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DIREITO PENAL

Contexto Penal dos Séculos XVIII e XIX e Teoria Causal Clássica


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CONTEXTO PENAL DOS SÉCULOS XVIII E XIX E TEORIA CAUSAL CLÁSSICA

O Direito Penal se divide em uma proposta anterior ao século XVIII e uma proposta pos-
terior a esse período.

DIREITO PENAL ANTERIOR AO SÉCULO XVIII

Antes do século XVIII, havia no cenário político e histórico (principalmente da Europa) um


modelo déspota de governo com Estado e Direito centrais. Os poderes se acumulavam nas
mãos dos reis – Luís XIV chegou a afirmar que ele era a França, ou seja, ele era o Estado.
Todavia, esse século também foi marcado por mudanças profundas. Na obra Vigiar e
Punir, de Michel Foucault, o autor aponta que já havia uma insatisfação popular a respeito de
determinadas sanções penais, como os suplícios (sanções que atingiam a constituição físico-
-psicológico do ser humano). No início do século XVIII, ocorriam passeatas nas ruas contra os
suplícios. No cenário político econômico, existia a burguesia, que crescia desde o século XV,
e esta estava insatisfeita com o comando monárquico.
Essa legislação penal, que se manteve presente no Regime Absolutista (Antigo Regime),
se caracterizava pela crueldade na execução das penas corporais com o escopo de vingança
social e intimidação. Dentro de modelos estatais de absoluta concentração de poderes nas
mãos do monarca, havia benefícios para a nobreza, bem como um “Direito gerador de desi-
gualdades, cheio de privilégios, heterogêneo, caótico, construído sobre um conglomerado
incontrolável de ordenações, leis arcaicas, editos reais e costumes; arbitrário e excessiva-
mente rigoroso” (PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito penal Brasileiro).
Esse período é destacado, na obra de Gregory Moura, como a primeira face da coculpa-
bilidade às avessas – isso será estudado em temas de política criminal . Segundo ele, nesse
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período as pessoas nobres tinham tratamento privilegiado quando praticavam crimes (pode-
riam resolver suas pendências com sanções pecuniárias, por exemplo). Já os não nobres era
tratados com as penas mais severas.
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DIREITO PENAL DO SÉCULO XVIII

No cenário filosófico, na segunda metade do século, havia as obras de Montesquieu,


de Locke, de David, de Rousseau (entre outros) as quais combatiam determinadas práticas
autoritárias. Logo, havia um ambiente filosófico e social propício para romper com esse modo
de governo.
No Direito Penal, quem percebeu esse cenário e aplicou bem essas mudanças foi Cesare
Bonessana, marquês de Beccaria (1738- 1794), em Dos Delitos e das Penas, publicada em
1764. Nesse livro, influenciado pelo pensamento de Montesquieu, Rosseau e outros filósofos
iluministas, Beccaria defendeu o princípio da legalidade com a criação de leis pelo legislativo;
a prevenção geral e a utilidade como características da pena; clareza, determinação e propor-
cionalidade da sanção; abolição da tortura e da pena de morte; igualdade de todos perante a
lei. Na obra Introdução ao Direito Penal Brasileiro, de Nilo Batista, o autor aponta que o prin-
cípio da legalidade faz parte da codificação do rei Dom José II, da Áustria.
Merece um destaque especial o Código Penal bávaro de 1813, conhecido por Código Penal
da Baviera, desenvolvido por Paulo Anselmo Von Feuerbach (1755- 1833), jurista alemão, que
já havia publicado a primeira obra sistemática do direito penal moderno em 1801- Tratado de
Direito penal comum vigente na Alemanha. Ele também foi o autor da teoria da coação psico-
lógica que, na sua visão, constitui o fundamento da pena, dando lugar à prevenção geral. Foi
de Feuerbach as frases, posteriormente, juntadas: nullum crimen nulla poena sine lege, não
há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.
Logo, o século XVIII apresenta um cenário de mudanças para o Direito Penal. É nesse
momento também que a pena privativa ganha importância no sentido de substituir os suplícios
medievais. As reformas iluministas (ou o período ilustrado) contribuíram, em termo de matéria
penal, para deixar a pena privativa como penalidade principal, uma vez que ela era percebida
como uma forma de humanizar o Direito Penal.

ATENÇÃO
O cenário do século XVIII é marcado por mudanças profundas no Direito Penal: uma defesa
do Direito Penal ancorado na Lei, uma defesa de um Direito Penal proporcional, de um
Direito Penal com caráter preventivo (de acordo com alguns clássicos). Portanto, rompeu-
se com o modelo de legislação penal déspota existente no regime antigo. O princípio da
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legalidade, da forma como o conhecemos hoje, surgiu nesse período. No Brasil, ele foi
estabelecido na Constituição de 1824 e depois foi repetido no Código Criminal de 1830 –
isso foi pergunta em prova oral recente do MP-BA.

É nesse período, portanto, que foi feito o lançamento das ideias de política criminal para
um novo Direito Penal liberal e individualista. Na obra de Jesus Maria da Silva Sanches, o
autor chama esse período de primeira velocidade do Direito Penal, da pena privativa aplicada
com respeito a princípios penais e garantias processuais.

ATENÇÃO
É no século XVIII que são lançadas as bases para o Direito Penal que foi sistematizado
no século XIX. Munhoz Comte postula que o princípio da legalidade do século XVIII (e
não o do rei João Sem Terra, de 1215 – aquela legalidade era para os livres, e não para a
totalidade das pessoas) era apenas uma fachada de estado de direito, que demorou a ser
concretizado de fato.

DIREITO PENAL DO SÉCULO XIX

O século XIX, por outro lado, é marcado pela sistematização do Direito Penal. Na obra
15m Introdução ao Direito Penal Brasileiro, vol. I, Nilo Batista afirma que a sistematização das teo-
rias da pena, por exemplo (teorias absolutas, que pregam retribuição, teorias relativas, que
pregam a prevenção), se deu na década de 1830. É desse século o embate entre escola clás-
sica e escola positivista no sentido criminológico.

ATENÇÃO
Não confunda Escola Clássica, que defende livre arbítrio, crime como ente jurídico, com
Teoria Causal Clássica, datada do final do século XIX, que trata da estrutura analítica do
crime. As Escolas Clássica e Positiva iniciam o embate criminológico no início do século XIX.
É necessário fazer essa diferenciação para que se evitem erros em questões de concurso.
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ESCOLA CLÁSSICA

Características da Escola Clássica são o delito como ente jurídico, uma afronta ao direito,
ou seja, “o crime é a violação do direito como exigência racional”, por isso só pode emanar
da liberdade de querer; responsabilidade penal fundada na imputabilidade moral e no livre-
-arbítrio do ser humano; o criminoso, como regra, é um ser livre com capacidade de escolher
o mal em detrimento do bem; a pena com a característica de retribuição jurídica para restabe-
lecer a ordem externa violada; método dedutivo ou lógico-abstrato; os objetos de estudo do
direito penal foram delito, pena e processo.(SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. São
Paulo: RT, 2004)
É o livre arbítrio defendido pela Escola Clássica que sustenta a culpabilidade do finalismo.
Atualmente, muitas vezes ele é mitigado por ideias de coculpabilidade e por neurociência. O
ser humano é livre para fazer ou não fazer; se ele tinha a possibilidade de cometer um crime,
dele é exigível outra conduta.
Todas essas características listadas acima estão relacionadas à criminologia tradicional,
mas hoje há criminologia crítica, relacionada à psicologia, à biologia, ao cinema etc.

ESCOLA POSITIVISTA

Com influência dos estudos biológicos e sociológicos do período histórico, surgiu a escola
positivista, a qual pode ser dividida em três fases:
a. antropológica: representada por Lombroso com sua obra “O Homem Delinquente” de
1876 – o autor constatou que é possível demonstrar a ideia de um criminoso nato, de
acordo com características anatômicas do ser humano.
b. sociológica: Enrico Ferri com a obra Sociologia Criminal de 1892. O autor postulou que
não existe somente o criminoso nato, mas também o sociológico, que age de acordo
com a ocasião (assim como Lombroso, Ferri possuía visão determinista).
c. jurídica: com Rafael Garofalo (Criminologia, 1885). Garofalo é responsável por impor-
tantes contribuições na área da infância e juventude e do livramento condicional.
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Outra contribuição da escola positivista foi a ideia de medida de segurança, segundo a
qual o ser humano deve receber tratamento e pena (sistema do duplo binário). No Brasil, esse
sistema existiu até 1984, quando foi substituído pelo sistema vicariante. Hoje não é possível
aplicar pena e medida de segurança ao mesmo tempo .
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ATENÇÃO
A escola Positivista não trabalhou com a ideia de livre arbítrio.

DIREITO PENAL DO SÉCULO XIX

Método e Conhecimento
O embate criminológico, no século XIX, da Escola Clássica e da Escola Positivista é muito
importante para o estudo da criminologia e para o Direito Penal dogmático. A teoria que come-
çou a estudar o crime como fato típico, ilícito e culpável foi, primeiro, a Teoria Causal Clássica
(sistema naturalista). Ela é datada do final do século XIX e foi influenciada, em sua base, pelo
contexto filosófico vigente na época.
“O cenário do século XIX foi marcado pela revolução industrial, pela continuidade das
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reformas liberais do final do século XVIII, a mudança do jusnaturalismo religioso para o jusna-
turalismo racional, uma mudança do Estado religioso, teocêntrico, para o Estado laico, uma
separação entre Igreja e Estado. Destaca-se, nesse período, a valorização do conhecimento
que pudesse contribuir com a revolução industrial. A ciência natural era o modelo de ciência
que interessava à produção, aos interesses de caráter econômico, por exemplo: química,
física, matemática, biologia. Não havia um interesse dos industriais, detentores das riquezas,
para o estudo da filosofia, sociologia e antropologia, que pudesse contribuir para o enrique-
cimento da consciência das pessoas para a vida em sociedade”. (GOMES FILHO, Derme-
val Farias. Dogmática Penal: fundamento e limite à construção da jurisprudência penal no
Supremo Tribunal Federal. Salvador: Juspodivm, 2019).
Qualquer produção de conhecimento nesse período tinha de ser alicerçada numa plata-
forma positivista de causa e efeito. Não era possível construir conhecimento com uma pers-
pectiva apenas subjetiva. O Direito Penal da segunda metade do século XIX é marcado pela
influência das ciências do seu tempo. Na época, era preciso observar o objeto de estudo,
decompô-lo em partes e depois juntá-las para demonstrar a verdade. É por isso que o crime
foi dividido em três partes: tipicidade, ilicitude e culpabilidade.
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Teoria Causal Clássica


“O sistema naturalista, também chamado sistema clássico do delito, foi construído sob a
influência do positivismo, para o qual a ciência é somente aquilo que se pode apreender atra-
vés dos sentidos” (GRECO, Luís. Introdução à dogmática funcionalista do delito. Revista Bra-
sileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 8, n. 32, p. 120-163, 2000. p. 122).
Releva anotar, para melhor identificação do modelo de interpretação da teoria causal clás-
sica, a sua base filosófica estruturada no positivismo reinante do século XIX. Nesse período,
a influência da Escola Positiva foi marcante na produção do conhecimento, de modo que, nas
ciências naturais, os fenômenos científicos eram explicados através de regras de observação
empírica da realidade. “A própria sociedade foi concebida como um organismo constituído de
partes integradas e coesas que funcionavam harmonicamente, segundo um modelo físico ou
mecânico” (COSTA, Maria Cristina Castilho. Sociologia: introdução à Ciência da Sociedade.
São Paulo: Moderna, 1987. p. 43). Esse método foi utilizado na sistematização do Direito
Penal do período causal, como também nas demais ciências humanas do período histórico
(GOMES FILHO, Dermeval Farias. Dogmática Penal: fundamento e limite à construção da
jurisprudência penal no Supremo Tribunal Federal. Salvador: Juspodivm, 2019).
O método positivista das ciências naturais, de decomposição dos elementos para o conhe-
cimento do todo, influenciou o desenvolvimento da estrutura classificatória e analítica do crime
em tipicidade, ilicitude e culpabilidade no final do século XIX e início do século XX. Desse
modo, o conceito de crime foi dividido em partes com o objetivo de conhecimento do todo,
enquanto a análise dos elementos oriundos do todo – e agora conjugados – permitiu a conclu-
são de que existe um fato criminoso que deverá ser imputado e gerar consequências penais
(GOMES FILHO, Dermeval Farias. Dogmática Penal: fundamento e limite à construção da
jurisprudência penal no Supremo Tribunal Federal. Salvador: Juspodivm, 2019).
A Teoria Causal Clássica, portanto, dependia de uma visão naturalística de causa e efeito,
não havia possibilidade de construção de soluções valorativas. Não era possíve, portanto,
falar em tipicidade material, porque esta depende de juízo de valor, de analisar grau de ofensa
do bem jurídico.

Teoria Causal Clássica (sistema naturalista)


Expoentes: Von Liszt e Beling
Base filosófica- positivismo
Ação: movimento corporal voluntário que muda o mundo exterior
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Tipicidade: formal
Ilicitude: formal
Injusto (tipicidade + ilicitude) objetivo
Culpabilidade: liame subjetivo que liga o agente ao fato por ele praticado (teoria psico-
lógica pura)
Elementos da culpabilidade: dolo/culpa.
Pressuposto da culpabilidade: imputabilidade
Outras observações: dolo normativo (maioria): formado por vontade; consciência do resul-
tado e consciência da ilicitude.
Tipicidade e ilicitude constituem a parte objetiva do crime; culpabilidade constitui a parte
subjetiva do crime.
Crítica: sistema fechado sem possibilidade de análise valorativa (falácia naturalista)

�Este material foi elaborado pela equipe pedagógica do Gran Cursos Online, de acordo com a aula
preparada e ministrada pelo professor Dermeval Farias Gomes Filho.
A presente degravação tem como objetivo auxiliar no acompanhamento e na revisão do conteúdo
ministrado na videoaula. Não recomendamos a substituição do estudo em vídeo pela leitura exclu-
siva deste material.
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