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Racionalismo Jurídico (jusracionalismo):

Nos séculos XVI, XVII e XVIII, surge na Europa um novo movimento do pensamento jurídico, o
Racionalismo Jurídico.
Foi uma corrente muito ampla com vários submovimentos, dos quais nos focamos em três: a
Escola de Direito Natural/Escola de Grócio/Escola Jusnaturalista, o Usus Modernus
Pandectarum, do séc. XVII que vai ter reflexo no séc. XVIII, e o Humanitarismo Jurídico, do séc.
XVIII.

Escola de Direito Natural:

Hugo Grócio foi o primeiro autor desta escola, daí o nome “Escola de Grócio”.
Esta escola vai abordar o tema do Direito Natural. Não corta por completo a tradição do
Direito Natural que vinha do Período Medieval, nomeadamente com São Tomás, que haveria a
ser continuada pela Segunda Escolástica. Mas a Escola Jusnaturalista vai tentar fazer uma
autonomização do Direito Natural enquanto uma realidade exclusivamente humana, no fundo
negando a sua natureza teológica, isto é, a origem divina direta do Direito Natural. Vai ser
defendido que esta é racional, ou seja, decorre da própria razão humana.
Porém, Grócio é um autor de transição e como tal ainda estava muito ligado às conceções da
Segunda Escolástica, mas aos poucos vai tentar criar aquela autonomia.
Nesta escola há também uma afirmação do individualismo, retomando muito as ideias de
Aristóteles, mas num sentido diferente da Primeira e Segunda Escolástica, pois nestas
prevalecia o elemento solidário, o bem da comunidade, enquanto que Grócio tem uma
postura mais individualista, defendendo que o importante é perceber como é que o Estado
pode satisfazer as necessidades individuais dos Homens. Portanto, os indivíduos são colocados
à frente da Comunidade. Mais tarde, o filão do individualismo será aproveitado por Hobbes e
Locke. Esta novidade de Grócio vai ser muito importante para a reconfiguração do Direito a
partir dos séc. XVIII e XVIII.
Dá-se também a afirmação de uma natureza do Estado enquanto natureza societária e não
comunitária. No sentido de que o Estado resulta da combinação das vontades racionais dos
indivíduos que o integram, sendo importante a vontade de cada um integrar o Estado,
aproveitando a teoria do contrato social. A soma da vontade de cada indivíduo contribui para
o estado Estado Sociedade. Grócio não nega que o indivíduo é um ser social, mas tenta levar a
cabo o recentramento do indivíduo, invés de ser na Comunidade.
O elemento central é o próprio indivíduo e é da razão de cada um deles que nasce o Direito
Natural, havendo uma independência face ao elemento teológico.
É afirmado que a razão humana pode chegar ao Direito Natural de forma direta e imediata
através da constatação de máximas que são tão fundamentais que todos chegam a elas. A
compreensão do Direito Natural desvincula-se dos pressupostos metafísico-religiosos,
introduzindo-se um direito natural racionalista.
Já Samuel Pufendorf é visto por muitos como o verdadeiro teórico do Direito Natural,
enquanto direito necessário e imutável, induzido pela razão humana. É um autor que vai
libertar por completo o Direito Canónico das suas origens teológicas. Segundo a Professora
Margarida Seixas há uma ideia implícita de que o Direito Natural existiria mesmo que Deus não
existisse.
Surgem ainda outros autores, como Christian Thomasius e Christian Wolff, que podemos
inserir num outro submovimento do Racionalismo, o Individualismo.
O Usus Modernus Pandectarum:

Ao contrário do primeiro submovimento, que é uma escola mais teórica e filosófica, este tem
uma orientação mais teórico-prática, ligada à disciplina da vida concreta.
É já da segunda metade do séc. XVII e vai ter expressão no séc. XVIII, em Portugal
especialmente na Lei da Boa Razão.
Esta corrente, traduzida para português chama-se o uso moderno das Pandectas, nome grego
dado ao Digesto, mas no fundo usava-se todo o Direito Romano Justinianeu.
Esta corrente vai recuperar muitas críticas que tinham sido formuladas pelos Humanistas,
nomeadamente dizendo que os autores medievais e muitos dos modernos não tinham as
preocupações históricas, filosóficas, filológicas, críticas, nem o cuidado de olhar para as fontes
com autonomia.
Porém, a preocupação central desta corrente não era tanto os aspetos filológicos e históricos,
mas sim a construção de um direito que fosse atual, limpo de todos os erros e arcaísmos,
adequado aos novos tempos. Ou seja, vai ser utilizado do direito romano apenas aquilo que
era determinante para regular os tempos atuais, não estudando o resto. Procura-se distinguir
o que se conservava vivo do que se tornara obsoleto, importava descobrir quais as normas
suscetíveis de “uso moderno”. Isto era feito através dos escritos de Direito Natural
Racionalista. Estes novos autores baseavam-se no trabalho já feito pelos autores racionalistas,
pois o grande foco destes (jusnaturalistas) era a descoberta do que era consentâneo entre o
Direito Romano e o Direito Natural. Há assim uma grande preocupação entre cruzar o direito
romano com os critérios do direito natural.
Podemos destacar nomes como Arnold Vinnicius e Samuel Stryk. O nome “usus modernus
pandectarum” deriva do título de uma obra de Stryk, um dos seus maiores representantes.
Através dos contributos destas duas correntes, há um cruzamento com o Iluminismo, isto é,
com ideias de cariz mais revolucionário.

Humanitarismo Jurídico:

Cruzando aquelas ideias com o Iluminismo, é possível afirmar que há no plano jurídico uma
valorização dos direitos originários, os que o Direito Natural, enquanto ordenamento, consagra
para cada indivíduo. Esta expressão vai ser muito importante para a reforma do direito.
Há uma área em que isso acontece, o Humanitarismo Jurídico. Trata-se de uma corrente que
vai surgir no séc. XVIII e que defende uma profundíssima reforma do Direito Penal e Processo
Penal. É possível salientar alguns nomes como Montesquieu, Voltaire e Beccaria. Vão defender
a supressão dos crimes de natureza religiosa; a finalidade essencialmente preventiva e não
punitiva das penas, ou seja, não para castigar mas para evitar; a ideia de reabilitação do
delinquente; a proporcionalidade entre os crimes e as penas; a eliminação das penas
corporais, penas difamantes, penas transmissíveis; a abolição da pena de morte e alguns
autores permitem apenas em caso de extremíssima gravidade; o princípio de que a lei penal
deve ser prévia, escrita, estrita e certa.
Isto tudo partindo do postulado da liberdade humana como o primeiro de todos os bens
sociais.
Estas ideias chegariam a Portugal, mas é discutido quando. Certos autores defendem que
chega tarde, pois o próprio absolutismo jurídico só chega no reinado de D. João V/D. José I.

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