e


intersubjetivas. A autocontenção do judiciário representou reflexo dos
horrores do mundo pós-guerra, e a preocupação com os valores fez com que
fosse alçado a dignidade da pessoa humana a princípio unificador do sistema,
a se irradiar em todas as relações sociais, seja entre poder público e indivíduo,
seja entre particulares (eficacia horizontal dos direitos fundamentais).
A técnica legislativa, até então eminentemente casuística66, abriu
lugar à discussão acerca de valores e princípios normativos atuantes no
universo jurídico.
Trazidos ao ordenamento mediante conceitos vagos, programáticos,
elásticos etc., e interpretações evolucionistas, os valores integrativos das
normas, em conformação com o arcabouço constitucional, formam o novo
paradigma da ciência do direito.
O neoconstitucionalismo, embasado na nova concepção trazida pelo
pós-positivismo67, promoveu uma nova releitura da constituição, alçando-a

66 O casuísmo legislativo a que se refere é quando o legislador antevê


determinados casos específicos (hipóteses ou preceito primário) e previamente define
abstramente suas consequências fáticas (preceito secundário).

67 O pós-positivismo é o marco filosófico do neoconstitucionalismo. Segundo


Luis Roberto Barroso: “A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do
positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões
acerca do Direito, sua função social e sua interpretação. O pós-positivismo busca ir além
da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto. Procura empreender uma leitura
moral do Direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas. A interpretação e aplicação
do ordenamento jurídico hão de ser inspiradas por uma teoria de justiça, mas não podem
comportar voluntarismos ou personalismos, sobretudo os judiciais. No conjunto de idéias
ricas e heterogêneas que procuram abrigo neste paradigma em construção incluem-se
a atribuição de normatividade aos princípios e a definição de suas relações com valores
e regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; a formação de uma
nova hermenêutica constitucional; e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos
fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade humana. Nesse ambiente,
promove-se uma reaproximação entre o Direito e a filosofia.” (BARROSO, Luís Roberto.

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DOUTRINA 59

como pauta axiológica, como tábua de valores capaz de nortear a aplicação de


textos legais infraconstitucionais. É dizer, as legislações infraconstitucionais
passaram a somente deter validade material se constitucionalmente
recepcionadas, ou seja, se em harmonia com as valorações subjacentes à
ordem constitucional. E a Constituição passou a regular toda a intervenção
estatal na economia, inclusive lançando princípios e diretrizes que
alcançariam o direito privado, maculando ou ao menos relativizando a
separação entre as esferas do direito público e privado.
Hoje observa-se, segundo Martins-Costa, uma crescente “atuação da
órbita estatal na regulação do mundo dos privados – mediante, inclusive,
o estabelecimento de políticas públicas e a elaboração de normas diretivas
– e a aceitação efetiva da força normativa da Constituição sobre o direito
privado, inclusive para o efeito da aplicação direta de seus princípios na
legislação ordinária.” 68

Assim, ainda seguindo a doutrina de Martins-Costa, as codificações não mais


espelham, em suas palavras, a “estrutura que, geometricamente desenhada como
um modelo fechado pelos iluministas, encontrou a mais completa tradução
na codificação oitocentista. Hoje a sua inspiração, mesmo do ponto de vista da
técnica legislativa, vem da Constituição, farta em modelos jurídicos abertos. Sua
linguagem, à diferença do que ocorre com os códigos penais, não está cingida à
rígida descrição de fattispecies cerradas, à técnica da casuística. Um código não-
totalitário tem janelas abertas para a mobilidade da vida, pontes que ligam a outros
corpos normativos – mesmo os extrajurídicos – e avenidas, bem trilhadas, que o
vinculam, dialeticamente, aos princípios e regras constitucionais.” 69

Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito


Constitucional no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 851, 1 nov. 2005. Disponível
em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7547>. Acesso em: 21 fev. 2010).

68 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no


processo obrigacional, op. cit., p. 282).

69 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado, op. cit., p. 285.

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60 DIREITO DO ESTADO EM DEBATE

Por certo, alguns valores já se inscreviam no sistema desde longa


data, mas sofreram releituras, e outros passaram a ter uma nova dimensão,
sendo incorporados recentemente, mediante a praxis da aplicação das
cláusulas gerais e dos conceitos jurídicos indeterminados. 70
Assim, o Código Civil Brasileiro de 2002 incorporou inúmeros
conceitos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais, tornando-se
imprescindível, conforme a lição de Tepedino, que se realize uma inter-
referência interpretativa entre a codificação e a Constituição, in verbis:

O novo Código Civil brasileiro, inspirado nas codificações anteriores aos anos

70 BARROSO, Luis Roberto, op. cit., Revista Acadêmica Brasileira de Direito


Constitucional, p. 42. Cita-se, por relevante, trecho de sua entusiasta doutrina: “As
denominadas cláusulas gerais ou conceitos jurídicos indeterminados contêm termos
ou expressões de textura aberta, dotados de plasticidade, que fornecem um início de
significação a ser complementado pelo intérprete, levando em conta as circunstâncias
do caso concreto. A norma em abstrato não contém integralmente os elementos de sua
aplicação. Ao lidar com locuções como ordem pública, interesse social e boa fé, dentre
outras, o intérprete precisa fazer a valoração de fatores objetivos e subjetivos presentes
na realidade fática, de modo a definir o sentido e o alcance da norma. Como a solução não
se encontra integralmente no enunciado normativo, sua função não poderá limitar-se à
revelação do que lá se contém; ele terá de ir além, integrando o comando normativo com
a sua própria avaliação. As cláusulas gerais não são uma categoria nova no Direito – de
longa data elas integram a técnica legislativa – nem são privativas do direito constitucional
– podem ser encontradas no direito civil, no direito administrativo e em outros domínios.
Não obstante, elas são um bom exemplo de como o intérprete é co-participante do
processo de criação do Direito. Um exemplo real, amplamente divulgado pela imprensa:
quando da morte da cantora Cássia Eller, disputaram a posse e guarda do seu filho, à época
com cinco anos, o avô materno e a companheira da artista. O critério fornecido pela
Constituição e pela legislação ao juiz era o de atender ao “melhor interesse do menor”.
Sem o exame dos elementos do caso concreto e sua adequada valoração, não era possível
sequer iniciar a solução do problema.” (BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo
e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil.
Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 851, 1 nov. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/
doutrina/texto.asp?id=7547>. Acesso em: 21 fev. 2010).

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DOUTRINA 61

70, introduz inúmeras cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, sem


qualquer outro ponto de referência valorativo. Torna-se imprescindível, por isso
mesmo, que o intérprete promova a conexão axiológica entre o corpo codificado
e a Constituição da República, que define os valores e os princípios fundantes da
ordem pública. Desta forma, dá-se um sentido uniforme às cláusulas gerais, à luz da
principiologia constitucional, que assumiu o papel de reunificação do direito privado,
diante da pluralidade de fontes normativas e da progressiva perda de centralidade
interpretativa do Código Civil de 1916. Dito diversamente, as cláusulas gerais do
novo Código Civil poderão representar uma alteração relevante no panorama do
direito privado brasileiro desde que lidas e aplicadas segundo a lógica da solidariedade
constitucional e da técnica interpretativa contemporânea. 71

Hoje, o ordenamento como um todo é sustentado por princípios


e valores fundantes que agasalhados pela Constituição contêm força
normativa genérica e status de normas jurídicas.
As normas-princípio, ademais, são tidas como um sustentáculo, uma
base inquebrantável, “os princípios são ordenações que se irradiam e imantam
nos sistemas de normas, são - como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira
- núcleos de condensação nos quais confluem valores e bens constitucionais” 72.
Mais um vez, Luis Roberto Barroso explicita:

Os princípios dão unidade e harmonia ao sistema; integrando suas diferentes partes


e atenuando tensões normativas. De parte isto, servem de guia para o intérprete,
cuja atuação deve pautar-se pela identificação do princípio maior que rege o tema
apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à formulação
da regra concreta que vai reger a espécie. Estes os papéis desempenhados pelos
princípios: a) condensar valores; b) dar unidade ao sistema; c) condicionar a atividade
do intérprete. 73

71 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Tomo II. Rio de Janeiro: Renovar,
2006, p. 07-8.

72 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23 ed. São
Paulo: ed. Malheiros, 2004, p.92.

73 BARROSO, Luis Roberto, ob. cit., Revista Acadêmica Brasileira de Direito

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62 DIREITO DO ESTADO EM DEBATE

Com efeito, os princípios foram acobertados pelo ordenamento


jurídico como bases estruturais que sustentariam a partir de então a
convivência humana. Incorporados nas legislações dos Estados mundiais e
nas Constituições, os princípios jurídicos abriram campo de pesquisa para
uma nova concepção legislativa e de práxis jurídica. Sua força normativa
exsurgiu de seu enquadramento hierárquico-normativo como “espécies de
normas”, gerais ou constitucionais, assim como o são as regras. 74

Constitucional, n. 1, 2001, p. 43.

74 As regras se aplicam mediante subsunção. São proposições normativas que


contêm um comando objetivo na forma de tudo ou nada, ou são aplicadas na sua plenitude
ou são violadas. Conforme assevera Barroso, “se os fatos nela previstos ocorrerem,
a regra deve incidir de modo direto e automático, produzindo seus efeitos”. Não
incidirá, no entanto, se for inválida, se houver outra mais específica ou se não estiver
em vigor (BARROSO, Luis Roberto, ob. cit., Revista Acadêmica Brasileira de Direito
Constitucional, n. 1, 2001, p. 44). Quando há conflito entre as regras, se aplica uma em
detrimento da outra, que é violada. Assim sendo, quando a situação não pode ser regida
simultaneamente por duas disposições legais que se contraponham, há três tradicionais
critérios que devem ser aplicados, conforme ensina Norberto Bobbio: “o da hierarquia
– pelo qual a lei superior prevalece sobre a inferior; o cronológico – onde a lei posterior
prevalece sobre a anterior; e o da especialização – em que a lei especifica prevalece sobre
a lei geral” (BOBBIO, Norberto, Teoria do ordenamento jurídico, 1990, p. 81 e ss). Os
princípios, entretanto, segundo Robert Alexy, devem se aplicar de forma mais ou menos
intensa e de acordo com as possibilidades jurídicas existentes, sem nunca excluirem-se
mutuamente, não comprometendo jamais a validade que detém no ordenamento jurídico.
(ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, Madrid: Centro de Estúdios
Constitucionales, 1997, p. 81 ss). Quando ocorre colisão entre os princípios, em função
de seu maior grau de abstração e amplitude, os critérios anteriormente narrados não
são plenamente satisfatórios. Não se pode simplesmente aplicar um em detrimento do
outro. Por esse motivo, entra em cena a técnica denominada ponderação de valores ou
ponderação de interesses, pela qual se busca estabelecer o peso relativo de cada um
dos princípios contrapostos, devendo-se aplicar no caso concreto cada qual na medida
de suas possibilidades e valores condizentes e harmonizáveis com a situação específica.
Dessa forma, não há que se falar em exclusão mas sim em ponderação entre princípios.
Devendo-se levar em conta sempre a importância que os bens jurídicos cotejados têm no

Revista Jurídica da Procuradoria Geral do Estado do Paraná, Curitiba, n. 4, p. 31-79, 2013.


DOUTRINA 63

E, por sua vez, os conceitos vagos (entre os quais estariam as


cláusulas gerais e os conceitos legais indeterminados), da mesma forma, são
pontes que, legislativamente incorporadas, permeiam valores implícitos ou
mesmo expressos em princípios constitucionalmente recepcionados para o
interior do sistema. Aplicam-se por intermédio deles – princípios, mediante
um processo de reenvio a uma “valoração tipicizante” (Martins-Costa)75

caso concreto bem como as peculiaridades de cada situação em específico. Isso pode ser
percebido no julgamento do HC n. 82.424/RS. O STF identificou um conflito envolvendo
os princípios da dignidade da pessoa humana e da liberdade de expressão. Não houve nesse
caso, em momento algum, diga-se, exclusão de um princípio em detrimento de outro, ou,
sequer que existe hierarquia entre ambos. Houve que foram ponderados por meio de
uma aplicação gradual. Como bem reconheceu o Ministro Marco Aurélio em seu voto,
as colisões entre princípio (sob essa ótica) somente podem ser superadas se algum tipo
de restrição ou de sacrifício forem impostas a um ou aos dois lados. Enquanto o conflito
entre regras resolve-se na dimensão da validade, (...) o choque de princípios encontra
solução na dimensão do valor, a partir do critério da “ponderação”, que possibilita um
meio-termo entre a vinculação e a flexibilidade dos direitos. (SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL. HC n. 82.424/RS). Sem embargo, tal desenvoltura deve por certo, sempre e
inelutavelmente, balizar-se pelos mais rígidos critérios outorgados pelos postulados da
razoabilidade, proporcionalidade e proibição dos excessos (normas de segundo grau),
esses que servem de parâmetros para a aplicabilidade das normas (de primeiro grau) no
sistema jurídico. Assim, seguindo a doutrina de Humberto Ávila, é possível distinguir os
postulados (de maneira simplória) da seguinte forma: a) razoabilidade se caracteriza pelo
exame concreto-individual dos bens jurídicos envolvidos em razão da particularidade ou
excepcionalidade do caso individual; b) proporcionalidade se refere a uma exame abstrato
da relação meio-fim, e a c) proibição dos excessos diz respeito a que uma norma ao ser
aplicada não pode invadir o “núcleo essencial” de um principio de ordem fundamental do
cidadão. (ver ÁVILA, Humberto. A teoria dos princípios e o direito tributário. Revista
Dialética de Direito Tributário, São Paulo, v. 125, p. 33-49, fev. 2006).

75 Por “valoração tipicizante” podemos entender seguindo a doutrina de Martins-


Costa a “regra social” que detendo relevo e recalcitrância no seio da sociedade, são
objetivamente vigentes no ambiente social, formando um arquétipo devidamente operado
pela fonte jurisprudencial. (MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado, op. cit.,
p. 334-7)

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64 DIREITO DO ESTADO EM DEBATE

ou mesmo a um valor constitucional76, e trazem à linguagem legislativa


uma nova concepção de lei, mais aberta, mais perene e atual, e muito mais
ligada à equidade, por ser moldável e adaptável ao caso concreto, na forma
da mensuração equitativa do intérprete. Na pertinente ponderação de
Martins-Costa:

Notadamente na segunda metade deste século, a técnica legislativa foi radicalmente


transformada, assumindo a lei caracteristicas de concreção e individualidade que
eram próprias dos negócios privados: não mais a lei como kanon abstrato e geral de
certas ações, mas como resposta a específicos e determinados problemas. Irrompem na
linguagem legislativa indicações de valores, de programas e de resultados desejáveis
para o bem comum e a utilidade social, terminologias científicas, econômicas,
sociais, compatíveis com os problemas da idade contemporânea. Tem sido observada
a formulação, nos códigos civis mais recentes e nas leis especiais, de certos tipos de
normas que fogem ao padrão tradicional, enucleado na definição, o mais perfeita
possível, de certos pressupostos e na correlata indicação punctual e pormenorizada de
suas consequências. Estas normas buscam a formulação da hipótese legal mediante o
emprego de conceitos cujos termos têm significados intencionalmente imprecisos e
abertos, os chamados conceitos jurídicos indeterminados. Em outros casos verifica-
se a ocorrência de normas cujo enunciado, ao invés de traçar punctualmente a
hipótese e as suas consequências, é intencionalmente desenhada como uma vaga
moldura, permitindo, pela abrangência de sua formulação, a incorporação de
valores, princípios, diretrizes e máximas de conduta originalmente estrangeiros
ao corpus codificado, bem como a constante formulação de novas normas: são as
chamadas cláusulas gerais.77

A interpretação, portanto, ganhou nova perspectiva. A atividade


hermenêutica, que no mundo oitocentista estava fortemente ancorada a
um modelo estático, baseado na letra posta da lei, alçou rumo progressivo.
O texto legal, antes ampliado à condição de objeto exclusivo da interpretação

76 Tem-se os valores constitucionais da solidariedade, da dignidade, da função


social, do Estado Democratico de Direito.

77 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado, op. cit., p. 285-6.

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DOUTRINA 65

jurídica, hoje é mero caminho para o intérprete percorrer: se quiser chegar


a uma conclusão equitativa, deverá permear o texto legal, pela abrangência
de suas formulações, com valores e princípios constitucionais, ou máximas
de conduta orindos de elementos valorativos tipicizados78.
Isso corresponde a dizer que o intérprete agora não mais se apega
unicamente ao literal e objetivo (oriundo da lei ou da vontade do legislador),
mas subjaz-se da principiologia e das valorações adjacentes ao ordenamento,
para colmatar os conceitos jurídicos abertos ou indeterminados e as
cláusulas gerais operativamente dispostas nas legislações.
As prescrições legais agora podem não mais se reduzir a uma simplória
subsunção operada por meio de deduções silogísticas, pois a complexidade
social ostenta valores nem sempre facilmente observáveis. Há por certo
sérias limitações na técnica casuística, ante o infindável número de
diplomas legislativos especificadores que abarcam uma complexa rede de
interesses nem sempre convergentes.
Em outras palavras: a técnica de regulação casuística (em que há
uma perfeita especificação ou determinação dos elementos que compõe o

78 Expressão que enfatiza uma aspiração social relevante para o direito, porque
constitui um modelo jurídico, ou estrutura normativa que “ordena fatos segundo valores,
numa qualificação tipológica de comportamentos futuros, a que se ligam determinadas
conseqüências, em função de valores imanentes ao próprio processo social. Os modelos
são gerados por quatro fontes – a legal, a consuetudinária, a jurisdicional e a negocial -, as
quais resultam das quatro diversas formas de manifestação do poder de decidir – atributo
fundamental do conceitos de fonte no direito -, a saber: a) o poder estatal de legislar;
b) o poder social, ‘inerente à vida coletiva’, o qual se revela, na fonte consuetudinária,
‘através de sucessivas e constantes formas de comportamento’; c) o poder (estatal) que
se revela através do Judiciário; d) o poder negocial, que se expressa mediante ‘o poder
tem a vontade humana de instaurar vínculos reguladores do pactuado com outrem’. As
fontes de produção jurídica – seja a lei, a jurisdição, o costume ou o negócio jurídico,
geram modelos jurídicos.” (cf. MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado, op.
cit., p. 332-3).

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66 DIREITO DO ESTADO EM DEBATE

fattispecie) 79, por si só, é insuficiente para uma satisfatória regulamentação


social, o que vem exigindo por parte dos legisladores cada vez mais o uso
de técnicas legislativas permeadas de conceitos vagos, programáticos,
em branco, os quais demandam muito mais do intérprete na função de
criação do direito, do que a mera subsunção do preceito legal específico
ao caso concreto. 80
A nova hermenêutica, portanto, repercute no novo paradigma do
direito civil, trazido pelas expressões do direito civil-constitucional.
Encerrada a época das codificações, com as Constituições
assumindo o papel de centro do sistema, assumindo também o papel
de referência axiológica ao preenchimento de conceitos vagos e
das cláusulas gerais, pode-se chegar a um delineamento pelo menos

79 “O legislador fixa, de modo o mais possível completo, os critérios para aplicar


uma certa qualificação aos fatos, de modo que, em face da tipificação de condutas que
promovem, pouca hesitação haverá do intérprete para determinar o seu sentido e alcance.
Este poderá aplicar a norma mediante o processo mental conhecido como subsunção. Há
uma espécie de pré-figuração, pelo legislador, do comportamento marcante, a ser levado
em conta pelo intérprete, uma vez que o legislador optou por descrever a factualidade.”
(MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado, op. cit., p. 297).

80 “... o caráter de determinação ou tipicidade que caracteriza a casuística (...)


vem sendo apontado como um dos principais, senão o principal, fator de rigidez – e, por
conseqüência, de envelhecimento – dos códigos civis. A razão está, conforme Natalino
Irti, em que ‘o legislador cria um repertório de figuras e disciplinas típicas (...) ao qual o
juiz pouco ou nada pode aduzir para o disciplinamento do fato concreto’. As disposições
definitórias, tais como as da casuística, conduzem o intérprete a uma subsunção quase
automática do fato sob o paradigma abstrato. Tem, portanto, esta técnica um caráter
de rigidez ou imutabilidade, o qual ‘acompanha a pretensão de completude a ambição de
dar resposta a todos os problemas da realidade.” Em contrapartida, às cláusulas gerais é
assinalada a vantagem da mobilidade proporcionada pela intencional imprecisão dos termos
da fattispecie que contém, do que o risco do imobilismo é afastado por esta técnica porque
aqui é utilizado em grau mínimo o princípio da tipicidade.” (MARTINS-COSTA, Judith. A
boa-fé no direito privado, op. cit., p. 298).

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DOUTRINA 67

tangencial da fundamentação do sistema, e das referências utilizadas para


o preenchimento dos conceitos vagos.
Aí, ao mesmo tempo em que finda o problema da referência para
a vagueza conceitual, começa uma infinidade de teses que ainda não se
encontram passíveis sequer se sistematização. Discussões como a do diálogo
das fontes, em que aproxima o Código Civil da principiologia ligada ao
Código de Defesa do Consumidor, notadamente na área contratual; como a
que perscruta uma cláusula de abertura dos direitos fundamentais para além
das Constituições, alcançando inclusive legislações infraconstitucionais81,
ou seja, no campo do direito civil-constitucional, pelo menos, se abre uma
infinidade de discussões que ainda não se encontram sequer parametrizadas,
o que faz com que aquele ideal de sistematização da ciência jurídica, a partir
deste novo paradigma do direito, comece a tecer veios de insegurança
jurídica, caso não houvesse um postulado unificador, como a dignidade da
pessoa humana, 82 para centralizar a interpretação do direito.

81 Ver nesse sentido: MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocencio Mártires.


BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional - 5ª Ed. 2010, no que
se refere ao capítulo que trata dos direitos fundamentais, das cláusulas pétreas e da
reserva legal.

82 É possível sustentar, embasado na perspectiva civil-constitucional do direito


privado, a existência de uma cláusula geral fundante ou que estrutura o ordenamento
jurídico contemporâneo, a cláusula geral de tutela da pessoa humana , prevista no texto
constitucional nos artigos 1º, inciso III, (a dignidade humana como valor fundamental da
República), 3º, inciso III e 5º, caput (igualdade substancial e formal). Sua função seria a
salvaguarda de um espaço privado que proporcione condições ao pleno desenvolvimento
da pessoa, um mínimo vital , que permita a cada ser humano o pleno desenvolvimento
de sua personalidade. Referida cláusula geral de tutela da personalidade representa uma
referência interpretativa para todas as situações nas quais os aspectos ou desdobramentos
da personalidade estejam em jogo, uma vez que estabelece a prioridade da pessoa humana
no cotejamento de valores em conflito, até por ser a pessoa, conforme Perlingieri, “o
valor fundamental do ordenamento, que está na base de uma série (aberta) de situações
existenciais, nas quais se traduz a sua incessantemente mutável exigência de tutela”.

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68 DIREITO DO ESTADO EM DEBATE

As Cláusulas Gerais e os Conceitos Jurídicos Indeterminados.


Uma Conceitualização Possível. Limitação ou Insuficiência

Por certo, os conceitos vagos ou indeterminados e, especificamente,


as cláusulas gerais, são dotados de grande mobilidade83, possuindo uma
abertura semântica, o que possibilita à atividade jurisprudencial, com base
em princípios e valores hoje incorporados nas legislações fundantes dos
Estados contemporâneos, construir progressivamente as respostas para os
problemas que a realidade apresenta. 84

(PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, Rio de Janeiro, Renovar, 1997, p. 155). Dessa
forma, o respeito pela pessoa humana polariza as tendências jurídicas e interpretativas na
contemporaneidade, e suas características e atributos constituem a personalidade. Nesse
sentido, leciona Gustavo Tepedino: “Personalidade como valor, já se disse, é característico
da pessoa humana, atraindo, por isso mesmo, disciplina jurídica típica e diferenciada, própria
das relações jurídicas existenciais. Já a qualidade para ser sujeito de direito o ordenamento
confere indistintamente a todas as pessoas e, segundo opções de política legislativa, pode
fazê-lo em favor de entes despersonalizados. Por isso mesmo, deve-se preferir designar
este último sentido de personalidade como subjetividade, expressão que, de resto, não
é incomum em doutrina (por todos, Francisco Amaral, Direito Civil, p. 220, para quem
‘a personalidade ou subjetividade, significa, então, a possibilidade de alguém ser titular de
relações jurídicas’). Em outras palavras, a personalidade, ao contrário da subjetividade,
é expressão da dignidade da pessoa humana e objeto de tutela privilegiada pela ordem
jurídica constitucional (...)” (TEPEDINO, Gustavo. BARBOZA, Heloisa Helena. MORAES,
Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República,
ob. cit., p. 04-5).

83 “As cláusulas gerais têm a função de permitir a abertura e a mobilidade


do sistema jurídico. Esta mobilidade deve ser entendida em dupla perspectiva, como
mobilidade externa, isto é, a que ‘abre’ o sistema jurídico para a inserção de elementos
extrajurídicos, viabilizando a ‘adequação valorativa’, e como mobilidade interna, vale dizer,
a que promove o retorno, dialeticamente considerado, para outras disposições interiores
ao sistema.” (MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado, op. cit., p. 341).

84 “... as cláusulas gerais (...) legitimam o juiz a produzir normas que valem para
além do caso onde será promanada concretamente a decisão.” (MARTINS-COSTA, Judith.

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DOUTRINA 69

Poder-se-ia estabelecer uma distinção, para efeitos deste estudo,


acerca de conceitos jurídicos indeterminados e das cláusulas gerais, 85

entretanto, é bom recordar que não há uma unanimidade na doutrina


contemporânea acerca da correta nomenclatura destes conceitos, os quais,
pela vagueza semântica de seus termos, os denomino simplesmente de
conceitos vagos. 86

A boa-fé no direito privado, op. cit., p. 341).

85 Os conceitos jurídicos indeterminados, para Judith Martins-Costa, integram


sempre a descrição do fato, ou seja, em suas nas palavras, a liberdade do aplicador se
exaure no estabelecimento da premissa, de modo que “uma vez estabelecida, in concreto,
a coincidência ou a não-coincidência entre os acontecimentos real e o modelo normativo,
a solução estará, por assim dizer, predeterminada. O caso seria, pois, de subsunção. Não
haveria, aí, para a autora ‘criação do direito’ por parte do juiz, mas apenas interpretação.
(MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado, op. cit., p. 326). Não é essa,
contudo, a conclusão de Karl Engisch quando delineia os denominado conceitos discricionários
(acerca disto ver o capitulo 03 deste trabalho).

86 A expressão conceitos gerais não é tecnicamente mais adequado, pois não


se pode adjetivar generalidade às cláusulas gerais, na medida em que o termo vagueza
semântica é mais adequado, porque “não constitui uma imprecisão qualquer, uma
imprecisão genericamente considerada. É uma imprecisão de significado, (...) o conceito
de vaguesa é um conceito relativo às acepções do termo ‘significado’ (...) na linguagem
jurídica (...) a vagueza será intencional, ou programática, sendo utilizada na perseguição
de certas finalidades. (...) Diz-se vaga uma norma ou preceito quando no seu enunciado
se apresentam ou podem se apresentar casos-limite. (...) O fato de conter expressões
ou termos vagos não significa seja a mesma despida das qualidades essenciais às normas
jurídicas, como a coercibilidade e a obrigatoriedade. Para que isso ocorra, contudo,
é preciso que sejam encontrados os critérios de aplicação. Cláudio Luzzatti cunhou a
expressão ‘vagueza socialmente típica’ para indicar os casos de emprego legislativo de
expressões programaticamente vagas, verificáveis quando algum termo, ‘segundo uma
certa interpretação, exprime um conceito valorativo cujos critérios aplicativos não são
sequer determináveis senão através da referência aos variáveis parâmetros de juízo e às mutáveis
tipologias da moral social e do costume. O critério para a aplicação das normas vagas nesta
acepção será constituído por valores objetivamente assentados pela moral social, aos quais

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Assim, nos conceitos vagos, ou há o simples preenchimento


de um significado (dotado pela característica da vagueza – comum ou
socialmente típica87) pelo intérprete, devendo para tanto o aplicador da

o juiz é reenviado. Não se trata aqui, de utilizar as ‘regras comuns da experiência’ (CPC,
art. 335), mas de utilizar valorações tipicizantes das regras sociais, porque o legislador
renunciou a determinar diretamente os critérios (ainda que parciais) para a qualificação
dos fatos, fazendo implícito ou explícito reenvio a parâmetros variáveis no tempo e no
espaço (regras morais, sociais e de costume). (MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no
direito privado, op. cit., p. 306-313).

87 “Luzzati ressalta que os termos vagos dos conceitos jurídicos caracterizados


por vagueza comum são aqueles preenchíveis mediante regras de experiência, sem
recurso a valorações. Nestes casos, o intérprete parte de noções sobre uma série de
acontecimentos semelhantes, de modo que, por meio de um raciocínio indutivo, é possível
chegar-se à convicção de que se os fatos costumam apresentar-se de uma determinada
forma no momento presente, assim devem eles, em igualdade de circunstâncias, apresentar-
se no futuro. Essas regras, muitas vezes, podem estar relacionadas com a sabedoria
popular, com a arte, com a técnica, com o exercício das profissões, com as atividades
comerciais e econômicas etc. (...) Avulta aqui, indubitavelmente, a própria vivência do
juiz e a sua experiência adquirida ao longo do exercício da judicatura, a partir da análise
reiterada de casos. (...) seja como for, a colmatação de um termo vago feita a partir
de regras de experiência não oferece maior dificuldade. Basta, como vimos, recorrer o
intérprete à analise das situações reiteradas para se chegar à regra geral de conduta. Por
outras palavras, deverá o juiz partir de inferências extraídas do ordinário, do comum, do
corriqueiro, do costumeiro, enfim de tudo quanto possa extrair das várias contingências
particulares. (...) Normas de tipo aberto caracterizados por vaguesa socialmente
típica são aquelas que, no entender de Luzzati, possuem termos jurídicos vagos cujo
preenchimento se faz a partir da análise dos valores encontráveis no ambiente social. (...)
Preencher, pois, um termo vago sujeito à análise axiológica não é ato discricionário e muito
menos arbitrário. Por serem os valores entidades vetoriais, está o intérprete adstrito à sua
observância segundo a graduação hierárquica estabelecida naquela sociedade. Conquanto
não se deva afastar por completo a idéia de um subjetivismo axiológico, visto que o juiz
atribui significado às coisas de acordo com a reação positiva ou negativa que lhe provocam,
temos que os valores gozam de um caráter objetivo, principalmente quando incorporados
aos princípios.” (apud TOSTA, Jorge. Manual de Interpretação do Código Civil: As normas
de tipo aberto e os poderes do juiz. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 33-34 e 39-40).

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lei interpretar evolutivamente o texto, procedendo a uma interpretação,


em um primeiro momento que se exaure na significação histórica de um
instituto, mas que posteriormente procede a uma adaptação social da
significação normativa; ou, tal como haveria de ocorrer nas cláusulas
gerais, pode haver uma efetiva criação judicial do direito pelo intérprete/
aplicador, e aí, detendo uma dimensão de operabilidade, necessitando
estar expressas, escritas, deslocam o intérprete – mediante o que Judith
Martins-Costa rotula de reenvio – a um valor ou princípio que pode estar
expresso ou ainda inexpresso (mas que necessariamente existe na órbita
constitucional), e que necessariamente possui um caráter de sustentáculo
do ordenamento, uma valoração fundante, de origem, que detém
característica estrutural do sistema.
As cláusulas gerais, nesse sentido, teriam a sua fattispecie
necessariamente concretizada por valores constitucionais.
E esses valores, standards ou mesmo princípios, aos quais o intérprete é
reenviado, possuem fontes oriundas da construção do sistema agora aberto88,
sendo ainda que em um primeiro momento encontrados fora do sistema,
mas com a reiteração de casos semelhantes, paulatinamente vetorizados
pela jurisprudência para dentro do sistema, operando o que Martins-
Costa denomina de ressistematização de um elemento originalmente
extrassistemático. Daí que na cláusula geral há a efetiva criação judicial do

88 “... nas cláusulas gerais, a concretização da valoração e a formação da estatuição


só pode operar perante o caso concreto, ou em face de grupos de casos considerados
como ‘tipicos’. Não é viável, aqui, a abstração generalizante, a qual, por ser generalizante,
‘tipifica’ e encerra, em determinados e fixos róis, o que é geral e o que é excepcional. Pelo
contrário, porque não há, na própria norma, esta fixação puncualizada da conseqüência
jurídica correlata à hipótese legal, haverá, a par da necessidade de precisar a hipótese,
mediante o processo de reenvio, o dever de estabelecer a conseqüência conforme o
instrumental oferecido pelo sistema, do que derivará uma imensa potencialidade de sua
formação, tarefa para a qual, inclusive, é chamada a cooperar a doutrina.” (MARTINS-
COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado, op. cit., p. 340-1).

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direito com ênfase no caso concreto. Para a autora, portanto:

... a cláusula geral constitui, (...), uma disposição normativa que utiliza, no seu
enunciado, uma linguagem de tessitura intencionalmente ‘aberta’, ‘fluída’ ou ‘vaga’,
caracterizando-se pela ampla extensão do seu campo semântico, a qual é dirigida
ao juiz de modo a conferir-lhe um mandato (ou competência) para que, à vista
dos casos concretos, crie, complemente ou desenvolva normas jurídicas, mediante
o reenvio para elementos cuja concretização pode estar fora do sistema; estes
elementos, contudo, fundamentarão a decisão, motivo pelo qual, reiterados no tempo
os fundamentos da decisão, será viabilizada a ressistematização destes elementos
originalmente extra-sistemáticos no interior do ordenamento jurídico 89

Comparativamente, os artigos 51, inciso IV, do Código de Defesa


do Consumidor90, e 422 do Código Civil91, estabelecem, no que pertine
ao significado do termo “boa-fé”, o primeiro um conceito jurídico
indeterminado e o segundo uma cláusula geral, na lição da autora.
No primeiro caso há um conceito jurídico indeterminado na
definição semântica de “boa-fé”, uma vez que o referido texto da legislação
consumerista dispõe na sua fattispecie a hipótese legal indeterminada de se
pactuar obrigações incompatíveis com a “boa-fé”, definindo, entretanto,
de modo objetivo sua consequência, qual seja, a de nulificação a cláusula
contratual, por ato judicial. Assim nesse primeiro caso “o juiz deverá
precisar o que a sociedade onde vive tem como incompatível com a boa-
fé, tarefa eminentemente hermenêutica. Essa valoração determinará a sua
premissa. Uma vez configurada, o caso é simplesmente aplicar a norma,

89 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado, op. cit., p. 303.

90 Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais
relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (...) IV - estabeleçam obrigações
consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada,
ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

91 Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do


contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

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havendo como consequência jurídica a nulidade da disposição contratual.


A solução não é, pois, criada pelo juiz, já estando pré-configurada na lei: o
que ocorre é, tão somente, um preenchimento do significado do conceito
de ‘boa-fé’ pelo julgador”. 92
Já no segundo caso, o artigo 422 do Código Civil, ao determinar
que “os contraentes são obrigados a guardar, assim na conclusão do
contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”,
estabelece na verdade uma cláusula geral, em que o juiz cria a hipótese, a
consequência e a solução do caso concreto na forma de sua mensuração
equitativa, com base em elementos valorativos não previstos no texto
(de origem extra ou intrassistemática). As pontes de valoração, ressalte-
se, arquétipos exemplares, costumes objetivamente reiterados, valores
vigentes no atual contexto constitucional, são vetorizados pela fonte
jurisprudencial, trazendo a solução como parte do sistema jurídico (ainda
que não do ordenamento jurídico).
Assim leciona Judith Martins-Costa:

Trata-se de cláusula geral porque, estando vagamente posta a fattispecie, toda a


amplíssima gama dos efeitos decorrentes de contrato que não foi executado em
boa-fé será criada, determinada, desenvolvida e mensurada pelo juiz, sempre à vista do
caso concreto. A regra não define a noção de boa-fé, não determina as condições
em que um contrato é executado em boa-fé, qual a extensão deste dever, nem as
conseqüências da sua infração. Evidentemente, aí se tem não apenas um único
efeito (a nulificação do contrato), mas todo um potencial domínio de casos e suas
conseqüências compreendidas pela cláusula. Assim, a par de tomar em conta o
critério valorativo (interpretação), deverá o juiz, tendo em vista o instrumental
que o próprio sistema lhe oferece, pesquisar as soluções anteriormente conferidas
pela jurisprudência e/ou aquelas apontadas pela doutrina, e criar o regramento
aplicável ao caso concreto toda vez que um contrato não for executado em acordo à
boa-fé (concreção judicial). 93

92 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado, op. cit., p. 327

93 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado, op. cit., p. 328.

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Em ambos os casos, portanto, haverá uma valoração por parte do


intérprete. Entretanto, o poder conferido ao intérprete da cláusula geral
é deveras maior, pois, no conceito jurídico indeterminado se vislumbra
apenas uma interpretação valorativa (e evolutiva), que consiste na
ulterior adaptação ao seio social do texto interpretando. A cláusula
geral diferentemente reenvia o intérprete para a construção de um
raciocínio embasado em elementos trazidos por fontes doutrinárias ou
consuetudinárias, cabendo à jurisprudência o papel de sistematização
destes elementos originariamente extrassistemáticos. Isso tudo na visão de
Judith Martins-Costa.

Conclusões

Por todo exposto, buscou-se neste trabalho construir uma perspectiva


histórico-filosófica acerca da lenta e gradual evolução por que passou a
“ciência” jurídica, na medida em que superou o dogmatismo positivista e,
com a relativização do dogma da subsunção, abarcou os conceitos vagos e
os princípios jurídicos como método de estruturação e valoração da ciência
do direito.
Diante da análise do fenômeno de colmatação que a atividade
interpretativa, assentada nos valores imanentes da ordem jurídica, impõe
aos conceitos estruturantes do ordenamento (conceitos vagos e princípios
jurídicos), chegou-se à conclusão de que a “ciência” jurídica não é estática,
merecendo vislumbre tal como “uma viva e operante concatenação
produtiva”, que evolui com o tempo, agrega valores e imanta princípios,
os quais podem ser vistos como estruturas que a sustentam, assim, melhor
conectando a concretude social com a abstração do direito.
Após a ciência jurídica ter transpassado o saber eminentemente
“prudencial”, e, principalmente, com o ideário do renascimento e
posteriormente do iluminismo, se desvinculado das “emanações” divinas,
alcançando uma conceitualização baseada em um raciocínio meramente

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DOUTRINA 75

lógico subsuntivo, sem haver valorações e muito menos criação pelo


intérprete, teve a grande proficiência de acobertar os conceitos vagos e
os princípios valorativos constitucionais, cuja aptidão foi de aproximar o
direito da realidade social e, consequentemente, da justiça distributiva,
como equidade geral.
Com a segmentação dos interesses sociais, restando abalada
fundamentalmente a estrutura codificada, passou-se a exigir cada vez
mais do intérprete e do aplicador do direito uma maior sensibilidade para
fatores sociais afetos à concretude e à realidade muitas vezes vulnerável
de determinadas camadas sociais. Daí exsurgiu a nova técnica legislativa,
com o sistema fundando-se em valores outros que não os do sujeito
social único dominante das relações materiais. Incorporando princípios
estruturantes, com forte viés valorativo e força normativa, passou o sistema
a ser axiologicamente perene e aberto, permeável, mutável, de acordo com
as exigências da complexidade social.
A ciência jurídica passou a se estruturar em normativas dependentes
de valorações. O intérprete não somente valora a hipótese, como cria a
consequência, ou cria a hipótese e valora a conseqüência, pautado em
situações concretas e integrações axiológicas as quais nem sempre se
encontram abstratamente previstas.
Os conceitos vagos (entre os quais estão as cláusulas gerais e os
conceitos jurídicos indeterminados) remetem o intérprete, mediante um
processo chamado de reenvio, a elementos valorativos assistemáticos,
os quais, recalcitrantes na sendo da interpretação, são paulatinamente
incorporados no sistema mediante a função vetorizante da jurisprudência.
As cláusulas gerais exigem do intérprete uma criação hermenêutica
no intuito de definir a hipótese e a conseqüência da norma, eis que não estão
abstratamente previstas. Isto ocorre pelo fenômeno do reenvio a elementos
outros pertencentes ao sistema (tal qual, os princípios constitucionais)
ou mesmo a elementos originalmente situados fora do sistema (standarts
tipicizantes constantemente observados nos costumes sociais) os quais,
entretanto, paulatinamente reincorporados, são reestruturados como parte

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do sistema, eis que incorporados pela fonte vetorizante da jurisprudência.


Os conceitos jurídicos indeterminados, por sua vez, integram
sempre a descrição do fato, sendo que a integração valorativa (mediante a
interpretação evolutiva) permite o estabelecimento da premissa (hipótese)
estando, no mais das vezes, a consequência predeterminada. É o caso, pois,
ao que parece de se aplicar a subsunção.
Entretanto, nos conceitos jurídicos indeterminado há o preenchimento
de um significado (dotado pela característica da vagueza – comum ou
socialmente típica), devendo para tanto o aplicador da lei interpretar
evolutivamente o texto, procedendo a uma interpretação, em um primeiro
momento que se exaure na significação histórica do instituto, mas que
posteriormente procede a uma adaptação social da significação normativa.
Referida adaptação pauta-se, por sua vez, em elementos tipicizantes vigentes
no seio social, tal qual os princípios constitucionais ou mesmo os standarts
tipicizantes constantemente observados na realidade social.
Enfim, a construção insipiente da ciência jurídica não mais se pauta
em elementos meramente lógicos dedutivos de conceitos estanques, mas
deve pautar-se na realidade existencial, sob a condição de conformar a
aplicabilidade do direito com o princípio regente do sistema: a dignidade
da pessoa humana.

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