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Direito Constitucional: Teoria, história e métodos de trabalho

Capítulo 10 – Interpretação Constitucional / 10.2 Notas históricas:


do formalismo legalista ao pós-positivismo

Os autores, a saber, Claudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento, iniciam o


capítulo com interessante reflexão introdutória. Trata-se da inexistência de norma jurídica senão por
meio de interpretação 1, especialmente em matéria constitucional. Isto porquê, cada vez mais
importante seu papel no ordenamento, é preciso que se interprete a constituição a todo tempo,
como defendem, em todas esferas do poder público e até mesmo no âmbito civil. Assim, ressaltada
a importância dos elementos, princípios e métodos de interpretação constitucional, segue-se a
apresentação das notas históricas.
Apresenta-se, a princípio, dos métodos interpretativos o mais tradicional: o método da
subsunção. Analisam-se os fatos à luz da lei, enquadrando-os (facti species). Trata-se do mais
estrito formalismo; imbuído de silogismo (norma = premissa maior / fato = premissa menor /
consequência jurídica = síntese). Apesar de desejável - e inevitável - pede-se cautela.
Contexto histórico, vigorou a noção de subsunção “cega”, em especial na França, séc.
XIX, ligada ao surgimento do Cód. Napoleônico e permeada dos ideais liberal-burgueses: profunda
separação de poderes, vontade geral, segurança jurídica - Escola da Exegese. Divergem as bases
do formalismo Alemão, notadamente influenciado pela “Jurisprudência dos Conceitos”, ainda séc.
XIX. Mantinha-se a estima ao silogismo. Entretanto, fundava-se na “Ciência do Direito” a norma
legal, pela formulação de conceitos abstratos, sofisticados, vindouros da depuração do Direito
Romano. Foco no Direito Privado. Doutrina Pandectista.
Entra em queda, começo do séc. XX, a acepção estritamente formalista. Pela influência
de teorias críticas do liberalismo (subsunção estrita oculta a realidade = manutenção do status quo);
bem como do desenvolvimento das ciências sociais (ênfase à Psicologia). Entre as novas correntes,
a “Jurisprudência dos Interesses” (+ espaço para o desenvolvimento do Direito ante necessidades
sociais, sem rompimento com o positivismo); a escola do “Direito Livre” (antiformalista, postula que
a interpretação do juiz é a correta – ainda que contrária à lei); e o “realismo jurídico” estadunidense
(opondo-se à anterior valoração jurisprudencial, à época incondicional defensora do liberalismo
econômico, o realismo defendia ser a lei o que dizem os juízes = a interpretação é ato de criação
judicial, impregnado de conteúdo político).
Radicalmente antiformalistas, as correntes incorriam em vícios sob os prismas descritivo
tanto quanto prescritivo. Na primeira abordagem, por não reconhecerem a necessária separação
entre os campos jurídico e político. Na segunda por ignorarem o valoroso princípio da segurança
jurídica, da validação democrática dos atos jurisdicionais – que deriva do respeito à legislação
democraticamente elaborada. Mostraram-se, contudo, importante oposição às teorias formalistas,
atuando como a antítese em um processo dialético que gerou, como síntese, o avanço em direção
a teorias hermenêuticas mais equilibradas.2
Duas principais teorias convergem desse movimento, a de Hans Kelsen e a de Hebert
Hart. Aquele concebeu o ordenamento jurídico enquanto uma pirâmide, encontrando as normas
inferiores validade naquelas sitas no degrau superior. Para ele a norma é espécie de moldura, à
qual deverá o magistrado adequar o caso. Por isso, cria o direito à medida que aplica a lei. Hart,
por sua vez, atribui às normas “textura aberta”, decorrente da própria natureza da linguagem
humana, de tal sorte que ora sua interpretação será simples ora difícil. Estes últimos são os casos
em que o texto da norma não permite com certeza adequá-la ou não ao caso, incidindo no que
denomina “zona de penumbra”, de tal forma que resta ao juiz a tomada discricionária de decisão.
Por fim, cabe ressaltar o caráter rico e plural do debate contemporâneo, influenciado por
importantes mudanças no paradigma filosófico, a saber, a “virada kantiana” e o “giro linguístico”,
que inauguraram o marco filosófico do pós-positivismo (expressão genérica que abarca diferentes
concepções jurídicas que se opõem às correntes radicais, formalistas e antiformalistas). Entre a
diversidade de correntes vigentes, contudo, chamam atenção os autores para uma tendência de
reação do formalismo, carregado por nova fundamentação teórica, ante a hegemonia da
interpretação pós-positivista. A tal movimentação neoformalista, afastando-se o debate de ser ou
não melhor, é preciso atribuir o mérito de suscitar na comunidade jurídica a reflexão acerca dos
“riscos envolvidos nas teorias excessivamente otimistas em relação à capacidade dos intérpretes
de produzirem sempre as melhores decisões, quando se lhes concede maior amplitude para
valorações”.3

1
Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Introdução. In: HABERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos
intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. In: SOUZA
NETO, Claudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional: Teoria, história e métodos de trabalho.
2
SOUZA NETO, Claudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional: Teoria, história e métodos de trabalho.
3
Idem.

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