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Ricardo Cavedon 1
Introdução
9 Nesse sentido, Ricardo Luiz Lorenzetti aponta: “A crise das visões totalizadoras
fez explodir todo o texto unificado. Os interesses são individuais ou setoriais,
perfeitamente diferenciados uns dos outros. No plano individual, o legislador depara-se
com problemas. Se tivéssemos que tomar uma decisão legislativa sobre temas polêmicos,
seriamos obrigados a fazer uma lei para cada um desses indivíduos. (...) O problema das
denominadas ‘leis promocionais’, que subsidiam algumas atividades específicas, produziu
uma fragmentação de direitos e privilégios, que, por sua vez, provoca novas pressões
setoriais, para obter equiparação com o que foi alcançado por outro grupo ou superá-lo.”
(LORENZETTI. Ricardo Luiz. Fundamentos do Direito Privado. São Paulo, Ed. Revista dos
Tribunais., 1998, p. 53-54).
12 Cf. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A ciência do direito, 2ª ed., São Paulo
Atlas, 2008, p. 21.
baseados na autoridade. 18
A ascensão do absolutismo com a centralização paulatina do poder
fez com que a atividade legiferante se tornasse cada vez mais intensa,
constituindo-se em contrapartida uma espécie de “burocracia jurídica”,
cada vez mais regionalizada, dando um cunho muito particular e específico
à ordem jurídica de então.
Com o surgimento das universidades, e o ideário do iluminismo,
o movimento jusnaturalista moderno propriamente dito, expressado na
Europa ocidental por volta do século XVII, ganhou força, e a ciência jurídica
começou a dar seus primeiros passos em busca de uma sistematização. 19
A era moderna sobressaia-se espelhando uma nova concepção para o
direito natural, cuja origem não era a natureza, como na antiguidade, nem
o direito divino, como no medievo, mas um fundamento único constituído
e integrado exclusivamente pela razão humana. 20
O jusracionalismo
provocou uma revolução cultural. 21
23 Ibidem. p. 309/310.
sistemática autônoma. 27
Somente com a positivação dos ideais jusracionalistas, é que o
Estado passou a representar uma estruturação fundante nas novas bases
políticas assentadas na realização do indivíduo e na natureza humana agora
reconhecidamente livre e igual. 28 O direito passa a não mais inspirar-se em
valores extra legen, e o Estado, de um dia para o outro, passa de opressor a
defensor do espírito humano, em nome do livre mercado. O Estado conteria
em si mesmo a liberdade, a igualdade e a propriedade, devendo garantir a
segurança e a ordem, e assegurar a participação calculada do cidadão na
vida pública.
Com o processo de transformação do Estado moderno para o Estado
28 “... no final do século XVIII, conjugam-se vários fatores que iriam determinar
o aparecimento das Constituições e infundir-lhes as características fundamentais. Sob
influência do jusnaturalismo, amplamente difundido pela obra dos contratualistas, afirma-
se a superioridade do indivíduo, dotado de direitos naturais inalienáveis que deveriam
receber a proteção do Estado. A par disso, desenvolve-se a luta contra o absolutismo
dos monarcas, ganhando grande força os movimentos que preconizavam a limitação
dos poderes dos governantes. Por último, ocorre ainda a influência considerável do
Iluminismo, que levaria ao extremo a crença na Razão, refletindo-se nas relações políticas
através da exigência de uma racionalização do poder. Aí estão os três grandes objetivos,
que, conjugados, iriam resultar no constitucionalismo: a afirmação da supremacia do
indivíduo, a necessidade de limitação do poder dos governantes e a crença quase religiosa
nas virtudes da razão, apoiando a busca da racionalização do poder.” (DALLARI, Dalmo
de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 18.ª ed., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva,
1994, p. 168).
As leis, porém, são hoje, em todos os domínios jurídicos, elaboradas por tal forma
que os juízes e os funcionários da administração não descobrem e fundamentam
as suas decisões tão-somente através da subsunção a conceitos jurídicos fixos, a
privado. De fato, cuidava-se da garantia legal mais elevada quanto à disciplina das relações
patrimoniais, resguardando-as contra a ingerência do Poder Público ou de particulares
que dificultassem a circulação de riquezas. O direito público, por sua vez, não interferiria
na esfera privada, assumindo o Código Civil, portanto, o papel de estatuto único e
monopolizador das relações privadas.” (TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 4ª
edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 02-03)
59 “... não há apenas um único sujeito social a ser ouvido, não há mais um sujeito
comum, como aquele desenhado na esteira da Revolução Francesa pelo princípio da
igualdade, abstrata, frente à lei.” (MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado:
sistema e tópica no processo obrigacional, op. cit., p. 281)
uma vez que a cada interesse presente na sociedade, frente a cada sujeito
social dissonante, forte e ao mesmo tempo independente, correspondeu
um microssistema legislativo multidisciplinar, o que mais tarde, na
lição da autora, viria, juntamente com outros fatores, a impossibilitar a
“integridade lógica do sistema”, esboçando-se, então, um mundo marcado
pela insegurança, onde a imprevisibilidade das decisões judiciais não raro
afronta a estabilidade social. 64
Neste mundo da imprevisibilidade, a complexidade das demandas
exige do legislador e do intérprete maior sensibilidade para fatores sociais
afetos à concretude e à realidade muitas vezes vulnerável de determinadas
camadas sociais, de sorte que a técnica legislativa e a fundamentação do
sistema alteraram-se substancialmente, com a incorporação de princípios
estruturantes, com forte viés valorativo e força normativa, tratando-se
agora de um sistema aberto, permeável, perene e mutável de acordo com as
exigências da complexidade social.
O direito do novo século é um sistema aberto a valores. Canaris
observa que essa abertura vale tanto para o sistema científico quanto para
o sistema da ordem jurídica, “a propósito do primeiro, a abertura significa
a incompletude (e a provisoriedade) do conhecimento cientifico, e a
propósito do último, a mutabilidade dos valores jurídicos fundamentais”. 65
Essa ideia de abertura traduz a permeabilidade do ordenamento
O novo Código Civil brasileiro, inspirado nas codificações anteriores aos anos
71 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Tomo II. Rio de Janeiro: Renovar,
2006, p. 07-8.
72 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23 ed. São
Paulo: ed. Malheiros, 2004, p.92.
caso concreto bem como as peculiaridades de cada situação em específico. Isso pode ser
percebido no julgamento do HC n. 82.424/RS. O STF identificou um conflito envolvendo
os princípios da dignidade da pessoa humana e da liberdade de expressão. Não houve nesse
caso, em momento algum, diga-se, exclusão de um princípio em detrimento de outro, ou,
sequer que existe hierarquia entre ambos. Houve que foram ponderados por meio de
uma aplicação gradual. Como bem reconheceu o Ministro Marco Aurélio em seu voto,
as colisões entre princípio (sob essa ótica) somente podem ser superadas se algum tipo
de restrição ou de sacrifício forem impostas a um ou aos dois lados. Enquanto o conflito
entre regras resolve-se na dimensão da validade, (...) o choque de princípios encontra
solução na dimensão do valor, a partir do critério da “ponderação”, que possibilita um
meio-termo entre a vinculação e a flexibilidade dos direitos. (SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL. HC n. 82.424/RS). Sem embargo, tal desenvoltura deve por certo, sempre e
inelutavelmente, balizar-se pelos mais rígidos critérios outorgados pelos postulados da
razoabilidade, proporcionalidade e proibição dos excessos (normas de segundo grau),
esses que servem de parâmetros para a aplicabilidade das normas (de primeiro grau) no
sistema jurídico. Assim, seguindo a doutrina de Humberto Ávila, é possível distinguir os
postulados (de maneira simplória) da seguinte forma: a) razoabilidade se caracteriza pelo
exame concreto-individual dos bens jurídicos envolvidos em razão da particularidade ou
excepcionalidade do caso individual; b) proporcionalidade se refere a uma exame abstrato
da relação meio-fim, e a c) proibição dos excessos diz respeito a que uma norma ao ser
aplicada não pode invadir o “núcleo essencial” de um principio de ordem fundamental do
cidadão. (ver ÁVILA, Humberto. A teoria dos princípios e o direito tributário. Revista
Dialética de Direito Tributário, São Paulo, v. 125, p. 33-49, fev. 2006).
78 Expressão que enfatiza uma aspiração social relevante para o direito, porque
constitui um modelo jurídico, ou estrutura normativa que “ordena fatos segundo valores,
numa qualificação tipológica de comportamentos futuros, a que se ligam determinadas
conseqüências, em função de valores imanentes ao próprio processo social. Os modelos
são gerados por quatro fontes – a legal, a consuetudinária, a jurisdicional e a negocial -, as
quais resultam das quatro diversas formas de manifestação do poder de decidir – atributo
fundamental do conceitos de fonte no direito -, a saber: a) o poder estatal de legislar;
b) o poder social, ‘inerente à vida coletiva’, o qual se revela, na fonte consuetudinária,
‘através de sucessivas e constantes formas de comportamento’; c) o poder (estatal) que
se revela através do Judiciário; d) o poder negocial, que se expressa mediante ‘o poder
tem a vontade humana de instaurar vínculos reguladores do pactuado com outrem’. As
fontes de produção jurídica – seja a lei, a jurisdição, o costume ou o negócio jurídico,
geram modelos jurídicos.” (cf. MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado, op.
cit., p. 332-3).
(PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, Rio de Janeiro, Renovar, 1997, p. 155). Dessa
forma, o respeito pela pessoa humana polariza as tendências jurídicas e interpretativas na
contemporaneidade, e suas características e atributos constituem a personalidade. Nesse
sentido, leciona Gustavo Tepedino: “Personalidade como valor, já se disse, é característico
da pessoa humana, atraindo, por isso mesmo, disciplina jurídica típica e diferenciada, própria
das relações jurídicas existenciais. Já a qualidade para ser sujeito de direito o ordenamento
confere indistintamente a todas as pessoas e, segundo opções de política legislativa, pode
fazê-lo em favor de entes despersonalizados. Por isso mesmo, deve-se preferir designar
este último sentido de personalidade como subjetividade, expressão que, de resto, não
é incomum em doutrina (por todos, Francisco Amaral, Direito Civil, p. 220, para quem
‘a personalidade ou subjetividade, significa, então, a possibilidade de alguém ser titular de
relações jurídicas’). Em outras palavras, a personalidade, ao contrário da subjetividade,
é expressão da dignidade da pessoa humana e objeto de tutela privilegiada pela ordem
jurídica constitucional (...)” (TEPEDINO, Gustavo. BARBOZA, Heloisa Helena. MORAES,
Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República,
ob. cit., p. 04-5).
84 “... as cláusulas gerais (...) legitimam o juiz a produzir normas que valem para
além do caso onde será promanada concretamente a decisão.” (MARTINS-COSTA, Judith.
o juiz é reenviado. Não se trata aqui, de utilizar as ‘regras comuns da experiência’ (CPC,
art. 335), mas de utilizar valorações tipicizantes das regras sociais, porque o legislador
renunciou a determinar diretamente os critérios (ainda que parciais) para a qualificação
dos fatos, fazendo implícito ou explícito reenvio a parâmetros variáveis no tempo e no
espaço (regras morais, sociais e de costume). (MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no
direito privado, op. cit., p. 306-313).
... a cláusula geral constitui, (...), uma disposição normativa que utiliza, no seu
enunciado, uma linguagem de tessitura intencionalmente ‘aberta’, ‘fluída’ ou ‘vaga’,
caracterizando-se pela ampla extensão do seu campo semântico, a qual é dirigida
ao juiz de modo a conferir-lhe um mandato (ou competência) para que, à vista
dos casos concretos, crie, complemente ou desenvolva normas jurídicas, mediante
o reenvio para elementos cuja concretização pode estar fora do sistema; estes
elementos, contudo, fundamentarão a decisão, motivo pelo qual, reiterados no tempo
os fundamentos da decisão, será viabilizada a ressistematização destes elementos
originalmente extra-sistemáticos no interior do ordenamento jurídico 89
90 Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais
relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (...) IV - estabeleçam obrigações
consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada,
ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
Conclusões
Referências Bibliográficas